Depois de paris, o quê? Exílio, exotismo e excentricidade...

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ExĂ­lio, exotismo e excentricidade na intelligentsia latino-americana e suas novas capitais


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Apresentação: Depois de Paris, o quê? Exílio, exotismo e excentricidade na intelligentsia latino-americana e suas novas capitais Leonardo D’Avila1 Rodrigo Lopes de Barros2 258

Com o advento da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), observou-se uma série de exílios de artistas e intelectuais para as Américas, bem como uma transformação global nas instituições culturais por todo o mundo. Nesse contexto imediatamente posterior à queda de Paris, ainda é cabível considerar Nova Iorque como o centro de tais transformações? Em outras palavras, é possível insistir em um centro cultural global quando se sabe que países da América Latina, entre eles o Brasil, também abrigaram artistas exilados e, nesse mesmo momento, aprofundavam de maneira inédita relações diplomáticas e intercâmbios culturais com os Estados Unidos? Um olhar mais acurado e aprofundado sobre essas trocas culturais dentro e desde a América Latina durante a Segunda Guerra Mundial, assim como nos anos seguintes ao conflito, é o tema do dossiê “Depois de 1 Doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina. Desenvolveu uma série de trabalhos voltados à problemática do modernismo de vertente católica no Brasil. Atualmente é pesquisador do CNPq junto à Universidade Federal de Santa Catarina, na qual investiga a obra de Prudente de Moraes, neto. 2 Doutor em Literatura Hispânica pela Universidade do Texas e trabalha como Professor Assistente de Literatura Latino-americana na Universidade de Boston, EUA. Foi Professor Visitante Assistente de Literatura Brasileira em Harvard em 2015. Publicou vários ensaios sobre Literatura Latino-Americana em revistas e livros do Brasil, EUA e do mundo hispânico. Atualmente faz Pós-Doutorado na Universidade de São Paulo (USP), processo nº 2015/03207-0, Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP).


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Paris, o quê? Exílio, exotismo e excentricidade na intelligentsia latinoamericana e suas novas capitais”. O título é o mesmo do grupo de trabalho que reuniu diversos pesquisadores de vários países de todas as Américas e da Europa ocorrido na New York University (NYU) entre 20 e 23 de março de 2014 durante o Congresso da Associação Americana de Literatura Comparada (ACLA). Parte das discussões também continuaram no colóquio The New Barbarians: Brazilian Cultural Criticism After the End of Modernity [Os Novos Bárbaros: A crítica cultural brasileira depois do fim da modernidade], ocorrido na Boston University (BU), cerca de uma semana após o seminário de Nova Iorque. Nessa segunda leva de debates, composta especialmente por jovens pesquisadores, em sua maioria de origem brasileira, os palestrantes tiveram que responder, além do tema “Depois de Paris”, a um intencionalmente provocativo (numa maneira derivada de Borges) chamado. Chamado esse que tentava (des)locar essa nova geração de críticos culturais dentro de uma certa tradição de se fazer a própria crítica a partir de uma esfera como o Brasil: As pessoas nascidas após 1979, quando o Brasil se tornava um zumbi a procura do mito da democracia, se encontraram presas num ambiente de violência brutal, cotidiana, e de aventuras intelectuais burocráticas. Elas caminharam pelo deserto da mediocridade política, onde a vida era cada vez mais igualada a estatísticas áridas. Cansadas da divisão entre literatura e crítica. Cansadas da separação entre teoria e vida. Desde tal paisagem, uma geração emerge sustentando novos críticos culturais, escritoras, artistas, tradutoras, editores, marginais, cineastas, e outros nomes de sua preferência. São aquelas que recusam a propaganda do Brasil (como um país em desenvolvimento) em face do genocídio sistemático em execução dentro de suas metrópoles terceiro-mundistas e nas florestas amazônicas. Cansados de Bossa Nova. Cansados de citações de Walter Benjamin ou Deleuze ou Foucault ou Derrida usados para todas as coisas. E talvez ainda mais cansados daqueles que não acreditam neles. O que esses Novos Bárbaros têm a dizer? Com quem desejam romper? Como chegam à sua tábula rasa? Essas são algumas das questões a serem aqui confrontadas. Unam-se a elas e eles nesse tentáculo da vasta e tropical terra arrasada.3

Durante o colóquio New Barbarians, esteve presente, na 3 Sobre “a democracia como um abuso da estatística”, ver: (BORGES, 1976).


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audiência, o historiador Nicolau Sevcenko, então professor de estudos brasileiros na Universidade Harvard, que, ao final da leitura dos trabalhos do dia, proferiu a seguinte fala:

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Num sentido muito estratégico, acredito que vocês colocam o ponto exato: em algum momento, algo deu errado. O que deu profundamente errado no contexto brasileiro? Vamos chamar isso de modernidade. Num sentido de que houve um tamanho investimento nessa ideia de modernidade que tudo o que não cabia dentro daquele quadro foi deixado para trás. E, bem, houve muitas coisas que foram, para não dizer que tudo foi deixado para trás. E a sequência que vocês têm daquele ponto em diante é a abolição da escravatura (1888), a república (1889), e a bandeira brasileira [com] “ordem e progresso”, que é a agenda positivista por excelência. Isso é o positivismo no seu ápice. E a ideia, daquele ponto em diante, [era] trazer imigrantes europeus para implantar uma nova disciplina de trabalho que está conectada de agora em diante à industrialização, e não mais à agricultura, e então Getúlio Vargas e sua ditadura promoveram a industrialização através de uma conexão estreita com os EUA e o capitalismo e investimentos americanos, e daí [houve] a ditadura militar, e depois, daquele ponto em diante, Collor e a globalização, Fernando Henrique Cardoso e a globalização, e Lula, [que] incorporou mais e mais pessoas nesse projeto modernizante. Esse tem sido o modo brasileiro dominante de pensamento por mais de um século. O que eu acredito que os Novos Bárbaros trouxeram para pensarmos é: bem, talvez alguma coisa foi deixada para trás, algo extremamente importante. Talvez o que temos em nossa frente agora não é a resposta para as questões que a maioria da população tem que encarar em suas vidas diárias, talvez o que temos visto nas ruas do Brasil atualmente são as pessoas procurando a resposta, e talvez há uma nova geração de cientistas sociais, de críticos de arte e literatura, os Novos Bárbaros, que estão pensando: bem, vamos tomar outra direção, vamos tentar dar um rumo diferente para as coisas, porque, do jeito que está indo, está sempre indo na mesma direção e as pessoas não estão conseguindo o que querem. Este é o sentimento que eu tenho deste encontro e foi algo muito gratificante para mim.

O discurso de Sevcenko faz referência às manifestações de 2013 que ocorreram nas ruas das principais cidades do Brasil e que demandavam transporte público gratuito para a juventude. Aquelas manifestações cresceram exponencialmente em questão de meses, gerando comparações com os eventos do Maio de 68 em Paris, e trazendo novamente para a mesa a discussão de como lidar com as experiências


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do antigo centro cultural do mundo, tais como as proposições e práticas da Internacional Situacionista, dentro do contexto atual da América Latina. Pois, enquanto ainda se poderia pensar em Paris como o centro cultural o Ocidente, também não se estranharia a conclusão de que ser um vanguardista na América Latina nada mais consistiria senão na capacidade de se absorver a técnica moderna através de filtros de particularidades locais. Esse exemplo pode ser parcialmente observado em movimentos como Martín Fierro ou a Revista de Antropofagia. Para Alejo Carpentier, por exemplo, caberia à arte projetar os objetos e as pessoas em um evento de caráter universal para que a cena latinoamericana perdesse seu estatuto de excentricidade. Isso se traduziria em uma tentativa de superar o exotismo qualificando essa cena como um problema relevante a uma cultura global. Com a ocupação de Paris,

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em 1940, esse cenário começa a perder relevância. Mesmo que Nova Iorque, sem qualquer dúvida, tenha sido o maior destino de intelectuais e de artistas europeus exilados, também não se pode deixar de frisar que a cidade não foi o único destino dessa diáspora modernista. Buenos Aires, por exemplo, recebeu personalidades como Roger Caillois, José Ortega y Gasset, e o Rio de Janeiro, Georges Bernanos, Roger Bastide ou Stephan Zweig, apenas para citar alguns casos. Esses e outros exílios demonstram que, após a liberação de Paris, em 1944, já não era mais possível pensar em um centro cultural mundial. Nesse mesmo ano, o exilado Otto Maria Carpeaux começava a escrita, no Brasil, de sua História da Literatura Ocidental cujo primeiro volume terminaria já no ano seguinte. Na introdução a essa obra, o autor dá indícios de uma reconfiguração não verticalizada do mundo quando lança uma suspeita de ecletismo sobre sua própria obra, a qual, embora fosse universalista na intenção, não o era quando opunha autores, textos e conceitos de maneira muitas vezes inconclusiva. Acerca dessa questão, Carpeaux admitia: “Todas as sínteses são provisórias” (CARPEAUX, 1978, p. 35). A queda de Paris coloca em xeque qualquer tentativa de compreensão da América Latina pelas vias tradicionais, como o exotismo ou pelo binômio particularidade-universalidade. Não se trata apenas de reconhecer que, a partir de então, as artes passariam a ser produzidas de maneira não mais autônoma como acontecia anteriormente no mundo imperialista. Em Políticas Canibais, o crítico Raul Antelo questiona as ideias de Roberto Schwarz em “Nacional por


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subtração” justamente não no sentido de enaltecer os nacionalismos de vanguada latino-americanos do século XX, que para Schwarz seriam reducionismos de cunho nacionalista. Ao contrário, trata-se de perceber que as literaturas europeias modernas apenas podem ser compreendidas em um mundo plural a exemplo de que a figura do antropófago, muito antes de ser tema de Oswald de Andrade, era de interesse de Michel de Montaigne, entre outros exemplos. Assim, “o canibalismo é a tradução mais acabada daquilo que entendemos por civilização” (ANTELO, 2001, p. 266). Dentro dessa perspectiva não autonomista, a queda de Paris não é lida nesse dossiê como marco histórico, mas como problematização de padrões culturais e sínteses históricas na ciência de que, desde que Jean de Léry ou Pero Vaz de Caminha entram em contato com povos ameríndios, no século XVI, já se pode pensar um mundo em rede, sendo que o verdadeiro reducionismo estaria possivelmente nas próprias críticas de arte ou instituições de saber.

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A perda de um referencial estético ou político, portanto, acarreta em novas formas de autorrepresentação e intercâmbios culturais. A década de quarenta marcou a urgência de se pensar em um mundo multicêntrico, sendo possível observar, em casos bastante específicos, algumas realizações das teorizações de Mikhail Bakhtin, na década de trinta, acerca do dialogismo cultural, que, alguns anos mais tarde, seriam repensadas por Julia Kristeva enquanto intertextualidade. Os trabalhos realizados a partir do seminário After Paris, What?, trazem uma contribuição bastante consistente acerca desses exemplos de trocas culturais que puseram em xeque a visão das vanguardas dos anos vinte na medida em que se viram como coparticipantes de um processo de mudanças nos padrões estéticos em escala global. Eles estavam agora em um mundo sem um centro definido, isto é, excêntrico. Dentro dessa linha de raciocínio, as investigações de Geoff Schulenberg (New York University), Leonardo D’Avila (Universidade Federal de Santa Catarina), Larisa Colón-Rodriguez (Oberlin College/ Universidad de Salamanca), e Sean Manning (University of Texas) problematizam textos literários como pontos de partida para a evidenciação de redes textuais entre Europa, América Anglo-Saxônica e América Latina. Salientam diversas maneiras de deslocamento referencial na recepção de saberes que estavam em voga no Velho


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Mundo: isso pôde ser percebido na recepção da psicanálise em Buenos Aires por Oscar Masotta, na redefinição do neotomismo por intelectuais católicos no Brasil e nos Estados Unidos, na supostamente improvável marca do nouveau roman francês em Juan José Saer e na radicalização do cubismo, que perde qualquer resquício de abstração para se tornar um ato físico, nos escritos do cubano Lorenzo García Vega.

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Alguns trabalhos do dossiê, por sua vez, focam diretamente nas artes plásticas para dar nova vida a contatos que tiveram lugar nas mudanças capitais das décadas de quarenta e cinquenta. Como disse o crítico Jorge Schwartz: “Não há como ‘fatigar’ (expressão de Jorge Luis Borges) as vanguardas históricas sem passar pela prova dos nove das artes plásticas” (SCHWARTZ, 2013, p. 10), e isso também se aplica aos fenômenos artísticos posteriores à Segunda Guerra Mundial. Diego Cervelin (Universidade Federal de Santa Catarina) problematiza as fotomontagens do poeta Jorge de Lima, que se utiliza da técnica das colagens justamente como uma faculdade de de-capitar uma visão logicista e organicista de arte, abrindo um espaço para se aproximar ao máximo de uma corporalidade. Guilherme Trielli Ribeiro (Universidade Federal de Minas Gerais), por sua vez, parte de uma epígrafe de Piet Mondrian sobre a arte não-figurativa, para pensar a reapropriação contemporânea de Paulo Nazareth em suas idas e vindas de norte a sul pelo continente Americano, justamente a vender imagens de excentricidade. Por fim, Gisele Román Medina (Haverford College) demonstra, através dos ensaios e poemas de Néstor Perlongher, uma entre várias tentativas de redesenhar as fronteiras simbólicas de Buenos Aires como cidade europeia, no caso, a partir de uma imagética caribenha. O espaço urbano também foi tema pensado por Ynaê Lopes dos Santos (Fundação Getúlio Vargas), que faz uma revisão comparada dos estudos sobre escravidão no Rio de Janeiro e em Havana, tidas como capitais da escravidão nas Américas, para demonstrar que até hoje não se chegou a relacionar devidamente a escravidão às dinâmicas urbanas propriamente ditas. Thiago Nicodemo (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), por sua vez, problematiza diversas manifestações públicas e obras de arte realizadas entre o Brasil e os Estados Unidos nas quais Cândido Portinari e Gilberto Freyre deixam transparecer, cada um a seu modo, mas com certa analogia com o contexto estadunidense,


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representações com traços ufanistas e imperialistas em discursos como o da harmonia racial ou no projeto da criação de uma nova capital para o país. Nova Iorque / Boston /Florianópolis / São Paulo, dezembro de 2016

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REFERÊNCIAS ANTELO, Raul. Transgressão e modernidade. Ponta Grossa: Editora da UEPG, 2001. BORGES, Jorge Luis. “Entrevista al programa ‘A Fondo’”. Madrid, TVE, 1976. CARPEAUX, Otto Maria. História da literatura ocidental. 2.ed. Rio de Janeiro: Alhambra, 1978. SCHWARTZ, Jorge. Fervor das vanguardas: Arte e literatura na América Latina. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

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Introduction: After Paris, What? Exile, Exoticism and Eccentricity in Latin America Intelligentsia and its New Capitals Leonardo D’Avila1 266

Rodrigo Lopes de Barros2 The outbreak of World War II (1939-1945) saw a series of exiles of European artists and intellectuals who traveled to the American continent. As a result, a worldwide transformation in cultural institutions took place. In this context, which immediately followed the fall of Paris, is it still possible to consider New York as the center of such transformations? In other words, is it feasible to insist on a global cultural center when one knows that countries from Latin America, Brazil included, also hosted exiled artists and, at such a historical moment, deepened diplomatic relations and cultural exchanges with the United States in a new manner? A more precise and profound gaze at the cultural exchanges in and from Latin America during the Second World War, as well as in the years following that conflict, is the subject of the dossier “After Paris, What? Exile, Exoticism and Eccentricity 1 Ph.D. in Literary Theory from the Federal University of Santa Catarina (UFSC). He developed a series of works related to Brazilian Catholic Modernism. He currently holds a Post-Doctoral position at UFSC with a fellowship from the National Council for Scientific and Technological Development (CNPq), focused on Prudente de Moraes, neto.. 2 Ph.D. in Hispanic Literature from the University of Texas at Austin and works as an Assistant Professor of Latin American Literature at Boston University. He was a Visiting Assistant Professor of Brazilian Literature at Harvard University. He has published several essays on Latin American literature in journals and books in Brazil, the USA and the Hispanic World. Currently he is Post-Doctoral Fellow at the University of São Paulo (USP), grant #2015/03207-0, São Paulo Research Foundation (FAPESP).


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in Latin America Intelligentsia and its New Capitals.” The title is the same as the one which brought together a diverse range of researchers from several countries in the Americas and Europe to a seminar at New York University (NYU) on March 20-23, 2014, during the American Comparative Literature Association (ACLA) Conference. Part of the discussions also continued in the colloquium The New Barbarians: Brazilian Cultural Criticism After the End of Modernity, which took place at Boston University (BU), about a week after the New York seminar. In this second round of debates, which were specially composed of junior scholars, the majority of them Brazilians, the speakers had to respond (apart from their responses to the “After Paris” theme) to an intentionally provocative (in a fashion derived from Borges) call. This call tried to (de)localize this new generation of cultural critics within a certain tradition of making criticism itself from such a sphere as Brazil: Those born after 1979, when Brazil was turned into a zombie searching for the myth of democracy, found themselves trapped in an environment of brutal, everyday violence and bureaucratic intellectual adventure. They walked into the desert of political mediocrity, where life was being ever more equated with arid statistics. Tired of the division between literature and criticism. Tired of the separation between theory and life. From such a landscape, a generation emerges bearing new cultural critics, writers, artists, translators, editors, outsiders, filmmakers, and other names of your preference. They are those who refuse the propaganda of Brazil (as a developing country) in the face of the systematic genocide carried out in its third-world metropolises and in the jungles of the Amazon. Tired of Bossa Nova. Tired of quotations from Walter Benjamin or Deleuze or Foucault or Derrida placed over everything. And perhaps, more tired of those who do not believe in them. What do these New Barbarians have to say? With whom do they want to break? How do they arrive at their tabula rasa? These are some of the questions to be confronted here. Join them in this tentacle of the vast and tropical wasteland.3

The New Barbarians’ colloquium was attended by historian Nicolau Sevcenko, who was then a professor of Brazilian studies at Harvard University. After the end of all the scheduled presentations, Sevcenko spoke from the audience:

3 On “democracy as an abuse of statistics,” see: (BORGES, 1976).


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In a very strategic sense, I think you put the right point: at some stage something went wrong. What was it that went profoundly wrong within the Brazilian context? Let us call it modernity. In a sense that it was such an investment in this idea of modernity that everything that was not fitting into the picture was left behind. And, well, there were lots of things, not to say that perhaps everything was left behind. And the sequence that you have from that point on [is] the abolition of slavery (1888), the republic (1889), and the Brazilian flag [with] “order and progress,” which is the positivistic agenda by definition. This is positivism at its very best. And the idea from that point on [was to] bring European immigrants to implant a new discipline of work that is connected from now on to industrialization, not to agriculture anymore, and then Getúlio Vargas and his dictatorship promoted industrialization through a strict connection to the United States and American capitalism and investment, and from that point on [there was] the military dictatorship, and then from that point on Collor and globalization, Fernando Henrique Cardoso and globalization, and Lula, [who] incorporated more and more people into this modernizing project. This has been the mainstream of Brazilian way of thinking for more than a century. What I think that the New Barbarians brought for us to think is: well, perhaps something was left behind, something very important. Perhaps what we have facing us is not the answer for the questions that the majority of the population have to face in their daily lives, perhaps what you have seen in the streets of Brazil nowadays is people looking for the answer, and perhaps there is a new generation of social scientists, of art and literary critics in Brazil, the New Barbarians, who are thinking: well, let us try another direction, let us try a different course of things, because the way it is going it is always going in the same direction and people are not getting what they want. That is the feeling that I have from this meeting and it was very fulfilling to me.

Sevcenko’s discourse makes reference to the 2013 protests in the streets of the main cities of Brazil demanding free public transportation for the youth. Those protests grew exponentially in a question of months, giving rise to comparisons with the May ’68 events in Paris, and bringing again to the table the discussion of how to deal with the experiences from the former world cultural center, such as the propositions and practices of the Situationist International, within the current context of Latin America. While it was still possible to think of Paris as the cultural center of the West, it would not be unexpected to reach the conclusion that being a vanguardist in Latin America would consist of the capacity to absorb the modern technique through the filters of local particularities. This example can be partially observed in


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movements such as Martín Fierro or the Revista de Antropofagia. For Alejo Carpentier, as an example, art would be responsible to project objects and people in an event of universal character so that the Latin American scene could lose its status of eccentricity. This would be translated in an attempt to overcome exoticism, qualifying this scene as an important issue to a global culture.

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With the occupation of Paris in 1940, this scenario started to lose relevance. Even considering that New York undoubtedly was the main destiny of exiled European artists and intellectuals, one has to point out that the US city was not the only place of arrival of that modernist diaspora. Buenos Aires, for example, received such figures as Roger Caillois, José Ortega y Gasset, and Rio de Janeiro had in its streets Georges Bernanos, Roger Bastide, and Stephan Zweig, among others. These and other exiles point out that, after the liberation of Paris in 1944, it was no longer possible to establish a single place as the cultural center of the world. In that same year, the exiled Otto Maria Carpeaux begun to write, in Brazil, his História da literatura ocidental [History of Western Literature], whose first volume he would finish the following year. In the introduction to that work, the author gives indications of a non-vertical reconfiguration of the world at the same time he casts suspicion over the eclecticism in his own work, which had the intention of being universalist, but it was not such a thing when it put different authors, texts and concepts side by side, many times in an inconclusive way. About this issue, Carpeaux used to admit: “All syntheses are provisional” (CARPEAUX, 1978, p. 35). The fall of Paris calls into question any attempt to understand Latin America through traditional paths such as exoticism or the binomial particularity-universality. It is not only a question of acknowledging that, since then, the arts would no longer be produced in an autonomous fashion, as would happen in an imperialist world. In Políticas Canibais [Cannibal Politics], literary critic Raul Antelo questions the ideas of Roberto Schwarz in “Nacional por subtração” [National by subtraction] not in the sense of praising the Latin American avant-garde nationalisms from the twentieth century, which, for him, would be nationalist reductionisms. On the contrary, it is a matter of perceiving that European modern literatures can only be understood within a plural world, as (to give only one example among others) in


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the figure of the anthropophagus, who was of interest to Michel de Montaigne long before that figure would become a theme for Oswald de Andrade. Thus, “cannibalism is the most finished translation of what we understand as civilization” (ANTELO, 2001, p. 266). Within this non-autonomist perspective, the fall of Paris is not seen in this dossier as a historical mark, but as a problematization of cultural standards and historical syntheses with the awareness that, ever since Jean de Léry or Pero Vaz de Caminha made contact with the Amerindian peoples in the sixteenth century, it has been possible to think about a world of networks. The true reductionism, then, would possibly lie in the very art critiques or institutions of knowledge.

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The loss of an aesthetic or political reference, therefore, gives rise to new forms of self-representation and cultural exchanges. The 1940s were marked by the urgency of elaborating a multicentric world. It was possible to observe, in some very specific cases, certain kinds of fulfillment of Mikhail Bakhtin’s theorizations about cultural dialogism during the 1930s, which, some years later, would be rethought by Julia Kristeva as intertextuality. The papers completed for the seminar After Paris, What? bring a very consistent contribution about these examples of cultural exchanges which kept the 1920s avant-garde vision in check, as they saw themselves as co-participants in a process of changes of aesthetic standards on a global scale. They were now in a different world without a defined center, that is to say, an eccentric world. Within this reasoning, the research endeavors of Geoff Schulenberg (New York University), Leonardo D’Avila (Universidade Federal de Santa Catarina), Larisa Colón-Rodriguez (Oberlin College/ Universidad de Salamanca), and Sean Manning (The University of Texas), problematize literary texts as a starting point to bring the evidentiality of textual networks between Europe, Anglo-Saxon America and Latin America. They point out several modes of referential displacement in the reception of types of knowledge that were in vogue in the Old World. This can be perceived through the reception of psychoanalysis in Buenos Aires by Oscar Masotta, the redefinition of Neo-Thomism by catholic intellectuals in Brazil and the United States, the supposedly improbable mark of the French nouveau roman on Juan José Saer, and the radicalization of Cubism, which loses any vestige of


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abstraction in order to become a physical act in the writings of Lorenzo García Vega.

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Some articles in the dossier, by turn, are directly focused on the visual arts in order to give new life to the contacts which took place in the major changes of the 1940s and 1950s. As the critic Jorge Schwartz says: “There is no way to ‘fatigue’ (a Jorge Luis Borges expression) the historical avant-garde movements without going through the sanity test of the visual arts” (SCHWARTZ, 2013, p. 10), and this also applies to the artistic phenomena after World War II. Diego Cervelin (Universidade Federal de Santa Catarina) problematizes the poet Jorge de Lima’s photomontages, in which he uses the collage technique precisely as a skill to decapitate a logicist and organic vision of art, opening space so that one can be closer to the maximum of a corporeality. Guilherme Trielli Ribeiro (Universidade Federal de Minas Gerais), for his part, begins with an epigraph by Piet Mondrian about non-figurative art so as to rethink the contemporary reappropriations by Paulo Nazareth, which were made during his travels from the south to the north of the American continent, specifically so that he could sell images of eccentricity. In the closing articles of the dossier, Gisele Román Medina (Haverford College) demonstrates, through the essays and poems by Néstor Perlongher, one among several attempts to redraw the symbolic borders of Buenos Aires as a European city using Caribbean imagery. The urban space was also the theme considered by Ynaê Lopes dos Santos (Fundação Getúlio Vargas), who makes a comparative revision of the studies on slavery in the cities of Rio de Janeiro and Havana, which were considered the capitals of slavery in the Americas. She establishes that a proper connection between slavery and urban dynamics has not been done yet. Thiago Nicodemo (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) problematizes several public manifestations and works of art made in both Brazil and the United States, in which Cândido Portinari and Gilberto Freyre create clear representations with vainglorious traces and imperialist discourses such as racial harmony or the project of the creation of a new capital for the country. They did that within their own singularities, but bearing a certain analogy to the US context. Nova Iorque/Boston/Florianópolis/São Paulo, June 2016


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WORKS CITED ANTELO, Raul. Transgressão e modernidade. Ponta Grossa: Editora da UEPG, 2001, p. 266. BORGES, Jorge Luis. “Entrevista al programa ‘A Fondo.’” Madrid, TVE, 1976. CARPEAUX, Otto Maria. História da literatura ocidental. 2.ed. Rio de Janeiro: Alhambra, 1978. SCHWARTZ, Jorge. Fervor das vanguardas: Arte e literatura na América Latina. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

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Encontros tropicais e identidades nacionais: 1 Buenos Aires e o Neobarroco

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Giselle Román Medina Haverford College

A autoimagem de Buenos Aires é frequentemente aquela do excepcionalismo: a de uma cidade “europeia” localizada na América Latina. A ansiedade de permanecer parte da cultura ocidental desde uma localização extremamente periférica tem formado a identidade da cidade, frequentemente extrapolada a todo o país Argentina. Essa identidade europeísta teve os seus antimodelos, por assim dizer. É o caso do “tropical”, que é tipicamente percebido como o oposto dos valores europeus – isto é, como natureza exuberante que neutraliza a civilização, e como o local natural para as pessoas de cor. O poeta 1 Tradução de Rodrigo Lopes de Barros.


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argentino Néstor Perlongher, porém, remodelou uma ideia diferente do “tropical”, uma que propôs uma nova maneira de representar a cidade, cujos escritores ele caracteriza como “desconfiados por principio de toda tropicalidad” (PERLONGHER, 1997b, p. 97). Perlongher foi um ativista político para as minorias sexuais durante os anos 1970, e um antropólogo no Brasil durante os anos 1980. Após sua morte em 1992, a sua poesia neobarrosa, inspirada pela poética cubana neobarroca, começou a chamar a atenção de estudiosos da literatura. No processo de converter o neobarroco em neobarroso, Perlongher partiu de uma das possíveis origens etimológicas da palavra barroco, como traçada pelo escritor cubano Severo Sarduy: “Nódulo geológico, construcción móvil y fangosa, de barro, pauta de la deducción o perla” (PERLONGHER, 1997b, p. 167). O neobarroso privilegia o “barro”, aludindo à terra argilosa característica do rio de Buenos Aires, o Rio da Prata (p. 97). O livro de poesia de Perlongher, Parque Lezama (1990), exibe essa conexão com o neobarroco através de uma homenagem ao poeta cubano José Lezama Lima. Estudiosos têm deixado de notar que a sua adaptação original da poética neobarroca está fortemente relacionada ao papel da tropicalidade em seu trabalho. Este remodelamento do “tropical” é no que aqui me concentro: em particular, vejo como isso está profundamente entrelaçado com uma maneira atípica de imaginar Buenos Aires, resultando numa abordagem inovadora no que fiz respeito à relação entre representações da paisagem e identidade. Ligada a seu papel como capital da Argentina, Buenos Aires tem tradicionalmente sido conceptualizada através do eixo centro-periferia, e suas variantes, cidade versus campo. Como demonstrado pela crítica Beatriz Sarlo, Jorge Luis Borges evitou essas dicotomias ao desenhar um orilla2 argentina – a margem ou a beira de um rio – desde a qual o universal e o local pudessem ser conceptualizados simultaneamente. Porém, uma vez que Borges tinha remapeado a cidade, e os projetos literários de Julio Cortázar e José Saer tinham seguido uma linha similar, o que mais poderia ser feito? Perlongher proporcionou uma resposta ao abrir a margem argentina a leituras e espaços culturais que nem Borges ou seus sucessores imediatos tinham considerado. O remapeamento 2 Quando Sarlo diz “Borges es un escritor de orillas”, ela quer dizer que ele escreve desde a periferia e também alude à margem do Rio da Prata como uma representação física da periferia. A periferia representada pelo rio, porém, proporciona um canal que permite a circulação de sujeitos universais. [O tradutor optou por verter “orilla” por “margem” no português].


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de Buenos Aires por Perlongher evita aquelas dicotomias simples, mas diferentemente de Borges, ele não tenta conceituar o universal. Ao contrário, assim que olhamos além de sua exotização inicial dos trópicos, podemos ver que Perlongher cultivou a ideia de uma margem que estimula os fluxos intra-americanos. Ele estabeleceu essa margem através de suas leituras literárias do Caribe durante o seu exílio no Brasil. Assim, ele estava influenciado por duas culturas marcadas por um forte componente africano e por sua geografia tropical.

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Perlongher exotizou e sexualizou a diferença racial brasileira a fim de enfatizar o que faltava em Buenos Aires. Para ele, São Paulo era mais habitável devido ​​ à sua população negra. Depois de uma viagem para São Paulo em 1979, Perlongher escreveu em uma carta: “la pasé bárbaro en los trópicos … Quedé muy apegado a la democracia racial brasilera, a la que conocí – presumo – demasiado de cerca” (PERLONGHER, 2003, p. 34–35). Ele estava desapontado com Buenos Aires, a qual ele descrevia como “extinguida”, e isso o motivou a empreender estudos de pós-graduação “[n]esas zonas de climas más cálidos, como ser los brasiles, paraísos terrenales” (PERLONGHER, 2003, p. 34). Perlongher se proclama um “exilado sexual” (BRAVO, 2002, p. 60). Esse auto-etiquetamento pode ser entendido de duas maneiras. Por um lado, isso sugere que a perseguição que Perlongher experimentou na Argentina o motivou a encontrar outro espaço; ele foi preso várias vezes em 1981 pelo que descrevia como sua aparência de “marica” (BRAVO, 2002, p. 256). Por outro lado, Perlongher também apresentou-se como um tipo de turista que procura o prazer. Essa tendência de exotizar esses espaços está em constante diálogo com os seus usos das imagens tropicais, não apenas de uma maneira compreensível para um público Ocidental, mas também de um modo que é usado pelas pessoas nesses países como uma estratégia de autorrepresentação. Em contraste com a passagem supracitada, Perlongher não limitou a sua ideia do que é “tropical” a estereótipos, mas na verdade a ressignificou através de sua apropriação da poética de Lezama Lima e do neobarroco de Sarduy. Numa entrevista de 1987, ele deixou explícita a sua escolha fundamental: Parque Lezama viene de la revolución (de la perturbación) que fue para mí zambullirme en Lezama Lima … Esa imantación irresistible coincidió con que yo ya estaba


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en Brasil. … Parque Lezama es, también, un parque de Buenos Aires, donde vaya si anduve… Y es justamente en el sitio hoy ocupado por ese parque donde se fundó la ciudad de Buenos Aires. (PERLONGHER, 2004, p. 322)

Enquanto esteve no Brasil, Perlongher incialmente planejou escrever um ensaio sobre Lezama, mas eventualmente optou pela poesia (PERLONGHER, 2004, p. 322). Em outras palavras, o seu interesse em Lezama estimulou uma poética da prática. O significado duplo de “Lezama” capacitou tanto uma interação óbvia com a poesia do escritor cubano quanto uma maneira de canalizar as suas ideias a respeito do tropical na direção de Buenos Aires.

