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Escritores de livros-reportagem estabelecem contato direto com leitores
Por Alexandre Zarate Maciel
Escritores de livros-reportagem estabelecem contato direto com leitores
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Durante as entrevistas que fez para a sua tese de doutorado com jornalistas escritores de livros-reportagem intitulada “Narradores do Contemporâneo” (2018), o autor desta coluna percebeu a importância de uma relação mais direta dos autores com os leitores dessas obras. Esse fenômeno se dá, principalmente, devido ao fato desses repórteres, ao assinarem um livro, não estarem representando um órgão de imprensa, mas, sim, exercitando um trabalho mais autônomo. Na condição de autor de obras de expressiva vendagem, como 1808 e Escravidão, o jornalista e escritor Laurentino Gomes avalia que o livro-reportagem brasileiro perpassa um espectro amplo da sociedade, tanto em termos de renda, classe social ou preferências políticas. “Eu já recebi comentários de governadores, de presidentes de banco, de empregada doméstica, de estudante, de tudo o que você pode imaginar.” Para atender a esse leitor tão complexo de estratificar, é preciso “pesquisar muito, mas, na hora de escrever, ser muito simples e didático”, explicando todos os detalhes e não supondo que o leitor saiba alguma coisa, como brinca o escritor: “É como se você desse papinha na boca do leitor, assim. Ele é um bebê, você tem que ser muito generoso. Daí o leitor fica muito grato”. Fernando Morais é outro jornalista escritor que estabelece contato constante com os seus leitores, pois viaja bastante pelo Brasil e mantém uma página no Facebook com mais de 80 mil seguidores. Ele comenta um caso envolvendo uma de suas obras mais expressivas, Olga. Embora os leitores tenham absoluta consciência de que se trata de uma obra de não ficção, muitos já confessaram ao autor que quando liam o trecho do livro na qual Olga Benário está retornando à Alemanha, deportada para o campo de concentração onde morreria, eles tinham a sensação de que o escritor preparava uma surpresa e que relataria, em seguida, o seu resgate. “Não tem nada, nada, nada que dê à pessoa o direito de supor, sabe? Mas cria uma esperança de que a história vá mudar, mas é um livro de não ficção. A Capitu, os seus tataranetos vão discutir se ela corneou o Bentinho, mas o livro de não ficção...”, brinca Fernando Morais.
Contato com os leitores se dá tanto na internet quanto por vias presenciais
O contato com os leitores via redes sociais é uma forma de aproximação, mas as palestras em universidades, a convite dos cursos mais diversos, também são ocasiões ideais para os jornalistas encontrarem quem os lê. Daniela Arbex conta que recebeu via Instagram mensagem de um leitor de Holocausto brasileiro emocionado com o resgate de sua origem nas páginas do livro, já que sua mãe, rejeitada pelo marido, o seu pai, adentrou o hospício grávida dele. A escritora lembra-se de casos em que leitores confessaram a escolha de uma carreira, um curso universitário, como psiquiatria ou jornalismo, a partir da leitura da obra. Como
forma de apreço, Daniela Arbex tenta responder a todas as mensagens, para surpresa dos leitores. Na opinião do biógrafo Ruy Castro, trata-se de uma via de mão dupla: “Não só o leitor fica grato ao autor que lhe dá atenção, como eu me sinto na obrigação de ser grato a esse leitor. Eu aprendi uma vez: Frank Sinatra nunca deu um autógrafo na vida em que ele não dissesse um muito obrigado”. Leonencio Nossa, por sua vez, menciona vários leitores que se encontram com ele e recordam de livros mais antigos, como Homens invisíveis, sobre indígenas desconhecidos da Amazônia, e conversam como “se o livro tivesse sido lançado ontem”, um sinal da perenidade desse produto jornalístico. Ele também faz questão de distribuir seu livro entre pessoas mais simples, como habitantes da região do Araguaia, que compõem a matéria-prima de outra obra, Mata!: “Eles leem, mas não têm uma visão crítica em relação ao que está escrito. Pensam: ‘Poxa, minha história está aqui’. Mas eu tenho dificuldades de entender o que eles acharam. Para eles é como se o fundamental é que fosse representado”.
