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Presente e Futuro – Os Horizontes à Vista e os Distantes
Ivo Pedrosa
Vivemos um período em que estamos diante de inúmeras tarefas: as relacionadas com o esforço redobrado para a mudança, em outubro deste ano, dos detentores de poder nos Executivos e Legislativos federais e estaduais e as referentes à reconstrução do ambiente viável para o convívio social e das instituições democráticas.
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Além da imprescindível e permanente luta pelas mudanças na esfera de atuação de cada cidadão, as eleições de outubro são o primeiro horizonte de destaque à vista. Não será tarefa fácil, mas é inadiável. Os 25 a 30% da população com direito a votar que, em pesquisas de opinião, se mantêm favoráveis à extensão do regime fascista exigem, dos engajados na transformação do país, além do esforço de planejar e começar as tarefas da reconstrução, o de enfrentar as ameaças, as provocações e mesmo a violência dos que se sentem próximos do momento de serem retirados do poder.
Os problemas graves e imediatos
a enfrentar - É do conhecimento de todos e de discussão diária o conjunto de problemas graves e imediatos a enfrentar, passíveis de serem expressos em uma ou poucas palavras singulares. Alguns exemplos de elevado destaque: a fome; o desemprego; a falta de renda ou de transferências públicas, ou a maior redução do poder de compra delas com a alta da inflação; e a carência aguda de habitação. A este primeiro grupo de problemas, somam-se outros, e tornam-se evidentes suas interdependências ou sua combinação de políticas.
Essa questão de superposições de políticas fica bem clara na entrevista de Esther Dweck a Breno Altman, conforme reportagem de Camila Alvarenga, do Portal Opera Mundi, publicada no site Brasil 247 (https://www.brasil247.com/entrevistas/ esther-dweck-reindustrializacao-depende-da-intervencao-do-estado). Veja-se, por exemplo, a passagem: “Por isso, falo do setor de saúde, que é uma demanda enorme da população e precisa da indústria, já que hoje importa equipamentos, fármacos e uma série de outras coisas. O Brasil tem potencial para atender à demanda da população de um serviço de saúde pública de qualidade por meio da industrialização, pode combinar demandas”. Continua a entrevistada, segundo a reportagem: “O Estado é quem deve capitanear esse projeto [...] mesmo que crie políticas que estimulem ou atraiam o capital privado. A economista citou algumas das medidas necessárias para que o governo possa financiar a reindustrialização do país”.
Caráter das medidas macroeconômicas para enfrentamento dessas de-
mandas - Ao se abordar o enfrentamento das inúmeras demandas relativas, fundamentalmente, às carências decorrentes do nível do emprego e da renda, cabe considerar rapidamente o caráter macroeconômico do enfrentamento dessas demandas. Qualquer sociedade considera o ideal que a atividade econômica – produção de bens e serviços e sua distribuição menos desigual entre as diferentes classes sociais – apresente uma tendência de crescimento, com pleno emprego, nível mínimo de inflação e com a propriedade de reduzir, gradativamente, as desigualdades existentes, seja de riqueza, seja de renda. Nem aponto, no momento, a questão mais complexa da propriedade coletiva dos meios de produção e a consequente abolição da exploração do trabalho alheio.
É complexo, como se pode acompanhar nos noticiários e nos debates, o conjunto de políticas econômicas necessárias para implementar medidas voltadas para o alcance desse ideal. A complexidade se deve, sobretudo, ao embate de interesses em jogo, principalmente resultantes da luta de classes, que toda sociedade enfrenta.
As teorias econômicas, embora aceitando o caráter intrinsecamente instável do capitalismo, divergem quanto à explicação dessas instabilidades e das interações das diferentes políticas, consequentemente sobre as políticas a implementar em determinados períodos. Por exemplo: numa conjuntura de estagnação do nível da produção social (costumeiramente referida como o PIB – Produto Interno Bruto), principalmente com os impactos sobre o agravamento da miséria, pergunta-se: faz sentido se defender, como é próprio das correntes neoliberais, uma adesão irracional ao “equilíbrio fiscal”, cuidando-se apenas dos interesses dos detentores de capital; em especial, dos rentistas do capital financeiro? Ou se deve ampliar os gastos de modo a ocupar as capacidades ociosas da sociedade, gerando-se mais produção e recursos públicos, seja para o orçamento “fiscal” (receitas e gastos para a prestação dos vários serviços públicos), seja para o orçamento “da previdência e assistência social”?
A perspectiva dos direitos sociais
- No quadro a seguir, buscou-se trazer para marco dessas reflexões os “direitos sociais”, tais como estão no artigo 6º da Constituição da República.