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Em Parque Lezama, a Buenos Aires ou os “bons ares” que dão o nome à cidade são transformados em “ares tropicais”. O tropo do “ar” é fundamental no sistema poético de Lezama.3 Perlongher transformou-o em ar tropical ou úmido, e igualmente entrelaçou-o com os tropos da água e dos peixes, que representam o Rio da Prata. Como demonstro em minha análise, a água e os peixes são marcas de uma territorialidade argentina que seria remodelada com o ar de Lezama. O poema “Trópica” coloca o ar como o começo da poesia, e como um elemento-chave da tropicalidade: El aire de los trópicos es denso. Reblandecidos chocolates medran en esa densidad frutillas se relajan en la adherencia de la pelambre lúcida o sombría, luminiscencia que ese aire carga con un presagio de cenizas. (PERLONGHER, 1997a, p. 199)4

O verso de abertura do poema oferece uma definição marcada pelo verbo de ligação: “aire”, referindo-se tanto ao ar quanto ao estilo, é denso. A densidade corresponde a um processo hermenêutico que 3 A respeito de Lezama, María del Valle Idarraga escreve, “a instância privilegiada do invisível nesse sistema poético é o ar” (2005, p. 60). 4 Não traduzi os poemas que analiso. A fim de facilitar a sua leitura, proporciono uma glosa deles nas notas de rodapé ou como parte de minhas close readings. No poema aqui citado, o ar é definido como “denso”. Nessa densidade úmida e quente, chocolates derretem e morangos se expandem (“se relajan”). Esses morangos e chocolates grudam nos pelos do corpo (“pelambre”), que são caracterizados como “lúcidos” e “sombrios”. O ar preenche a luminescência – os raios de luz que aparecem entre as sombras – com um agouro de cinzas.


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usa a obscuridade como uma metáfora da dificuldade de ler a poesia de Lezama e Perlongher.

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O poema se lê como um jogo complexo entre densidade e leveza, clareza e obscuridade. Este ar compacto ou denso envolve uma antítese: deveria ser um elemento leve, mas por causa de sua densidade, aproxima-se dos estados líquido e sólido. Esse ar derrete ou amolece o chocolate; a julgar por este efeito, ele é quente. O calor expande os chocolates, passando-os do estado sólido ao líquido. Duas gradações reversas ocorrem. O ar úmido se aproxima do estado líquido e os chocolates se esparramam. O corpo úmido e os chocolates se encontram no fluido. O ar compacto, denso, derrete os chocolates. O doce afrodisíaco e grudento fica colado na “pelambre”, ou pelugem, cabelo excessivo que implica uma animalização como um dos componentes que traçam a imagem erótica. A antítese, “pelambre lúcida o sombría”, é resolvida: a pelugem escura, o que estava escondido, agora está à vista. Esse jogo de luz e sombras continua na luminescência, que são raios visíveis no escuro. As cinzas no ar contribuem para a sua densidade e podem ser vistas através da luz nas sombras. O ar dos trópicos torna-se uma metonímia da poesia. O poema é denso, e também a sua folhagem peluda, escura, animalesca. O ar pode ser lido de duas maneias: como meteorológico, e como sinônimo de estilo. O primeiro significado refere-se às qualidades naturais dos trópicos, onde o ar é espesso de umidade. A primeira leitura poderia vir de um guia de viagens ou da previsão do tempo. Porém, esse é apenas o ponto de partida para a elaboração do significado poético do tropical. Expressado dessa maneira, uma leitura precipitada levaria à conclusão de que o ar dos trópicos, esse fator natural, determina o estilo e o tipo de escritura. Esses dois sentidos do “ar” são análogos ao significado duplo que o Parque Lezama incorpora como locus fundacional de Buenos Aires e como poética de Lezama. O ar como fator climático pertence a um lugar, enquanto o estilo pertence à poética. Porém, o ar tropical não pertence ou não é “natural” de Buenos Aires. A meta dessa poética não é a coerência telúrica. O ar tropical do estilo tropológico e denso de Lezama e de Cuba é uma coincidência da linguagem e não uma relação causal. Ao mover a densidade tropológica de Lezama ao Parque Lezama, a escritura de Perlongher desfaz a ilusão de um estilo determinado pela natureza.


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No poema de abertura “Abisinia Exhibar”, o ar tropicalizado manifesta-se através de um uso ambivalente do termo Espanhol “oleo”, e é também uma maneira de introduzir os tropos territoriais argentinos da “água” e dos “peixes”. Oleo moreno, alza los peces de las ollas. El que camina sobre el agua, coge la liza en el [desliz, liza amorosa, riza los remolinos del calambre, rasguña el anillo bañado en oro colomí. (PERLONGHER, 1997a, p. 187)

Os primeiros versos permitem, no sentido mais literal possível, ao menos duas leituras que têm a ver com o começo e o final da

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pesca. O “oleo”, ou ação das ondas, facilita a pesca, à medida que o peixe emerge das profundezas das “ollas”, ou redemoinhos no rio. A presença invisível do ar é visualmente manifestada no movimento das ondas causadas pelo vento, e em termos sonoros, através da aliteração sibilante dos versos. “Oleo” – ou “óleo” – tem também o significado de óleo em português, e o significado mais comum para “olla” é panela de cozinha. Consequentemente, o verso também se refere ao processo de cozimento do peixe. Esse óleo é marrom (“moreno”) devido ao seu uso, mas ainda mais interessante é o fato de que a palavra “oleo”, ou “ondas”, refere-se à cor particular do Rio da Prata de Buenos Aires, devido à sua terra argilosa. O “oleo” também aponta para a lubrificação do corpo ou a excitação sexual; ademais, o termo “alzado” (“oleo alza”) significa “estar excitado” no espanhol do Rio da Prata. A polissemia de palavras que se referem ao aquático e ao carnal ao mesmo tempo cria um efeito de proximidade formal entre estas duas corporalidades. As propriedades da água e do corpo podem ser as mesmas, ou ao menos estão fundidas. As ondas espasmódicas, ou “calambres”, são análogas ao movimento da água, do mesmo modo causadas possivelmente pela corrente. Por fim, podemos pensar em “oleo” como uma pintura a óleo, o que sugere que esse Rio da Prata não faz parte da natureza, mas da paisagem num sentido pictórico ou poético. Aqui, novamente, a espessura e o peso desse óleo, a densidade polissêmica do “oleo”, lançam a sua luz sobre a cidade. O ar lezamiano coloca a dificuldade em exibição. O estilo produz o “oleo”, ou ondas, que fazem com que o peixe suba à superfície. Em


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espanhol, o verbo “pescar” pode também significar entender alguma coisa. Isso permite ao leitor executar uma tarefa não tão fácil de pescar significados. Essa pescaria torna-se o postulado literário de uma teoria de leitura que retoma a famosa sentença de abertura do ensaio “La expresión americana” de Lezama: “Sólo lo difícil es estimulante” (PERLONGHER, 1997a, p. 359). Ao jogar com as possibilidades conotativas de pescar, isso é transformado em uma performance poética da busca por significado.

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Pode-se tentar “pescar” ou entender alguma coisa, mas no final das contas pode-se “no pescar nada”, ou não entender coisa alguma. Do mesmo modo, pode-se “pescar”, entender ou compreender algo, sem sequer tentá-lo. “Pescar” também significa descobrir alguém e surpreender essa pessoa fazendo algo que não deveria ser visto. Como na pesca, à medida que o peixe não se deixa necessariamente pegar de modo fácil, a busca por significado está também apresentada como um ato de inventividade, cheio de surpresas. Através da relação paronomástica entre palavras tais como “deslizar” e “liza”, essa última significando o peixe tainha, uma relação etimológica falsa é sugerida. Apesar da semelhança formal, “deslizar” e “liza” não compartilham a mesma origem etimológica. Porém, enfatizar a similaridade sonora é uma maneira de colocar em primeiro plano que “liza” é um peixe escorregadio. O peixe funciona como um tropo do significado que emerge desde as profundezas para a superfície, mas que facilmente se esvai, “se desliza”. Estes peixes não pescados que deslizam indicam os muitos outros sentidos que nos escapam durante o ato interpretativo. O processo de pegar o peixe e comê-lo coloca a interpretação de Perlongher sobre Lezama como um ato digestivo relacionado com o saborear e com o corpo. Isso poderia até ser lido como uma anedota interna entre aqueles que conhecem o famoso apetite de Lezama e com a sua concepção da cultura como um “banquete”. A poética de Lezama está concebida por Perlongher como um banquete cheio de possibilidades e surpresas, mas não necessariamente como algo fácil. A possibilidade de leitura “por gusto”, isto é, por prazer, como um processo digestivo, coexiste com uma dificuldade que é tanto desafiadora quanto estimulante. A Buenos Aires refundada produz um diferente tipo de mecânica, uma mecânica de aberturas. No poema “El deshollinador”,


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ou “O Limpa-chaminés”, os corpos escuros trabalham para a abertura da cidade aos novos ares tropicais: ¿He de esperar al deshollinador de las siete cuando ya a las cuatro el humo nos ha sofocado? No: voy a llamar a las chimeneas para que me manden un suplente; el suplente es un moreno aceitunado que tiene tiznados los resortes[…] (PERLONGHER, 1997a, p. 196)5

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Esses trabalhadores destapam as entradas das chaminés, que representam os poros da cidade. Esses corpos negros não são mais estranhos ou exóticos no contexto da Buenos Aires refundada. Eles são, antes, um força de trabalho abrindo a cidade. Desde sua posição marginal, produzem um remédio para a fobia de Buenos Aires contra o que era considerado o antimodelo, o tropical e seus corpos de cor. Em Parque Lezama, eles são visualizados como parte da paisagem nacional e da cidade refundada. A tropicalização poética de Buenos Aires é a expressão mais radical de Perlongher sobre a sua reconceitualização do neobarroco e a sua importação dessa poética ao Rio da Prata. Mas o que devemos entender por (neo)barroco/neobarroso em Perlongher, e em que consiste a sua relação com o tropical? Certamente não é algo novo na literatura latino-americana. Alejo Carpentier faz a conexão, à sua própria maneira, no ensaio “Lo barroco y lo real maravilloso” de 1975: “nuestro mundo es barroco por la arquitectura – eso no hay ni que demostrarlo – por el enrevesamiento y la complejidad de la naturaleza y su vegetación” (CARPENTIER, 2003, p. 84). Carpentier conecta os trópicos, definidos como natureza exuberante, ao barroco, uma forma excessiva de escritura. Para ele, o mundo natural determina a escritura. Por outro lado, Sarduy, no ensaio “El barroco y el neobarroco” de 1972, restringe o termo barroco a uma série de operações tropológicas que colocam em primeiro plano a plasticidade e auto-referencialidade 5 A voz poética se pergunta se esperar pela limpeza da chaminé até às sete, uma vez que às quatro a fumaça já tinha sufocado alguns de “nosotros”, mas decide chamar as “chimeneas”, aparentemente significando o nome da companhia, para que mandem alguém. Esse “suplente deshollinador” é negro, e também “tiznado” ou sujo. Os “resortes” ou “molas”, uma peça de máquina, indicam uma comoditização.


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da linguagem, questionando a possibilidade de uma escritura realista (SARDUY, 1994, p. 167-184). Perlongher também enfatiza a natureza artificial do barroco e se afasta da perspectiva de Carpentier: “Mientras que el realismo maravilloso es un realismo tropical, un realismo con un poquito de follaje[, el] barroco es poético” (PERLONGHER, 2004, p. 343). Ele define o barroco como “una operación de plegado de la materia y la forma” (PERLONGHER, 1997b, p. 93) que, no neobarroco, é aplicada a “toda la dispersión de estilos contemporáneos” (PERLONGHER, 1997b, p. 101). A pesar da influência de Sarduy, há uma guinada especial em Perlongher que vem de sua participação na tradição literária argentina. Enquanto ele recusa a relação essencializada entre o espaço americano e a linguagem barroca, como proposto por Carpentier, Perlongher converte as qualidades empíricas dos trópicos geográficos em algo poeticamente produtivo. De fato, o escritor argentino toma de volta a tropicalidade e joga com as ambuiguidades desse termo em seu ensaio “El neobarroco y la revolución” (1986), onde ele qualifica a escritura de Lezama como “exuberante explosión del artificio barroco en la isla tropical” (PERLONGHER, 2004, p. 232). A ideia de que o barroco foi cultivado em uma ilha tropical sugere conexões entre o excesso natural e o excesso poético. Em outras palavras, a ênfase de Perlongher na tropologia excessiva do barroco está conectada à paisagem tropical, como se sua geografia conduzisse à escritura poética barroca. À primeira vista, essa poética não parece significativamente distinta daquela de Carpentier. Porém, a restauração da tropicalidade fica mais clara quando nos lembramos que Perlongher pretende importá-la ao Rio da Prata. Renomear neobarroco como neobarroso não apenas destaca a mudança entre a literatura cubana e a argentina, mas também as modificações envolvidas em sua transferência e tradução à nova região. A geografia do rio não é tropical, e mostra a correspondência não-natural entre linguagem excessiva e natureza excessiva. Em outras palavras, embora ele esteja escrevendo desde o Brasil, Perlongher enfatiza que a linguagem, precisamente por causa de sua plasticidade, pode simular aquela correspondência natural, que não é devida a uma relação causal, como em Carpentier, mas, antes, é alcançada poeticamente. Por um lado, a tropicalização de Buenos Aires desafia a concepção eurocêntrica e tradicional da cidade e a conecta com uma tradição latino-americana. Os trópicos poéticos são espaços de maior


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porosidade, onde o contato molhado entre elementos heterogêneos é estimulante. Inserido nessa nova margem de Buenos Aires, isso assegura o fluxo de corpos e ideias e uma constante exposição. A fundação de uma comunidade que está se tornando tropical abre os poros de uma cidade desenhada pela história literária. Assim, Perlongher encontra soluções criativas para evitar os paradigmas dicotômicos de centro e periferia, e de campo versus cidade, de uma maneira diferente do que havia feito Borges. A produção resultante é a porosidade que vem dos trópicos. Por outro lado, a tropicalização de Buenos Aires executa um ato radical: o tropical é “des-naturado” como uma resposta à naturalização do barroco. Perlongher enfatiza o sentido de “tropicalidade” como um ato retórico, enquanto o sentido geográfico faz avançar e participa no processo de artificialização. Essa tropicalidade temática e retórica é o elemento diferencial que Perlongher insere em sua versão poética de Buenos Aires, delineada como uma comunidade conotativa onde os seus elementos fogem da “fixidez”.

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Em resumo, o ato poético de Perlongher coloca em primeiro plano a artificialidade das representações de paisagens e identidades: se Buenos Aires pode ser representada como tropical, porque Cuba ou o Brasil não poderiam ser representados como não-tropicais? Talvez o conjunto de características atribuído às pessoas do trópico como traços determinados pela natureza não sejam tão naturais, mas são o resultado de uma repetição cultural, da criação de tropos (da qual estereótipos frequentemente resultam). O processo de des-naturalização é um retorno ao significado etimológico de trópico, como tropo: isto é, como poesia.


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Tropical Encounters and National Identities: The Neobaroque and Buenos Aires 285

Giselle Román Medina Haverford College Buenos Aires’s self-image is often one of exceptionalism: that of a “European” city located in Latin America. The anxiety of remaining part of Western culture from a very peripheral location has shaped the identity of the city, often extrapolated to the entire Argentine country. This Europeanist identity has had its anti-models, so to speak. Such is the case of the “tropical,” which is typically perceived as the opposite of European values—that is to say, as exuberant nature that counteracts civilization, and as the natural site for nonwhite people. Argentine poet Néstor Perlongher, though, refashioned a different idea of the “tropical,” one that provided a new way of representing the city, whose writers he characterizes as “desconfiados por principio de toda


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tropicalidad” (PERLONGHER, 1997b, p. 97).1

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Perlongher was a political activist for sexual minorities in Argentina during the 1970s, and an anthropologist in Brazil during the 1980s. After he died in 1992, his neobarroso poetry, inspired by Cuban neobaroque poetics, started to draw the attention of literary scholars. In the process of converting the neobaroque into neobarroso, Perlongher departed from one of the possible etymological origins of the word baroque as traced by Cuban writer Severo Sarduy: “Nódulo geológico, construcción móvil y fangosa, de barro, pauta de la deducción o perla” (PERLONGHER, 1997b, p. 167).2 The neobarroso privileges “barro,” alluding to the characteristic clay silt of Buenos Aires’s river, el Río de la Plata (p. 97). Perlongher’s book of poetry, Parque Lezama (1990), exhibits this link with the neobaroque through a homage to the Cuban poet José Lezama Lima. Scholars have overlooked that his original adaptation of neobaroque poetics is strongly related to the role of tropicality in his work. This refashioning of the “tropical” is what I have focused on: in particular, I look at how it is profoundly intertwined with an atypical way of imagining Buenos Aires, resulting in an innovative approach to the relationship between representations of landscape and identity. Linked to its role as the capital of Argentina, Buenos Aires had traditionally been conceptualized through a center–periphery axis, and its variant, city versus country. As critic Beatriz Sarlo has shown, Jorge Luis Borges avoided these dichotomies by drawing an Argentine orilla3—the shoreline or the bank of a river—from which the universal and the local could be conceptualized simultaneously. But once Borges had recharted the city, and Julio Cortázar’s and Juan José Saer’s literary projects had followed a similar line, what else could be done? Perlongher provided an answer by opening the Argentine shoreline to cultural spaces and readings that neither Borges nor his immediate 1 “Suspicious, on principle, of any tropicality.” 2 “A geological node, a mobile and muddy construction, from barro, pattern for the deduction, or pearl.” 3 When Sarlo says “Borges es un escritor de orillas,” she means that he writes from the periphery. She is also alluding to the shoreline of Rio de la Plata as a physical representation of that periphery. That periphery represented by the river, however, provides a channel that allows the circulation of universal subjects.


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literary successors had considered. Perlongher’s recharting of Buenos Aires avoids those simple dichotomies, but unlike Borges, he does not attempt to conceptualize the universal. Instead, once we look beyond his initial exoticization of the tropics, we can see that Perlongher cultivated the idea of a shoreline that stimulates intra-Latin American flows. He established this shoreline through his literary readings of the Caribbean during his exile in Brazil. Thus he was influenced by two cultures marked by a strong African component and by their tropical geography.

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Perlongher exoticized and sexualized Brazilian racial difference in order to emphasize what Buenos Aires lacked. For him, São Paulo was more livable because of its black population. After a trip to São Paulo in 1979, Perlongher wrote in a letter: “la pasé bárbaro en los trópicos … Quedé muy apegado a la democracia racial brasilera, a la que conocí—presumo—demasiado de cerca” (PERLONGHER, 2003, p. 34–35).4 He was disappointed with Buenos Aires, which he described as “snuffed out,” and this motivated him to pursue graduate studies in “esas zonas de climas más cálidos, como ser los brasiles, paraísos terrenales” (p. 34).5 Perlongher calls himself a “sexual exile” (BRAVO, 2002, p. 60). This self-labeling can be understood in two ways. On one hand, it suggests that the persecution Perlongher experienced in Argentina motivated him to find another space; he was arrested several times in 1981 for what he described as his “marica” or “faggoty” appearance (BRAVO, 2002, p. 256). On the other hand, Perlongher also presents himself as a sort of pleasure-seeking tourist. His tendency to exoticize these spaces is in constant dialogue with his uses of tropical imagery, not only in a way understandable to Western audiences, but one that is also used by people in these countries as a strategy of self-representation. In contrast to the above-cited passage, Perlongher did not limit his idea of what is “tropical” to stereotypes, but in fact resignified it through his appropriation of Lezama Lima’s poetics and Sarduy’s neobaroque. In a 1987 interview, he made his foundational choice explicit: 4 “I had a wonderful time in the tropics … I became quite attached to Brazilian racial democracy, which I got to know—I presume—much too well.” The irony of this apparently exoticizing sentiment lies in the ambiguity of the term “bárbaro,” which can mean both “wonderful” and “savage.” 5 “In warmer climates, like the Brazilian ones, earthly paradises.”


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Parque Lezama viene de la revolución (de la perturbación) que fue para mí zambullirme en Lezama Lima … Esa imantación irresistible coincidió con que yo ya estaba en Brasil. … Parque Lezama es, también, un parque de Buenos Aires, donde vaya si anduve… Y es justamente en el sitio hoy ocupado por ese parque donde se fundó la ciudad de Buenos Aires. (PERLONGHER, 2004, p. 322)6

While in Brazil, Perlongher initially planned to write an essay on Lezama, but eventually opted for poetry (PERLONGHER, 2004, p. 322). In other words, his interest in Lezama stimulated a poetic practice. The double meaning of “Lezama” enabled both an obvious interaction with the Cuban writer’s poetry, and a way to channel his ideas regarding the tropical towards Buenos Aires.

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In Parque Lezama, the Buenos Aires or “good airs” that give their name to the city are transformed into “tropical airs.” The trope of “air” is fundamental in Lezama’s poetic system.7 Perlongher transformed it into tropical or humid air, and likewise intertwined it with the tropes of water and fish, which represent the Río de la Plata. As my analysis shows, water and fish are marks of an Argentine territoriality that would be reshaped with Lezama’s air. The poem “Trópica” posits air as poetry’s beginning, and as a key element of tropicality: El aire de los trópicos es denso. Reblandecidos chocolates medran en esa densidad frutillas se relajan en la adherencia de la pelambre lúcida o sombría, luminiscencia que ese aire carga con un presagio de cenizas. (PERLONGHER, 1997a, p. 199)8 6 Parque Lezama comes from the revolution (from the perturbation) that diving into

Lezama Lima was for me … That irresistible magnetism coincided with my being in Brazil … Parque Lezama is also a park in Buenos Aires, where of course I have spent some time … And where the park is today is exactly where the city of Buenos Aires was originally founded. 7 Regarding Lezama, María del Valle Idarraga writes, “the privileged instance of the invisible in this poetic system is the air” (60). 8 I have not translated the poems I analyse. In order to facilitate their reading, I provide a gloss of them either in the footnotes or as part of the close readings. In the poem quoted here, the air is defined as “dense.” In this warm and humid density, chocolates melt and strawberries expand (“se relajan”). These strawberries and chocolates stick to the body hair (“pelambre”), which is characterized as “light” or “shadowy.” The air fills the luminescence—the rays of light that appear among the shadows—with an omen of ashes.


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The opening verse of the poem offers a definition marked by the linking verb: “aire,” referring to both air and style, is dense. The density corresponds to a hermeneutic process that uses obscurity as a metaphor of the difficulty of reading Lezama’s and Perlongher’s poetry.

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The poem reads as a complex interplay between density and lightness, clarity and obscurity. This dense or compact air involves an antithesis: it is supposed to be a light element, but because of its density, it approaches the liquid and solid states. This air melts or softens the chocolate; judging by this effect, it is warm. The heat expands the chocolates, changing them from solid to liquid state. Two reverse gradations occur. The humid air approaches the liquid state and the chocolates spread out. The humid body and the chocolates meet in the fluid. The dense, compact air melts the chocolates. The sticky aphrodisiac candy sticks to the “pelambre,” or fur, excessive hair that implies an animalization as one of the components that trace the erotic image. The antithesis, “pelambre lúcida o sombría,” or “lucid or shadowy fur,” is resolved: dark fur, what was hidden, is now in sight. This interplay of light and shadows is continued in the luminescence, which are visible rays in the dark. The ash in the air contributes to its density and can be seen through the light in the shadows. The air of the tropics becomes a metonymy of poetry. The poem is dense, and its fur, dark, hairy foliage. The air can be read in two ways: as meteorological, and as a synonym for style. The first meaning refers to the natural qualities of the tropics, where the air is thick with humidity. This first reading might come from a travel guide or weather report. This is only a starting point, however, for the elaboration of the poetic meaning of the tropical. Expressed in this way, a hasty reading would lead to the conclusion that the air of the tropics, this natural factor, determines a style or a type of writing. These two senses of “air” are analogous to the double meaning that Parque Lezama embodies, as a foundational locus in Buenos Aires and as Lezama’s poetics. The air as climatic factor belongs to a place, while style belongs to poetics. However, tropical air does not belong or is not “natural” to Buenos Aires. The goal of this poetics is not telluric coherence. The tropical air from Cuba and Lezama’s dense tropological style is a coincidence of language and


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not a causal relationship. By moving Lezama’s tropological density to Parque Lezama, Perlongher’s writing undoes the illusion of a style determined by nature. In the opening poem, “Abisinia Exhibar,” the tropicalized air manifests itself through an ambivalent use of the Spanish term “oleo,” and is also a way to introduce the Argentine territorial tropes of “water” and “fish:” Oleo moreno, alza los peces de las ollas. El que camina sobre el agua, coge la liza en el [desliz, liza amorosa, riza los remolinos del calambre, rasguña el anillo bañado en oro colomí. (PERLONGHER, 1997a, p. 187)

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The first verse allows, in the most literal sense possible, at least two readings that have to do with the beginning and the end of fishing. The “oleo,” or action of the waves, facilitates fishing, as the fish rise from the depths of the “ollas,” or eddies in the river. The invisible presence of the air is visually manifested in the movement of the waves caused by the wind, and aurally, through the sibilant alliteration of the verses. “Oleo”—or “óleo”—also means oil, and the most common meaning for “olla” is cooking pot. Hence, the verse also refers to the cooking process of the fish. This oil is brown (“moreno”) due to use, but even more interesting is the fact that the word “oleo,” or “waves,” refers to the particular color of Buenos Aires’s Río de la Plata, due to the silt. The “oleo” also points to the lubrication of the body or sexual arousal; moreover, the term “alzado” (“oleo alza”) means “to be aroused” in the Spanish of Río de la Plata. The polysemy of words that refer to the aquatic and the carnal at the same time creates an effect of formal proximity between these two corporalities. The properties of water and the body may be the same, or at least are fused. Spasmodic waves, or “calambres,” are analogous to the movement of the water, likewise possibly caused by the current. Finally, we can think of “oleo” as oil painting, which suggests that this Río de la Plata is not part of nature, but of the landscape in a pictorial or poetic sense. Here again, the thickness and heaviness of this oil, the polysemic density of the “oleo,” casts its light upon the city. The Lezamian air puts difficulty on display. This style produces the “oleo” or waves which cause the fish to rise to the surface. In Spanish, the verb “pescar,” “to fish,” can also mean to understand


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something. This allows the reader to perform the not-so-easy task of fishing for meanings. This fishing becomes the literary enactment of a theory of reading that recalls Lezama’s famous opening sentence in his essay “La expresión americana:” “Sólo lo difícil es estimulante” (PERLONGHER, 1997a, p. 359).9 By playing with the connotative possibilities of fishing, it is transformed into a poetic performance of the search for meaning. One can intend to “pescar” or understand something, but ultimately one might “no pescar nada,” or not understand anything. As well, one might “pescar,” to get or understand something, without trying to. “Pescar” also means to discover somebody and to surprise him or her doing something that was not supposed to be seen. As with fishing, since the fish does not necessarily let itself be easily caught, the search for meaning is also presented as an act of inventiveness, full of surprises. Through the paronomastic relationship between words such as “deslizar,” “to slip,” and “liza,” which means mullet (the fish), a false etymological relation is suggested. Despite their appearance, “deslizar” and “liza” do not share the same etymological origin. However, stressing the aural similarity is a way of foregrounding that the “liza” is a slippery fish. The fish functions as a trope of the meaning that emerges from the depths to the surface, but that easily slips away, “se desliza.” These unfished fish that slip away indicate the many other senses that escape in the interpretive act. The process of getting the fish and eating it posits Perlongher’s interpretation of Lezama as a digestive act related to taste and to the body. This could even be read as an internal joke among those familiar with Lezama’s famous appetite, and his conception of culture as a “banquete” or banquet. Lezama’s poetics is conceived by Perlongher as a “banquete” full of possibilities and surprises, but not necessarily an easy one. The possibility of reading “por gusto,” that is, for pleasure, as a digestive process, coexists with a difficulty that is both challenging and stimulating. The refounded Buenos Aires produces a different kind of mechanics, one of openings. In the poem “El deshollinador,” or “The Chimney Sweep,” dark bodies work to open the city to the new tropical airs: ¿He de esperar al deshollinador de las siete cuando ya a las cuatro 9 “Only the difficult is stimulating.”


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el humo nos ha sofocado? No: voy a llamar a las chimeneas para que me manden un suplente; el suplente es un moreno aceitunado que tiene tiznados los resortes[...] (PERLONGHER, 1997a, p. 196)10

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These workers uncover the entrances to the chimneys, which represent the pores of the city. These dark bodies are no longer strange or exotic in the context of the refounded Buenos Aires. They are, rather, a workforce opening the city. From their marginal position they introduce a remedy for Buenos Aires’s phobia against what was considered the anti-model, the tropical and its nonwhite bodies. In Parque Lezama they are visualized as part of the refounded city and national landscape. The poetic tropicalization of Buenos Aires is Perlongher’s most radical expression of his reconceptualization of the neobaroque and his importation of this poetics to the Río de la Plata. But what should we understand by (neo)baroque/neobarroso in Perlongher, and what does its relationship with the tropical consist of? It is certainly not new in Latin American literature. Alejo Carpentier makes the connection, in his own way, in the essay “Lo barroco y lo real maravilloso” from 1975: “nuestro mundo es barroco por la arquitectura—eso no hay ni que demostrarlo—por el enrevesamiento y la complejidad de la naturaleza y su vegetación” (CARPENTIER, 2003, p. 84).11 Carpentier links the tropics, defined as exuberant nature, to the baroque, an excessive form of writing. For him, the natural world determines writing. In contrast, Sarduy, in the essay “El barroco y el neobarroco” from 1972, restricts the term baroque to a series of tropological operations that foreground the plasticity and self-referentiality of language, questioning the possibility of realistic writing (SARDUY, 1994, p. 167-184). Perlongher also emphasizes the artificial nature of the baroque, and moves away from Carpentier’s perspective: “Mientras 10 The poetic voice wonders whether to wait for the chimney sweep until seven, since by four the smoke has already suffocated some “nosotros” (we), but decides to call the “chimeneas,” apparently meaning the company, to send someone else. This “suplente deshollinador” is black, and also “tiznado” or dirty. The “resortes” or “springs,” a machine part, indicate a commodification. 11 “Our world is baroque because of its architecture—this goes without saying—the unruly complexities of its nature and its vegetation” (Magical Realism 105).


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que el realismo maravilloso es un realismo tropical, un realismo con un poquito de follaje[, el] barroco es poético” (PERLONGHER, 2004, p. 343).12 He defines the baroque as “una operación de plegado de la materia y la forma” (PERLONGHER, 1997b, p. 93) that in the neobarroco is applied to “toda la dispersión de estilos contemporáneos” (PERLONGHER, 1997b, p. 101).13 Despite Sarduy’s influence, there is a special twist in Perlongher that comes from his participation in the Argentine literary tradition. While he refuses the essentialized relationship between the American space and baroque language that Carpentier proposes, Perlongher converts the empirical features of the geographical tropics into something poetically productive. Indeed, the Argentine writer reclaims tropicality and plays with the ambiguities of this term in his essay “El neobarroco y la revolución” (1986) where he qualifies Lezama’s writing as an “exuberante explosión del artificio barroco en la isla tropical” (PERLONGHER, 2004, p. 232).14 The idea that the baroque has been cultivated on a tropical island suggests the connection between natural excess and poetic excess. In other words, Perlongher’s underlining of the excessive tropology of the baroque is linked to the tropical landscape, as if its geography were conducive to baroque poetic writing. At first glance, this poetics does not appear significantly different from that of Carpentier. However, the restoration of tropicality becomes clearer when we remember that Perlongher intends to import it to the Río de la Plata. Renaming neobarroco as neobarroso not only highlights the shift between Cuban literature and Argentina, but also the changes involved in its transfer or translation to the new region. The river’s geography is not tropical, and shows the unnatural correspondence between excessive language and excessive nature. In other words, although he is writing from Brazil, Perlongher emphasizes that language, precisely because of its plasticity, can simulate that natural correspondence, which is not due to a causal relationship, as in Carpentier, but rather, is achieved poetically. On one hand, the tropicalization of Buenos Aires challenges the traditional Eurocentric conceptualization of the city and connects it to a Latin American tradition. The poetic tropics are spaces of 12 “While magical realism is a tropical realism, a realism with a bit of foliage [, the] baroque is poetic.” 13 “A process that involves folding matter and form”/ “the full spectrum of contemporary styles.” 14 “An exuberant explosion of the baroque device on the tropical island.”


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greater porosity, where wet contact between heterogeneous elements is exhilarating. Inserted into this new shoreline of Buenos Aires, this ensures the flow of bodies and ideas and constant exposure. The founding of a community that is becoming tropical opens the pores of a city drawn by literary history. Thus, Perlongher finds creative solutions to avoid the dichotomous paradigms of center and periphery, and country versus city, in a different way than Borges did. The resulting output is the porosity coming from the tropics. On the other hand, the tropicalization of Buenos Aires performs a radical act: the tropical is ‘de-natured’ as a response to the naturalization of the baroque. Perlongher emphasizes the sense of “tropicality” as a rhetorical act, while the geographical sense participates in and advances the process of artificialization. This thematic and rhetorical tropicality is the differential element Perlongher inserts in his poetic version of Buenos Aires, traced out as a connotative community where its elements flee from “fixity.” In short, Perlongher’s poetic act foregrounds the artificiality of representations of landscape and identities: if Buenos Aires can be represented as tropical, why couldn’t Cuba or Brazil be represented as non-tropical? Perhaps the set of characteristics attributed to the people of the tropics as traits determined by nature are not that natural, but are the result of cultural repetition, of troping (from which stereotypes often result). The process of de-naturalization is a return to the etymological meaning of tropics, as trope: which is to say, as poetry.


