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Chimamanda Ngozi Adichie e os desloca- mentos identitários

Chimamanda Ngozi Adichie e os Deslocamentos Identitários

Mônica de Lourdes Neves Santana

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Aescritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, nascida em 1977, vem influenciando e atraindo uma nova geração de leitores de literatura africana. Proeminente nas mídias sociais e com grande influência, ela se tornou uma representante da África, explorando vidas que foram interrompidas pelo colonialismo. Com um discurso que aborda, de forma corajosa e inteligente, questões sobre o feminismo africano, religião, política e tolerância, ganhou espaço no mundo literário sendo aclamada pela crítica.

Entre todas as suas propostas literárias, algo nos chama atenção: as palavras proferidas no seu discurso no TEDGlobal, em julho de 2009, em Oxford, na Inglaterra: “Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de contar a vocês algumas histórias pessoais sobre o que eu gosto de chamar de ‘o perigo de uma história única” (ADICHIE, 2009). Essas palavras dão voz a uma pluralidade de identidades que não devem e não podem ser analisadas a partir de uma perspectiva homogeneizada e engessada. Nesse contexto, o problema dos estereótipos é que eles são incompletos, e espalhados pelo mundo sobre a África ou outros lugares. Entendo também que a leitura detalhada de Adichie é um momento de descobertas das verdades desmistificadas sobre as mulheres africanas, representadas como seres sexuais para o casamento e maternidade.

Vivemos em uma sociedade em que, por muitos anos, ouvimos histórias únicas narradas pelo homem ocidental branco, e rotuladas como verdadeiras e definitivas. Essas histórias apresentam em seus conteúdos conflitos culturais, raciais contra as minorias que sejam os escravos, os índios, as mulheres, com o propósito de descredibilizá-los enquanto se privilegia a branquitude.

É o que observamos em Americanah (2013). Ao discutir as políticas de imigração americana, Adichie nos mostra que, para ser americano, é preciso ser branco. “Eu sou de um país onde a raça não é problema; eu não pensava em mim mesma como negra e só me tornei quando vim para os Estados Unidos” (ADICHIE, 2014, p. 215).

Ao refletir sobre o contexto de deslocamento de Adichie, estando fora do seu lugar, entre Estados Unidos e Nigéria, nos lembramos de Edward Said, que também apresentou uma formação de hibridez, uma areia movediça, um corpo em deslocamento. Talvez essa experiência de deslocamento a ajudou a ter uma visão diferente sobre a sociedade e a trazer a mulher para o foco.

Quanto às personagens da obra, elas nos levam a pensar sobre questões que compõem a identidade enquanto pertencentes a uma determinada nação. Ao discorrer sobre os preconceitos, observamos que a obra é produzida em um cenário de hegemonia única estadunidense. Isso torna as relações mais desiguais em favor da absoluta riqueza de uns e pobreza dos demais (BONNICI, 2006, p. 23).

Analisarei brevemente, a identidade da imigrante feminina negra que surge como alternativa à visão limitada da identidade do outro, retratando as dificuldades que os imigrantes africanos sentem na pele. Sobre isso, segundo Kofas (2016), após aprovação da lei de imigração de 1965, a população americana viu no imigrante uma ameaça à América do Norte e aos seus valores.

Para Amonyeze (2007), a obra Americanah analisa raça e identidade de forma a humanizar a história do imigrante, desafiando a percepção negativa do imigrante africano, questionando as normas ocidentais com seu discurso hegemônico, destacando a necessidade de que as pessoas marginalizadas escrevam suas histórias.

Vejamos a personagem Ifemelu, que sai da Nigéria e vai aos Estados Unidos estudar devido aos conflitos de um regime militar nos anos 1990. Em busca de melhores condições de vida, conhece, nos Estados Unidos, as dificuldades e desigualdades que constituem o país em conflito identitário, racial. Adichie traz à luz duas personagens: Ifemelu, que partiu da Nigéria e, longe dos

familiares, reconstrói sua identidade e enfrenta a questão racial; e seu namorado, Obinze, também sonha com melhores chances em um país de primeiro mundo, Inglaterra, mas tem sua cultura e existência negadas pelo abandono de uma nação em que não encontra eco para sua voz.

A narrativa adichiana denuncia as tentativas de apagamento da cultura africana bem como de sua história de frustrações e impedimentos. Ifemelu tem dificuldades para conseguir emprego por ser negra, africana e imigrante. A personagem reflete problemas de identidade em sua relação de empoderamento com seu cabelo. Ela viu a mãe mudar de religião e queimar o cabelo junto com objetos religiosos da antiga religião. Ifemelu adorava o cabelo preto de sua mãe. A própria Ifemelu corta todo o seu cabelo, usando-o curto porque acredita que cabelo alisado ofendia a Deus.

