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Habermas, Castells e uma nova perspectiva mar- xista do jornalismo

Habermas, Castells e Uma Nova Perspectiva Marxista do Jornalismo

Marya Edwarda Lapenda

Conforme observação de Jürgen Habermas (1997), a sociologia da comunicação de massa criou uma clássica e difusa imagem da esfera pública submetida ao poder e à dominação dos meios de comunicação, estimulando um ceticismo em relação às possibilidades de a sociedade civil participar do processo político ativamente, mesmo que em condições adversas. A primeira geração da Escola de Frankfurt, influenciada pelo marxismo, consolidou a crítica às manipulações ideológicas empreendidas pela mídia na sociedade capitalista. No Brasil, Ciro Marcondes Filho, bastante influenciado pelas clássicas ideias iniciais de Frankfurt, defendeu a ideia de que o jornalismo é essencialmente a expressão dos detentores do poder econômico no modo de produção capitalista.

Para Marcondes Filho, a notícia se apresenta como espetáculo e as empresas não têm interesse em ressaltar conflitos e questionamentos a partir dos “fatos”. O foco da crítica de Marcondes Filho, contudo, não é precisamente em relação à pretensão jornalística da objetividade e a dissimulação de um discurso realista, mas precisamente à transformação da informação em mercadoria e a “subordinação do seu valor de uso pelo valor de troca, conforme teorizada por Marx” (RUDIGER, 2021, p. 103). Dessa forma, os meios de comunicação se tornam meios de padronização das consciências:

“As condições históricas mais amplas em que ocorre esse processo determinaram, não obstante, que as forças comunicativas tecnologicamente desenvolvidas, em vez de promoverem a reflexão emancipatória, acabassem se transformando em meios de padronização da consciência. [...] O controle privado dos novos meios transformou-se em fonte geradora de falsa consciência, na medida em que, através deles, pode-se excluir, censurar ou neutralizar a visibilidade e reflexão públicas de certas coisas, pode-se, em outros termos, bloquear o processo de comunicação” (RUDIGER, 2011, p. 90).

Embora procedente, esse pensamento incorre em certo pessimismo quando deixa de vislumbrar, em situações de crise, a possibilidade da mudança social ao negligenciar a capacidade de um público bem informado e ciente da ética reguladora que permeia a comunicação cobrar, prescrever e, efetivamente, estabelecer o papel do jornalismo numa sociedade democrática. A autoridade do público e a deontologia jornalística, portanto, são fatores de pressão externa e interna à atividade dentro das empresas capitalistas de comunicação. As ideias latentes de que, para se manter no poder, os grupos hegemônicos dependem, em última instância, da aceitação da sociedade civil, correspondem à contingência de que os meios de comunicação de massa numa sociedade democrática devem servir como instrumento de esclarecimento do público, o que limita o poder de influência da classe dominante sobre a esfera pública.

Sem abdicar da crítica da primeira geração da Escola de Frankfurt, Habermas (1997) pondera que, mesmo em esferas públicas políticas mais ou menos absorvidas pelo poder, as relações de forças se modificam quando problemas sociais levam a uma tomada de consciência de crise na periferia. Sendo assim:

“Pode-se dizer que, à medida que um mundo da vida racionalizado favorece a formação de uma esfera pública liberal com forte apoio numa sociedade civil, a autoridade do público que toma posição se fortalece no decorrer das controvérsias públicas. Pois, em casos de mobilização devido a uma crise, a comunicação pública informal se movimenta, nessas condições, em trilhos que, de um lado, impedem a concentração de massas doutrinadas, seduzíveis populisticamente e, de outro lado, reconduzem os potenciais críticos dispersos de um público que não está mais unido a não ser pelos laços abstratos da mídia - e o auxiliam a exercer uma influência político-publicitária sobre a formação institucionalizada da opinião e da vontade” (HABERMAS, 1997, p. 116).