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WORKS CITED BRAVO, Luis. “Un diamante de lodo en la garganta.” Nómades y prófugos. Entrevistas literarias. Medellín: EAFIT, 2002. 25-32. CARPENTIER, Alejo. “Lo barroco y lo real maravilloso.” Los pasos recobrados. Ensayos de teoría y crítica literaria. Caracas: Ayacucho, 2003. 68-87. DUNN, Christopher. Brutality Garden: Tropicália and the Emergence of a Brazilian Counterculture. Chapel Hill: U of North Carolina P, 2001. LEZAMA LIMA, José. “Del aprovechamiento.” Obras completas, tomo II. México: Aguilar, 1977. 252-55. _____. El reino de la imagen. Caracas: Ayacucho, 1981. PERLONGHER, Néstor. Papeles insumisos. Buenos Aires: Santiago Arcos, 2004.

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_____. Poemas completos (1980-1992). Buenos Aires: Seix Barral, 1997. _____.Prosa plebeya. Ensayos 1980-1992. Buenos Aires: Colihue, 1997. _____.Un barroco de trinchera. Buenos Aires: Mansalva, 2006. SARDUY, Severo. “El barroco y el neobarroco.” América Latina en su literatura. Ed. César Férnandez Moreno. México, DF: Siglo XXI, 1984. 117-84. SARLO, Beatriz. Borges, un escritor en las orillas. Buenos Aires: Ariel, 1995. SARMIENTO, Domingo F. Conflicto y armonías de las razas en América. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915. VALLE IDÁRRAGA, Mónica María del. La nación en imágenes: críticas de arte de José Lezama Lima. Dissertation. Michigan State University, 2005. VÁZQUEZ-RIAL, Horacio. Buenos Aires. Barcelona: Destino, 1988.


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ZAMORA, Lois Parkinson, and Wendy B. Faris, eds. Magical Realism: Theory, History, Community. Durham, NC: Duke UP, 1995.

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“Cortem-lhe a cabeça!”: Comentário em torno de algumas fotomontagens de Jorge de Lima 297

Diego Cervelin1

Universidade Federal de Santa Catarina

“A própria história do ser consiste talvez apenas numa série de acidentes que desfiguram perigosamente, a cada época e sem esperança de retorno, a significação da essência” Catherine Malabou, Ontologia do acidente “Aprendi com meu filho de dez anos / que a poesia é a descoberta / das coisas que nunca vi” Oswald de Andrade, Pau-Brasil

Jorge de Lima, mais conhecido por sua poesia multifacetada – cheia de vozes glossolálicas –, foi o primeiro no Brasil a se dedicar à fotomontagem, um dos procedimentos surrealistas por excelência. Em fins da década de 30, ele presenteou Mário de Andrade com uma série de 11 imagens e, ao recebê-las, o escritor de Macunaíma publicou 1 Doutor em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina, com bolsa CNPq, sob a orientação da Profª. Drª. Susana Scramim.


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o texto “Fantasias de um poeta”, destacando que “a fotomontagem parece brincadeira, a princípio. Consiste apenas na gente se munir de um bom número de revistas e livros com fotografias, recortar figuras e reorganizá-las numa composição nova” (ANDRADE, 2010, p. 131) onde podemos encontrar “um meio novo de expressão” (Ibidem, p. 134). Por outro lado, tomando certa distância do termo “expressão”, Murilo Mendes considerou que a fotomontagem, além de possibilitar “uma combinação do imprevisto com a lógica” (MENDES, 2010, p. 134), também “implica uma desforra, uma vingança contra a restrição de uma ordem do conhecimento. [A fotomontagem] Antecipa o ciclo de metamorfoses em que o homem, por uma operação de síntese da sua inteligência, talvez possa destruir e construir ao mesmo tempo” (Ibidem, p. 134). Nesse sentido, as fotomontagens talvez não tenham importância apenas como materialização direta do imaginário ou mesmo de seus influxos inconscientes, senão especialmente por sua operação disruptiva com a imediaticidade do logos. Vale dizer, portanto, que a estranha unicidade das imagens formuladas através dos cortes e das montagens se destaca com alguma violência da ordem da semelhança no mesmo momento em que passa a dar lugar à configuração de um pensamento da simultaneidade, o qual, por sua vez, traz à tona o vazio inserido e, em seguida, recalcado na noção de logos como essência. Em última análise, isso implica a consideração de que, para os viventes que investiram a consistência de sua corporalidade na dimensão simbólica, um existente sempre pode ser decomposto em muitos outros coexistentes2. Esse exercício de leitura mobiliza, em certa medida, uma tentativa de fazer as imagens falarem. Ao pautar-se por esse interesse, no entanto, a leitura não recorrerá exatamente àquela écfrase [descriptio] aventada por Filóstrato, o velho. Pelo contrário, há algo aqui que se assemelha mais a uma peculiar “conjuração de fantasmas” [phantasmata]. E isso precisamente porque, na medida em que as imagens não falam por si mesmas, as suas vozes hão de vir de outras instâncias. Nesse ponto, cabe lembrar uma sentença de verve 2 Cf. AGAMBEN, 1996, p. 79-80: “Dalla radice indoeuropea che significa ‘uno’, provengono in latino due forme: similis, che esprime la somiglianza e simul, che significa ‘nello stesso tempo’. Così accanto a similitudo (somiglianza) si ha simultas, il fatto di essere insieme (da cui, anche, rivalità, inimicizia), e accanto a similare (rassomigliare) si ha simulare (copiare, imitare, da cui, anche, fingere, simulare)”.


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aristotélica segundo a qual, se as imagens não explicam tudo, ao menos elas ajudam a pensar. Isso também leva a considerar que esse exercício de leitura não está procurando desvelar o sentido único e escondido das fotomontagens; trata-se, mais antes, de fazer – inventar – algum sentido. Imagem 1 – “Sem título”, Jorge de Lima, 193? Coleção “IEB – Fundo Mário de Andrade”, USP Pode ser visualzada por meio do link: https://goo.gl/RFOZ7s

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[Imagem 1] Essa fotomontagem, assim como as que serão abordadas neste texto, fazem parte do presente dado por Jorge de Lima a Mário de Andrade em fins dos anos 303. Essa informação não é fortuita, uma vez que ela permite entrever certo nexo com alguns poemas escritos por Jorge de Lima no mesmo período. Em uma visada demasiadamente rápida, seria possível dizer que essa fotomontagem, dominada pela flutuação de três cabeças sem corpos, é o exato oposto do “Acéfalo” apresentado, em 1936, por André Masson para a revista homônima dirigida pelo dissidente surrealista Georges Bataille. O cenário é rico e cuidadosamente ornamentado para o trabalho; nele, toda matéria natural – madeira, fibra vegetal ou animal, metais e pedras – aparece sob o signo da transformação técnica: mesa oval e cadeiras, portas em caixotões, tecidos e tapeçarias, cinzeiros e fechaduras, colunas. Essa é, então, a ambientação onde aparecem – como que caídos de paraquedas, em uma flutuação assombrosa – os seres... só cabeça. De algum modo, essa fotomontagem pode ser lida como a face reversa e árida do ser criador de mundos. Tudo parece estar ordenado, tudo permanece em suspensão – como que em um silêncio sepulcral. Se alguém desejasse ouvir alguma frase produzida por essas cabeças, suas bocas não se abririam, para sempre infans, i.e., segundo o étimo latino, “que não fala”. Porém, há algo em sua flutuação que é suficientemente capaz de produzir em nós um riso estridente. Conforme Roger Bastide (1997) assinalou, em um texto já clássico sobre a poesia religiosa no Brasil, um dos topoi mais caros à atividade escritural de Jorge de Lima é, precisamente, o despedaçamento 3 Observe-se que todas as fotomontagens presentes neste ensaio, bem como os textos de Mário de Andrade e de Murilo Mendes, estão disponíveis em: http://www.apinturaempanico.com/fotomontagens.html.


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e a mutilação dos corpos. Exemplos disso podem ser encontrados facilmente em textos escritos desde começos dos anos 30, tal qual no romance O Anjo [1934], no livro de poemas A Túnica Inconsútil [1938]. Vale observar que, ao longo desses textos, o avanço da técnica é entendido, não exatamente enquanto marca de um progresso glorioso, senão especialmente enquanto processo de desenraizamento que arrisca a integridade dos corpos e a existência da vida. Trata-se, então, de perceber no cerne da técnica também um aprofundamento potencialmente mortífero da dispersão babélica. Existe, inclusive, um magnífico poema publicado em A Túnica Inconsútil que apresenta de modo extremamente pungente sua revanche à crença na infalibilidade da técnica, ou seja, “O grande desastre aéreo de ontem”, dedicado ao pintor Cândido Portinari: Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivarius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o pára-quedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranqüila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol (LIMA, 1958, p. 446).

De leste a oeste, do alto ao baixo, o destino do vivente humano não encontra glória que, logo em seguida, não possa se converter em queda, desastre, desintegração catastrófica. Ou, se assim se preferir, seguindo um pensamento que não oblitera a inescapável emergência da história dos vencidos na estória dos vencedores: da Estrela Polar ao Cruzeiro do Sul, a viagem encontra a distopia – ou melhor: ela a produz... com ferro, fogo e sangue. Mas, além disso, destacando a repetida coincidência de quedas e de verbos no tempo presente, talvez


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fosse interessante considerar que, nos termos de Walter Benjamin: “o conceito de progresso deve ser fundamentado na idéia de catástrofe. Que ‘as coisas continuam assim’ – eis a catástrofe” (BENJAMIN, 2006, p. 515). Essa dilacerante relação entre progresso e produção da barbárie, por outro lado, aparece até mesmo ao longo do poema “Arranha-céu”, publicado por Jorge de Lima em Poemas Escolhidos [1932]: O campeão mundial de misticismo[...] quis, naquela época avançada, subir no elevador para ver o céu.

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O campeão foi pelos andares parando... parando... sempre em linha vertical. [...] No derradeiro parou: nem um anjo. Então desceu, desceu, desceu e atravessou o asfalto com um medo danado de morrer sem confissão debaixo dos autos. (LIMA, 1958, p. 326-327)

Se o vivente humano em algum instante intentou transcender sua existência destacando-se do chão, ele não apenas se deparou com uma dimensão de ausência, como ainda percebeu que o próprio meio escolhido para a elevação foi capaz de levá-lo à morte, atirando-o sem qualquer clemência contra o lugar de onde ele escapara. Conforme Georges Bataille, a assunção da posição vertical na pré-história do vivente humano teria engendrado uma forte pressão sobre as descargas da região mais inferior. Não encontrando o mesmo modo de satisfação de outrora, grande parte desses impulsos vitais foi transferida para a cabeça, para o rosto – aliás, a abundância do riso e do choro poderia ser entendida inclusive como sintoma preciso dessa alteração postural (Cf. MORAES, 2002, p. 206). Por outro lado, a cabeça, nos termos de Jean-Luc Nancy, no instante em que se eleva acima do


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solo, separando em duas diferentes dimensões as mãos e os pés, também serve de protótipo imagético da criação de uma outra figura, em torno da qual o homem continua se debatendo. Essa figura é a da soberania – ou seja, nas palavras de Nancy (2003, p. 94), a substância de um sujeito cujo ser não consiste senão na elevação absoluta. Antes de tudo, a soberania proporciona a separação do alto e do baixo no ponto mais extremo, leva ao Altíssimo que causa vertigens e que, ao mesmo tempo, opera em favor da obliteração da baixeza do húmus (NANCY, 2003, p. 95). Mas há algo nesse processo que escapa ao movimento ascensional e se inscreve, como resíduo, como caput mortuum, na própria palavra. Nesse ponto, é preciso não temer a vertigem e, literalmente, decompor os elementos. “Soberano”, i.e., aquele que está na elevação mesma, em latim, diz-se superānus, termo composto pelo encontro entre super, que indica “sobre” e “excesso”, e anus, i, que indica – como bem sabemos – a abertura posterior do tubo digestivo. Nesse sentido, nos aspectos multifacetados da soberania, o excesso do superānus não se dirige apenas para o alto, senão especialmente para o baixo, para o baixio. Assim, quando o soberano está decidindo sobre o caso de exceção – segundo a fórmula de Carl Schmitt –, ele não está apenas personificando a substância acima do humus; ele também está agindo como um super ânus, um ducto excessivo de onde deriva toda sorte de perversão e vilania de que o homem é capaz. A propósito, talvez seja desnecessário assinalar que “ducto” lembra, etimologicamente, outra palavra latina, ductus, cuja significação indica um poder primário de conduzir em apenas um sentido fluxos dispersivos e impulsos fluidos. Daí que, considerando um dos mais aterrorizantes arcana imperii da política contemporânea, ductus permanece como o significado basal de duas palavras em italiano e em alemão: duce e Führer. Assim, através da fotomontagem apresentada por Jorge de Lima, esses termos podem expor especialmente a íntima relação entre a “superioridade de valores” (AGAMBEN, 2004, p. 128) e a abjeção reprimida – que retorna, aqui, como uma aparição inquietante [Unheimlich]. Ora, seria possível dizer que a fotomontagem de Jorge de Lima evoca uma tentativa soberana de rasura da acefalia? A resposta talvez seja negativa. Para dizê-lo com mais precisão, a proliferação das cabeças contém certa afinidade com a própria ausência delas – questão cara ao pensamento dos surrealistas dissidentes durante os anos 30. Aliás, no texto sobre “A conjuração sagrada”, Bataille (2013a) observou que na


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medida em que a devoção logocêntrica dos homens se transforma em necessidade ou em razão de ser para todo o universo, é a própria vida que se transforma em servil: “se não é livre, a existência torna-se vazia ou neutra e, se é livre, ela é um jogo [...] a fascinação da liberdade se enfraqueceu quando a Terra produziu um ser que exige a necessidade como uma lei acima do universo. O homem, entretanto [...] é livre para se assemelhar a tudo aquilo que ele não é no universo” (BATAILLE, 2013a, p. 3). Em um texto posterior, “Proposições”, Bataille reafirmou a compreensão de que um viver-junto capaz de exercitar a liberdade, para além da denegação da cabeça, também pode ser elaborado através tanto da bicefalia quanto da policefalia. Isso porque aquilo que resta aquém ou além do uno promove a explosão do princípio da redução à unidade inscrito na cabeça única (Cf. BATAILLE, 2013b, p. 20). É com isso, portanto, que se podem entender alguns dos aspectos evocados por Murilo Mendes em sua consideração sobre as fotomontagens de Jorge de Lima. Por outro lado, é com isso que se pode passar a abordar mais duas fotomontagens – que oscilam um tanto quanto ao sabor daquela femme 100 têtes, de Max Ernst. Imagem 2 – “Sem título”, Jorge de Lima, 193? Coleção “IEB – Fundo Mário de Andrade”, USP Pode ser visualzada por meio do link: https://goo.gl/i59Y3W

[Imagem 2] Aqui, uma forma oval, semelhante à “ovalidade” da mesa exposta logo na primeira fotomontagem, toma de assalto um rosto feminino – quem sabe, de uma estrela de cinema –, cujo corpo está coberto por um grosso casado de peles. Com pés invisíveis, ela vem sustentada por uma mão imensa, branca e gélida. Aí, pois, apresenta a vacuidade e a neutralidade de uma vida que, tendo como destinação a perspectiva de um ponto obscuro ao fundo, encontra-se solitária – como sombra espectral aproximando-se ou afastando-se de uma vida que se confunde sem restos com a morte. Em um gesto que pode indicar tanto humildade servil quanto altivez incrivelmente soberana, ela volta para nós o vazio do rosto, o apagamento de sua cabeça – ele nos observa mais do que, talvez... nós o observemos. De algum modo, o círculo vertiginoso que se sobrepõe à mão remete, então, ao pânico daquele que se depara com a ausência presente nas alturas, com a roda veloz do automóvel. Aqui, então, a claridade do ponto mais alto obscurece


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a daquele mais baixo; o sujeito se suspende, assim como sua vida está suspensa: “vejo sangue no ar”.

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Porém, configuraria um equívoco imaginar que Jorge de Lima estava propondo uma simples recusa da técnica. Tomando certa distância dessa escolha, através do discurso e do procedimento do corte e da montagem, ele talvez estivesse formulando especialmente um modo de usar a técnica, um modo de expor radicalmente aquilo que, através dela, havia sido descartado como matéria exótica – segundo o étimo, “matéria posta fora do alcance dos olhos”. Assim, em outros termos, pode-se dizer que, através da reelaboração da relação entre discurso e imagem, Jorge de Lima estava ajudando a apresentar e, ao mesmo tempo, a tornar pensável a existência da baixeza na própria consistência daquilo que se percebia apenas como altíssimo. O fluxo desse movimento fica bastante claro na terceira fotomontagem [Imagem 3]. Imagem 3 – “Sem título”, Jorge de Lima, 193? Coleção “IEB – Fundo Mário de Andrade”, USP Pode ser visualzada por meio do link: https://goo.gl/kZ5fwo

Tal imagem mantém certa semelhança com a anterior – surge, talvez, como sua contraface. O pólo iluminado é o inferior, onde pode ser visto um peculiar corpo feminino coroado por uma imensa cabeça simiesca. Há um equilíbrio muito estranho aí: pernas cruzadas, casaco quase escorregando pelos ombros, cadeira confundindo-se com o corpo sentado, mão segurando um cigarro, pé despontando sorrateiramente no canto esquerdo. Aliás, nessa recíproca ingerência entre alto e baixo, não é um completo disparate lembrar que, em um texto publicado em 1929, Bataille (2003) assumiu que o dedão do pé – não a mão, nem a cabeça – era a parte mais humana do corpo do homem. Fundamental para a manutenção da posição ereta, ele não se abstrai ao contato com a baixeza – ao passo que ele se arrasta pelo chão, também encarna um dos mais clássicos fetiches sexuais. Nesse sentido, ainda seria possível essa fotomontagem apresentasse uma centelha emblemática e, ao mesmo tempo, disruptiva da própria condição humana – daquele existente que, nascendo, vem ao mundo banhado de sangue, urina e fezes e que, crescendo, procura corporificar algum sentido. Sentido


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esse que, para alguns, deve ser único, senhor e escravo do logos ou de qualquer outra coisa capaz de ser separada e, em seguida, direcionada à elevação absoluta.

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Por outro lado, o equilíbrio inquietante da figura, além de indicar a simultaneidade de acefalia e de policefalia, também recorda com humor a definição taxonômica do vivente humano apresentada por Linneaus. Como notou Giorgio Agamben (2002, p. 32-33), o nome genérico Homo não se fazia acompanhar por nenhuma marca específica, mas antes por uma versão daquele velho adágio filosófico nosce te ipsum. Homo sapiens, nesse sentido, antes de qualificar propriedade ou essencialidade, remeteria a um imperativo – i.e., a uma sutura falível para uma ferida narcísica inescapável. Daí que, tal qual aconteceu com a decomposição dos elementos da soberania, também alguma decomposição dos elementos da definição taxonômica do animal humano traria uma deriva pelo baixo – ou melhor, pelo [i]mundo. “Homo é um animal constitutivamente ‘antropomorfo’” (AGAMBEN, 2002, p. 34), dizia Agamben. Ou seja, para que esse animal possa se reconhecer e se denominar participante do gênero Homo, ele precisa recorrer aos reflexos que o mundo lhe fornece, através de algum meio [lat. medium, gr. metaxu] – o qual pode ser a superfície esfacelada de um espelho, ou mesmo o babelório cotidiano da palavra. Porém, esse refluxo constante entre tentativa de conhecimento de si e alienação no reconhecimento de outro tampouco é inequívoco – ele deixa restos, mobiliza fissuras; algo escapa insistentemente tanto ao conhecimento quanto à alienação. Assim, conforme Coccia (2010), na medida em que uma imagem não pode ser mais do que a aparência de algo fora de seu lugar original, abstraído de sua existência natural, para o vivente humano, a reconsideração em torno da visão da imagem de sua cabeça e de seu rosto sempre adquire contornos protéticos passíveis de serem decompostos em feições simiescas, animalescas. Não obstante, através da destruição das figuras e da sua reconstrução inquietante, as fotomontagens elaboradas por Jorge de Lima talvez exponham, então, a confluência de mundos onde o pensamento pode recair, em alguma medida e mais uma vez, sobre o corpo – já não necessariamente para obliterá-lo, senão para restituir-lhe vida de um modo não pautado tão somente pelo altíssimo.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci Poletti. São Paulo: Boitempo, 2004. _____. L’Aperto. L’uomo e l’animale. Torino: Bollati Boringhieri, 2002. _____. Mezzi sensa fine. Torino: Bollati Boringhieri, 1996.

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ANDRADE, Mario de. “Fantasias de um poeta”. A pintura em pânico, 2010, p. 131. [Catálogo da exposição das fotomontagens de Jorge de Lima, sob a curadoria de Simone Rodrigues, realizada entre 15 de março e 02 de maio de 2010, na CAIXA Cultural, Rio de Janeiro]. Texto originalmente publicado no “Suplemento em retrogravura”, n. 146, O Estado de S. Paulo, 1ª quinzena de novembro de 1939. BASTIDE, Roger. Poeta do Brasil. São Paulo: Editora da USP – Duas Cidades, 1997. BATAILLE, Georges. Acephale, n. 1, [24 de junho de 1936]. Tradução de Fernando Scheibe. Desterro: Cultura & Barbárie Editora, 2013a. _____. “El dedo gordo”. La conjuración sagrada. Ensayos 1929-1936. Tradução para o castelhano de Silvio Mattoni. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2003, pp. 44-49. _____. Acephale, n. 2, [21 de janeiro de 1937]. Tradução de Fernando Scheibe. Desterro: Cultura & Barbárie Editora, 2013b. BENJAMIN, Walter. “N 9a, 1”. ___. Passagens. Organização da edição brasileira por Willi Bolle. Tradução de Irene Aron e Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte – São Paulo: Editora da UFMG – Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. COCCIA, Emanuele. A vida sensível. Tradução de Diego Cervelin. Desterro: Cultura & Barbárie Editora, 2010. LIMA, Jorge de. Obra completa. Vol. 1. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958. MENDES, Murilo. A pintura em pânico, 2010, p. 134. Publicado originalmente em A pintura em pânico. Rio de Janeiro: Tipografia Luso-Brasileira, 1943.


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MORAES, Eliane Robert. O corpo impossível. A decomposição da figura humana: de Lautréamont a Bataille. São Paulo: Iluminuras, 2002. NANCY, Jean-Luc. La creazione del mondo o la mondializzazione. Tradução italiana de Davide Tarizzo e Marina Bruzzese. Torino: Einaudi, 2003.

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“Cut off his head!”: Commentary on Some Jorge de Lima’s Photomontages

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Diego Cervelin1

Universidade Federal de Santa Catarina

“A própria história do ser consiste talvez apenas numa série de acidentes que desfiguram perigosamente, a cada época e sem esperança de retorno, a significação da essência” Catherine Malabou, Ontologia do acidente “Aprendi com meu filho de dez anos / que a poesia é a descoberta / das coisas que nunca vi” Oswald de Andrade, Pau-Brasil

Jorge de Lima, probably better known for his multifaceted poetry (full of glossolalic voices), was the first in Brazil to devote himself to photomontage. In the late 1930s, he gave a set of eleven 1 PhD in Literary Theory, Universidade Federal de Santa Catarina [Brazil], and recipient of the CNPq fellowship.


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images as a gift to Mário de Andrade. After receiving them, the writer of Macunaíma published a text—“Fantasies of a poet”—considering that “photomontages might seem a joke at first. They only involve us armed with photographs, cutting out the pictures and reorganizing them in a new composition” (ANDRADE, 2010, p. 131) giving rise to a “new means of expression” (Ibidem, p. 131). On the other hand, by taking some distance from the term “expression,” Murilo Mendes noticed that photomontage, besides enabling “a combination of logic and the unforeseen” (MENDES, 2010, p. 134), also “implies a retaliation, a revenge against restrictions of an order of knowledge. It anticipates the cycle of metamorphosis in which man, through an operation of synthesis of his intelligence, can perhaps destroy and construct at the same time” (Ibidem, p. 134). In this sense, the importance of photomontages may not only derive from the comprehension that they could present a direct materialization of imaginary, but especially by their disruptive effort, which is directed, at first, to a desired immediacy of logos. Or better, it is valid to consider that the strange uniqueness of these photomontages is not only directed to question the order of similarity; at the same time, they open a space to configure simultaneity—which brings to the fore an uncanny dimension: the vacuous (and soon after repressed) present in the notion of logos as a closed essence. Ultimately, it implies that, for the living beings who have invested the consistency of their corporeality in symbolic influence, an existent can always be decomposed into many other coexistents (Cf. AGAMBEN, 1996, p. 79-80). This exercise of reading somehow promotes an attempt at making images speak. Thus, the exercise will not appeal exactly to the ekphrasis [descriptio] mooted by Philostratus, the Old. On the contrary, there is something here that seems more like a “conjuration of ghosts” [phantasmata]—especially because, if images do not speak by themselves, their voices shall come from other instances. At this point, it is worth remembering a sentence of Aristotelian origin whereby, if images cannot explain or even clarify everything, at least they can help to think. It also means, however, that this reading is not looking for the unique hidden signification in some photomontages but is an experience of making—of inventing—some sense.


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Image 1—“No title,” Jorge de Lima, 193? Collection of “IEB—Fundo Mário de Andrade,” USP It can be visualized through the following link: https://goo.gl/RFOZ7s

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This first photomontage [Image 1], as the other one that will be discussed in this text, is part of the gift that Jorge de Lima gave to Mário de Andrade in the late 1930s2. This information is not fortuitous, since one can find a certain relation with some poems written by Jorge de Lima in the same period. At first sight, it could be possible to say that this image, dominated by the fluctuation of three heads without bodies, is the exact opposite of the Acéphale, “headless,” presented by André Masson, in 1936, to illustrate the cover of the homonymous journal directed by the group around Georges Bataille. The scenery is rich and carefully decorated for work; in this space, all natural matter—wood, vegetable or animal fibers, metals and stones—appear under the sign of technical transformation: oval table, chairs and doors with panels, fabrics and tapestries, ashtrays and locks, columns. This is the ambiance where beings... just heads, can appear, suddenly, as terrifying specters. Somehow, this photomontage could be understood as the reverse and barren face of the being creator of worlds. Everything seems to be organized; everything remains in suspension—as in a sepulchral silence. If someone could imagine any phrase produced by these heads, their mouths would not open, forever infans—from Latin, “which does not speak.” However, there is something in their fluctuation able to make us utter a shrill laugh. As Roger Bastide (1997) has noticed in a classical essay about Brazilian religious poetry, one of the most recurrent topoi in Jorge de Lima’s scriptural activity is, precisely, the dismemberment of bodies. Examples can be easily found in texts written since the late 1920s, as in the study of Proust [1929], in the novel O anjo [“The angel,” 1934], in the book A túnica inconsútil [“The seamless tunic,” 1938]. It is important to consider that, through a great part of these texts, the advancement promoted by technique is not understood just as a glorious sign of progress, but especially as a process of uprooting that risks the integrity of bodies and the existence of life. In other words, 2 All photomontages presented here can be found at http://www.apinturaempanico.com/fotomontagens.html.


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progress could not be thinkable without the consideration of a gradual deepening of Babelish dispersion. There is a stunning poem published in A túnica inconsútil that exposes some revenge against belief in the infallibility of technique—“O grande desastre aéreo de ontem” [“The great air disaster of yesterday”], dedicated to Cândido Portinari:

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Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivarius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o pára-quedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranqüila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol. (LIMA, 1958, p. 446) 3

From east to west, from high to low, the destinations of humans do not encounter any glory but fall, disaster, catastrophic disintegration. In other words, and following a thought that does not obliterate the inescapable emergency of the history of the subdued on the story of the vanquisher: from the Polar Star to the Crux, voyage encounters dystopia, 3 “I see blood in the air; I see the aviator who was carrying a flower to his bride, embraced with the propeller. And the violinist in which death has accentuated his paleness, crashing with his black head of hair and his Stradivarius. There are hands and legs of dancers hurled in the explosion. Unrecognizable bodies identified by the Great Recognizer. I see blood in the air; I see bloody rain falling on the clouds baptized by the blood of martyr poets. I see the so-beautiful swimmer, in her last jump of bather, coming faster because she comes with no life. I see three girls falling fast, swelled as they were dancing. And I see the crazy woman embraced with a bouquet of roses that she thought to be a parachute, and the prima donna with her long tail of sequins scratching sky as a comet. And the bell that was going to a chapel on the west, tooling funeral notes for the poor deceased. I presume that the sleeping girl in the cabin still comes asleep, so quiet and blind! Friends, the paralytic comes with extreme rapidity, comes like a shooting star, comes with the legs of wind. It is raining blood on the clouds of God. And there are myopic poets thinking that it is the afterglow.” Jorge de Lima. “O grande desastre aéreo de ontem.” Obra completa. Vol. 1. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958, p. 446.


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or better, produces it with iron, fire and... blood. But, furthermore, while pointing out the repeated coincidence of fall and failure, past time and verbs in the present tense, it could be interesting to consider, in Walter Benjamin’s words, that “the concept of progress must be grounded in the idea of catastrophe. ‘Things continue like this’—this is the catastrophe.” (BENJAMIN, 1996, p. 515). This excruciating relation between progress and catastrophe can also be perceived in the poem “Arranha-céu” [“Skyscraper”], published by Jorge de Lima in the book Poemas escolhidos [“Selected poems,” 1932]: O campeão mundial de misticismo[...] quis, naquela época avançada, subir no elevador para ver o céu.

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O campeão foi pelos andares parando... parando... sempre em linha vertical. [...] No derradeiro parou: nem um anjo. Então desceu, desceu, desceu e atravessou o asfalto com um medo danado de morrer sem confissão debaixo dos autos. (LIMA, 1958, p. 326-327) 4

Well, if humans have sometimes wanted to transcend their existence by taking distance from the ground, they have not only faced a dimension of absolute absence, but they have also realized that the way chosen for elevation was capable of giving them death, taking them back with no mercy to the place from which they had escaped.

4 “The world champion of mysticism, / [...] / wanted, in that advanced age, / to go up in the elevator / to see the sky. // The champion has gone through the air / stopping... / stopping... / always in a vertical line. // On the top floor, he stopped: / nor an angel. / Then, he came down, / down, / down / and crossed the asphalt / with a so darn fear / of dying with no confession / under the cars.” Jorge de Lima. “Arranha-céu.” Obra completa. Vol. 1. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958, pp. 326-327.


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According to Georges Bataille, the assumption of a vertical position in the infancy of humans would have caused a strong repression on discharges produced in the lower region of their body. So, as they have not found the same way for the satisfaction of yore, a great part of its vital impulses has been transferred to heads, to faces—besides, the abundance of laughter and tears could even be understood as symptoms of postural change. (Cf. MORAES, 2002, p. 206) In terms adopted by Jean-Luc Nancy (2003), once the head has raised from the ground, disconnecting hands and feet in two dislocated dimensions, the same movement has given space to the formulation of an ontological prototype around which mankind historically remains struggling—sovereignty, which is the substance of a subject whose being consists in absolute elevation. Above all, this means that sovereignty carries separation of high and low to the most extreme point, carries it to the very highness [Altissimus] causing vertigo and, at the same time, operates through the obliteration of the very lowness of humus (Ibidem, p. 27). However, there is something very interesting in this historical and ontological movement that escapes from ascent and inscribes itself as a residue (as a caput mortuum) in a word. “Sovereign,” who is in the elevation itself, used to be named superānus in Latin, a term built by the matrimony between super, which indicates “over,” and anus, i, which indicates— as we know quite well—the posterior hole of the digestive tract. In the multifaceted aspects of sovereignty, the excess of superānus is not only directed to the high, but also to the low. So, when the sovereign is making a decision about the case of exception, he is, according to Carl Schmitt’s elaboration, not only personifying substance over humus; he is also acting out as a super anus, as an excessive duct from where all manner of perversion and bloodiness comes, indeed all manner of perversion that humans are capable of. By the way, maybe it would be unnecessary to point out that “duct” reminds us of another Latin word, ductus, whose signification indicates a primary power to conduct in just one way dispersive flows or fluid impulses. But, considering one of the most terrifying arcana imperii in contemporary politics, ductus remains as the fundamental meaning of two words in Italian and German: duce and Führer. So, through the photomontage presented by Jorge de Lima, these terms can especially expose the intimate relation between “superiority of values” (Cf. AGAMBEN, 2004) and repressed abjection, which returns, here, as an uncanny apparition.