Ao chegar aos Estados Unidos, Ifemelu é obrigada a desfazer as tranças e alisar o cabelo para conseguir uma vaga no emprego. “Ninguém fala nessas coisas, mas elas importam. A gente quer que você consiga esse emprego” (ADICHIE, 2014, p. 220). Além de tudo, ainda existe a questão do sotaque, que deve ser suprimido e para adotar a pronúncia americana do inglês. Ifemelu questiona se, nos Estados Unidos, não há médicas com tranças, e a tia responde: “Você está num país que não é o seu. Faz o que precisa fazer se quiser ser bem-sucedido” (ADICHIE, 2014, p. 130-131).

Há de se levar em conta que essa tentativa de mudança de cabelo, e de imitação do jeito de ser do homem branco, tem como objetivo a busca pela aceitação, o desejo de deixar o lugar de inferiorizado, de fronteira, de colonizado desde o nascimento e participar da etnia branca. Algo que nunca irá acontecer. Segundo Anzaldúa (2000), reconhecida pelas contribuições para teorias feministas, a cultura dos países de terceiro mundo foi construída pela elite branca hegemônica, que construiu o discurso da história única e autoritária.

Essa subalternidade nos lembra a autora Spivak no artigo Pode o subalterno falar? em que ela diz: “O subalterno não pode falar. Não há valor algum atribuído à ‘mulher’ como um item respeitoso nas listas de prioridades globais” (SPIVAK, 2014, p. 165). Acreditamos que as mulheres negras vivem uma dupla opressão e colonização: a do passado, que continua e se expande. As duas personagens, Ifemelu e Obinze, pertenciam à classe média na Nigéria, mas, nos Estados Unidos e na Inglaterra, se submetem a funções subalternas para viver e sofrem para se adaptarem.

Mas quem precisa de identidade? Todos nós. Cabelos crespos, lábios grossos, cor parda, mestiça, gorda, baixa são características que fazem parte do que somos e carregamos em nosso sangue. São nossas marcas identitárias, que deveriam ser vistas como marcas de empoderamento, mas que atraem estigmas de inferioridade, muito comum entre as mulheres negras (LOPES- FLOIS, 2017).

Nesse contexto, na palestra intitulada O perigo da história única (2009), Adichie nos conta a sua vida pessoal e acadêmica nos Estados Unidos como mulher vinda de um país africano. Ela relata a versão única e imaginária que as pessoas do ocidente têm em relação à identidade africana. “Nenhuma possibilidade de sentimentos mais complexos do que piedade. Nenhuma possibilidade de uma conexão como humanos iguais” (ADICHIE, 2009).

Finalmente, olhar para Ifemelu e Obinze é olhar para o resquício do colonialismo e seus imigrantes ilegais que buscam o lugar da identidade nacional para perpetuar sua história. Por isso, construímos uma leitura de Chimamanda Ngozi Adichie a fim de desconstruir histórias únicas da África dialogando com as muitas histórias contadas por ela.

Referências

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. Companhia das Letras. 2009.

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Americannah. Tradução: Julia Romeu. São Paulo. Companhia das Letras, 2014. AMONYEZE, Chinenye.Writing a new repu-

tation: Liminality and Bicultural Identity in Chimamanda Adichie’s Americanah; Journal of Black Studies.April- June, 2007.

ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/ La Frontera. Literary Theory: An Anthology. Eds. Julie Rivkin and Michel Ryan Maiden: Blackwell Publishing Ltd. 2004.

BONNICI, Thomas. (orgs.) Pós-Colonia-

lismo e Representação Feminina na Li-

teratura Pós- Colonial em inglês. Acta. Sci. Human Soc. Sci. Maringá: vol. 28, n. 1, 2006.

LOPES - FLOIS, Cleonice Alves. Represen-

tações de identidade e resistência em americannah de Chimamanda Ngozi

Adichie. Revista Travessias. ISSN: 1982- 59 351. V. 11, n. 03, set/dez. 2017.

RAMOS, Neila R. C. Uma história sobre as

muitas histórias de Chimamanda Ngo-

zi Adichie. Dissertação de mestrado. Programa de Pós- graduação em Literatura e Cultura da Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. 2017.

SPIVAK Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar?. Tradução de Sandra R. Goulart Almeida; Marcos Feitosa; André Feitosa. Belo Horizonte. Editora da UFMG, 2014.

Mônica de Lourdes Neves Santana é pós-doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco.

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