É importante chamar a atenção para o que foi acrescentado (com ênfase em negrito) na segunda coluna – três direitos sociais que não constavam na Constituição até setembro de 2015: alimentação, moradia e transporte, tendo sido adicionados pela Emenda à Constituição nº 90/2015. Destaque-se também que, no exame de todos os direitos, mas, sobretudo, à alimentação, ressalta a urgente distinção entre as tarefas do presente e do horizonte à vista, daquelas do futuro ou dos horizontes próximos e invisíveis de tão distantes.
Quais foram os recursos disponíveis no Orçamento Federal e suas destinações em 2020 e 2021?
Examinando-se a execução do orçamento no âmbito do Governo Federal (“Resultado do Tesouro Nacional”, Boletim, vol. 27, n. 12, 28/01/2022; páginas 6 e 7), a comparação dos resultados gerais, nos anos de 2020 e 2021, impressiona. Vejam-se alguns destaques. a) Descontada a inflação com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a receita total aumentou 21,6%, e a despesa foi reduzida em 23,6%! Pergunta-se: como a sociedade, na situação de fome, causada, entre outros fatores, pelo desemprego e pela falta de programas assistenciais à altura das calamidades, poderia entender isso, mesmo que fosse minimamente informado e explicado? b) Em números absolutos, os valores são: a receita cresceu de R$ 1,5 para 1,9 trilhão; a despesa decresceu de R$ 1,9 para 1,6 trilhão! Ao serem detalhados esses números, mais
surpresas desinteressantes provocam os dados da Secretaria do Tesouro Nacional. a) A receita de tributos (impostos, taxas e contribuições, inclusive as previdenciárias) alcançou, nos dois anos, respectivamente, R$ 900 bilhões e 1,2 trilhão, uma variação de 23%, se descontada a inflação. b) Dentre as “receitas não administradas pela Receita Federal do Brasil”, o estudo destaca o crescimento, descontada a inflação, de 501% em Dividendos e Participações, “aumento explicado principalmente pelo recebimento de dividendos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mais de R$ 14 bilhões pelo aumento real nos dividendos pagos pela Petrobras (+ R$ 19,8 bilhões) e pela Caixa Econômica Federal (+ R$ 1,8 bilhão). Considerando-se a Caixa e o BNDES, ambos de propriedade exclusiva da União, aumento de pagamento dividendos ao Tesouro, em vez de capitalização, representa, de algum modo, menos destinação de recursos para as finalidades das entidades, como a de fomento financeiro público, destinado ao investimento e com longo prazo para pagamento. c) Chama a atenção no item “demais receitas não administradas pela Receita Federal do Brasil” a “devolução de R$ 6,6 bilhões relativa ao Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte)”, certamente esperados pelas empresas diante da situação de estagnação do volume do PIB. d) No âmbito das despesas, merecem destaque as reduções, em valores descontados da inflação, nos itens de Benefícios Previdenciários (R$ 9,8 bilhões, ou 1,3% de redução); Despesas com Pessoal e Encargos Sociais (R$ 19,6 bilhões, ou 5,4% de redução); Abono e Seguro Desemprego (R$ 19,2 bilhões, ou 28,3% de redução); Apoio Financeiro a Estados e Municípios (R$ 89,4 bilhões, ou redução de 100%); “Créditos Extraordinários (exceto PAC)” e “Subsídios, Subvenções e Proagro” apresentaram redução total de R$ 382,8 bilhões em termos reais e ambos os grupos se referem a “despesas às medidas de combate à Covid-19 [...] e enfrentamento das consequências econômicas e sociais decorrentes do estado de emergência causado pela pandemia do Coronavírus coronavírus (Covid-19). No caso da redução das Despesas com Pessoal e Encargos Sociais, o documento do Tesouro explicita: “redução real influenciada pela ausência de reajustes salariais aos servidores públicos”. f) No caso do Abono e Seguro Desemprego (R$ 19,2 bilhões, ou redução real de 28,3%), o estudo registra, entre os fatores, “postergação dos pagamentos de abono salarial do 2º semestre de 2021 para o ano de 2022”.
Vê-se, desse modo, que a gestão dos recursos federais privilegiou a geração do superávit primário, para atender aos interesses com pagamento de juros e dividendos aos investidores; sobretudo, os estrangeiros.
Sabemos que, numa economia capitalista, as decisões de investir, motivadas pelos lucros buscados, dependem de boas expectativas de crescimento dos mercados, que, por sua vez, estão vinculados ao clima esperado para a operação dos negócios. A governabilidade abrangerá não somente as decisões de investimentos públicos e apoios aos privados, mas também a garantia de condições para a implantação e o bom andamento dos projetos.
Ivo Vasconcelos Pedrosa possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Pernambuco (1971) e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas, São Paulo (1991). É professor e pesquisador aposentado pela Universidade de Pernambuco (UPE). E-mail: ivovpedrosa@gmail.com