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Well, could it be possible to accept that Jorge de Lima’s photomontage simply evocates an attempt to erase acephalia? The answer is, in my opinion, negative. To be more precise, the proliferation of heads contains certain affinities with the absence of a head. In a text about “The sacred conjuration,” Bataille (2013a) has observed that since the logocentric devotion of humans is turned into necessity, into the unique reason of existence for the entirety of the universe, it is life itself that becomes slavery. So, “if it is not free, existence becomes empty or neutral, and, if it is free, existence is a play [...] The fascination of liberty became poor when the Earth produced a being that demands necessity as a law above the universe. However, men [...] are free to resemble anything different from what, in the universe, they are not” (BATAILLE, 2013a, p. 3). In a later text, “Propositions,” Bataille (2013b) has reaffirmed the comprehension that a livingtogether, habilitated to exercise liberty, beyond the denial of the head, can be elaborated through bicephalia or even through policephalia. According to the French thinker, it can be considered as such because everything that remains at a distance from the undivided tends to promote an explosion of the principle of reduction to unity which has been engraved on the only one head. So, if these words can be accepted, it is now time to deal with two other photomontages [Images 2, 3].

Image 2—“No title,” Jorge de Lima, 193? Collection of “IEB—Fundo Mário de Andrade,” USP It can be visualized through the following link: https://goo.gl/i59Y3W

Right here, in this second photomontage [Image 2], an oval white shape, very similar to the shape viewed in the first photomontage, covers up the face of a female figure, which could be a movie star, and whose body is dressed in a heavy coat fur. With invisible feet, she is carried by an immense, white and frosty piece of hand. Here is the vacuousness and neutrality of a life which, having as destination the perspective of a foggy spot in the background, finds itself in solitude—a spectral shadow that is coming closer or moving away from a life that seems to be just death. With a gesture that can indicate at the same time servile humility and sovereign lordliness, this figure turns to us the emptiness of its face, the veiling of its head—maybe, this wobble is


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observing us more than we are observing it. Somehow, the vertiginous circle overlying the hand refers to the panic felt by one who finds the presence of absence in the high sky, and the swift turning of automobile wheels on the ground. Then, here is the ambiance where clarity that comes from the highest portion makes the lowest one obscure; the subject is suspended as its own life is suspended: “I see blood in the air.”

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Even so, it might be a mistake to imagine that Jorge de Lima was proposing a very simple denial of technique. Taking distance from that choice, it is possible to consider that he was formulating a way to reuse technique; a way to radically expose something that, with the aid of technique, has been thrown away as an exotic matter—according to its etymon, “matter taken away from the reach of eyes”. In other words, it is possible to understand that Jorge de Lima was helping to present and, simultaneously, to make thinkable the existence of lowness in the consistency of what used to be perceived only as highness. The fluxes of that impulse are quite clear in the third photomontage.

Image 3—“No title,” Jorge de Lima, 193? Collection of “IEB—Fundo Mário de Andrade,” USP It can be visualized through the following link: https://goo.gl/kZ5fwo

This third photomontage [Image 3] maintains a certain similarity to the previous one—but, it probably appears as its counterface. Now, the illuminated portion is the lower one, where one can see a peculiar female body crowned by a tremendous simian head with the mouth open as offering a hint of a smile. There is a very strange balance in this figure: crossed legs, coat close to slipping off the shoulders, chair mixed with the seated body, hand holding a smoked cigarette, foot coming sneakily out on the left portion. By the way, in this reciprocal intercourse between high and low, it is not an absurd to remember that Georges Bataille (2003) has considered the big toe—and not hands or even the head—as the most human part of the human body. Fundamental for the maintenance of an erect posture, the big toe cannot detach itself from contact with lowness—and while it is dragging on the floor, it also incarnates one of the best-known sexual fetishes. In


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this sense, maybe this photomontage could present a very emblematic and disruptive spark of humankind’s own condition.

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But, upon examination of the photomontage, it seems that there is a foot touching an illumineted floor—maybe it can be enough to promote a complete change in the understanding of the human figure, by its own head and face. The strange balance in that image, besides indicating simultaneity both acephalia and policephalia, also recalls, with humour, the taxonomic definition of human presented by Linnaeus in the 18th century. As Giorgio Agamben has noticed in his book The open [2002], next to the generic name Homo there was no specific mark or sign, but a version of the very old philosophic adage nosce te ipsum, “know thyself.” The name Homo sapiens, in this sense, before qualifying any property or essentiality, suggests an imperative (Cf. AGAMBEN, 2002, p. 32-33)—an unreliable suture for an insistent narcissist wound. Thus, as it has been the case with the disarticulation of the terms of sovereignty, also the disarticulation of the elements of the taxonomic definition of human points out to a fluctuation around lowness—or, better, around the world itself. “Homo is just an animal constitutively ‘anthropomorphic,’” as Agamben would have said (2003). In other words, for being recognized and denominated as a participant of the genus Homo, such an animal must appeal to the reflections that the world provides to it through any media—in the specific sense of metaxu, in Greek, or medium, in Latin—which can be the broken pieces of a mirror or even the Babelish chatter of quotidian language. However, the incessant flux between attempt at self-knowledge and alienation in the recognition of others is not unequivocal either—it leaves residues, it mobilizes fissures, because there is always something that escapes, at the same time, from knowledge and alienation. Therefore, if an image cannot be more than the appearance of something out of its original place, for the human, the reconsideration around the vision of the image of its own head or face will always have to deal with prosthetic contours easily capable of being disarticulated into simian, animal features. Nevertheless, crossing through the destruction of figures and their uncanny reconstruction, the photomontages formulated by Jorge de Lima during the late 1930s still expose the confluence of virtual worlds where thought can return, one more time, to bodies—and now not necessarily to obliterate them, but to restitute some possibility of


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an existence not exclusively sovereign, or better, to remind of the ethic ability to invent some manner of living beyond any sovereignty.

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WORKS CITED AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci Poletti. São Paulo: Boitempo, 2004. _____. L’Aperto. L’uomo e l’animale. Torino: Bollati Boringhieri, 2002. _____. Mezzi sensa fine. Torino: Bollati Boringhieri, 1996.

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ANDRADE, Mario de. “Fantasias de um poeta.” A pintura em pânico, 2010, p. 131. [Catálogo da exposição das fotomontagens de Jorge de Lima, sob a curadoria de Simone Rodrigues, realizada entre 15 de março e 02 de maio de 2010, na CAIXA Cultural, Rio de Janeiro]. Texto originalmente publicado no “Suplemento em retrogravura,” n. 146, O Estado de S. Paulo, 1ª quinzena de novembro de 1939. BASTIDE, Roger. Poeta do Brasil. São Paulo: Editora da USP – Duas Cidades, 1997. BATAILLE, Georges. Acephale, n. 1, [24 de junho de 1936]. Tradução de Fernando Scheibe. Desterro: Cultura & Barbárie Editora, 2013a. _____. “El dedo gordo.” La conjuración sagrada. Ensayos 1929-1936. Tradução para o castelhano de Silvio Mattoni. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2003, pp. 44-49. _____. Acephale, n. 2, [21 de janeiro de 1937]. Tradução de Fernando Scheibe. Desterro: Cultura & Barbárie Editora, 2013b. BENJAMIN, Walter. “N 9a, 1.” Passagens. Organização da edição brasileira por Willi Bolle. Tradução de Irene Aron e Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte – São Paulo: Editora da UFMG – Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. COCCIA, Emanuele. A vida sensível. Tradução de Diego Cervelin. Desterro: Cultura & Barbárie Editora, 2010. LIMA, Jorge de. Obra completa. Vol. 1. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958. MENDES, Murilo. A pintura em pânico, 2010, p. 134. Publicado originalmente em A pintura em pânico. Rio de Janeiro: Tipografia Luso-Brasileira, 1943.


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MORAES, Eliane Robert. O corpo impossível. A decomposição da figura humana: de Lautréamont a Bataille. São Paulo: Iluminuras, 2002. NANCY, Jean-Luc. La creazione del mondo o la mondializzazione. Tradução italiana de Davide Tarizzo e Marina Bruzzese. Torino: Einaudi, 2003.

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O “modernismo de estado” e a política cultural brasileira na década de 1940: Candido Portinari e Gilberto Freyre nos EUA 320

Thiago Lima Nicodemo

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Estudos Brasileiros/USP

Uma das características mais marcantes da história da cultura do Brasil no século XX é a apropriação seletiva do ideário de vanguarda pelo Estado Novo no início da década de 1940 e a consequente ascenção do repertório de uma brasilidade “modernista” ao panteão da identidade nacional. Marcante porque essa foi uma tendência dos estados autoritários nos anos 1930 e 1940 mas que em raros casos foi tão bem sucedida em termos de sua escala de expansão em massa e de sua longevidade como no caso brasileiro. O futurismo italiano (GENTILE 2009; BERGHAUS 1996) e o construtivismo russo, foram, por exemplo, casos análogos de apropriação da estética de uma


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típica vanguarda na construção de um ideal de formação cultural e de identidade nacional do Estado autoritário. Uma diferença significativa que aproxima o caso russo do brasileiro (e distancia os dois do caso italiano) é o problema da fixação desses ideais nas décadas seguintes. No caso italiano, os ideais estéticos futuristas foram rechaçados com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrocada do fascismo. No Brasil, assim como na Rússia, a estética da vanguarda modernista “vingou”, atribuindo contornos peculiares à identidade nacional num momento chave que é o do mundo pós-Segunda Guerra Mundial (GOUGH 2005; TUPITSYN 1992). Chave pois é um momento de expansão da indústria e da cultura de massa, criando canais para a difusão dessas ideias em escala sem precedentes.

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A peculiaridade do caso brasileiro não passou desapercebida pelos especialistas na história política e cultural do Estado Novo. Angela de Castro Gomes analisa, em sua obra História e Historiadores a formação de uma “cultura histórica” nos anos 1940 derivada de uma centralização da política cultural, graças à implantação de um novo modelo técnico-administrativo, com a fundação de instituições como o Departamento de Imprensa e Propaganda, em dezembro de 1939. Segundo a autora, uma estratégia cultural do Estado vai ganhando contornos definidos no início dos anos 1940, quando “ideias nacionalistas ligadas à produção de um passado comum passaram a ganhar uma sustentação de massas no Brasil ou, visto por outro angulo, tornaram-se objeto de políticas públicas mais consistentes” (GOMES 1996, p. 19). Este texto procura apontar a importância da divulgação internacional da “brasilidade” na definição da identidade cultural do Estado Novo, aprofundando a investigação sobre o processo de apropriação do passado nacional e seus usos políticos e sociais durante o período. Em um primeiro momento procura analisar o problema da “cooptação” pelo Estado autoritário de pensadores chave, agentes culturais cujo protagonismo foi sendo construído desde a militância modernista na década de de 1920. Em um segundo momento, enfatiza o papel de instituições e agentes norte-americanos, tais como a Hispanic Foundation, da Library of Congress nas trocas culturais provocadas pela aproximação entre Brasil e Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Uma ênfase é dada à questão editorial, por meio da análise


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do papel do editor norte-americano Alfred Knopf como um mediador cultural fundamental, responsável pelo lançamento, em primeira mão, de autores como Machado de Assis, Gilberto Freyre, Jorge Amado e Guimarães Rosa, dentre outros. Por fim, propõe-se um olhar dos casos paradigmáticos de Cândido Portinari e Gilberto Freyre, enfatizando obras concebidas especificamente para introduzir o Brasil ao público estrangeiro. Ambos operam uma espécie de tradução cultural de seus horizontes, mobilizando chaves criativas de explicação do passado brasileiro, criando paralelismos com a cultura norte-americana e latinoamericana, bem como atualizando seus discursos para os horizontes temporais abertos no contexto da 2° Guerra Mundial.

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Modernismo de Estado Para aprofundarmos esta questão devemos adentrar em uma das questões mais contraditórias da história intelectual brasileira: a relação entre intelectuais e Estado durante o Estado Novo. Muitos dos intelectuais importantes na definição da identidade brasileira escapam das categorias delineadas por Sergio Miceli em sua obra “Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil” e obrigam uma reavaliação dos sentidos e implicações da “cooptação”. Este é um aspecto curioso do universo dos intelectuais envolvidos na divulgação cultural do Brasil do início da década de 1940. Nenhum deles ocupava um espaço institucional privilegiado, sua relação com o Estado era, em muitos casos, rarefeita ou conturbada. Seus laços e projetos são captados de forma muito insuficiente e falha por critérios da sociologia do conhecimento, que leva em consideração fatores como a formação, herança familiar, situação de classe ou posição política. Evidentemente essa observação não compromete ou invalida as conclusões de Miceli, já que seu recorte é muito mais amplo em termos temporais, remontando à Primeira República, e privilegia a proximidade ou organicidade que os intelectuais tem com o Estado. No entanto, não custa observar que no prefácio à obra, Antonio Candido já falava de uma “contaminação hermenêutica” ao se referir a imprecisões no tratamento de intelectuais que não se curvaram aos desígnios do Estado Novo (CANDIDO 2002, p.74). Os casos de intelectuais que, mesmo ocupando cargos estatais não “alienam sua


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autonomia mental”, para recorrer aos termos do mesmo Candido ao referir-se ao caso de Drummond, devem ser vistos, na perspectiva de Miceli, como exceções que confirmam a regra. De qualquer modo, a proposta analítica de Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil é buscar padrões, quase tipos ideais que organizam a nova dinâmica que vem sendo estabelecida no Brasil coma instauração da ordem burguesa moderna da Primeira República. Como ensina a sociologia alemã de Weber e Simmel, esses tipos ideais como os “homens sem profissão”, “escritores-funcionários e funcionários-escritores”, “primos pobres”, dentre outros, dificilmente encontram correspondência precisa na realidade, são, na melhor das hipóteses, reduções formais elaboradas a partir da realidade histórica. A compreensão dos intelectuais em missão de divulgação cultural na década de 1940 resiste ao enquadramento sistemático nas categorias propostas por Miceli, ao analisarmos suas trajetórias de forma pormenorizada. Um ótimo exemplo é o caso do intelectual Sérgio Buarque de Holanda, um dos agentes de divulgação cultural na década de 1940. Nascido em São Paulo em 1902, Sérgio Buarque transferiu-se ao Rio de Janeiro para estudar na Faculdade Nacional de Direito em janeiro de 1921. Desde que chegou operou como elo entre o círculo de intelectuais modernistas do Rio de Janeiro e de São Paulo, aproximando paulistas como Mario de Andrade a intelectuais radicados no Rio de Janeiro como Graça Aranha, Ribeiro Couto, Ronald de Carvalho, Manuel Bandeira, dentre outros (GOMES 1993, p. 67; MORAES 2007, p. 86). Pouco tempo depois, em 1924, criou a revista Estética, coeditada com seu colega de Faculdade Nacional de Direito, Prudente de Moraes, neto. Com a atuação na revista os dois amigos puderam ampliar consideravelmente seus canais de sociabilidade, entrando em contato com jovens escritores de Minas Gerais, como Pedro Nava e Carlos Drummond de Andrade; do Recife, como o recém-chegado dos EUA, Gilberto Freyre; e de Alagoas, como Câmara Cascudo. Em 1936, Sérgio publicou Raízes do Brasil, como número um da Coleção Documentos Brasileiros, dirigida por Gilberto Freyre e foi no mesmo ano contratado para lecionar na recém-fundada Universidade do Distrito Federal. A ascenção à universidade ocorreu graças ao mesmo Prudente de Morais, neto, então diretor da Escola de Filosofia e Letras e que seria meses depois também seria seu padrinho de casamento. Além dos mencionados, também foram seus companheiros de docência, Afonso


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Arinos de Melo Franco, amigo e ex-colega de faculdade de Direito, Manuel Bandeira, Gilberto Freyre, Mario de Andrade, Portinari, Villa Lobos, dentre outros. Com o fim da universidade em 1939, Sérgio Buarque e Mario de Andrade foram transferidos ao Instituto Nacional do Livro. Foi nesse contexto que estreitou sua colaboração com Rubens Borba de Moraes, então diretor da Biblioteca Municipal de São Paulo que organizava com o professor norte-americano William Berrien, o Handbook of Brazilian Studies. Sérgio assim se aproximou de Lewis Hanke, diretor da Hispanic Foundation e ligada à Library of Congress. Foi através dessa ligação que viajou aos Estados Unidos em 1941 conferindo palestras no Wyoming, e participando de um debate na Universidade de Chicago. Também realizou pesquisa na Library of Congress e viajou à Nova Iorque. Não seria exagerado afirmar que o interesse suscitado pela colaboração com os Estados Unidos contribuiu para despertar o interesse na pesquisa que produziu as obras Monções (1945) e, posteriormente, Caminhos e Fronteiras (1957)1. A análise da trajetória intelectual de Sérgio Buarque de Holanda leva a seguinte indagação: não seriam os traços em comum entre diversos intelectuais que viajaram em missão de divulgação cultural nos Estados Unidos na década de 1940, tais como - além do próprio Sérgio Buarque, Rubens Borba, Freyre, Portinari, Villa Lobos, José Honório Rodrigues - suficientes para afirmar que se trata de um grupo, ou, pelo menos, intelectuais que possuem um perfil em certa medida semelhante, que constroem, ao longo de suas carreiras, certo “lugar social” em relação ao Estado? Militantes da causa modernista nos anos 1920, urdiram um conjunto de relações sociais ao longo da década em torno a seus projetos intelectuais e de figuras mestras, com o caso de Mario de Andrade. Sedimentaram também seus caminhos à capital federal onde ascendem a cargos públicos graças principalmente as circunstancias excepcionais de criação da efêmera Universidade do Distrito Federal (FERREIRA 2006, p.140-142). Com sua dissolução, muitos passaram a ocupar cargos no Ministério da Educação e Saúde. Do ponto de vista da produção intelectual, frequentaram os círculos da Editora José Olympio e escreveram em revistas como a Revista do Brasil, em sua terceira fase. Suas cartas, assim como alguns 1 Monções foi planejado pelo menos desde 1942 e destinado a um concurso promovido por instituição Norte-Americana. WEGNER 2000, p. 92.


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de seus textos mostram que do ponto de vista político muitos desses intelectuais tinham uma relação de descontentamento e de desgaste com o governo Vargas (DE LUCA 2011; NICODEMO 2004). Alguns deles, como é o caso de Sérgio Buarque e Mario de Andrade, se envolvem na criação de instituições que contestavam o regime tais como a Esquerda Democrática, embrião do Partido Socialista à Associação Brasileira de Escritores.

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Antonio Candido chamou atenção para esse fenômeno em seu celebre texto sobre a revolução de 1930 e a cultura. A política cultural do Estado Novo pauta-se por uma “normatização” ou “generalização” dos ideais modernistas que na década anterior ainda circulavam em caráter reduzido, “excepcional, restrito e contundente próprio das vanguardas” (CANDIDO 1987, p. 185). O “modernismo de Estado” é um termo em alguma medida provocativo que procura chamar atenção para a necessidade de aprofundamento no estudo dessas trajetórias intelectuais e da sua conturbada e contraditória relação com o Estado Novo, complexificando o que tente a ser simplificado no frágil e tão usual emprego da noção de “cooptação”.

Brasilianismo às avessas: agentes e instituições norte-americanas Grande parte da bibliografia sobre as relações entre Brasil e Estados Unidos no período tende a abordar o problema da Política da Boa-Vizinhança, especialmente durante o período da Segunda-Guerra Mundial, nos termos do imperialismo cultural e portanto quase como uma via de mão única. Neste sentido se enfatiza a difusão dos valores culturais norte-americanos como uma interface dos interesses políticos e econômicos dos EUA sobre a América Latina em contraposição com os interesses do Eixo. A criação do “Office of the coordenador of Inter-American Affairs” em agosto de 1940 opera como um marco pois unifica interesses econômicos, estratégicos e política cultural em uma só agência, liderada de forma emblemática, pelo magnata Nelson Rockefeller. Essa ênfase é mais do que justificada graças ao forte impacto que imagens e produtos patrocinados pela agência tiveram no imaginário do período, muito em função da permeabilidade da cultura de massa, mormente do cinema. Sadlier e Tota já mostraram os bastidores da produção e a recepção dos filmes propagandísticos de


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Walt Disney, tais como “Saludo Amigos” e da consolidação de figuras como Carmem Miranda (SADLIER 2012, p. 14-33)

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Um dos possíveis equívocos implicados na postura de que o Brasil foi simplesmente submetido aos desígnios do imperialismo norte americanos é pressupor que a cultura brasileira exportada refletia de algum modo a identidade cultural do país, identidade estável e pronta (WILLIAMS 2001, p. 227). Este texto procura refletir de forma complementar, defendendo a ideia de que o novo horizonte vislumbrado pela aproximação com os EUA, horizonte este de novos modos de vida, novas modalidades produtivas e, claro, de fixação da cultura de massa, cria possibilidades sem precedentes para a reconfiguração da identidade nacional brasileira. O que esta em jogo é a historicidade da identidade cultural brasileira forjada no Estado Novo, mas, longeva em todo o século XX. Devemos portanto falar em uma política cultural que foi reforçada graças as excepcionais circunstâncias de divulgação do Brasil no mundo, de um projeto agressivo de projeção do país como potência global na nova configuração da ordem mundial ensejada pela 2° Guerra Mundial. Um marco fundamental deste processo é o pavilhão brasileiro na Feira Mundial de Nova Iorque, de 1939-1940. A estratégia de exposição do Brasil seguia a linha geral do evento, qual seja “The World of Tomorrow” ou “o mundo do amanhã”. O discurso confluía na apresentação de uma potência mundial a eclodir em um futuro próximo, que conciliava de forma excepcionalmente harmônica a força de seu passado, em seus potenciais naturais (e de potência agro-exportadora) e a linguagem da modernidade (COTTER, 2009). Nesse sentido a força da exposição brasileira vinha das linhas arrojadas da arquitetura do pavilhão, concebidas por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. A construção tinha dois andares, formato em L, com todas as características da escola internacional, particularmente resumidos nos Cinco Pontos Para uma Nova Arquitetura de Le Corbusier, a brise soleil (quebrasol), pan de verre (pano de vidro ou courtain wall), térreo com pilotis e planta livre, faltando apenas o teto-jardim (HORMAIN 2012, p. 60). O elo entre o nacional e o moderno era apresentado pela simplicidade do traço, como se arquitetura permitisse que a natureza falasse. Sacada ondulante, materiais de ponta, curvas da parede externa com janelas de vidro figurando uma ampla iluminação natural com vista para o lago


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com vitórias regias, com rampa e vão que levam a entrada principal (WILLIAMS 2001, p. 208).

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Imagem 1 – Lewis Hanke, William Berrien, Antonio Edgar Carvalheiro, Gilda Rocha (futura Gilda de Mello e Souza), Luis Saia, Rubem Braga e o próprio Rubens Borba. Acervo Mario de Andrade, IEB-USP. MA-F-2093 Candido et. al. São Paulo, 1940.

Como observa Williams em estudo sobre a política cultural do Estado Novo, a identidade da escola brasileira de arquitetura moderna estava longe de estar definida quando na época da feira de Nova Iorque. O grande exemplo da arquitetura de vanguarda brasileira, o “Palácio Capanema”, concebido para ser sede do Ministério da Educação e Saúde em 1936, estava ainda em construção. Praticamente ao mesmo tempo que o Brasil se apresentava na feira de Nova Iorque, o então diretor da Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso visitava o Brasil. A intenção dos dois professores norte-americanos era, além do convite para os eventos nos Estados Unidos no ano seguinte, estabelecer alianças e sobretudo alinhavar colaboradores brasileiros para o projeto de um Handbook of Brazilian Studies. Rubens Borba de Moraes, egresso do modernismo paulista, braço direito de Mario de Andrade em sua gestão no setor de informações e bibliotecas do Departamento de Cultura de São Paulo (1935-1938) foi escolhido como co-editor da obra ao lado de Berrien. A missão era repetir, mesmo que em menor escala, o sucesso da coleção


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Handbook of Latin American Studies editada desde 1936 por Lewis Hanke e, desde 1939, sediada na Library of Congress. Após vários percalços o livro foi apenas editado no Brasil em 1949, publicado pela livraria Martins, com o título de Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros.

Um “José Olympio” norte americano: Alfred Knopf

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A coleção de documentos da extinta Editora Alfred Knopf está no Harry Ransom Center da Universidade do Texas em Austin. Knopf teve papel ativo na tradução de obras brasileiras nos Estados Unidos a partir do início da década de 1940 quando, graças à colaboração entre o editor, Lewis Hanke e Freyre. Quando esteve nos Estados Unidos, entre 1943 e 1944 lecionando nas universidades de Harvard e Indiana, Freyre negociou os direitos e acompanhou as discussões sobre a publicação de sua obra Casa Grande e Senzala em inglês com o editor. Simultaneamente as conferencias proferidas nessas universidades foram publicadas em uma obra intitulada Brazil: an Interpretation. A tradução de Casa Grande e Senzala ao inglês tem um papel central no contexto de aproximação entre intelectuais brasileiros e norte-americanos porque marca um momento em que Lewis Hanke e a Library of Congress atuam como vetores do Departamento de Estado Norte Americano. Neste contexto, Hanke articula o capital cultural acumulado nos primeiros anos de Handbook of Latin-American Studies e com a primeira viagem ao Brasil, consolidando uma rede de atuação em torno dos “estudos brasileiros” nos Estados Unidos. Um caso exemplar é o de Samuel Putnam, colaborador titular de literatura brasileira do Handbook of Latin-American Studies. Desde o início dos anos 1940 vinha trabalhando na tradução do Os Sertões, de Euclides da Cunha, publicado como Rebelion in the Backlands, em 1944, e com a experiência acumulada foi convencido de traduzir a obra de Freyre. Dois anos após a publicação de The Masters and Slaves, em 1948, Putnam publicou sua obra de crítica literária sobre a literatura brasileira, Marvelous Journey: A Survey of Four Centuries of Brazilian Writing, com uma longa análise de Machado de Assis, como autor de qualidade universal (PUTNAN 1948) . Outro exemplo interessante é o da tradutora Harriet de Onís, especialista em literatura


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latino-americana e que é convencida por Knopf a traduzir Memória Póstumas de Brás Cubas. A tradução acaba não sendo realizada mas De Onís ensaia uma aproximação com a cultura brasileira que gerou diversas traduções importantes, quase todas publicadas pelo próprio Knopf na década de 1960, como a de Grande Sertão Veredas, (ROSA 1963; VERLANGUIERI, 1993), Sobrados e Mocambos, Dona Flor e seus dois Maridos (DIMAS 2012).

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Imagem 2 – Cartaz da Feira Mundial de Nova Iorque, 1939-1940.


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O moderno e o nacional: raça e mestiçagem nos Murais de Portinari da Library of Congress

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Entre 1939 e 1940 Portinari decorou o famoso pavilhão brasileiro na feira mundial de Nova Iorque, em 1939 e tinha praticamente ao mesmo tempo apresentada parte de sua obra na exposição Art in Our Time, do MoMA, na cidade de Nova Iorque. O pavilhão brasileiro foi um dos grandes destaques da feira devido ao seu arrojado design modernista promovido pela parceria entre Lucio Costa e Oscar Niemeyer, do qual falaremos com detalhes mais adiante. Portinari decorava o interior do edifício, com painéis que representavam a diversidade cultural e social das regiões brasileiras – as “Jangadas do Nordeste”, uma “Cenas Gaúcha”, do extremo sul, o cotidiano festivo de uma “Noite de São João”. O sucesso com destaque à pintura Morro (1933), lhe rendeu uma exposição individual no mesmo museu no ano seguinte, seguida de várias outras exposições menores pelo país, e a edição de um catálogo de suas obras, pela University of Chicago Press. Esta notoriedade lhe rendeu encomendas particulares a pessoas influentes como Nelson Rockefeller, e Arthur Rubenstein, e culminou com o convite feito por Archibald MacLeish, diretor da Library of Congress, decorar a entrada da recém-fundada Hispanic Foundation. Os esboços foram apresentados em agosto de 1941 e os murais pintados em outubro até novembro do mesmo ano. A comissão do artista pelo trabalho foi rateada entre o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs e o governo brasileiro. O sucesso de Portinari lhe dava uma confiança e certo conhecimento da expectativa do público norte-americano. Mesmo assim o convite não deixava de ser um desafio pois teria que navegar por dois territórios quase desconhecidos: o da pintura histórica e o de representações não exclusivamente brasileiras2. Em suma, Portinari teria que representar o sentido histórico da cultura “hispânica”, buscando signos identitários em comum que América portuguesa e América espanhola.

2 Com o prestígio crescente Portinari vai se aproximando da pintura histórica, como em Tiradentes (1948), A Primeira Missa no Brasil (1948), Navio Negreiro (1950), Bandeirantes (1951), Chegada de D. João à Bahia (1952), Descobrimento do Brasil (1954), Anchieta (1956), dentre outros.


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331 Imagem 3 – “Morro”, 1933. Col. MOMA. Fonte: www.portinari.org.br

Sua resistência à pintura histórica parece guardar relação com o seu repertório de temas prediletos, já que costumam ser voltados para a observação da realidade no presente. Mais do que qualquer outro artista plástico brasileiro de sua geração, Portinari parece estar mais próximo do modernismo tardio dos anos 1930 de um poeta como Manuel Bandeira e pela influência intelectual de Mario de Andrade. A ideia geral deste momento do modernismo é a da busca de uma conciliação entre a estética das vanguardas dos anos 1920 e um novo realismo, capaz de dar conta das múltiplas realidades sociais do Brasil, incluindo sua inserção periférica no mundo e sua relação com a América Latina (ANTELO 1986, p. 154). Assim como Bandeira, Portinari procurava introduzir novos agentes e elementos da experiência cotidiana no discurso artístico, revelando assim aspectos artisticamente sublimes daquilo que via como realidade concreta brasileira. Em suma a arte era um “instrumento de pesquisa e conhecimento”, indissociável de um compromisso ético com o conhecimento de um país múltiplo e complexo (ARRIGUCCI Jr 1990, p. 154).


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Imagem 4 – “Mestiço”, 1934. Col. Pinacoteca de São Paulo. Fonte: www.portinari.org.br

No momento em que concebe cobras como “Morro”, “Mestiço” e “Café”, entre 1933 e 1935, Portinari atinge uma maturidade em seu estilo3. Seu repertório de temas e de seus recursos técnicos mais caraterísticos coincidiu com a figuração de temas pertencentes a seu mundo de origem humilde e interiorana, de Brodowski. O próprio artista admitiu várias vezes que precisou sair do Brasil para se reconectar 3 O cotidiano e a vida prosaica aparecem desde obras como “Roda Infantil”, de 1932 ou da série “Circo”, de 1932-1933 e que confluem para o “Morro” (1933), e a grande serie tematizando o trabalho na lavoura de café, que se inicia com “Café” (1934), “Lavrador de Café” (1934), “Mestiço” (1934) e finalmente o conhecido “Café” de 1935.


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com seu próprio mundo de origem. Este caminho não foi diferente de muitos dos seus colegas modernistas nos anos 1930: ele se tornou menos paulista e mais Brasileiro. Esta mudança foi catalisada pelos murais do Ministério da Saúde e Educação, de 1938, não por acaso tidos como marco da “rotinização do modernismo”, mas só ganham os contornos que conhecemos por meio das trocas culturais com o Estados Unidos.

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O tema das bandeiras possui um potencial empático para com o público norte-americano. Os bandeirantes são os nossos desbravadores, os pioneers brasileiros. Em ambas culturas representam a expansão de fronteiras a oeste, assim como também representam a luta triunfante do homem sobre a natureza indomável e, em grande medida, desconhecida. Este território do desconhecido tem uma designação especial – wilderness, no caso norte-americano e sertão, no caso Brasileiro. A grande potencialidade empática, no entanto, não parece ter sido alcançada. A associação do Brasil a um exotismo, ligado ao imaginário de país tropical, estava na contramão de comparações diretas entre as culturas.

Imagem 5 – “Desbravamento da Mata” ou “As bandeiras”, afresco em tempera, 1941. Library of Congress. Fonte: www.portinari.org.br


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A disposição vertical e espalhada da floresta faz referência direta a uma série de estudos que precedeu a elaboração dos murais para o MES, em particular “Erva Mate”, “Pau Brasil” e “Borracha” (PEDROSA 1942, p. 127). Esta solução da representação das arvores como colunas verticais não foi aproveitada na versão final dos afrescos de 1938. “Pau-Brasil”, por exemplo, acaba trabalhando mais livremente com um jogo de linhas e sombras horizontais e verticais que abstrai a presença da natureza representada como tal, diferentemente de “Erva Mate”, há a presença literal de árvores propriamente ditas.

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Imagem 6 – “Pau-Brasil”, esboço para o Palácio Capanema, 1938. Fonte: www.portinari.org.br

Na tensão entre verticalidade e horizontalidade das imagens há uma coincidência mimética entre forma e conteúdo. Enquanto o conteúdo tematiza a história do domínio do homem pela natureza, a forma – a cor e o traço – dramatizam uma luta pela dominação do volume e da matéria. Assim como no renascimento a experiência da perspectiva geométrica dramatizava a tentativa do homem compreender


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o mundo ao seu redor. Essa luta, é nos dois casos, mais um processo de troca e de adaptação do que propriamente uma história de dominação. A verticalidade das árvores complementa os olhares para as todas as direções, em plena posição de guarda diante das ameaças e de busca de caminhos. O homem deitado transversalmente, por sua vez mimetiza o gesto dos animais de sorver a agua do rio, buscando a sua sobrevivência.

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Diferente e enigmático é o caso quase único do colonizador, que aparece no afresco do desbravamento da Library of Congress. Português, branco, barbudo e segurando um galo. Ele fita o expectador, demostrando ser o único preocupado com a própria imagem e com a posteridade. Além disso, a figura é a única do conjunto que podese considerar convencional no sentido mais estreito da representação histórica. Ela é um típico conquistador branco. Sua posição é de capitão do mato, não parece estar trabalhando.