Leitores percebem a diferença do trabalho mais autoral do escritor
Apesar de a base do seu trabalho jornalístico ser a televisão, Caco Barcellos considera que começou a se dar conta de que as pessoas se atentavam para o seu estilo quando se tornou escritor de livros-reportagem. “Antes estava na rua e as pessoas falavam: ‘Ah, repórter do Jornal Nacional’. Mas aí, de repente, começaram a falar dos livros. Daí é outra pegada. Quer parar, quer conversar: ‘Como é que foi aquela história lá? Me conta melhor...”’ Visitando a Bienal do Livro de São Paulo certa ocasião, um leitor esbarrou em Caco Barcellos e contou que é sobrinho de um dos policiais denunciados no livro Rota 66 pela morte de inocentes: “Ele disse: ‘Você escreveu o livro e todo mundo da família não podia falar do seu nome. Todo mundo ficava enlouquecido. Agora, eu preciso te dizer: você escreveu só 5% do que o meu tio fez’”. Pioneira na escrita de um livro-reportagem infantil no Brasil, Malala: a menina que queria ir para a escola, Adriana Carranca, apesar de lamentar que se leia pouco no país, fica encantada com a recepção da obra entre as crianças, uma maneira de formar futuros leitores para a não ficção. Ela se impressionou com um evento que fez para crianças na Cracolândia, de São Paulo: “Tem uma praça ali, eles ficam na rua. E nós fomos na praça. E na hora que eu saí, as crianças se misturaram ali de novo. E então você via aquele cinza da Cracolândia, que eles ficam com o capuz, não é? E você vê os coloridos do livro, aquilo me pareceu flores”. Mesmo sem pedir para que nenhuma criança lesse o livro, o fascínio foi natural entre os meninos e meninas, que não tinham o hábito de ler, mas ficaram “grudados” na leitura. Reações díspares, às vezes totalmente diferentes, despertadas pelo mesmo livro, chamam a atenção de Lira Neto. Por ocasião do lançamento da trilogia Getúlio, o autor diz ter lido em um blog que o livro era “profundamente getulista” e, em outro, que a obra era “tucana, udenista”. Um site evangélico também garantia que Lira Neto tinha sido “regiamente recompensado por Roma” pelo livro Padre Cícero, já que seu texto teria “canonizado” o personagem. Foi justamente o oposto do que interpretou um articulista de um jornal de Juazeiro do Norte, que o acusou de ter “ofendido” a memória histórica do líder religioso. “Você não tem controle sobre a recepção. Por mais que você escreva pensando nela e tentando criar essas pontes, você nunca tem o controle absoluto sobre o resultado final.” Fica patente, pelas respostas, que um desafio para os futuros pesquisadores de livros-reportagem no Brasil é justamente organizar uma ampla pesquisa qualitativa, com grupos focais de leitores, por exemplo, que fossem os mais diversificados possíveis.
Referências
ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. São Paulo: Geração Editorial, 2013.
CARRANCA, Adriana. Malala: a menina que queria ir para a escola. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2015.
GOMES, Laurentino. 1808. São Paulo: Planeta, 2007.
MACIEL, A. Z. Narradores do contemporâneo: jornalistas escritores e o livro-reportagem no Brasil. 2018. 209 f. Tese (Comu-
nicação) - Centro de Artes e Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. MORAIS, Fernando. Olga. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. NETO, Lira. Getúlio (1882-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
________. Padre Cícero. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
NOSSA, Leonencio. Mata! São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
________. Homens Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, e doutor em Comunicação pela UFPE, Alexandre Zarate Maciel, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, seus principais autores, títulos e a visão do leitor.