Quando Habermas escreveu esse trecho não havia um contexto fortemente marcado pela comunicação em redes online, nem canais que permitissem uma influência tão direta do público nas discussões, temas, opiniões e debates levantados na esfera pública política. No entanto, podemos pensar suas propostas à luz do que Manuel Castells (2013) chama de transformação do mundo na sociedade em rede. Atualmente, a esfera pública ganha contornos cada vez maiores com a atuação de movimentos sociais empreendidos por sujeitos que integram a sociedade civil e que têm na internet o principal canal de mobilização e reivindicação de direitos sociais e reparação de injustiças.

No suscitar de uma consciência de crise na periferia, ou na tomada de consciência dos problemas e injustiças sociais por parte dos sujeitos, a sociedade civil tem

novos instrumentos de encenação das suas demandas, para que estas ganhem notoriedade nas mídias tradicionais. O modelo da iniciativa externa proposto por Cobb, Ross e Ross (1976) e analisado por Habermas (1997) se assemelha bastante à dinâmica da comunicação com o empoderamento do público nas redes sociais.

“O modelo de iniciativa externa aplica-se à situação na qual um grupo que se encontra fora da estrutura governamental: 1) articula uma demanda, 2) tenta propagar em outros grupos da população o interesse nessa questão, a fim de ganhar espaço na agenda pública, o que permite 3) uma pressão suficiente nos que têm poder de decisão, obrigando-os a inscrever a matéria na agenda formal, para que seja tratada seriamente” (HABERMAS, 1997, p. 114).

Os canais de comunicação não são mais unidirecionais e as estruturas normativas da sociedade são cada vez mais estabelecidas intersubjetivamente. É por meio de um processo de ação comunicativa que as mudanças coletivas ocorrem, atualmente, em escala global e poderosa nas redes de comunicação online. Podemos pensar, inclusive, uma nova teoria marxista do jornalismo que leve em consideração o novo contexto marcado pelo que Castells (2013) chama de autocomunicação de massa, baseada em redes horizontais de comunicação multidirecional e interativa, e que permite a emergência de movimentos que propõem e praticam a democracia deliberativa baseada na democracia em rede. Uma democracia no estilo habermasiano.

“Quando as sociedades falham na administração de suas crises estruturais pelas instituições existentes, a mudança só pode ocorrer fora do sistema, mediante a transformação das relações de poder, que começa na mente das pessoas e se desenvolve em forma de redes construídas pelos projetos dos novos atores que constituem a si mesmos como sujeitos da nova história em processo. A internet que, como todas as tecnologias, encarna a cultura material, é uma plataforma privilegiada para a construção social da autonomia” (CASTELLS, 2013, p. 134).

O modelo de democracia deliberativa habermasiano está fundado na teoria do discurso, nos processos comunicativos que influenciam as tomadas de decisões. É por meio da comunicação horizontal, inclusiva, democrática, que se busca uma vontade comum, um auto-entendimento mútuo de caráter ético, a busca pelo equilíbrio entre interesses divergentes e o estabelecimento de acordos. O modelo deliberativo se desloca da noção de direitos universais abstratos do homem para a construção dos direitos por meio de uma estrutura de comunicação linguística que normatiza regras argumentativas e discursivas (HABERMAS, 2002).

Temos um cenário em que movimentos com capacidade viral rompem a comunicação unidirecional e pautam os meios de comunicação tradicionais de baixo para cima, fazendo uso de ferramentas que podem contribuir para a construção de um modelo de sociedade menos suscetível à imposição autoritária da classe política dominante. Não ignoramos, contudo, as diversas manipulações informativas que podem ocorrer nesses ambientes online, como temos visto nos últimos anos, sendo empreendidas por líderes autoritários que espalham desinformação e negacionismo. No entanto, é necessário não perder a esperança, para que o debate em torno da comunicação se concentre nas possibilidades de rompimento com a ordem hegemônica e não na crítica reducionista e pessimista que permeia as teorias do jornalismo.

Referências

CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002 HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, volume II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. RÜDIGER, Francisco. As teorias da comunicação. Porto Alegre: Penso, 2011. RÜDIGER, Francisco. As teorias do jornalismo no Brasil. Florianópolis: Editora Insular, 2021.

Marya Edwarda Lapenda é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM/UFPE).

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