Imagem 7 – “Entrada na floresta”, cartão e tempera, 1941. Library of Congress. Fonte: www.portinari.org.br


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Este pode ser o único branco dominador presente em toda a obra madura de Portinari, de resto todos são, de alguma forma, mestiços ou propriamente negros. A figura executada é bastante diferente daquela que Potinari esboçou no estudo em cartão que fez para obra (imagem ao lado). O papel de capitão parece ser o mesmo mas o gesto e roupa parecem sugerir mais um mestiço. Essa artificialidade da presença do colonizador, propositalmente figurado como ibérico, ou português, leva inevitavelmente à pergunta – será que a figuração das três raças, índios, negros e brancos, foi artificialmente incluída no horizonte de Portinari com a intenção deliberada de aparecer para um público estrangeiro? A desconfiança pode se agravar se considerarmos que com um homem branco, o artista passaria a figurar as três raças na formação da América, negros, índios e brancos. A crítica norte-americana parece ter imediatamente observado a questão racial e o papel da mestiçagem nos murais de Portinari. Robert C. Smith, em palestra realizada para a inauguração dos murais, diz “in the figures of his murals Portinari represented the three races of the Americas, the Indian, the Negro and the white man” (SMITH 1943, p. 11). Florence Horn sugere em crítica contemporânea: “Portinari seems to be indicating that there is no race issue among the people themselves, or perhaps that the Brazilian is developing out a mixture of races” (SMITH 1943, p. 21). Talvez possa ser audacioso afirmar isso, mas, talvez Portinari estivesse adaptando seu estilo as expectativas do público consumidor. Conforme mostra Williams, uma das críticas mais severas que ele havia recebido nos EUA se dirigia ao fato que seus personagens não pareciam “brasileiros”, ou “afro-brasileiros”, enfim, não seguiam convenções do exotismo.4. Historicamente o garimpo é uma prática realizada nas franjas da lei e, por isso, trata-se de umas das formas de vagabundagem do Brasil colonial. O garimpo em pequena escala, feito com a bateia (a peneira), é uma pratica móvel pois se instala às escondidas em propriedades alheias, driblando as possibilidades de fiscalização e coleta de impostos. O trabalho era individual mas pautado por regras altamente solidárias e uma estrutura hierárquica de subordinação a um líder, 4 Crítica feita por Elisabeth MacCausland na oportunidade da exposição de Portinari no MoMA, em 1940.


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chamado de capitão. Socialmente o garimpeiro era um homem livre, muito pobre, e, como esclarece manuscrito do século XIX, destacado por Mello e Souza, “mui bem matizado de diferentes cores, quais as de brancos, mulatos, cabras, pretos, tudo gente ínfima e de costumes tais, como pedia seu péssimo e infeliz gênero de vida” (SOUZA 2004, p. 281-282). Assim como no caso das entradas não se trata apenas de figurar apenas a pobreza e o mérito dos homens comuns no processo de colonização, trata-se também de figurar indivíduos e práticas sociais próprias, resultantes do contato entre colonizadores e colonizados. Neste sentido, a figuração de homens livres, fora da dialética entre colonizadores e colonizados, lutando pela sua sobrevivência parece estratégica.

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Imagem 8 – “Garimpo”, afresco, 1938. Palácio Gustavo Capanema. Fonte: www.portinari.org.br


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Imagem 9 – “O garimpo”, 1941, afresco em tempera, Library of Congress. Fonte: www.portinari.org.br

Como já foi observado pela crítica, o afresco da mineração pode ser considerado o mais “livre” e anticonvencional do conjunto (PEDROSA 1942, p. 132). Os temas do descobrimento, dos jesuítas e dos bandeirantes são temas históricos clássicos no repertório nacional desenvolvido no século XIX. Por esta razão, o anti-convencionalismo, fica mais evidente a relação com o seu trabalho anterior, nas paredes do Ministério. A diferença parece ser um maior nível de estilização dos personagens e o jogo cromático. No Ministério os personagens aparecem mais conservadores, ou seja mais próximos das convenções do realismo, e a palheta de cores mais fria. Outra diferença significativa é a ausência de qualquer gesto para além do cotidiano do trabalho nos desenhos do ministério. Isso aproxima mais uma vez Portinari da convenção realista, pois ele narra eventos com distanciamento e imparcialidade. Isso não ocorre na mineração da Library of Congress, que é permeada por marcas românticas e épicas. A narrativa incide sobre o gesto de erguer os braços em sinal de triunfo e convenção ultra-romantica


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filtrada pelo neoclassicismo. Este gesto, que no caso da imagem acima, dramatiza a descoberta do ouro, contrasta com os rostos, sem nenhum sinal de comemoração. O arsenal épico que individualiza a história, contando uma trajetória individual que representa heroicamente a formação de uma comunidade contrasta radicalmente com os rostos ignotos dos trabalhadores e de sua baixíssima condição social. Estes rostos também não parecem esboçar reações com a descoberta de ouro, como se o ouro encontrado não fosse para benefício próprio, mas de outrem. Levando a interpretação ao limite se poderia dizer que as glórias deste capítulo da história da colonização foram aos colonizadores e não aos colonos mais pobres. Pode se dizer portanto que este afresco opera com a linguagem tipicamente modernista brasileira, extraindo poeticidade da vida banal. Figurando indivíduos cuja atividade ocorria nas sombras da sociedade e restituindo o seu papel na épica saga da história da América. Deve-se observar também a atipicidade da representação da descoberta de ouro, já que não há nenhum signo opulento ou paradisíaco, como seria de praxe dado o tema aqui representado. Aí a referência ao paraíso que nunca veio é mais explicita, ou seja é uma história de fracasso triunfal, porque o ouro não era para eles.

Imagem 10 – “A catequese”, 1941, afresco em tempera, Library of Congress. Fonte: www.portinari.org.br


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Pode se imaginar um triângulo formado pela integração das figuras sobre um centro, rodeado de gestos emocionais entre índios e jesuítas. Isto remete diretamente para a convenção pictórica renascentista, em que num triângulo imaginário Maria carrega o menino Jesus (maestà) ou Jesus deposto da cruz (pietà). Mas, no entanto, o que se vê é uma interação corriqueira de homens talvez tão simples, quanto os próprios colonizados (e etnicamente misturados), em um local de terra vermelha, assim como o das bandeiras. Essa interação sugere uma espécie de comunhão no cotidiano, no labor e no afeto, aspecto que é ressaltado comparando os afrescos com os esboços. Nestes aparece a imagem da pregação, o que remete à noção de hierarquia e controle. Este ambiente de comunhão universal, multicultural em termos de raça, e com forte temática religiosa secularizada segundo as convenções modernista, são justamente as características dominantes de Guerra e Paz, obra monumental realizada na sede da Nações Unidas, em Nova Iorque, executadas entre 1952 e 1956.

Imagem 11 – “A descoberta”, 1941, afresco em tempera, Library of Congress. Fonte: www.portinari.org.br


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Paraíso Racial: Freyre nos EUA em 1944 Brazil: an Interpretation é um livro publicado pelo editor Alfred Knopf baseado em um conjunto de conferências proferidas por Gilberto Freyre na Universidade de Indiana em 1944, quando foi professor visitante. O livro teve publicação quase imediata, em 1945, graças ao empenho do editor Alfred Knopf e de sua esposa, Blanche. Aproveitando a presença de Freyre no país, Knopf também negociou a tradução de Casa Grande e Senzala para o inglês. As cartas ao editor, hoje guardadas na Universidade do Texas em Austin, mostram que estas negociações contaram com o apoio da Columbia University, (Frank Tannembaum), da Hispanic Foundation e do Departamento de Estado.

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Enquanto seus livros na década de 1930, Casa Grande e Senzala (1933) e Sobrados e Mucambos (1936) são análises mais aprofundadas, baseadas em extensa documentação, Brazil: an interpretation se destaca pelo caráter panfletário. Nele, Freyre não se limita avaliar o papel histórico da mestiçagem na formação cultural brasileira, mas vai mais além, propondo que estes valores, resumidos na introdução da obra pelo termo “fusionism”, entendido como uma alternativa para guiar a humanidade, tendo em vista os desastres da guerra. Este argumento é resumido no prefácio à edição americana de Casa Grande e Senzala, publicada um ano depois, “accepting this interpretation of Brazilian history as a march towards social democracy, a march that has on various occasions been interrupted and frequently has been disturbed and rendered difficult, we are unable to conceive of a society with tendencies more opposed to those of the Germanic Weltanschauung (FREYRE 1946, p. XIV). Criticando as teorias raciais que estavam na origem do nazismo, o autor afirmava, que mesmo levando em consideração as “imperfeições a experiência brasileira poderia ensinar lições ao mundo” (FREYRE 1945, p. 99). Desde o lançamento de seu primeiro livro, Freyre recebeu críticas de que havia tratado de uma única região, o nordeste, como se fosse representativa de todo o país. Respondendo aos críticos, em Iterpretation, Freyre procura dar mais atenção à diversidade regional do Brasil. O autor identifica duas tendências contraditórias e complementares na formação nacional, uma delas designada, “Horizontal Founders”, imigrantes pobres vindos de Portugal para o norte, sul e oeste;e outra, designada “Vertical Founders”, instalados


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na faixa costeira que vai de São Vicente ao Maranhão, estes eram providos de capital suficiente para a instalação da cultura agrícola em larga escala.

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Ao mesmo tempo que driblava seus críticos, Freyre criava um paralelo com a formação histórica norte-americana, também dividida em duas regiões com tendências quase opostas. Assim como no sul dos EUA, os “fundadores verticais” haviam adotado a produção em larga escala e a mão de obra escrava. Pelo menos no caso particular Brasileiro, este padrão de colonização deixou marcas estruturais profundas – uma sociedade hierarquizada e plena de signos de distinção impregnados em todas as esferas da vida, como na arquitetura e nos hábitos. Já os “fundadores horizontais”, eram caracterizados constante busca por expansão territorial, eles eram os nossos “frontiers-man”. Sua principal caraterística era a capacidade de adaptação ao meio ambiente hostil e diverso. Grande parte desta aprendizagem se deu graças ao convívio com o índio, na verdade, os nossos “homens fronteira não eram portugueses mas híbridos indio-portugueses” (FREYRE 1945, p. 41). Esta capacidade de adaptação era uma característica do povo lusitano anterior mesmo ao descobrimento e colonização do Brasil. Apesar de momentos de inegável intolerância, a população de Portugal havia se acostumado com o convivo e a mistura de diversas culturas, dentre elas os judeus, e os árabes. Assim como Portinari havia pintado, Freyre procurava explicar ao público estrangeiro que o principal vetor da colonização havia sido homem comum, pobre e miscigenado desde sua origem, e não a figura cristalizada historicamente do colonizador (FREYRE 1945, p.29 ). Uma das maiores diferenças entre as trajetórias de EUA e Brasil estava na dinâmica social da escravidão. Enquanto o sistema norteamericano tinha uma estrutura hierárquica mais rígida, o caso Brasileiro era marcado por uma maior flexibilidade nas relações sociais (FREYRE 1945, p.53). Nas suas palavras: “Brazilian plantations seems to have been less despotic than slavery in other American areas; and less cruel – if one admits degrees in cruelty…” (FREYRE 1945, p.49). Freyre sabia muito bem que a imagem do Brasil como um paraíso racial já fazia há certo tempo parte do repertório de estereótipos sobre o país nos EUA (HELLIG, 1990, p. 55-57). Esta imagem começou a ser


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construída com a circulação de relatos de viajantes de língua inglesa no século XIX, mas ganhou certa projeção nas primeiras décadas do século XX graças a grupos ligados a luta pelos direitos dos afro-norteamericanos. Esta imagem vem normalmente associada à ideia de que havia uma maior mobilidade social no Brasil. Como ele próprio ressalta, os miscigenados podiam alcançar posições sociais de destaque, seja na política, seja no comércio, seja como intelectual.

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Freyre não dedica muito tempo falando das relações históricas entre a casa grande e a senzala. Sua atenção é dirigida para uma avaliação da questão no presente. O diagnostico proposto é que o padrão miscigenado está formando um tipo social predominante na sociedade – “negros are now rapidly disappearing in Brazil, merging into the white stock; in some areas the tendency seems to be towards the stabilization of mixed-bloods in a new ethnic type” (FREYRE 1945, p.96). Com essa homogenização não pode haver lugar ao preconceito racial. Se tivermos que falar em discrepancias sociais, elas são de class consciousness – “There has been, and still is, social distance between different groups of the population. But social distance is – more truly today than in the colonial age or during the Empire (when slavery was central in the social structure) – the result of class consciousness, rather than of race or colour prejudice” (FREYRE 1945, p. 97). Além da mobilidade social, a mestiçagem favorecia o Brasil em vários aspectos, dentre eles a criatividade do povo e uma propensão à paz e a democracia. A criatividade poderia ser comprovada pela quantidade de artistas, escritores e arquitetos, que estavam se tornando conhecidos pelo mundo, como Portinari e Niemeyer. O longo processo mestiçagem também contribuía com a paz e estabilidade histórica do Brasil. A inclusão da população mestiça assegurava esta estabilidade que marcou nossos processos de transição, seja na independência, seja a abolição da escravidão, seja da Monarquia para a República (FREYRE 1945, p. 101). Utilizando inconscientemente o trocadilho infeliz “revolução branca”, Freyre esclarece que a paz Brasileira contrasta com a violência dos processos históricos de muitos dos seus vizinhos menos mestiços. Por sua vez, Freyre nega que o patriarcalismo das fazendas tenha criado condições propícias para a instauração de governos autoritários, “strange as it seems, most of the despots, caudillos,


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and anti-democratic leaders that Brazil has had did not derive from its plantations but came from another sections” (FREYRE 1945, p. 65). Uma “ânsia de ascensão social e cultural” da massa mestiça, pelo contrário só pode representar um movimento de inclusão horizontal, avesso ao “paternalismo despótico”. Getulio Vargas era, ao contrário, um produto do provincianismo “separatista” inorgânico e antidemocrático, um verdadeiro caudilho. Seu caudilhismo era um fenômeno político autoritário, assim como o anti-semitismo e o Ku Klux Klan eram um negativos de intolerância e resistência aos valores democráticos (FREYRE 1945, p. 148).

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Os sentidos do uso do termo democracia no texto merece atenção particular. Certamente não se pode falar aqui de uma democracia propriamente dita, já que Freyre considera democrática a uma tendência da Monarquia em promover o equilíbrio entre as elites regionais e o governo central. Seu conceito de democracia é, na verdade, indissociável de uma espécie de teoria antropológica das trocas e assimilações culturais. Sua teoria é baseada numa espécie de horizontalização das relações entre dominantes e dominados na qual ambos aprendam e se assimilem mutualmente, incorporando “benefícios mútuos” de ambas culturas (FREYRE 1945, p. 121). Isso seria possível em qualquer instância, mesmo na assimilação de grupos indígenas e africanos que permanecem ligados as suas culturas originais, quanto em grupos de imigrantes recentes como os japoneses. Em suas palavras, “there should be no subordination, however, of non-Portuguese sub-groups or subcultures to a rigidly uniform Luso-Brazilian or Portuguese-Brazilian culture or ‘race’”. Assim a experiência brasileira poderia ser capaz de “revolucionar as políticas imigratórias sem violência para ambas as partes, imigrantes imigrados” (FREYRE, 1945, p. 121), se impondo assim como uma espécie de mundo ideal para trabalhadores imigrantes e artistas (FREYRE 1945, p. 119-120). Um dos maiores empecilhos para a exportação desta democracia antropológica brasileira era o imperialismo desde o que pautou as relações entre a Inglaterra e o Brasil no século XIX até a atual política da boa vizinhança. Ele diz ao público americano que o que é bom para os EUA não é necessariamente bom para a América, podendo na verdade ser prejudicial para a diversidade cultural. Ele critica severamente o direito “quase divino” à colonização associado ao poderio militar e


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tecnológico e exalta a reação contrária de povos como os mexicanos, os árabes, os indianos e os brasileiros, baseado no fato de que o seu status semi colonial estaria “causando danos à sua capacidade criativa e potencialidade humana” (FREYRE, 1945, p. 73).

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Com o fim da Segunda Guerra Mundial as ideias de Freyre tiveram ampla aceitação e circulação mundial, particularmente nos primórdios da UNESCO (MAIO, 1999, p. 114). Naquele contexto parecia importante que a intelectualidade e a classe política Europeia e Norte-Americana se abrisse para debate e auto-reflexão, tomando as devidas providencias no sentido de se evitar uma nova guerra mundial. Este talvez tenha sido o sentido precípuo da criação da ONU, mas também era consensual que este entendimento só seria possível mobilizando a cultura. As ideias de Freyre sobre o Brasil apresentavam-se totalmente harmonizadas com esta busca por um entendimento mais horizontal e tolerante entre as nações, busca que só se completaria com uma maior abertura para as nações periféricas e de revisão do etnocentrismo. Sua participação no fórum patrocinado pela UNESCO, Tensions that Cause Wars foi emblemática deste novo status de referência internacional, travando debate com Max Horkheimer, George Gurvitch, Gordon Allport, dentre outros. O Brasileiro chegou a ser convidado para assumir o Departamento de Ciências Sociais da Instituição (MAIO 1999, p. 114). É justamente neste contexto de projeção internacional que começam as críticas mais sistemáticas à obra de Freyre. A própria UNESCO, patrocinou pesquisas sobre as relações raciais no Brasil, e deste contexto despontam Donald Pierson e Frankin Frazier.

Considerações finais Neste texto procurei demonstrar o papel do intercâmbio intelectual, em particular entre Brasil e Estados Unidos, na reelaboração do passado Brasileiro durante a época do Estado Novo. Este momento é crucial já que o projeto de nação do governo Vargas engendrou uma reconfiguração simbólica do passado nacional, configuração baseada numa confluência entre passado e presente, entre as estruturas tradicionais do país e suas potencialidades modernas. Não por acaso os agentes eleitos para este intercâmbio são intelectuais, na sua maioria, relacionados com a experiência da vanguarda brasileira, daquilo


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que conhecemos genericamente por “modernismo”. Estes agentes carregavam a bagagem de reelaboração do passado nacional diante das novas imposições da nação moderna, seja em seus romances, como Macunaíma, de Mario de Andrade, seja nas experiências musicais de Villa Lobos, seja nos ensaios de Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Holanda, ou na obra pictórica de Portinari.

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Estas trocas catalisaram uma rearticulação da ideologia nacional, uma apropriação seletiva feita pelo Estado autoritário destas ideias de Brasil moderno; misturando formas já tradicionais, como os motivos paradisíacos e naturais advindos do romantismo, com novas formas identitárias como a democracia racial. Parece evidente que esta nova articulação ideológica foi a interface simbólica do desejo de inserção do Brasil na nova ordem mundial econômica. Portanto podemos falar que o ponto de confluência destes discursos é a elaboração de uma imagem do Brasil como potência mundial do futuro. Este discurso foi elaborado a partir do oportunismo e da percepção muito aguda da situação histórica que se configurava com final da 2° Guerra Mundial. Esta estrutura temporal de tipo messiânica e as imagens que entorno dela gravitam tiveram, graças a ação do Estado, forte difusão na cultura de massa. Talvez possamos falar na reelaboração de um grande mito de fundação. Não custa lembrar que esta história teve na realidade pouco do triunfalismo épico contido nas representações por ela veiculadas, trata-se de um mito de características profundamente autoritárias. Assim como tantas outras, ela só foi “uma distorção da realidade” que como o próprio Freyre disse ao público NorteAmericano, ao se referir aos artistas brasileiros, foi produzida “quando eles sentem a necessidade de fazer parecer a realidade mais real, ou mais brasileira do que aparenta” (FREYRE 1945, p. 158).


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State-sponsored Avant-garde and Brazil’s Cultural Policy in the 1940s: Candido Portinari and Gilberto Freyre in the USA 350

Thiago Lima Nicodemo

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Estudos Brasileiros/USP

One of the most remarkable characteristics of Brazil’s cultural history in the twentieth century is the selective appropriation of the avant-garde ideas by the Estado Novo in the early 1940s, and the consequent rise of the repertoire of “Modernist” Brazilianness to the pantheon of national identity. Remarkable because this trend was also seen in other authoritarian States of the 1930s and 1940s, but which in very few cases were as successful in terms of mass expansion and longevity as was the Brazilian case. Italian Futurism (GENTILE 2009; BERGHAUS 1996) and Russian Constructivism, for instance, were similar cases of aesthetic appropriation of typical avant-garde


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movements to build an ideal of cultural formation and national identity of authoritarian States. Nonetheless, the substantial difference that brings the Russian case closer to the Brazilian case (and therefore, further apart from the Italian case) is the issue of establishing such ideals in the upcoming decades.

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In the Italian case, the aesthetic ideals of Futurism were repelled with the end of World Ward II and the fall of Fascism. In turn, in Brazil, much like in Russia, the aesthetics of the modernist avant-garde movements became further rooted, having offered specific contours for national identity at a key moment such as the years post World War II (GOUGH 2005; TUPITSYN 1992). This is key, for it marks the expansion of industrial development and mass culture, creating channels to promote such ideals at an unprecedented scale. The specificity of the Brazilian case did not go unnoticed by the experts in political and cultural history of the Estado Novo. In her work História e Historiadores, Angela de Castro Gomes assesses the formation of a “historical culture” in the 1940s stemming from the centralization of cultural policy, thanks to the implementation of a new technical-administrative model, with the foundation of institutions such as the Department of Press and Propaganda, in December 1939. Still according to Gomes, the contours of the State’s cultural strategy are further defined in the early 1940s, when “nationalist ideas connected to the production of a common past gained mass-oriented support in Brazil, or, if analyzed from a different perspective, became the focus of more consistent public policies” (GOMES 1996, p. 19). The purpose hereof is to attempt to indicate the importance of the international promotion of “Brazilianness” in defining the cultural identity of the Estado Novo, therefore further developing the investigation on the process of appropriation of the national past and the political and social uses thereof during a given period. This study initially focuses on the issue of the authoritarian State’s co-optation of key thinkers, cultural agents whose protagonism was built since the Modernist militancy of the 1920s. The paper then focuses on the role played, in turn, by American institutions and agents, such as the Hispanic Foundation and the Library of Congress, in the cultural exchanges brought forth by the approximation between Brazil and the US during World War II. More specifically, the paper addresses the


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editorial perspective by analyzing the work developed by American publisher Alfred Knopf as a key cultural mediator, responsible for the first-hand publication of authors such as Jorge Amado and Guimarães Rosa in America, among others. Finally, this paper examines the cases of Candido Portinari and Gilberto Freyre, especially regarding the works conceived to introduce Brazil to the foreign audience. Both operate a type of cultural translation of their horizons, mobilizing creative keys to explain Brazilian past, establishing common grounds with North American and Latin American culture, and also updating their discourses to temporal horizons opened within the context of World War II.

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State Modernism Furthering the aforementioned issues requires addressing one of the most contradictory matters of Brazilian intellectual history: the relationship between intellectuals and the State during the Estado Novo. Many of the intellectuals who played a key role in defining Brazilian identity do not fall under the categories Sergio Miceli determined in his work “Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil” and call for the reevaluation of the meanings and implications of “cooptation.” In fact, this is a quite interesting aspect of the universe of the intellectuals involved in Brazil’s cultural promotion in the early 1940s: none of them had any privileged institutional space, and their relationship with the State was oftentimes either rarified or troubled. Their projects and connections are understood rather insufficiently and inaccurately according to sociology of knowledge, which takes into consideration factors such as background, family heritage, class situation or political stand. It is clear that such observation neither compromises nor invalidates Miceli’s conclusions, for his cut is far broader in terms of time, dating back to the First Republic, and focuses on the proximity or organicity that intellectuals have with the state. It is nevertheless worth mentioning that in the preface of the work, Antonio Candido already spoke of “hermeneutical contamination” when referring to inaccuracies in the treatment of intellectuals that did not fall to the purposes of the Estado Novo (CANDIDO 2002, p.74). The cases of intellectuals


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who, though occupying state positions, do not “alienate their mental independence,” to resort to the terms used by Candido himself when referring to Drummond, in Miceli’s understanding, must be seen as exceptions confirming the rule. Nonetheless, the analytical proposal of Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil is to pursue standards, almost as ideal types that organize the new dynamics established in Brazil with the implementation of the modern bourgeoisie order of the First Republic. As taught by Weber’s and Simmel’s German sociology, such ideal types as “men without profession,” “writers-public servants and public servants-writers,” and “poor cousins,” among others, hardly find any accurate correspondence in reality, and in the best hypothesis, are formal reductions developed based on historical reality. Understanding the intellectuals part of the cultural promotion mission of the 1940s resists systematic classification according to the categories Miceli proposed when their pathways are investigated in further detail. An excellent example is the case of Sérgio Buarque de Holanda, one of the cultural promotion agents of the 1940s. Born in São Paulo, in 1902, Sérgio Buarque moved to Rio de Janeiro to study at the National Law School in January 1921. Since his arrival, he acted as the connection between the modernist intelligentsia of Rio de Janeiro and São Paulo, having facilitated the approximation of São Paulo natives such as Mario de Andrade with intellectuals domiciled in Rio de Janeiro, such as Graça Aranha, Ribeiro Couto, Ronald de Carvalho, and Manuel Bandeira, among others (GOMES 1993, p. 67; MORAES 2007, p. 86). Shortly thereafter, in 1924, Buarque founded journal Estética, co-published with his Law School colleague Prudente de Moraes Neto. Thanks to the journal, both friends managed to considerably broaden the scope of their sociability channels, having contacted young authors of Minas Gerais, such as Pedro Nava and Carlos Drummond de Andrade; of Recife, as is the case of Gilberto Freyre, who had just arrived from America; and of Alagoas, as is the case of Câmara Cascudo. In 1936, Sérgio published Raízes do Brasil, as the first issue of the Collection on Brazilian Documents (Coleção Documentos Brasileiros), organized by Gilberto Freyre. In the same year, Buarque was hired as a professor at the recently founded University of the Federal District. The rise to the university took place once again thanks to Prudente de Morais Neto, then Dean of the School of Philosophy and Languages; a few months later, Prudente would also


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be Buarque’s best man at his wedding. Buarque’s university colleagues included names such as Afonso Arinos de Melo Franco, friend and former classmate at the Law School, Manuel Bandeira, Gilberto Freyre, Mario de Andrade, Portinari, and Villa Lobos, among others. After the university was closed down in 1939, Sérgio Buarque and Mario de Andrade were transferred to the National Book Institute, when he established a closer relationship with Rubens Borba de Moraes. At the time, Borba was the director of the São Paulo City Library and was organizing the Handbook of Brazilian Studies with American professor William Berrien. As a result, Buarque had closer contact with Lewis Hanke, director of the Hispanic Foundation, connected to the Library of Congress. Thanks to such connection, Buarque travelled to America in 1941 to attend lectures in Wyoming, having also participated of a debate at the University of Chicago. Buarque also profited from the opportunity to conduct research at the Library of Congress and to travel to New York. One could in fact claim that the interest triggered by the cooperation with the US contributed to awaken his interest in the research that culminated in works Monções (1945) and then in Caminhos e Fronteiras (1957)1. Assessing Sérgio Buarque de Holanda’s intellectual pathway leads one to the following question: do the characteristics common to the many intellectuals who travelled under the cultural promotion mission to the US, in the 1940s, such as Rubens Borba, Freyre, Portinari, Villa Lobos and José Honório Rodrigues—in addition to Sérgio Buarque himself—suffice to claim that this is a group, or at least that the intellectuals have some sort of similar profile, building a certain “social place” during their careers, with respect to the State? As advocates of the modernist cause of the 1920s, they wove a set of social relations throughout the decade, always hovering around their intellectual projects and key actors, as is the case of Mario de Andrade. They also paved their way towards the Brazilian capital, where they rose to government positions especially thanks to exceptional circumstances related to the foundation of the ephemeral University of the Federal District (FERREIRA 2006, p.140-142). Upon the dissolution thereof, many of them started working for the Ministry of Education and Health. 1 Monções was planned at least since 1942 and was submitted to a competition promoted by an American institution. WEGNER 2000, p. 92.


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In what concerns intellectual production, they joined the circles of the José Olympio publishing house and penned papers in journals such as Revista do Brasil, during its third phase. Much like some of their texts, their letters reveal more than the political standpoint many of them took in relation to the discontent and waning of the Vargas administration (DE LUCA 2011; NICODEMO 2004). Some of such intellectuals, including Baurque and Mario de Andrade, got involved in the creation of institutions fighting regimes such as the Democratic Left, early manifestation of the Socialist Party, and the Brazilian Association of Writers.

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Antonio Candido has drawn attention to this phenomenon in his highly acknowledged paper on the 1930 Revolution and culture. The cultural policy of the Estado Novo is based on the “normalization” or “generalization” of the modernist ideals that were still circulating in a limited fashion, having been “exceptional, restricted and specific to the avant-gardists” (CANDIDO 1987, p. 185). The expression “modernism of State” is used rather provocatively to call attention to the need to further study such intellectual trajectories and the contradictory and troublesome relationship thereof with the Estado Novo, thereby increasing the complexity of that which was previously simplified, in the fragile and ever-so-common use of the notion of “cooptation.”

Topsy-Turvy Brazilianness: American Agents and Institutions A substantial portion of the bibliography on Brazil-US relations on this period generally addresses the issue of the Good Neighbor Policy, especially during World War II, in terms of cultural imperialism and practically as a one-way street, at all times. As such, one emphasizes the spread of North American values as an interface of the US political and economic interests in Latin America, against the interests of the Axis. The organization of the “Office of the Coordinator of Inter-American Affairs” in August 1940 operates as a mark for it brings together economic, strategic and cultural policy interests under a single agency, emblematically led by magnate Nelson Rockefeller. Such emphasis is further justified thanks to the strong impact the images and products sponsored by the agency had in the imaginary of the period, largely because of the permeability of mass culture, especially


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film. Sadlier and Tota have already revealed the players behind the production and reception of Walt Disney’s propaganda films, such as “Saludo Amigos,” and the consolidation of figures such as Carmem Miranda (SADLIER 2012, p. 14-33)

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One of the possible mistakes implied in the stand that Brazil was merely subjected to the imperialistic designations of the US is assuming that the exported Brazilian culture somewhat reflected the country’s cultural identity, which is stable and ready (WILLIAMS 2001, p. 227). This paper is intended precisely to reflect otherwise, arguing that the new horizon seen by the approximation with the US, which horizon implies new lifestyles, new production modalities, and, of course, the establishment of mass culture, in fact opens up unprecedented possibilities to reconfigure Brazilian national identity. What is actually at stake is the historicity of Brazil’s cultural identity forged during the Estado Novo, which actually lasted during the entire twentieth century. One must therefore speak of a cultural policy that was reinforced thanks to the exceptional circumstances under which Brazil was promoted abroad, of an aggressive initiative to promote the country worldwide as a global power in the new configuration of the world order resulting from World War II. The Brazilian Pavilion at the New York World’s Fair of 19391940 is among the milestones of this process. Brazil’s exhibition strategy followed the general lines of the event; to wit, “The World of Tomorrow.” This discourse confirmed the presentation of the global power about to explode in the near future, which, in turn, quite harmoniously conciliated the strength of its past into its natural resources (including as an agro-exporting power) and the language of modernity (COTTER, 2009). As such, the strength of Brazil’s exhibition came from the bold lines of the pavilion’s architecture, designed by Oscar Niemeyer and Lúcio Costa. The two-tier pavilion in “L” format had all the characteristics of the international school, specifically summarized in Le Corbusier’s Cinco Pontos Para uma Nova Arquitetura, or the brise soleil, pan de verre (curtain wall), ground floor with pillars and free plan, missing only the rooftop garden (HORMAIN 2012, p. 60). The connection between national and modern was translated into the simplicity of the pavilion’s lines, as if architecture allowed nature to speak. Wavy balcony, cutting-edge material, curves on the outside wall


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with glass windows allowing natural light to flow in, still preserving a view of the lake with water lilies and a ramp leading to the main entrance (WILLIAMS 2001, p. 208).

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Image 1 - Lewis Hanke, William Berrien, Antonio Edgar Carvalheiro, Gilda Rocha (futura Gilda de Mello e Souza), Luis Saia, Rubem Braga and Rubens Borba himself. Mario de Andrade’s Collection, IEB-USP. MA-F-2093 Candido et. al. São Paulo, 1940.

As Willliams has mentioned in a study on the cultural policy of the Estado Novo, the identity of the Brazilian modern architecture school was far from being defined at the time of the New York fair. Brazil’s leading example of avant-garde architecture, “Palace Capanema,” designed to be the headquarters of the Ministry of Health and Education in 1936, was still under construction. Practically at the same time when Brazil showcased itself at the New York Fair, the director of the Hispanic Foundation of the Library of Congress visited Brazil. Aside from inviting Brazil’s intelligentsia to the events to be held in America in the upcoming year, both American professors intended to establish partnerships, and, above all, ‘recruit’ Brazilians for the project to launch a Handbook of Brazilian Studies. Rubens Borba de Moraes, of the São Paulo group of modernists, Mario de Andrade’s main assistant in the management of the information and bibliography division of the Department of Culture of São Paulo (19351938), was appointed co-editor of the work, together with Berrien.


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Even if to a lesser extent, the idea was to repeat the success of the Handbook of Latin American Studies collection, published by Lewis Hanke since 1936, and available at the Library of Congress since 1939. After several impediments, the book was only published in Brazil in 1949 by publishing house Martins, entitled Bibliographical Manual on Brazilian Studies (Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros).

US Version of Brazil’s “José Olympio”: Alfred Knopf

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The collection of documents of former publishing house Alfred Knopf is currently at the Harry Ransom Center of the University of Texas in Austin. Knopf played a very active role in the translation of Brazilian works in America, as from the beginning of the 1940s, thanks to the cooperation between the publisher, Lewis Hanke, and Freyre. During his stay in America, from 1943 to 1944, lecturing at Harvard and at the University of Indiana, Freyre negotiated the rights and monitored the discussions on the publication of his work Casa Grande e Senzala in English, with Knopf. Parallel to the lectures he gave at the universities, Freyre published a book entitled Brazil: an Interpretation. The translation of Casa Grande e Senzala into English played a central role in the context of bringing closer Brazilian and North American intellectuals, for it marks the moment when Lewis Hanke and the Library of Congress acted as vectors of the US Department of State. In this context, Hanke articulates the cultural capital accumulated in the first years of the Handbook of Latin-American Studies and the first travel to Brazil, consolidating a network of activities on “Brazilian studies” in America. For instance, there is the case of Samuel Putnam, head collaborator of Brazilian literature at the Handbook of LatinAmerican Studies. Since the early 1940s, Putnam had been working in the translation of Euclides da Cunha’s Os Sertões, published as Rebellion in the Backlands, in 1944. Thanks to his background, he was convinced to translate Freyre’s work. Two years after the publication of The Masters and Slaves, in 1948, Putnam published his work on the literary review of Brazilian literature, entitled Marvelous Journey: A Survey of Four Centuries of Brazilian Writing, including a long assessment of Machado de Assis, as a writer of universal quality (PUTNAN 1948). Another interesting example is translator Harriet


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de Onís, who specialized in Latin American literature and who Knpf convinced to translate Memória Póstumas de Brás Cubas. Though she never completed her translation, De Onís established a closer relationship with Brazilian culture, which resulted in several important translations, most of which were published by Knopf himself in the 1960s, as is the case of Grande Sertão Veredas, (ROSA 1963; VERLANGUIERI, 1993), Sobrados e Mocambos, and Dona Flor e seus dois Maridos (DIMAS 2012).

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Image 2­—New York World’s Fair Poster, 1939-1940.


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Modern and National: Race and Miscegenation in Portinari’s Murals at the Library of Congress

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From 1939 to 1940, Portinari decorated the famous Brazilian pavilion at the New York World’s Fair; practically at the same time, he had showcased part of his work at MoMA’s Art in Our Time exhibit, in New York. The Brazilian pavilion was one of the fair’s highlights thanks to its bold modern design arising out of the partnership between Lucio Costa and Oscar Niemeyer, which will be further addressed below. Portinari was working on the building’s internal walls, with panels representing the cultural and social diversity of Brazil’s regions—the “Jangadas do Nordeste” (Rafts of the Northeast), a “Cenas Gaúchas” (Scenes of Brazil’s South), the festivities of “Noite de São João” (Night of Saint John). The successful repercussion of painting Morro (1933), guaranteed him an individual exhibit at the same museum in the next year, followed by several other smaller exhibits in the US and the publication of a catalog on his works by the University of Chicago Press. Such acknowledgement reflected in private commissions from influential names of the likes of Nelson Rockefeller and Arthur Rubenstein, having culminated with the invite made by Archibald MacLeish, director of the Library of Congress, to decorate the entrance of the recently founded Hispanic Foundation. Portinari presented his first sketches in August 1941, and the murals were painted from October to November, also in 1941. Portinari’s fee was paid both by the Office of the Coordinator of Inter-American Affairs and the Brazilian government. Thanks to his success, Portinari had self-confidence on one hand, and on the other, some sort of notion on the expectations of the North American audience. The invite was nevertheless a challenge, for he would have to navigate amidst two quite unknown seas: historical painting and non-exclusively Brazilian representations2. In short, Portinari would have to paint the historical meaning of a “Hispanic” culture, looking for symbols of identity common to both Portuguese and Spanish America. 2 Thanks to his growing prestige, Portinari’s paintings became closer to historical painting, as is the case of Tiradentes (1948), A Primeira Missa no Brasil (1948), Navio Negreiro (1950), Bandeirantes (1951), Chegada de D. João à Bahia (1952), Descobrimento do Brasil (1954) and Anchieta (1956), among others.


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361 Image 3—“Morro,” 1933. Coll. MOMA. Source: www.portinari.org.br

Portinari’s initial resistance to historical painting seems to be related to his repertoire of favorite themes, which are generally aimed at the observation of reality in the present. More than any other Brazilian artist of his generation, Portinari seems to be closer to the late modernism of the 1930s seen in poets such as Manoel Bandeira, than to the intellectual influence of Mario de Andrade. The general idea of this period in modernism is the pursuit of conciliation between the aesthetics of the avant-garde movements of the 1920s and a new realism, capable of addressing Brazil’s multiple social realities including its peripheral insertion in the world and its relationship with Latin America (ANTELO 1986, p. 154). Much like Bandeira, Portinari sought to introduce new agents and elements of daily experience in artistic discourse, thus revealing artistically sublime aspects of what he perceived as concrete Brazilian reality. In short, for Portinari, art was a “research tool and knowledge” that could not be dissociated from the ethical commitment to knowledge about a multiple and complex country (ARRIGUCCI Jr 1990, p. 154).


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Image 4—“Mestiço,” 1934. Coll. Pinacoteca de São Paulo. Source: www.portinari.org.br

When he was working on paintings such as “Morro,” “Mestiço” and “Café,” from 1933 to 1935, Portinari achieved maturity in his style3. His repertoire of more specific themes and technical resources coincided with the figuration of issues that were part of his world, of humble origins in Brazil’s countryside, in the city of Brodowski. The artist himself admitted several times that he had to leave Brazil to reconnect to his own origins. This pathway was similar for many of 3 Daily and rural life are part of works ranging from “Roda Infantil,” of 1932, to the “Circo” series, of 1932-1933, which lead to the painting of “Morro” (1933), and the series on the work at the coffee plantations, beginning with “Café” (1934), “Lavrador de Café” (1934), “Mestiço” (1934) and, finally, the widely known “Café” (1935).


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his modernist colleagues of the 1930s: Portinari became less ‘paulista’ (native of the State of São Paulo) and more Brazilian. This change was catalyzed by the murals of the Ministry of Health and Education, of 1938, which are not coincidentally seen as a milestone of “routinization of modernism,” but which only received the nowadays known contours thanks to the cultural exchanges with the US.

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The topic of the bandeiras has an empathetic potential with the North American audience. The bandeirantes are the Brazilian pioneers. They represent the expansion of the frontiers towards the west in both cultures, and also represent the triumphant fight of man over indomitable—and, to a certain extent, unknown—nature. Such territory of the unknown has a special designation—wilderness, in the American case, and sertão, in Brazil. However, such a great empathetic potential never seem to have been achieved. The association of Brazil with the exotic, closer to the imaginary of a tropical country, went against direct comparisons between the cultures.

Image 5—“Desbravamento da Mata” or “As bandeiras,” fresco on tempera, 1941. Library of Congress. Source: www.portinari.org.br

The vertical and spread-out arrangement of the forest is a direct reference to the set of studies that preceded the work on the murals for the MES, especially “Erva Mate,” “Pau Brasil” and “Borracha”


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(PEDROSA 1942, p. 127). Such a solution, to wit, the representation of trees as vertical columns, was not used in the final version of the frescos, of 1938. For instance, “Pau-Brasil” works more freely with a game of lines and horizontal and vertical shadows, abstracting the presence of nature represented as such, unlike “Erva Mate,” which includes the literal presence of the trees themselves.

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Image 6—“Pau-Brasil,” sketch for the Capanema Palace, 1938. Source: www.portinari.org.br

There is a mimetic coincidence between form and content in the tension between the verticality and horizontality of the images. While the content brings in the story of man’s domination of nature, form— both color and the lines—dramatizes the fight for the domination of volume and matter. Much like in the Renaissance, when the experience of geometric perspective dramatized man’s attempt to understand the world around hum. In both cases, such a fight is more of a process of exchange and adaptation than a story of domination. The verticality of the trees complements the looks to all directions, in full guard position against the threats and pursuit of other pathways. In turn, the


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transversally laid man mimics the animals’ gesture of drinking water from the river, searching for his own survival. Different and quite enigmatic is the quasi-singular case of the settler, who appears in the fresco of exploration in the Library of Congress. Portuguese, white, bearded and holding a rooster, he looks at the observer, and he seems to be the only one concerned with his own image and with the future. Additionally, this is the only figure that may be deemed conventional in relation to the most direct historical representation—it is the image of a typical white conquistador. Based on his position, he seems to be the so-called captain of the woods—he does not seem to be working.

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Image 7—“Entrada na floresta,” card and tempera, 1941. Library of Congress. Source: www.portinari.org.br

This may be the only dominating white male present in all of Portinari’s works during his mature phase; all other men are either multiracial or black. The executed figure is quite different from the one


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Portinari sketched in the study for the work (image on the side). The role of the captain seems to be the same, for the gesture and the clothes suggests the man has a multiracial background. Such artificialness in the presence of the settler, purportedly depicted as either Iberian or Portuguese, inevitably leads to the following question: was the representation of the three races (natives, blacks and whites) artificially introduced in Portinari’s horizon with the deliberate intent to be shown to a foreign audience? Such a suspicion is further aggrieved if one takes into account that with a white man, the artist would have represented all three races in the formation of America—blacks, natives and white alike.

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North American critics seemed to have immediately noticed the racial issue and the role of multiraciality in Portinari’s murals. During a lecture organized for the inauguration of the murals, Robert C. Smith claimed that “in the figures of his murals Portinari represented the three races of the Americas, the Indian, the Negro and the white man” (SMITH 1943, p. 11). Florence Horn suggests the following, in a contemporary review: “Portinari seems to be indicating that there is no race issue among the people themselves, or perhaps that the Brazilian is developing out a mixture of races” (SMITH 1943, p. 21). Though it may seem bold to make such a claim, Portinari perhaps was adapting his style to the expectations of the consumer audience. As Williams has mentioned, one of the harshest criticisms Portinari had received in America was directed towards the fact that his characters did not seem “Brazilian,” or “Afro-Brazilian”; in short, they did not follow the conventions of the exotic4. Historically, the activity of gold digging has been developed at the margins of the law, and is therefore one of the forms of vagrancy of colonial Brazil. Small-scale gold digging, using sieves, is a movable practice for it establishes itself hidden amidst third-party property, outsmarting any possible inspections and tax collection. Though based on highly solidary rules and a hierarchical structure of subordination to a leader, the work was individual in nature and the leader referred to as captain. From the social standpoint, the gold digger was a very poor, though free man, and as is clarified 4 Review written by Elisabeth MacCausland during Portinari’s exhibit at the MoMA, in 1940.


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by a nineteenth century manuscript, quoted by Mello e Souza, “very well streaked of different colors, including whites, mulattos, mestizos, blacks, all poor people with such manners as is required by their unfortunate and terrible living” (SOUZA 2004, p. 281-282). Much like the case of the pioneer travels, or entradas, it is not about representing the poverty and merit of the common men of the colonization process, but also of including specific individuals and social practices, arising out of the contact between settlers and natives. Hence, including the representation of free men outside the dialectic of settlers and natives, fighting for their survival, seems to be strategic.

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Image 8—“Garimpo,” fresco, 1938. Gustavo Capanema Palace. Source: www.portinari.org.br


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Image 9—“O garimpo,” fresco on tempera, 1941. Library of Congress. Source: www.portinari.org.br

As has been observed by the art critics, the mining fresco may be deemed the “freer” and most anti-conventional painting of the murals (PEDROSA 1942, p. 132). Themes such as the discovery of Brazil, the Jesuits and the bandeirantes are classical historical topics of national repertoire, developed during the nineteenth century. Because of the anti-conventionalism, the relationship with Portinari’s previous work on the walls of the Ministry becomes even clearer. The difference seems to be the increased focus on the characters’ stylization and the chromatic game. Characters seem more conservative at the Ministry, or perhaps closer to the conventions of realism, and the color palette seems colder. Another substantial difference is the absence of any gesture beyond everyday work activities in the drawings of the Ministry. Such a fact once again brings Portinari closer to realist convention, for the story is told without any bias, from a distance. This is not the case of the mining depiction of the Library of Congress, permeated by romantic and epic marks. The storytelling focuses on the gesture of raising arms in sign of triumph, and the ultra-


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romantic convention filtered by neoclassicism. Such a gesture, which, in relation to the aforementioned image, dramatizes the discovery of gold, contrasts with the faces that show no sign of celebration. The epic arsenal that individualizes the story, focused on an individual trajectory that heroically represents the formation of a community, radically contrasts with the faceless workers and their very low social conditions. Such faces also do not seem to express any reaction to the discovery of gold, as if the gold found was not for one’s own but for someone else’s benefit. Taking the interpretation to another level, one could argue that the glories of this chapter of colonial history were set on the Portuguese settlers, and not on the poorer workers. One could therefore claim this fresco operates with the typical language of Brazilian modernism, extracting poetry from ordinary life. Representing individuals whose activities were developed at the margins of society and restoring their role in the epic saga of the history of the Americas—one should also observe how atypically the discovery of gold is represented, for there is no sign of opulence or paradise, as would be the general case for the theme represented in the painting. The reference to paradise that was never found is quite clear in this case; in other words, it is the story of triumphal failure, for this gold was not for them.

Image 10 - “A catequese,” fresco on tempera, 1941. Library of Congress. Source: www.portinari.org.br


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One could in fact imagine the triangle formed by the integration of the figures on the center, surrounded by emotional gestures between Indians and Jesuits. Such an idea directly goes back to the Renaissance pictorial convention, whose imaginary triangle is comprised of Mary carrying baby Jesus (maestà) or Jesus taken down from the cross (pietà). However, the painting actually shows the ordinary interaction of men who perhaps are as simple as the poor workers (who are also likely to be multi-racial) on red earth, much like the ground walked upon during the bandeiras. Such interaction suggests some sort of communion in daily life, in work and in affection, which becomes even clearer when the frescos are compared to the sketches. The sketches include the image of preaching, which remits to the notion of hierarchy and control. Said environment of universal, multicultural (or multiracial) community, strongly marked by secularized religious themes, according to the modernist conventions, are precisely the leading features of War and Peace, monumental work painted at the headquarters of the United Nations, in New York, executed from 1952 to 1956.

Image 11—“A descoberta,” fresco on tempera, 1941. Library of Congress. Source: www.portinari.org.br


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Racial Paradise: Freyre in the US—1944 Alfred Knopf published Brazil: an Interpretation based on a set of lectures given by Gilberto Freyre at the University of Indiana in 1944, when Freyre was a visiting scholar. The book was almost immediately published, in 1945, thanks to the efforts of both Knopf and his wife, Blanche. Profiting from Freyre’s presence in the US, Knopf also negotiated the translation of Casa Grande e Senzala into English. The letters Freyre sent to the publisher, currently available at the University of Texas, in Austin, reveal that such negotiations were supported by Columbia University, (Frank Tannembaum), the Hispanic Foundation and the Department of State.

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While his books written in the 1930s, Casa Grande e Senzala (1933) and Sobrados e Mucambos (1936), are deeper assessments based on extensive documentation, Brazil: an Interpretation is closer to a pamphlet, in nature. Freyre does not limit himself to analyzing the historical role of multiraciality in Brazilian cultural formation, but goes so far as suggesting that such values, summarized in the introduction to the work with the term “fusionism,” understood as an alternative to guide humanity, considering the disasters of the war. Such an argument is summarized in the preface of the American edition of Casa Grande e Senzala, published one year later, “accepting this interpretation of Brazilian history as a march towards social democracy, a march that has on various occasions been interrupted and frequently has been disturbed and rendered difficult, we are unable to conceive of a society with tendencies more opposed to those of the Germanic Weltanschauung” (FREYRE 1946, p. XIV). Criticizing the racial theories that were on the origin of Nazism, Freyre claimed that even considering the “imperfections, the Brazilian experience could teach lessons to the world” (FREYRE 1945, p. 99). Freyre was criticized for having addressed only one region in his work—Brazil’s northeast—since the publication of his book, as if it represented the country as a whole. As an answer to his critics, in Interpretation, Freyre attempted to pay closer attention to Brazil’s regional diversity. The author identifies two contradictory and complementary trends in national formation, one of which is designated, “Horizontal Founders,” comprised of the poor immigrants coming from Portugal to Brazil’s north, south and west; and the other,


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referred to as “Vertical Founders,” comprised of the people who settled the coastline from São Vicente to Maranhão, who had sufficient capital to organize large-scale agriculture.

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At the same time as he addressed his critics, Freyre created a parallel with North American historical formation, also divided into two regions with almost opposite trends. Much like in America’s South, the “vertical founders” had used large-scale production and slave labor. At least specifically in the Brazilian case, such colonization pattern left behind deep structural marks—a hierarchized society, full of signs of differentiation impregnated in the different areas of life, from architecture to habits. In turn, the “horizontal founders” were defined by the constant pursuit for land expansion, and they were the Brazilian version of the “frontiers-man.” Their main characteristic was the ability to adapt to a hostile and different environment. Much of such a learning took place thanks to the experiences shared with Indians, and, in fact, our “frontiers-men were not Portuguese but Indian-Portuguese hybrids” (FREYRE 1945, p. 41). Such an ability to adapt was a trait common to the Portuguese even prior to Brazil’s discovery and colonization. In spite of the moments of undeniable intolerance, the Portuguese population had gotten used to living with and to the mix of different cultures, Arabs and Jews included. Much like Portinari’s representations, Freyre was trying to explain, to a foreign audience, that the main vector of Brazilian colonization had been the common, poor and multiracial man, from start, and not the historically crystalized figure of the settler/colonizer (FREYRE 1945, p.29). One of the greatest differences between the trajectories of the US and Brazil lay in the social dynamics of slavery. While the North American system had a stricter hierarchical structure, the Brazilian case was marked by greater flexibility in social relations (FREYRE 1945, p.53). In his words: “Brazilian plantations seem to have been less despotic than slavery in other American areas; and less cruel—if one admits degrees in cruelty…” (FREYRE 1945, p.49). Freyre was well aware that Brazil’s image as a racial paradise had long been part of the repertoire of stereotypes on the country, in America (HELLIG, 1990, p. 55-57). Such an image was first built with the circulation of English-speaking travel journals in the nineteenth century, though it


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nevertheless gained projection in the early decades of the twentieth century thanks to groups connected to the fight for Afro-American rights. Such an image is generally associated to the idea that there was greater social mobility in Brazil. As Freyre himself highlights, multiraciality does not prevent one from achieving important social positions, whether in politics, in business or intellectually.

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Freyre does not dedicate much time to speak of the historical reactions between masters and slaves; his attention is rather focused on the evaluation of the issue in the present. Freyre suggests that the multiracial pattern is forming a prevailing social type in society— “negros are now rapidly disappearing in Brazil, merging into the white stock; in some areas the tendency seems to be towards the stabilization of mixed-bloods in a new ethnic type” (FREYRE 1945, p.96). Such an homogenization would not leave room for racial prejudice. If one is to speak of social discrepancies, they relate to class consciousness: “There has been, and still is, social distance between different groups of the population. But social distance is—more truly today than in the colonial age or during the Empire (when slavery was central in the social structure)—the result of class consciousness, rather than of race or color prejudice” (FREYRE 1945, p. 97). In addition to social mobility, according to Freyre, multiraciality favored Brazil in several areas, including the creativity of its people and the propensity to peace and democracy. Creativity was allegedly evidenced by the number of artists, writers and architects of increasing international fame, as is the case of Portinari and Niemeyer. The long process of miscegenation would also have contributed to Brazil’s historical peace and stability. The inclusion of the multiracial population ensured the stability that marked Brazil’s transition processes, whether in the independence, abolishment of slavery, or the transition from Monarchy to Republic (FREYRE 1945, p. 101). Unconscientiously using the unfortunate wordplay “white revolution,” Freyre clarifies that Brazilian peace contracts with the violence of historical processes of several of its less-multiracial neighbors. In turn, Freyre denies that the patriarchal rule present at farms forged appropriate conditions for the instauration of authoritarian governments, “strange as it seems, most of the despots, caudillos, and anti-democratic leaders that Brazil has had did not derive from


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its plantations but came from other sections” (FREYRE 1945, p. 65). An “eagerness for social and cultural ascension” of the mestizo mass, quite to the contrary, could only represent a movement of horizontal inclusion, contrary to “despotic paternalism.” On the other hand, Getulio Vargas was the product of “separatist,” inorganic and anti-democratic provincialism, a true caudillo. His caudillism was an authoritarian political phenomenon, much like anti-Semitism and the Ku Klux Klan—the negative representations of intolerance and resistance to democratic values (FREYRE 1945, p. 148).

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The meanings of the use of the term democracy in the text deserve special attention. It is clear that there are no grounds to speak of democracy itself in this case, for Freyre considered the Monarchy’s trend to promote balance between regional elites and the central government democratic. His idea of democracy cannot be dissociated from a type of anthropological theory of exchanges and cultural assimilations. His theory is based on the alleged horizontality of the relations between dominators and dominees, in which both learn and mutually assimilate each other, taking over “mutual benefits” from both cultures (FREYRE 1945, p. 121). This would be possible in any circumstance, even in the assimilation of Indian and African groups that remain connected to their original cultures, and in groups of recent immigrants, as was the case of the Japanese. According to Freyre, “there should be no subordination, however, of non-Portuguese sub-groups or sub-cultures to a rigidly uniform Luso-Brazilian or PortugueseBrazilian culture or “race.” Hence, the Brazilian experience could be capable of “revolutionizing immigration policies without violence for both parties, for immigrated immigrants” (FREYRE, 1945, p. 121), therefore imposing some sort of ideal world for immigrant workers and artists (FREYRE 1945, p. 119-120). One of the greatest obstacles to the export of such Brazilian anthropological democracy was imperialism, from the imperialism that marked the relations between England and Brazil in the nineteenth century to the current good neighbor policy. Freyre says to the American public that what is good for the US is not necessarily good for the Americas, and may in fact adversely affect its cultural diversity. Freyre severely criticizes the “almost divine” right to colonization associated with military and technological power, and reinforces the


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contrary reaction of peoples such as the Mexicans, Arabs, Indians and Brazilians, based on the fact that their semi-colonial status “is causing damages to their creative capacity and human potential” (FREYRE, 1945, p. 73).

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Freyre’s idea were largely accepted and circulated worldwide after the end of World War II, especially when UNESCO was first founded (MAIO, 1999, p. 114). In such a context, it seemed important for European and North American intelligentsia and political class to open up for debate and self-reflection, thus taking the due measures in order to avoid a new world war. This perhaps may have been the first purpose of organizing the UN, but it was also consensual that such an understanding would only be possible by mobilizing culture. Freyre’s ideas on Brazil were entirely in line with the pursuit of a more horizontal and tolerant understanding between the nations, such a pursuit would only be complete with the greater opening to peripheral nations, and by taking a deeper look into ethnocentrism. Freyre’s participation at UNESCO’s forum on Tensions that Cause Wars emblematically represented his new status as an international reference, having debated ideas with the likes of Max Horkheimer, George Gurvitch, and Gordon Allport, among others. In fact, Freyre was invited to chair the institution’s Department of Social Sciences (MAIO 1999, p. 114). It is precisely in this context of international projection that the most systematic criticisms to Freyre’s works were made. UNESCO itself funded research on racial relations in Brazil, which produced names such as Donald Pierson and Frankin Frazier.

Final Considerations The purpose hereof was to demonstrate the role of intellectual exchange, especially between Brazil and the US, in the rewriting of Brazilian past during the Estado Novo. Such a period is crucial for the national project of the Vargas government, which engendered the symbolic reconfiguration of national past, based on the confluence between past and present, between Brazil’s traditional frameworks and its potential for modernity. Intellectuals were purportedly chosen as agents in such process, mostly connected to the Brazilian avant-garde experience, to what is generically known as “modernism.” Said agents


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had the duty to rewrite the national past given the new needs of the modern nation, whether in their novels, such as Mario de Andrade’s Macunaíma, or in Villa Lobos’ musical experiences, in Gilberto Freyre’s and Sergio Buarque’s essays or in Portinari’s paintings.

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The aforementioned exchanges catalyzed the re-articulation of national ideology, the selective appropriation of such ideas of a modern Brazil by the authoritarian State; having mixed already traditional forms, such as the paradise and natural motifs from Romantic tradition, with the new forms of identity, such as racial democracy. It seems clear that that said new ideological articulation was the symbolic interface of the attempt to include Brazil in the new economic world order. One may therefore claim that the converging point of such discourses is the development of Brazil’s image as a global power of the future. Such discourse was furthered based on the opportunism and quite acute perception of the agitated historical situation brought forth by the end of World War II. Thanks to the role of the State, such a messianic time structure and the images surrounding it were strongly promoted in mass culture. One could in fact speak of the rewriting of a great foundation myth. After all, such a story was not exactly marked by the epic triumphalism contained in the representations promoted thereby, and was more of a myth of profoundly authoritarian features. Much like many other stories, it was nothing other than “the distortion of reality,” as Freyre himself said to the North American audience, when referring to the Brazilian artists, produced “when they feel the need to make reality seem more real, or more Brazilian than it in fact is” (FREYRE 1945, p. 158).


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Do Neo-Escolasticismo ao New Criticism: A Intelectualidade Católica Brasileira 380

Leonardo D’Avila Universidade Federal de Santa Catarina

Durante a década de trinta, do século XX, estabeleceu-se no Brasil uma intelectualidade de cunho conservador com um propósito neotomista, com semelhanças e diferenças com a filosofia de autores franceses como Jacques Maritain, Georges Bernanos ou Daniel Rops (COMPAGNON, 2003). Entretanto, durante a Segunda Guerra Mundial, muitos artistas e intelectuais que estavam instalados em Paris vieram exilados para a América, assim como aconteceu com juristas e artistas de vanguarda.1 Esse artigo investiga algumas dessas relações interatlânticas de uma intelectualidade espiritualista no período entreguerras e os primeiros anos depois do armistício, focadas em dois críticos literários principais: Alceu Amoroso Lima, líder dos católicos leigos e um dos mais influentes críticos literários daquele momento 1 Sobre o exílio dos intelectuais franceses, ver: JACKSON, Julian. France: the dark years (1940-1944). Oxford: Oxford University Press, 2003.


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e Afrânio Coutinho, outro acadêmico bastante conhecido nos meios literários, especialmente pelo seu papel de difusor do New Criticism norte-americano no Brasil. Pergunta-se: quais tipos de relações foram estabelecidas antes dessas iniciativas?

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Ainda que o exílio de artistas e intelectuais ao novo mundo seja um dado amplamente reconhecido, o Brasil é considerado nesse contexto com certa raridade. Salvo por alguns antropólogos, como Lévy-Strauss e Roger Bastide, e alguns juristas italianos, pouco se sabe sobre a rede de artistas exilados que vieram ao Brasil em função do catolicismo. É possível afirmar, baseando-se em uma pesquisa em periódicos culturais católicos (especialmente A Ordem e Vida, ambas do Rio de Janeiro) bem como outras publicações diversas e até mesmo cartas, que, se houve menções mútuas entre intelectuais brasileiros e europeus, somente após esses exílios é que houve um diálogo no qual os interlocutores estivessem realmente abertos à troca de ideias, bem como conciliar o catolicismo com o american way of life e abarcar problemas concretos daquele tempo de uma maneira mais tolerante do que antes. Renouveau Catholique no Brasil No período entreguerras, o renouveau catholique, uma nova tendência no pensamento católico, difundiu-se por católicos leigos determinados a cristianizar instituições políticas desde o fim do século XIX, tornou-se um motivo para a agremiação de muitos artistas e intelectuais pelo mundo durante os anos vinte e trinta. Esses ideais foram difundidos especialmente por aqueles que se sentiram desconfortáveis em aderir a ideologias predominantes, como o positivismo, o comunismo ou o fascismo (VILLAÇA, 2006). Todas essas ideologias eram consideradas como demasiadamente materialistas para eles, que preferiam se dedicar a uma direção mais espiritualista. Essa intelectualidade católica foi fortemente influenciada pelo Papa Leão XIII em 1879, por haver determinado uma renovação pelo tomismo e principalmente pela encíclica Pax Christi in regno Christi, por Papa Pio XI em 1922, o que incentivou a formação de elites intelectuais militantes em todos os países com vistas a retomar a influência de Roma e das hierarquias eclesiásticas na política, na moral e nas artes. Se os principais difusores desses ideais foram intelectuais franceses e


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belgas, o Brasil foi um dos primeiros países a cumprir boa parte dessas propostas. Ainda em 1921 o intelectual militante conservador Jackson de Figueiredo estabeleceu no Rio de Janeiro a revista A Ordem, um periódico mensal que tinha o imperativo de “recatolicizar o Brasil”, conforme suas próprias palavras (AZZI, 2006). Um ano mais tarde, para cumprir com as determinações de Roma, foi fundado, também por Jackson, o Centro Dom Vital, uma associação cultural formada por católicos leigos, desde médicos, políticos, professores, entre outros profissionais, que partilhavam da mesma aspiração, com estima pelo pensamento de Joseph De Maistre e Juan Donoso Cortés, além de nutrirem certo interesse por filósofos mais espiritualistas como Pascal, Henri Bergson ou Raymundo Farias Brito, entre outros. Em 1928, Jackson de Figueiredo morre e seu amigo Alceu Amoroso Lima, recém convertido, assume a direção do Centro Dom Vital e da revista A Ordem com a intenção de criar uma revista mais voltada à cultura e menos à política. Em alguns anos o grupo promoveu debates notáveis filosóficos, além de haver publicado poetas novos e renomados, como Jorge de Lima, Murilo Mendes ou Vinícius de Moraes. Alceu era também um modelo de filósofo e crítico literário para intelectuais mais jovens, como Sylvio Elia, Alberto Guerreiro Ramos e Euryalo Cannabrava. Um desses jovens era Afrânio Coutinho, que abandonara os estudos de medicina para se dedicar à literatura, o que se provou não ser uma decisão vã, tendo em vista que chegou a exercer um grande papel nos estudos literários brasileiros no século XX. Em seu primeiro artigo em A Ordem, em 1936, mas escrito em 1935, Coutinho (1936b, p. 36-51), com 25 anos, trouxe à discussão o problema do neotomismo e do neoescolasticismo para os estudos literários, para o qual mostrou-se um hábil leitor de Jacques Maritain e Étienne Gilson. No mesmo ano, Jacques Maritain desembarcou na cidade de Salvador na Bahia, onde ele próprio se encontrou com Afrânio Coutinho antes de continuar sua viagem ao Rio de Janeiro e a Buenos Aires. Um ano mais tarde, por sinal, ele publicou uma leitura do livre Rimbaud, le drame spirituel, escrito por Daniel Rops2, outro autor francês ligado à ideia de renouveau catholique, portanto fortemente comprometido com o catolicismo, mas por suas publicações mais críticas, como nas revistas La Vie Intellectuelle ou Sept. O principal tema do artigo de 2 No entanto, em 1935 Coutinho já havia publicado seu livro “Daniel Rops e a ânsia do sentido novo da existência”.


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Coutinho era o furor divino, no qual salientou uma teorização de uma alteridade radical no trabalho de Rops, afirmando que “a literatura é um meio mágico para o indizível. O escritor é um meio, em outras palavras, a expressão quase inconsciente de um ‘outro’ que fala por sua boca (Rops)” (COUTINHO, 1936a, p. 40).

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É bastante interessante saber que o futuro difusor da close reading no Brasil anteriormente havia se interessado por uma compreensão espiritualista da escrita. Ainda que o entusiasmo não fosse um problema para a crítica literária, a qual se encontrava parcialmente no principal argumento do Íon de Platão, por exemplo, sempre permaneceu um tema relacionado a uma exterioridade (ou um tipo de magnetismo) que afeta os textos. Esse arrazoamento metafísico foi a base dos primeiros trabalhos de Coutinho. De qualquer maneira, por suas citações de Maritain e Rops em suas publicações após 1935, é possível concluir que Coutinho estava a par e envolvido no que se passava na vanguarda católica francesa e que, através ela, teve algum contato pessoal com Jacques Maritain em sua rápida descida em salvador. Alguns dias depois, Maritain chegou ao Rio de Janeiro, onde foi recebido por Alceu Amoroso Lima, àquele tempo uma das figuras culturais mais proeminentes no Brasil e um líder inquestionável dentro da intelectualidade católica (See COMPAGNON, 2003). A principal ideia difundida por Alceu era a redescoberta de uma hierarquia de valores, isto é, a abstração da realidade material para a seleção de uma teleologia objetiva, algo muito próximo ao tomismo. Mas sua atividade pública não era nada contemplativa. Ao contrário, pretendia criar uma elite intelectual em favor da ordem, dos princípios e da disciplina nas instituições e no povo comum, protegendo-os do comunismo e da secularização, o que condizia parcialmente as ideias conservadoras de Jackson. Assim, deveria haver ensaios políticos para a difusão de ideias, poemas para a aproximação da fé e crítica literária para a moralização das artes. Em síntese, as ações sempre buscariam alguma finalidade, isto é, eram um meio para um fim abstrato objetivo. Assim, a atividade política deveria ser indireta. Mesmo após a morte de Jackson, Alceu Amoroso Lima manteve o legado do amigo. Em 1932, foi cofundador da Liga Eleitoral Católica (L. E. C.), que não era um partido, mas a atividade para guiar o povo para agir e votar na forma mais apropriada, o que funcionou tão bem que a Constituição do Brasil


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de 1934 reconectou parcialmente Igreja e Estado. Em 1935 tornou-se líder da Ação Católica Brasileira. Curiosamente, a iniciativa de L. E. C. difundiu-se pela França. A experiência brasileira da L. E. C, vale lembrar, não teve precedentes no mundo, e chegou a ser discutida no periódico La Vie Intellectuelle, a principal revista cultura católica na França, na qual Maritain contribuía. Em janeiro de 1934 em um artigo de Jean Duriau, observam-se as seguintes palavras:

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Mais nous souhaitons vivement que l’action de la ligue catholique soit des plus efficacies. L’expérience serait intéressante a étudier et à imiter après avoir subi la contagion pernicieuse du Nord du continent américain, l’Europe aurait alors avantage à chercher des modèles au-dessous de l’Équateur et à se remettre résolument à l’ouvrage en vue d’un établissement des valeurs. (30 novembre 1933)”. (DURIAU, 1934, p. 51)

Se houve muitos contatos entre intelectuais brasileiros e franceses em torno da doutrina tomista ou da militância católica, isso não consiste em afirmar que esses contatos fossem diálogos. A presença de Maritain no Brasil não garantiu uma disseminação imediata de suas ideias. Ao contrário, mesmo que fosse um autor respeitado pela sua exegese de São Tomás, ele não foi realmente conhecido durante a década de 30 por suas posições políticas mais recentes. Quando Maritain passou pelo Rio de Janeiro em 1936, seu livro de maior impacto, “Humanismo Integral”, ainda estava em processo de publicação e passou despercebido no Brasil. Enquanto os primeiros estudos foram mais rígidos em torno da teologia em um sentido histórico e teórico, seu novo livro trouxe novas ideias de democracia bem como a aceitação de alguns princípios do comunismo e da rejeição da autocracia em todas as suas formas, o que, parcialmente, era o fundamento de uma crítica a ditaduras, como a dos nacionalistas na Espanha ou a da ascensão de Hitler e Mussolini. Maritain não permanece por muito tempo no Brasil. Ele continuou sua viagem a Buenos Aires e lá encontrou posições ainda mais conservadoras do que aquelas dos católicos brasileiros. Assim, enquanto Maritain discursava nos “Cursos de Cultura Católica”, uma grande parte dos intelectuais católicos e a própria Igreja argentina condenaram suas novas ideias como heréticas, especialmente por ele não haver visto na Espanha nacionalista uma cruzada de fé, conforme


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afirmara Monsenhor Gustavo Franceschi, diretor da revista Criterio, uma publicação comparável a A Ordem na Argentina. Em meio a essa polaridade entre católicos conservadores e humanistas, Maritain encontrou melhor recepção nos intelectuais de direção liberal do grupo “Sur”, especialmente de Eduardo Mallea e Victoria Ocampo, que também discordavam em ver alguma virtude na Espanha reacionária, conforme é possível ler na revista em agosto de 1937 quando condenaram a violência naquele país, afirmando que no editorial que eram eles os verdadeiros cristãos: “nos interesa la cosa política sino cuando está vinculada con lo spiritual. Cuando los principios cristianos, los fundamentos mismos del espíritu aparecen amenazados por una política, entonces levantamos nuestra voz” (POSICIÓN de Sur, 1937, p. 7). A mudança intelectual em tempos de guerra Nos anos seguintes, a guerra seria um ponto de mudança nesse tipo de polarização entre católicos intelectuais em ambos os lados do atlântico, e, dado que seus contatos eram geralmente seguidos de muito mais tensões do que concordâncias, não é possível afirmar que os intelectuais católicos brasileiros ou argentinos tenham simplesmente aderido ao renouveau catholique francês ou ao neoescolasticismo. Durante a guerra, o continente americano tornou-se a residência de muitos intelectuais, como Maritain, que viviam em Nova Iorque, e Georges Bernanos, que viveu no Brasil, enquanto ambos foram muito ativos na defesa da libertação francesa das forças do Eixo. Foi durante esses exílios que os intercâmbios entre intelectuais franceses, brasileiros, argentinos ou mesmo norte-americanos tornaram-se muito mais efetivos e duradouros. O Brasil recebeu, além de Bernanos, autores como Gabriela Mistral, Otto Maria Carpeaux e Stefan Zweig, todos eles ligados de algum modo com a intelectualidade católica, alguns por vizinhança, como Zweig, que vivia na mesma redondeza que Alceu Amoroso Lima, outros por interesse comum, como Gabriela Mistral e especialmente Bernanos. Mas suas relações estavam longe de serem consideradas estáveis, como se pode pressupor na leitura de uma carta de Bernanos a Alceu escrita em 1938. Ela seria publicada dez anos depois na revista Esprit, dirigida por Emanuel Mounier, e nela Bernanos critica a visão cega dos membros da “Ação Católica”


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no Brasil perante a hierarquia canônica assim como suas esquivas em lidar com problemas imediatos, argumentando que “vocês todos traem a ideia inpirada no Espírito Santo, alguns por malícia, outros por preguiça... Vocês irão pagar caro por essa traição ao Espírito Santo” (BERNANOS, 1950, p. 191). A carta permite perceber a fé mais espontânea de Bernanos em choque com a serenidade — e, por vezes, conformismo — de Alceu, quem, àquele tempo, opunha-se aos regimes totalitários por uma atitude branda. Mas todas essa amizades imiscuída a trovões seria também uma espécie de despertar para a revisão de algumas ideias políticas e morais em ambos.

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Durante a Segunda Guerra Mundial, de fato, os movimentos de intelectuais não era realizados em apenas um sentido porque no continente americano também houve intercâmbios. Um deles pode ser exemplificado pela estadia de Afrânio Coutinho em Nova Iorque entre 1942 e 1947, quando ele aceitou o trabalho de secretário na edição brasileira da revista Selections of the Reader’s Digest, a qual muito em breve seria a revista mais lida do Brasil. Esse era também um ponto de virada, sabendo-se que essa sua nova ocupação contrastava com a inquietação que anteriormente descrevera o pensamento e a educação dos Estados Unidos.3 A tradução dos textos era feita por outro intelectual renomado, Octávio Mangabeira, que, àquela época, estava exilado em Nova Iorque por suas contribuições com os fascistas no Integralismo brasileiro. Mas a versão brasileira da revista não mostrava muitas modificações. A única mudança para a versão norte-americana, à primeira vista, era praticamente alguns jogos com palavras, como “melhore seu vocabulário”, ou a colagem de frases de autores nacionais, como Machado de Assis, Mário de Andrade ou Érico Veríssimo, formando uma brincadeira em uma página intitulada “Frases poéticas e pitorescas”. Mas a América Latina, em geral, aparece nessas edições, pelas imagens de animais ou de paisagens na contracapa, curiosamente sempre como imagem e não como texto, embora de uma maneira pitoresca e poética. De qualquer forma, longe de dirigir a revista do american way of life, Afrânio Coutinho frequentou alguns cursos na Universidade de Columbia com personalidades muito interessantes como Maritain, àquela época exilado nos Estado Unidos, de quem se tornou um amigo

3 Um exemplo destes textos pode ser visto em COUTINHO, Afranio. Vocação da America: Ocidente e Continente. A Ordem, Rio de Janeiro, v. 20, n. 9, p. 352-360, set. 1938.


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próximo.4

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Nesse momento, Coutinho também assistiu a curso de outros intelectuais renomados, como Roman Jakobson ou René Wellek, cujas ideias provaram-se muito importantes para o futuro de Coutinho, quando ele passa a aderir a muitos postulados no New Criticism, norte americano, bem como do formalismo russo. Não muito após sua volta ao Brasil, Coutinho deu início a uma coluna intitulada “Correntes Cruzadas” no jornal Diário de Notícias do Rio de Janeiro, que durou de 1950 a 1961, em uma tentativa de opor a crítica subjetiva e supérflua, normalmente pequenos julgamentos de amigos ou inimigos em jornais, o que ele chamava de crítica impressionista, com uma outra mais séria. Coutinho, assim, iniciou uma campanha por análises mais científicas, ou, pelo menos, com zelo científico, fazendo uso de estudos literários universitários e, mais do que isso, afirmando que a nova crítica deveria começar por um retorno ao texto em sua individualidade e não a uma mera ilustração histórica, moral ou discussão sociológica. Era tempo de se separar a crítica literária real, enquanto um estudo com sua própria metodologia de uma revista jornalística, na qual impressões imediatas do leitor eram o principal objetivo ou mesmo buscavam servir de ilustração a alguma tese de qualquer ciência humana, exceto à própria literatura (COUTINHO, 1975). Mas como é possível que Afrânio Coutinho, um dos maiores apoiadores do modo de pensar neo-tomista, como se vê em seus ensaios e traduções sobre Daniel Rops e Jacques Maritain nos anos trinta, nos quais a universalidade do texto era o objetivo principal, poderia, em um par de anos no exterior, retornar com teorias opostas às que possuía, focando justamente na individualidade do texto? Uma respota possível à questão é a de que o neotomismo e o New Criticism não são necessariamente estranhos, mas lados diferentes do velho problema entre universais e indivíduos. No neotomismo isso é visto com menor dificuldade, mas mesmo para o New Criticism ele não está oculto. Ao contrário, é muito explícito. O primeiro argumento que abre o amplamente conhecido Theory of literature, de Wellek e Warren, é construído no propósito de redescobrir a importância da individualida4 Essas relações de amizade ficaram registradas no livro de depoimentos: Jacques Maritain. Afrânio Coutinho (org.). Rio de Janeiro: Agir, 1945.


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de nas obras de arte. Afirma-se: Why do we study Shakespeare? It is clear we are not primarily interested in what he has in common with all men, for we could then as well study any other man, nor are we interested in what he has in common with all English men, all men of Renaissance, all Elizabethan dramatists, because in that case we might just as well study Dekker or Heywood. We want rather to discover what is peculiarly Shakespeare’s, what makes Shakespeare Shakespeare; and this is obviously a problem of individuation and value. Even in studying a period or movement or one specified national literature, the literacy student will be interested in it as an individuality with characteristic features and qualities which set in off from other similar groupings. (WARREN; WELLEK, 1973, p. 19)

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No mesmo estudo, vale lembrar, Wellek rejeita explicitamente o pensamento literário neotomista porque seus excessos de abstrações e seu modo absoluto de pensar o texto em uma universalidade. De qualquer modo, no final, ambas as posições, a neo-escolásticas e a neocrítica, compartilham da mesma distinção entre universalidade e individualidade, sem rejeitar o polo oposto. Finalmente, a diferença reside na preponderância do indivíduo sobre o universal para o New Criticism e a preponderância do universal sobre o indivíduo para o neo-escolasticismo. Alceu Amoroso Lima, por sinal, não viajou aos Estados Unidos nos anos quarenta e não explicita em seus escritos sobre literatura a discussão sobre a individualidade. Mas ele alcançou alguma fama no exterior. Quando a guerra terminou, ele já havia publicado em revistas relacionadas a leigos católicos, como Criterio na Argentina e La Vie Intellectuelle na França, além de haver formado uma rede de correspondentes pelo mundo. Contudo, após a morte de seus melhores amigos dentro do clero brasileiro, como Dom Sebastião Leme ou o padre Leonel Franca, ele perdeu apoio para seus projetos no Brasil e não manteve o mesmo ritmo das décadas de trinta e quarenta. Em 1949, Alceu viajou em uma peregrinação pela Europa e, em janeiro de 1951, ele finalmente aceitou viajar aos Estados Unidos para assumir, entre 1951 e 1953, o posto de Diretor do Departamento Cultural da União Pan-americana, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA). Quanto ele chega, começa a pensar sobre a individualidade. Um das primeiras impressões era o fato de que os americanos careciam de um


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pensamento sobre a vida pós-morte e também que eram os guardiões do legado de um imperativo de vida no qual ela deveria ser um triunfo pessoal. Ele afirmou: Life is a victory to conquer, not an heritage to enjoy, they seem to keep saying. And, because of that, they developed an extraordinary energy and thoughness. Americans are definitely capable of great deeds... No other people in the world knew how to develop a welfare philosophy more dangerous or more complete. The pioneer spirit remains mainly intact. (LIMA, 1955)

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Algum tempo depois, seus textos começaram a ser mais e mais contundentes e críticos sobre a situação política norte-americana, chegando a argumentar contra os republicanos e até lamenta a eleição de Eisenhower. Após seu retorno, se antigo ritmo, de alguma forma, volta, se bem que ele não mais se dedica mais a textos programáticos. Sua dedicação principal como crítico literário é mais sutil, com publicações com apelo político leve, como sua Introdução à literatura brasileira. Contudo, passou a escrever livros políticos, como A realidade americana, no qual aponta muitas críticas à realidade norteamericana e o american way of life, enquanto lá viveu, ou Revolução, reação ou reforma, de 1964, um livro que rejeitava toda forma de autoritarismo e foi publicado no mesmo ano do golpe militar no Brasil, um ato que o tornou uma voz importante no pensamento político de esquerda. De qualquer maneira, esse tipo de reação seria muito improvável na década de trinta, primeiro porque ele havia sido sempre muito diplomático e cuidadoso em suas palavras, apesar de estar muito presente em debates públicos. Ele chegou mesmo a escrever o programa do Partido Democrático Cristão no Brasil em 1945, sem, no entanto, haver se filiado a ele. Nos anos 50, no entanto, ele se demonstrou mais assertivo, não apenas por uma mudança no pensamento político ou por uma nova moralização, mas especialmente porque começou a ver suas próprias atividades como atos políticos por si mesmos. E isso condiz com o textos, que agora eram sua própria finalidade e não mais um meio separável de sua consequência, revelando um tipo de pragmatismo após seu retorno dos Estados Unidos nos anos 50. Seu livro Problemas de Estética, publicado em 1960, demonstra o reconhecimento de certa objetividade da obra de arte com suas regras próprias lado a lado com as humanas e naturais.


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Art is the domain increasingly expanding of freedom, from architecture to poetry. Besides, along with the different species of art, the arts of creation, verbal or plastic, are the own expression of undefined human possibilities, for which man, exercising his freedom, crates a new world in the image and likeness of his inventive power that begins, by the way, to have a life of its own and objective, side by side with natural and human forms. Art is, then, the own domain of freedom ruled itself by the objective requirements of the developing masterpiece, or by the expansion of the subject, in music and poetry”. (LIMA, 1960, p. 31)

Mais do que palavras

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Entre a rede de intelectuais e artistas católicos que se afirmou durante a Segunda Guerra Mundial, esses dois brasileiros, Afrânio Coutinho e Alceu Amoroso Lima, podem demonstrar, por um caminho pouco óbvio, como a crítica literária na primeira metade do século XX passou de um ponto de vista moralista e teleológico para um outro muito mais lógico e proponente de uma leitura aberta. Durante os anos trinta, os Estados Unidos eram vistos com precaução exagerada, cujos ideias eram considerados a personificação do individualismo, que era censurado em nome do personalismo ou do neotomismo, duas concepções metafísicas. A abertura aos Estados Unidos e a suas ideias acadêmicas pela intelectualidade católica leiga brasileira não foi apenas uma posição baseada na campanha de guerra da época. Foi um sintoma de uma completa nova forma de ver a cultura, na qual intelectuais de diferentes países coexistiram e novos diálogos emergiram, bem como muitas de suas concepções mudariam para sempre. Os ideias de Amoroso Lima seriam, após o período entreguerras e sua estadia nos Estados Unidos nos anos cinquenta, um ponto de virada para uma experiência de mundo mais compreensiva e uma abertura para as lutas com soluções práticas a problemas políticos concretos em vez de buscar respostas atemporais para tudo. Muito desse novo Alceu foi expresso durante a ditadura na qual o antigo líder católico se tornou um opositor mordaz do regime militar (Cf. MENDES, 1966). O real contato de Jacques Maritain e Afrânio Coutinho nos Estados Unidos também foi um ponto de virada. Mais do que uma simples defesa dos valores americanos parcialmente explicados por sua atividade na revista Seleções, sua estadia entre católicos e New Critics


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impactou para sempre sua vida e carreira. Sua crítica literária passou a considerar o texto em sua concretude, isto é, em sua individualidade. Portanto, essa discussão tem um certo resquício de escolasticismo, mas sobrepassa a mera especulação na medida em que esta mudança para o indivíduo trouxe um novo modo de ler e de pensar. Ainda assim, essa nova abordagem fortificou uma visão autonomista da literatura. Não apenas a de uma autonomia como sinônimo de nacional, senão como uma nova modalidade de crítica literária baseado no texto.

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É possível concluir que esses anos de guerra e pós-guerra evidenciam uma rede rica e complexa de intelectuais entre diversos continentes, o que torna possível pensar em um tipo de afiliação de intelectuais do continente Americano por parte dos europeus. Assim, esses relacionamentos permanecem muito pouco investigados e, por isso, ainda há muito trabalho a ser feito, especialmente quando eles são pensados enquanto uma grande rede e não apenas enquanto parte de uma dialética entre mentores e discípulos. Mesmo se brasileiros, argentinos e franceses coincidiram em muitos postulados, especialmente por dar grande crédito a Maritain e a parte mais metafísica de sua obra, as ações políticas tomadas pela Igreja no Brasil, como a Liga Eleitoral Católica, foi tomada como um modelo por setores do pensamento francês e argentino. Entretanto, é possível não discernir a mudança radical que os intercâmbios culturais entre intelectuais europeus e americanos quando todos os exilados e anfitriões necessariamente precisaram criar diálogos mais horizontais, novos modos de lidar com problemas práticos assim como flexibilizarem-se a si mesmos: como fizeram Amoroso Lima e Coutinho.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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of

Literature.


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From Neo-Scholasticism to New Criticism: The Brazilian Catholic Intelligentsia

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Leonardo D’Avila Universidade Federal de Santa Catarina

During the 1930’s, a conservative intelligentsia based on NeoThomism was established in Brazil, with similarities and differences in relation to the philosophy of French authors such as Jacques Maritain, Georges Bernanos and Daniel Rops (Cf. COMPAGNON, 2003). However, during World War II, resembling the path of jurists and avant-garde artists1, many artists and intellectuals who were based in 1 About the exile of French intellectuals, see: JACKSON, Julian. France: the dark years (1940-1944). Oxford: Oxford University Press, 2003.


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Paris came to the American continent in exile. This article investigates some of the inter-Atlantic relationships of a spiritualistic intelligentsia in the interwar period, as well as the first years after the armistice, based on two Brazilian literary critics: Alceu Amoroso Lima, leader of the lay catholics and one of most prominent literary critics of that time, and Afrânio Coutinho, another renowned academic in literature, much known for the diffusion of the American New Criticism in Brazil. What kind of relationship was established prior to and after these events?

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Although the exile of artists and intellectuals to the new world is widely acknowledged, Brazil is not always taken in consideration in this matter. Apart from some anthropologists, such as Lévy-Strauss, and some Italian jurists, little is known about other networks of exiled artists that came to South America because of Catholicism. Based on research of cultural catholic reviews, as well as other types of publication and even letters, it is possible to say that even if there were mutual mentions of European and Brazilian intellectuals before the war, only after that period there is knowledge of a true dialogue, in which interlocutors were really opened to change their ideas, conciliate catholicity with the American way of living and embrace concrete problems of the time in a more tolerant way. Renouveau Catholique in Brazil In the interwar period, the renouveau catholique, a new wave of catholic thought widespread by lay catholics committed to christianize political institutions since the nineteenth century, became a motif for the grouping of many intellectuals and artists around the world in the 1920’s and 30’s. These ideals, according to Villaça (2006), were diffused especially by those who felt uncomfortable adhering to leading ideologies, such as positivism, liberalism, communism or fascism. All those ideologies were considered too materialist for them, as they preferred to dedicate themselves to a more spiritualistic direction. This catholic intelligentsia was strongly influenced by direct guidelines from Rome, among them the Encyclical Aeterni Patris, issued by the Pope Leo XIII in 1879, which determined a renewal of Thomism, and mainly the Encyclical Pax Christi in regno Christi, by the Pope Pius XI in 1922, which encouraged the formation of a militant intellectual


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elite in every country in order to renew the influence of Rome in politics, morals and art. While French and Belgian intellectuals were the diffusers of these ideals, Brazil was one of the first countries to accomplish much of this agenda. In 1921, the conservative and militant intellectual Jackson de Figueiredo established in Rio de Janeiro the review “A Ordem,” a mensal periodical that had the premise, in its own words, to “recatolicizar o Brasil” (AZZI, 2006). A year later, to fulfill the determinations from Rome, Figueiredo also founded the “Centro Dom Vital,” a cultural society formed by lay catholics, such as doctors, politicians, teachers and so on, which shared the same conservative momentum, with an esteem for Joseph De Maistre and Juan Donoso Cortés, as well as a common interest in the spiritualistic philosophy of Pascal, Henri Bergson and Raymundo Farias Brito, among many others. Figueiredo died in 1928 and his recently converted friend Alceu Amoroso Lima took over directing the “Dom Vital Center” and its review “A Ordem” with the intention of creating a more cultural, less political review. Over the following years, the group promoted leading philosophical debates, especially around Neo-Thomism, personalism and metaphysics, besides having published renowned and new poets, like Jorge de Lima, Murilo Mendes or Vinícius de Moraes. Amoroso Lima was also a model philosopher and literary critic to young intellectuals, such as Sylvio Elia, Alberto Guerreiro Ramos and Euryalo Cannabrava. One of these young intellectuals was Afrânio Coutinho, who abandoned his medical studies to dedicate himself to literature, which proved not to be a vain decision, since he came to exercise great influence in all academic studies of literature over the twentieth century. His first article in “A Ordem” was published in 1936, although it was written a year earlier. Coutinho (1936b, p. 36-51), then 25 year old reader of Jacques Maritain and Étienne Gilson, brought to discussion the problem of Neo-Thomism and Neo-Scholasticism in literary studies. That same year, Jacques Maritain landed in the city of Salvador in Bahia, where he first met Afrânio Coutinho, before continuing his trip to Rio and Buenos Aires. A year later, he published a lecture on the book “Rimbaud, le drame spiritual,” written by another French author, Daniel Rops2, who was strongly committed to Catholicism, as he used to publish in catholic reviews such as “La Vie 2 However, by 1935 Coutinho had already published his book “Daniel Rops e a ânsia do sentido novo da existência.”


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Intellectulle” and “Sept.” The main theme of Coutinho’s article was the divine wrath, in which he stated a theorization of radical alterity in poetry from the work of Rops, stating, “literature is a magical medium of the unspeakable. The writer is a medium, in other words, the almost unconscious expression of an‘other’ that speaks by his mouth (Rops)” (COUTINHO, 1936a, p. 40).3

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It is quite interesting to know that the future diffuser of the close reading in Brazil was once interested in a spiritualistic understanding of writing. Although enthusiasm was not an unusual problem for literary criticism, which was part of the main argument of Plato’s Ion, for example, there always remained a theme related to an exteriority (a sort of magnetism) that affects the writing. This metaphysical reasoning was the basis of Coutinho’s early work. By his citations of Maritain and Rops in his publications after 1935, it is possible to conclude that Coutinho was in some way informed and involved in what was happening within the French avant-garde Catholicism and, by then, had even some personal contact with Jacques Maritain in his short trip to Salvador. Meanwhile, Maritain was arriving in Rio de Janeiro a few days later. He was received by Alceu Amoroso Lima, who by then was one of the most prominent personalities in Brazil’s cultural agenda and an undisputed leader in catholic intelligentsia (See COMPAGNON, 2003). The main idea widespread by Alceu was the rediscovery of a moral hierarchy, that is to say, the abstraction of the material reality in order to select an objective teleology, in some part very close to Thomism. But his public activity was far from contemplative. He intended to assemble a cultural elite to bring order, principles and discipline to institutions and to ordinary people, protecting them from communism and secularization, which in part was the logical continuation of Jackson’s conservative ideas. In that sense, there should have been political essays in favor of the diffusion of the ideas, poems for an approximation to the faith and literary criticism for the moralization of the arts. In short, actions were always aimed for a conclusion, they were always a medium for an objective finality. So the political 3 “Assim, a litteratura é um meio magico de aprehensão do inefavel. O escriptor é medium, é, por assim dizer, a expressão quase inconsciente de um outro que falla por sua boca (Rops).”


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activity should also have been indirect. Even after Jackson’s death, Amoroso Lima kept the legacy of his friend. In 1932, he co-founded the Catholic Electoral League (LEC), which wasn’t a party, but rather an activity to guide people to act and vote in the most appropriate way. This worked very well for them, since the Constitution of 1932 partly reconnected State and Church and, in 1935, he became director of the Brazilian Catholic Action. Curiously, this initiative took place in France. The LEC experience was unprecedented in the world and came to be discussed in “La Vie Intellectuelle,” the mainly catholic cultural French review to which Maritain contributed, in January of 1934, in an article by Jean Duriau:

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Mais nous souhaitons vivement que l’action de la ligue catholique soit des plus efficacies. L’expérience serait intéressante a étudier et à imiter après avoir subi la contagion pernicieuse du Nord du continent américain, l’Europe aurait alors avantage à chercher des modèles au-dessous de l’Équateur et à se remettre résolument à l’ouvrage en vue d’un établissement des valeurs. (30 novembre 1933)”. (DURIAU, 1934, p. 51)

Although there were several contacts among Brazilian and French intellectuals regarding Neo-Thomist doctrine or catholic militancy, there is no indication that they became dialogues. Maritain’s presence in Brazil did not guarantee an immediate spread of his liberal ideas. On the contrary, even though he was respected for his views on Thomism, he was not really known for his new positions in the 1930’s. When Maritain came to Rio de Janeiro in 1936, his most impactful book, “Integral Humanism,” was still being published. While his first studies were more directed towards Thomism in a strictly theoretical vision, his new book brought new ideas of democracy and the acceptance of some principles of communism, as well as the condemnation of autocracy, which in part were grounds to a critique of dictatorships such as the nationalists in Spain or the rise of Hitler and Mussolini. Maritain did not stay for long. He continued the trip to Buenos Aires, where he found a larger opposition among conservative catholics than in his Brazilian experience. Thus, while Maritain spoke in the “Cursos de Cultura Católica,” a great part of the lay intellectuals and the Argentine church itself condemned his ideas as heretical, especially because he did not see in the nationalist Spain a crusade of faith as


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it was asserted by the Monsignor Gustavo Franceschi, director of the “Criterio” review, the equivalent publication of “A Ordem” in Argentina. With this polarity of conservative and humanist catholics, Maritain found better reception with intellectuals of liberal direction of the “Sur” group, especially with Eduardo Mallea and Victoria Ocampo. They also refused to see virtue in the reactionary war in Spain, as it is possible to read in their review in August of 1937, when the violence in the country was condemned: “We are interested in political affairs only when they are linked with the spiritual. We raise our voice when Christian principles, the very foundations of spirit, show themselves menaced by a certain politics” (POSICIÓN de Sur, 1937, p. 7).4

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The intellectual shifts during wartime In the upcoming years, war will be a changing point to the polarization of catholic intellectuals in both sides of the Atlantic and, as their contacts were usually followed mainly by tension rather than compliance, it is not possible to say that Argentinian or Brazilian intellectuals simply adhered to French renouveau catholique or NeoScholasticism. During wartime, the American continent became home for intellectuals such Maritain, who lived in New York, and Georges, who lived in Brazil, both very active in defense of the French liberation from the Axis. During exile, the dialog among French and Brazilian, Argentinian or even North-American intellectuals became much more lasting and effective. Brazil received, besides Bernanos, authors like Gabriel Mistral, Otto Maria Carpeaux and Stefan Zweig, all of them linked with the catholic intelligentsia, some by location, like Zweig, or by some common interests, like Gabriela Mistral and especially Bernanos. But their relationship was far from being stable, as the letters from Bernanos to Alceu written in 1938 suggest. They were published only ten years later in the review Esprit, directed by Emanuel Mounier, in which the French writer criticizes the blind view of the members of the “Ação Católica” in Brazil before the canonical hierarchy and the refusal to deal with immediate problems, arguing that “you all betray an idea inspired in the Holy Spirit, some by malice, some by laziness… 4 Posición de Sur. Sur. Buenos Aires, nº 35, p. 7, ago. 1937. Original: ““nos interesa la cosa política sino cuando está vinculada con lo spiritual. Cuando los principios cristianos, los fundamentos mismos del espíritu aparecen amenazados por una política, entonces levantamos nuestra voz.”


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You will all pay dearly for this treason against the Holy Spirit” (BERNANOS, 1950, p. 191).5 This shows Bernanos’ spontaneous faith in contrast with the serenity and sometimes conformism of Alceu, who, at the time, was opposing the totalitarian regimes with a mild attitude. However, this tumultuous friendship would also be a sort of awakening so that both could review their political and moral ideas.

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During World War II, indeed, the intellectuals’ movements were not made in a single direction because there were also exchanges happening within the American continent. An example of this is Afrânio Coutinho’s stay in New York from 1942 to 1947, when he accepted the job of secretary for the Brazilian edition of Selections of Reader’s Digest, which would soon become the most read review in Brazil. This is a turning point if we compare his new occupation with some of his previous writing, in which American thoughts and education were viewed with inquietude.6 The translation was made by another famous intellectual, Octávio Mangabeira, who at the time was living in exile in New York for his contributions to the fascists in Brazilian Integralismo. The Brazilian version of the review did not show many modifications. The only change from the American version was, at first sight, some puzzles with phrases like “improve your vocabulary” and a collage of quotes from national authors, such as Machado de Assis, Mario de Andrade and Érico Veríssimo, forming a jester in a page called “Picturesque and Poetic Phrases.” Latin America in general was portrayed by images of animals or landscapes in the cover, curiously always through pictures, not written content, albeit in a certain picturesque and poetic way. Apart from directing the review of the American Way of Life, Afrânio Coutinho took some courses at Columbia University with very interesting personalities, such as Maritain, who was exiled in the United States at the time and with whom he became close.7 Coutinho also took courses with other famous personalities, such as Roman Jakobson and René Wellek, whose ideas proved to be 5 Original: “vous trahissez, les uns par malice, les autres par lâcheté, une idée visiblement inspiré par l’Esprit Saint, que vous paierez tous très cher cette trahison vers l’Esprit Saint.” 6 One example of these texts can be seen in COUTINHO, Afranio. Vocação da America: Ocidente e Continente. A Ordem, Rio de Janeiro, v. 20, n. 9, p. 352-360, set. 1938. 7 Those memories were related in the book: Jacques Maritain. Afrânio Coutinho (org.). Rio de Janeiro: Agir, 1945.


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very important to his future, in which he adhered to many postulates of the American New Criticism, as well as Russian formalism. Not long after his return to Brazil, Coutinho started a newspaper column called “Correntes Cruzadas” in the newspaper Diário de Notícias from Rio de Janeiro, which lasted from 1950 to 1961. It was an attempt to oppose to subjective and superfluous criticism, or what he called an impressionist critique, since friends and enemies were publishing short judgmental notes that he felt should be replaced with more serious content. Coutinho started a campaign for more scientific analyses, making use for literary studies in universities and, most of all, seeing to it that new critique began with a return to the text in its individuality and not a mere historical and moral illustration, nor a sociological discussion. It was time to separate the real literary criticism as a study with its own methodology, from the journalistic review, where the immediate impressions of reader was the main goal and even served as illustration of some theses for any human sciences, except for literature itself (COUTINHO, 1975). But how is it possible that Afrânio Coutinho, one of the major supporters of the Neo-Thomist way of thought with his essays and translations of Daniel Rops and Jacques Maritain in the 1930’s, whose main goal was to establish the concept of universality for reading texts, could, in just a few of years abroad, return with an opposite theory that intended to focus on its individuality? One possible answer to that question is that Neo-Thomism and New Criticism are not really opposites, but different sides of the ancient problem that surrounds the universal and the individual. In Neo-Thomism, this is seen more clearly, but even for New Criticism it is not hidden. On the contrary, it is very explicit. Maybe the first argument that opens the widely known “Theory of Literature” of Wellek and Warren is based on the proposal to rediscover the importance of individuality in the work of art. He states: Why do we study Shakespeare? It is clear we are not primarily interested in what he has in common with all men, for we could then as well study any other man, nor are we interested in what he has in common with all English men, all men of Renaissance, all Elizabethan dramatists, because in that case we might just as well study Dekker or Heywood. We want rather to discover what is peculiarly Shakespeare’s, what makes Shakespeare Shakespeare;


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and this is obviously a problem of individuation and value. Even in studying a period or movement or one specified national literature, the literacy student will be interested in it as an individuality with characteristic features and qualities which set in off from other similar groupings. (WARREN; WELLEK, 1973, p. 19)

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In the same study, it worth remembering that Wellek rejects the Neo-Thomist literary thought because of its excessive abstractions and absolutist way of thinking texts in its universality. To sum up, both Neo-Scholastic and New Criticism share the same distinction between universality and individuality and neither of them really reject the other premise. In the end, the difference lies in the predominance of the individual over the universal for New Criticism and the prevalence of the universal for Neo-Scholasticism. Incidentally, Alceu Amoroso Lima did not travel to the United States in the 1940’s and never made the discussion of individuality explicit in his writings about literature. He was, however, somewhat famous abroad. By the end of the war, he had already been published in reviews related to lay catholics such as “Criterio” in Argentina and “La Vie Intellectuelle” in France and had formed a network of correspondents worldwide. Nevertheless, after the death of his closest friends from within the clergy, like Dom Sebastião Leme or the priest Leonel Franca, he lost support for his projects in Brazil and did not keep up the same pace of the 1930’s during the 40’s. In 1949, Alceu traveled in a pilgrimage through Europe and, in January of 1951, he lastly accepted to travel to the United States in order to take, from 1951 to 1953, the post of Director of the Cultural Department of the Pan-American Union, organ of the Organization of American States (OAS). As he was arriving, he began to think about individuality. His first impressions were the fact that the Americans lacked a thought in an afterlife and that they were wardens of a legacy, so their imperative of life had to be personal triumph. He stated: Life is a victory to conquer, not a heritage to enjoy, they seem to keep saying. And, because of that, they have developed an extraordinary energy and toughness. Americans are definitely capable of great deeds... No other people in the world knew how to develop a welfare philosophy that is more dangerous or more complete.


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The pioneer spirit remains mainly intact. (LIMA, 1995)8

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Some time later, his texts became ever more affirmative and critical of the American political situation, where he argued against Republicans and later lamented the election of Eisenhower. After his return, his previous pace was somehow back, but he did not dedicate himself to programmatic writing anymore. His main commitment as a literary critic is subtler, with publications with less political appeal such as his “Introdução à literatura brasileira.” Still, his political books like “The American Reality,” in which he points out much of his criticism regarding American politics and way of life while he lived there, or “Revolução Reação ou Reforma” (1964), a book that rejected any form of authoritarianism, published in the same year of the military coup d’état in Brazil, an act for which he became known as an important voice in the country’s leftist political front. At any rate, these kinds of reactions would sound somehow very unlikely in the 1930’s, primarily because he had always been very diplomatic and careful with his words, despite being very present in public debates. He even wrote the program for the Christian Democratic Party in Brazil in 1945 without applying for it. In the 1950’s, however, he seemed to be more assertive, not only because of a democratic change in his political thought or a form of moralization, but mainly because he started to see his own activities as an act itself. That applies to texts, which by now were their own finality, and not media for separable consequences, revealing a sort of pragmatism after his return from the United States in the 1950’s. In his book “Problemas de Estética,” published in 1960, Alceu demonstrates recognizing the objectivity of the work of art with its own rules besides man and nature: Art is the domain increasingly expanding of freedom, from architecture to poetry. Besides, along with the different species of art, the arts of creation, verbal or plastic, are the own expression of undefined human possibilities, for which man, exercising his freedom, crates a new world in the image and likeness of his inventive power that begins, by the way, to have a 8 Original: “A vida é uma vitória a conquistar e não uma herança a desfrutar, parecem estar sempre dizendo. E para isso desenvolvem uma energia e uma tenacidade realmente extraordinárias. Os americanos são realmente capazes de grandes feitos… Nenhum povo no mundo soube desenvolver, como esse, uma filosofia do bem-estar mais completa e mais perigosa […] O espírito ‘pioneer’ continua mais ou menos intacto.”


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life of its own and objective, side by side with natural and human forms. Art is, then, the own domain of freedom ruled itself by the objective requirements of the developing masterpiece, or by the expansion of the subject, in music and poetry”. (LIMA, 1960, p. 31)

More than words

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Among the catholic network of intellectuals and artists established during World War II, the two examples of Brazilian intellectuals, Afrânio Coutinho and Alceu Amoroso Lima, can demonstrate, by unusual means, how the literary criticism in the first half of the twentieth century went from being teleological and moralistic to a much more logical and free way of reading. During the 1930’s, the United States were seen with exaggerated precaution and its ideals were considered the personification of individualism, which was censured in the name of personalism or Neo-Thomism, both metaphysical conceptions. The overture to the United States and its academic ideas by Brazilian lay catholic intelligentsia was not just a political position based on the contemporary war campaign. It was a symptom of a completely new way of seeing culture, in which intellectuals from different countries co-existed and new dialogues emerged, so much that that many of their conceptions would be changed forever. Amoroso Lima’s ideals would be, after the interwar period and his stay in America during the 1950’s, a turning point for a more comprehensive experience of the world and an overture to strive for pragmatic solutions to concrete political problems instead of searching for timeless answers for everything. Much of this new Alceu was expressed during the dictatorship, where the once catholic leader became a scathing critic of the military regime (See MENDES, 1996). The real contact of Jacques Maritain and Afranio Coutinho in the United States was also an important changing point. More than a simple defense of American values partly explained by his activities in the Selections of Reader’s Digest, his stay among catholics and New Critics had a profound impact on his life and career. His literary criticism begin to consider the text in its concreteness, v. g., it’s own individuality. Indeed, this discussion has much of a scholastic character, but it surpasses the mere speculation as this shift for the individual brought a new way of reading and even of thought. Nevertheless, this


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new approach has also strengthened an autonomist view of literature. Autonomy should not be interpreted as synonym for national, but as a new approach of literary criticism based on the text.

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It is possible to conclude that these war and post-war years have produced a rich and complex network of intellectuals across many continents, which makes it possible to imagine a sort of affiliation of the intellectuals from the American continent with the ones in Europe. Thus, these relationships have not yet been fully investigated and, for that, there is still much work to be done, especially when they are understood as a great network and not only dialectics of mentors and disciples. Even if Brazilians, Argentineans and French had shared the same postulates, especially taking Maritain in great account for his pure metaphysics, the political actions taken by the church in Brazil, such as the electoral league, was a model for France’s catholic intelligentsia and even Argentina’s. However, it is impossible not to discern the radical change that the cultural interchanges by European and American intellectuals has provoked when the exiled and the hosts necessarily needed to establish more horizontal dialogues, new ways of dealing with practical problems, as well as a propensity to change themselves: like Amoroso Lima and Coutinho did.


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WORKS CITED

AZZI, Riolando. Os pioneiros do Centro Dom Vital. Rio de Janeiro: Educamp, 2006. BERNANOS, Georges. Lettres a Amoroso Lima. Esprit. Paris, nº170, p. 191, aug. 1950. COMPAGNON, Olivier. Jacques Maritain et l’Amérique du Sud : le modèle malgré lui. Paris : Presses Universitaires du Septentrion, 2003. COSTA, Marcelo Thimoheo da. Um itinerário do século: mudança e ação em Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: PUC, 2006.

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COUTINHO, Afrânio. A aventura poética contemporânea: a propósito do Rimbaud de Daniel-Rops. A Ordem. Rio de Janeiro, vol. XVI. p.40. jul-aug, 1936a. ______. A literatura na pesquisa da nova ordem da vida. Ordem. Rio de Janeiro, vol. XV, p. 36-51, jan. 1936b. ______. Da crítica e da nova crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1975. DURIAU, Jean. Les mouvement d’idées dans le Brésil. La Vie Intellectuelle. Paris, t. XXVI, nº 1, 10. Jan. 1934. Jacques Maritain. Afrânio Coutinho (org.). Rio de Janeiro: Agir, 1945. LIMA, Alceu Amoroso. Pela América do Norte. Rio de Janeiro, Ministério da Educação, 1955. ______. Problemas de Estética. Rio de Janeiro: Agir, 1960. MENDES, Candido. Memento dos vivos: a esquerda católica no Brasil. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966. Posición de Sur. Sur. Buenos Aires, nº 35, p. 7, ago. 1937. VILLAÇA, Antonio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. WARREN, Austin; WELLEWK, René. Theory of Literature. Harmondsworth: Penguin Books, 1973, p. 19.


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Óscar Masotta e o descentramento da psicanálise lacaniana 1

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Geoff Shullenberger New York University Óscar Masotta foi um crítico argentino, investigador de estética, polemista, organizador ocasional de happenings, e um teórico da psicanálise. Entre princípios da década de 1950 e finais da de 1970, ele foi associado a algumas das instituições culturais e intelectuais mais notáveis de Buenos Aires. Nesse estágio da carreira, escreveu para Contorno, uma revista de esquerda de inspiração sartreana bastante influente, embora de curta vida, que também foi o princípio da carreira de toda uma geração de escritores. Na segunda fase de sua trajetória intelectual, esteve intimamente afiliado ao Instituto Torcuato di Tella, epicentro institucional de vanguarda nos finais dos anos 60. Na década final de sua carreira, Masotta dedicou-se à tradução e exposição do 1 Tradução Leonardo D’Avila.


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trabalho de Jacques Lacan e à fundação da Escuela Freudiana de Buenos Aires, pensada nos moldes da École Freudienne de Paris, de Lacan. Apesar de sua significância como crítico literário e de arte, foi sob o papel de difusor da psicanálise lacaniana na Argentina, país no qual a influência de Lacan eclipsou sua importância na França natal, o que mais lhe garantiu um proeminente embora controverso lugar no panteão intelectual do país.

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Recentemente um “retorno a Masotta” está a caminho — de acordo com o que o escritor, psicanalista e colaborador assíduo de Masotta, Germán García, declarou no suplemento cultural Ñ em 2010 (GARCÍA, 2010, p. 6). Ao citar a republicação dos maiores escritos e um interesse crescente em sua obra pela Argentina e no exterior, García saudou o renascimento de Masotta como o justo reconhecimento de um crítico cultural e teórico que exerceu um impacto amplo na vida intelectual argentina em vinte e quatro anos de atividade. Outros artigos que afirmaram a redescoberta de Masotta se referiram a ele como um “pionero”, “fundador”, “maestro de una generación”, e a “fonte e origem da psicanálise lacaniana na Argentina” (2009, p. 11). A declaração de García sobre um “retorno a Masotta” conscientemente ecoa seu “retorno a Freud” de Lacan, mestre de ambos. Ainda assim, mais do que esclarecer a importância cultural de Masotta, as alusões de García escancaram a posição curiosa que ele ocupa. Afinal, o grito de guerra “retorno a Freud” permitiu a Lacan enquadrar seu projeto enquanto uma jornada à fonte que iria englobar os expositores e interpretes que moldaram a história da psicanálise após a morte de Freud. Um “retorno a Masotta” seria o oposto de um retorno às origens: um retorno ao pensador que explicitamente entendeu a iniciativa como um retorno a outro pensador (Freud) por meio de um outro (Lacan). Em outros termos, o leitor atual de Masotta faria um retorno ao retorno a Freud de Lacan de Masotta: um caminho intelectual curiosamente sinuoso. Ainda pareceria que Masotta de fato viria sua iniciativa nesses termos. Frases redobradas como essas que utilizei são frequentes em seus textos. Por exemplo, ele introduz a Introducción a la lectura de Jacques Lacan, como “un seminario sobre un seminario que comenta un texto literario que ejemplificaría a la teoría” (MASOTTA, 2008, p. 153); em outro lugar se refere à “nuestra lectura de nuestra lectura del cuento de Poe y de la maqueta de Lacan”


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(Ibidem, p. 121); e na abertura de um ensaio justaposto à Introducción, ele declara: “Es Althusser – quien lee a Marx no sin haber leído a Lacan – el que nos sugiere el sentido y el alcance de la tarea: leer a Freud” (Ibidem, p. 189). Os estudiosos mais recentes do trabalho de Masotta destacaram os frequentes efeitos mise-en-abyme de sua retórica, e geralmente viram essas circunvoluções como evidência de uma mimética tortuosa e uma postura intelectual desviante. Mariano Plotkin, historiador da psicanálise, por exemplo, salienta com ceticismo:

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em [seus] textos é às vezes difícil de compreender de quem é a voz que ouvimos. É de Lacan? Ou é [de Masotta]? Ou é de Lacan através de [Masotta]? Em Masotta falando sobre Melanie Klein, por exemplo: “O que pensamos sobre Melanie Klein? Desde o princípio é fácil supor que não somos Kleinianos... Lacan, contudo, é cauteloso.” Parece que a cautela de Lacan modifica as reservas de Masotta acerca de Melanie Klein”. (PLOTKIN, 2001, p. 210)

Philip Derbyshire emitiu julgamentos similares daquilo que chama de “leitura[s] de leituras de texto[s] literários” (18) de Masotta e “exposição[ões] de texto[s] sobre a possibilidade de exposição” (DERBYSHIRE, 2009, p. 18). Para Derbyshire, a retórica de Masotta “desvaloriza a posição do leitor[a] periférico[a] enquanto o/a coloca em uma posição de repetição do centro, mesmo que essa interação abra para alguma novidade involuntária” (Ibidem, p. 16). Em relação ao comentário de Masotta sobre o comentário de Lacan sobre a “Carta roubada” de Poe, Derbyshire afirma: “no modelo desenvolvido nos seminários, Masotta, como intermediário, está ocupado pela letra, o significante — teoria lacaniana — ainda somente pode ser transportado, sendo totalmente incapaz de manipulá-lo já que o significante diz o sujeito. E a disseminação que ameaça qualquer interpretação somente pode ser viciada ao se repetir a mensagem literalmente — “‘o laborioso trabalho de leitura’ ou citação. A ameaça de defraudamento do texto requer que ele seja meramente repetido” (Ibidem, p. 20). Ele continua: “tal mimetismo é uma solução do problema de uma periferia intelectual autoconstituída em relação a seu suposto centro, uma relação que marca um lugar constante na cultura argentina durante o século XX. Devemos considerar essa como a forma de colonialismo ao nível da teoria, na


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qual o modelo intelectual, o aparato conceitual e problemático da teoria são produzidos em outro lugar e transferidos ao novo terreno como se o intervalo entre origem e margem não existisse” (Ibidem, p. 22). Derbyshire acrescenta que enquanto “Masotta registrou este problema em sua crítica de Sur”, a revista influente publicada por Victoria Ocampo, ele a reencena em sua exegese de Lacan.

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O que mais soa estranho na crítica de Derbyshire é que o próprio autor parece “ocupado” com a letra de Lacan e, portanto, com a letra de Masotta: a teoria psicanalítica, ou a adesão de Masotta ao objeto de sua crítica, de fato, forma a base intelectual daquela crítica. A leitura de Derbyshire sobre Masotta como, em seu próprio termo, um “sintoma cultural”, é ela mesma “sintomática” de um “retorno ao reprimido” textual de modo semelhante ao que ele identifica nos próprios escritos de Masotta. Da mesma forma, seu argumento de que Masotta termina por repetir a repetição de outros intelectuais argentinos sobre o centro é ela mesma uma repetição das críticas de Masotta a outros intelectuais argentinos. No próprio processo de demonstrar a consideração de Lacan na retórica de Masotta, ele se coloca em uma posição de ser apenas influenciado e nunca influenciador. Assim, a “posição textual é tanto dominante quanto precária” (DERBYSHIRE, 2009, p. 13) em Derbyshire — muito como ele afirma ser o caso de Masotta. De fato, Masotta pode muito bem descrever a crítica de Derbyshire quando caracteriza seu próprio comentário sobre Lacan como “un texto que repite y trasforma el texto de un autor . . . sin dejar de avisar al lector que ahí donde repite tal vez traiciona y ahí donde trasforma no es sino porque quiere repetir” (MASOTTA, 2008, p. 24). Devo clarificar que compartilho com a conclusão de Derbyshire de que os escritos de Óscar Masotta são fundamentalmente autorreferenciais: eles são parcialmente esforços de teorizar suas próprias condições de produção. Como Derbyshire coloca, as “formas de leitura [de Masotta] pela periferia... exemplificam os dilemas de uma intelectualidade periférica em relação à produção teórica da metrópole”. Ainda enquanto a leitura de Derbyshire exposta acima sugere, a relação entre centro e periferia nas leituras de Lacan de Masotta pode provar-se mais complexa do que inicialmente parecia. Como vimos, Derbyshire, um autor residente em um suposto centro (Londres) critica um escritor de uma suposta periferia (Buenos Aires)


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por ter uma visão demasiadamente centrista, mesmo que seu próprio argumento revele um olhar atento para o intelectual, que faria parte da própria periferia que ele investiga. A ampliação das relações de Lacan com a Argentina e América Latina pode tornar mais complicadas as presunções de centro e periferia. Como acontece, os efeitos mise-enabyme da retórica de Masotta repetem e comandam uma excentricidade e marginalidade no coração da própria iniciativa lacaniana.

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Claramente, Lacan e a teórica lacaniana emanam de um reconhecido centro ou capital (Paris) que teve uma longa e complicada história de ser tido como uma fonte cultural e modelo de pensamento para toda a intelectualidade latino-americana. A frutífera recepção da psicanálise lacaniana na Argentina, em grande parte devida ao trabalho de intermediários como Masotta ou García, compõe um amplo episódio histórico de absorção e transformação desse modelo parisiense. As origens da teoria lacaniana são apanhadas em um paralelo — porém distinto — mapa de capital intelectual, no qual as posições de Lacan e Paris são mais precárias do que as posições anteriores nos querem convencer. Para esclarecer esse ponto, gostaria brevemente de revisitar alguns dos trabalhos de pesquisadores norte-americanos sobre o seminário “A Carta Roubada” sobre Poe (texto chave para Masotta) e a polêmica que lançou. Segundo Jeffrey Mehlman e Jane Gallop apontaram, o prolongado diálogo atlântico entre França e Estados Unidos ocasionado pelo seminário sobre a “Carta Roubada” revela-se uma repetição inquietante das origens do seminário: primeiramente, a leitura de um psicanalista francês lê uma estória contada por um autor norte-americano passada em Paris com um “analista” francês — o August Dupin de Poe — como seu protagonista; além disso, um ataque de um psicanalista francês dirigido à predominância de uma versão americana da psicanálise — psicologia do ego — que se tornou suficientemente central e hegemônico para relegar as heresias de um analista europeu como Lacan para as margens. A autoridade institucional de Lacan como fundador, pioneiro e paradoxalmente mestre emergiu de um isolamento ocasionado pelas repetidas negativas de reconhecimento pela International Psychoanalytic Association, dominada por norte-americanos. Lacan estava preocupado não apenas com seu status institucional mas também com o descentramento de


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Paris e da Europa em um mundo Pós-Guerra no qual os Estados Unidos despontava, na psicanálise e em outros domínios. A resposta à sua própria marginalização, pode-se supor, buscava sistematizar, tal como no seminário sobre “A Carta Roubada”, a impossibilidade de uma autoridade e a insustentabilidade de qualquer centro. Enquanto o antagonismo atlântico de Lacan com os Estados Unidos suscitou razoável atenção, sua oposta e igualmente reveladora relação com a Argentina e a América Latina foi em grande parte negligenciada. Décadas antes de Masotta iniciar seus trabalhos como exegeta lacaniano, Lacan e a Argentina eram o que poderíamos chamar de “extimados amigos” e que a Argentina se interessava em Lacan antes de Lacan se interessar pela Argentina. Pois mesmo que ele tenha apertado os laços com a psicologia do ego, sua base institucional norte-

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americana, e seus simpatizantes franceses, Lacan buscou alianças sulamericanas, em um processo que o levou a visitar Caracas pouco antes de sua morte, bem como nas relações muito próximas ao continente que seu sucessor Jacques-Alain Miller possuía. Uma evidência da estratégia sul-americana de Lacan pode ser encontrada na biblioteca da Villa Ocampo, a principal residência da proeminente escritora e editora argentina Victoria Ocampo e o ponto de encontro de seus famosos salões literários. Entre a grande coleção de memorábilia que demonstram suas amizades com grandes nomes das vanguardas artísticas modernas e intelectuais existem quatro trabalhos trazendo a escrita de Lacan. Uma busca no corpus epistolário de Ocampo revela que primeiramente ela se encontrou com Lacan durante uma viagem por volta de 1930 a Paris, quando ele era um jovem psiquiatra em treinamento com relações próximas aos surrealistas. Entre 1932 e 1976, Lacan enviou cópias assinadas de quatro de suas maiores publicações a Ocampo, cada uma dela contendo dedicações profundas de afeto. Podemos com segurança especular que Lacan operava com bastante lucidez na esfera de influência de Ocampo no mundo as letras hispânicas, em grande parte decorrência de sua direção da prestigiosa revista Sur. Publicada por Ocampo entre 1931 e 1992, Sur teve como uma das principais atribuições a disseminação de grandes intelectuais europeus e tendências culturais na Argentina e América Latina. Se Ocampo tivesse escolhido providenciar o lançamento de algum trabalho de Lacan, ele teria atingido uma ampla difusão entre hispanofalantes, mas nem Sur nem a casa editorial associada a ela


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alguma vez publicou qualquer trabalho de ou sobre Lacan. Tampouco Ocampo usou sua influência para favorecer a publicação em espanhol de algum escrito seu.

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Em uma de suas cartas sobre Lacan da década de 30, Ocampo descreve o jovem psiquiatra como tendo “sueños napoleónicos de poderío” (OCAMPO, 1997, p. 24). Podemos assumir que ela reconheceu as tentativas de Lacan para solicitar suas ideias enquanto algum esforço imperialista para expandir sua esfera de influência no mundo hispanofalante. Essa tentativa malograda da parte de Lacan pode ser utilmente comparada a algumas antigas práticas geopolíticas francesas que enfatizavam a cultura “Latina” em comum entre a França e a América Latina como a base para alianças políticas e culturais. Se a relação de Lacan com os Estados Unidos colocou-o em uma posição de marginalidade beligerante e isolamento, sua “conquista não correspondida” da Argentina implicava, em contrapartida, na questão de sua própria centralidade em relação a uma periferia que almejava que fosse devidamente receptiva à sua influência. Se a indiferença de Ocampo frustrava esse gesto de superioridade — o tipo de gesto que sua própria teoria persistentemente ironiza — o débito textual de Lacan para com o sócio de Ocampo, Jorge Luis Borges, traz mais complicações à cena. John Irwin empreendeu uma tentativa de mostrar que foi a leitura de Borges que “originalmente levou Lacan à dimensão numérico/geométrica de ‘A Carta Roubada’ e então sugeriu que o conto de Poe fosse um ideal de texto para a análise que iria lançar a estrutura do triângulo edipiano na reciprocidade da cegueira e vislumbre no encontro psicanalítico” (IRWIN, 1994, p. 442). Como ele afirma, “a probabilidade de Lacan ter sido influenciado por Borges não deveria causar surpresa a qualquer um que se familiarize com o grande impacto de Borges entre intelectuais franceses nos anos 50, 60 e 70” (IRWIN, 1994, p. 448). Irwin também delineia um caminho mais preciso para a influência de Borges em Lacan: o trabalho do crítico e teórico social Roger Caillois, que era colega antigo do psicanalista. Caillois passou os anos da Segunda Guerra Mundial na Argentina, onde, com a ajuda de Victoria Ocampo, iniciou uma revista literária em francês no exílio que publicou algumas das primeiras traduções dos trabalhos de Borges. Posteriormente, Caillois supervisionou a publicação da tradução completa das Ficciones. Também durante seu período na Argentina,


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Caillois começou a escrever sobre a história da ficção policial. Isso levou a um intercâmbio com Borges nas páginas de Sur, o que levou adiante o papel de Edgar Allan Poe no desenvolvimento do gênero. Irwin delineia outra evidência proveniente do próprio “Seminário sobre ‘A Carta Roubada’”. Em uma breve nota de rodapé, Lacan alude ao “El idioma analítico de John Wilkins”, de Borges, que foi publicado em francês em 1955. O trabalho de Borges, Lacan salienta, “harmoniza... tão bem com o filo de nosso objeto” (MULLER; RICHARDSON, 1988, p. 53). Irwin argumenta que

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existe algo curioso sobre essa nota de rodapé, um sentimento misterioso de que a aura é geralmente um mecanismo inconsciente, de repressão e retorno. Pois, embora nada esteja seja claro de que o ensaio de Borges “harmoniza... tão bem” com o objeto do “Seminário” de Lacan... é bastante evidente que [outro] trabalho de Borges [i.e. sua ficção policial] se harmoniza muito bem com o tema do “‘Seminário’ de Lacan’”. (IRWIN, 1994, p. 445).

O autor continua: A referência de Lacan ao ensaio Wilkins pode, de fato, representar o retorno de um conteúdo reprimido, o ressurgimento do sentido de Lacan de quanto sua própria leitura de “A Carta Roubada” ou tinha um débito direto ou havia sido antecipada pela re-releitura de Borges sobre o conto de Poe... Se essa originalidade e ansiedade existiam para Lacan, então sua nota sobre Borges seria o traço de uma divisão interna, a visível marca de sua incapacidade... para explicitamente admitir o débito a uma influência de Borges em um assunto tão central para sua interpretação do conto de Poe”. (IRWIN, 1994, p. 446-447)

Lacan, tal como sua correspondência com Ocampo revela, anteviu a criação de um canal de influência de Paris a Buenos Aires; ele também confiou seu trabalho ao psicanalista suíço-argentino Enrique Pichon Rivière, que eventualmente conseguiu a atenção de Masotta. Mas se Irwin está correto, Lacan, ao contrário, encontrou a direção da influência revertida quando Borges, o colega de Ocampo, providenciou a base para sua própria leitura de Poe. Se a base teórica da teoria lacaniana deve algo à Argentina via Borges, a sobrevivência de Lacan instituiu um legado eventual fiado significantemente em vínculos latino-americanos. A dissolução da École Freudienne em


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janeiro de 1980 deixou Lacan com poucos aliados na França, e não foi por acidente que ele e seu herdeiro escolhido Jacques Alain Miller viajaram a Caracas em Julho de 1980 para conveniar a comunidade crescente de analistas hispanofalantes, uma iniciativa que deve muito aos esforços de Oscar Masotta. A instituição lacaniana sobreviveu à sua parcial latino-americanização e, aquilo que Lacan anteriormente vira como um território periférico a ser conquistado, tornou-se institucionalmente central.

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Em vez de oferecer uma leitura exaustiva do trabalho de Masotta, procurei oferecer uma nova contextualização para pensar sobre seus esforços intelectuais enquanto leitor de Lacan. A leitura marginal de Masotta de Lacan sugere uma compreensão da teoria lacaniana enquanto uma interrogação sobre a marginalidade enquanto uma condição dispersiva em um universo simbólico descentrado. Ela também sustenta o trabalho teórico de descentramento crucial para o pensamento de Lacan em eixos específicos de cultura geopolítica. A leitura de Masotta da leitura de Lacan sobre Poe e Freud oferece maneiras de pensar sobre a reconfiguração de geografia cultural que se torna obrigatória em um mundo sem um centro definido. Uma passagem do trabalho “The Frame of Reference”, de Barbara Johnson, um comentário sobre a polêmica que circunda o Seminário “A Carta Roubada”, é particularmente pertinente ao descentramento de Masotta do também descentrado Lacan: é o ato de análise que parece ocupar o centro do estágio discursivo, e o ato de análise do ato de análise que, de algum modo, obstrui essa centralidade. Na estrutura resultante, assimétrica, abissal, nenhuma análise... pode intervir sem transformar e repetir outros elementos em sequencia, o que então não é uma sequência estável, mas que, contudo, produz certos efeitos regulares”. (MULLER; RICHARDSON, 2013-214)

Se Lacan leu Freud, para utilizar o estilo de Masotta, não sem haver lido Borges, então a repetição de Masotta do centro é uma repetição de um centro que previamente repete a periferia, e então assinala a emergência de um mapa cultural no qual tais termos não mais se sustentam. Masotta sugere tal quando escreve que “nuestra cercanía . . . a los textos de Lacan” é na verdade um efeito de “la distancia y las mediaciones entre nuestro texto y el terreno en cuestión” (MASOTTA, 2008, p. 175).


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DERBYSHIRE, Philip. Who Was Oscar Masotta?: Psychoanalysis in Argentina. Radical Philosophy, Kingston-upon-Thames, n. 158, p. 1123, 2009. GARCÍA, Germán. Masotta vuelve: La actualidad de un intelectual. Ñ, Buenos Aires, n. 15, p. 6-8, mai. 2010. IRWIN, John. The Mystery to a Solution: Poe, Borges, and the Analytic Detective Story. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1994. MASOTTA, Oscar. Introducción a la lectura de Jacques Lacan. Buenos Aires: Eterna Cadencia, 2008.

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MULLER, John P.; RICHARDSON, William J. The Purloined Poe: Lacan, Derrida, and Psychoanalytic Reading. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1988. OCAMPO, Victoria. Sudamericana, 1997.

Cartas a Angélica y otros.

Buenos Aires:

PLOTKIN, Mariano. Freud in the Pampas: The Emergence and Development of a Psychoanalytic Culture in Argentina. Stanford: Stanford University Press, 2001.


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Óscar Masotta and the Decentering of Lacanian Psychoanalysis

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Geoff Shullenberger New York University

Óscar Masotta was an Argentine critic, aesthetician, polemicist, occasional organizer of Happenings, and psychoanalytic theorist. Between the early 1950s and the late 1970s, he was associated with some of the most notable cultural and intellectual institutions in Buenos Aires. In the early part of his career, he wrote for Contorno, an influential but short-lived left-wing magazine of Sartrean inspiration that incubated the careers of a generation of writers. In the second phase of his intellectual trajectory, he was closely affiliated with the Instituto Torcuato di Tella, the institutional epicenter of the avant-garde of the late 1960s. In the final decade of his life, Masotta dedicated himself to


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the translation and exposition of the work of Jacques Lacan, and to the foundation of the Escuela Freudiana de Buenos Aires, modeled upon Lacan’s École Freudienne de Paris. Despite his significance as a critic of literature and art, it is Masotta’s role as an expositor of Lacanian psychoanalysis in Argentina, a country where Lacan’s influence has arguably eclipsed his importance in his native France, that has assured him a prominent but controversial place in the country’s intellectual pantheon.

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Presently, a “retorno a Masotta” is underway – so the writer, psychoanalyst, and longtime Masotta collaborator Germán García declared in the cultural supplement Ñ in 2010 (GARCÍA, 2010, p. 6). Citing the republication of Masotta’s major writings and a growing interest in his work in Argentina and abroad, García hailed the Masotta revival as the just due of a cultural critic and theoretician who exercised a wide-ranging impact on the intellectual life of Argentina in twenty years of activity. Other articles noting the recent rediscovery of Masotta have referred to him as a “pionero,” “fundador,” “maestro de una generación,” and “the fons et origo of Lacanian analysis in Argentina” (DERBYSHIRE, 2009, p. 11). García’s declaration of a “return to Masotta” self-consciously echoes his (and Masotta’s) master Lacan’s “return to Freud.” Yet rather than clarifying Masotta’s cultural importance, García’s allusion makes plain what a curious position he occupies. After all, the rallying cry “return to Freud” allowed Lacan to frame his project as a journey to the source that would circumvent the expositors and interpreters who shaped the history of psychoanalysis after Freud’s death. A “return to Masotta” would be the opposite of a return to origins: a return to a thinker who had explicitly understood his enterprise as a return to another thinker (Freud) by way of yet another (Lacan). In other words, the present-day reader of Masotta would be making a return to Masotta’s return to Lacan’s return to Freud: an unusually circuitous intellectual path. Yet it would seem that Masotta in fact viewed his enterprise in precisely those terms. Redoubled phrasings like the ones I have just been using are rife in his writings. For instance, he introduces Introducción a la lectura de Jacques Lacan, as “un seminario sobre un seminario que comenta un texto literario que ejemplificaría a la teoría” (MASOTTA, 2008, p. 153); elsewhere he refers to “nuestra lectura de


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nuestra lectura del cuento de Poe y de la maqueta de Lacan” (Ibidem, p. 121); and at the opening of an essay appended to the Introducción, he announces: “Es Althusser – quien lee a Marx no sin haber leído a Lacan – el que nos sugiere el sentido y el alcance de la tarera: leer a Freud” (Ibidem, p. 189).

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Recent commentators on Masotta’s work have highlighted the frequent mise-en-abyme effects of his rhetoric, and have generally viewed such convolutions as evidence of a tortuously mimetic and derivative intellectual posture. For instance, the historian of psychoanalysis Mariano Plotkin remarks skeptically: Masotta “took [his] identification with the French master to the extreme. In [his] texts it is sometimes difficult to understand whose voice we are hearing. Is it Lacan’s? Is it [Masotta’s]? Or is it Lacan’s through [Masotta’s]? Here is Masotta on Melanie Klein, for example: ‘What do we think about Melanie Klein? From the beginning it is easy to guess we are not Kleinians . . . Lacan, however, is cautious.’ It seems that Lacan’s caution qualifies Masotta’s reservations toward Melanie Klein” (PLOTKIN, 2001, p. 210). Philip Derbyshire has issued similar judgments on what he calls Masotta’s “reading[s] of reading[s] of literary text[s]” (DERBYSHIRE, 2009, p. 18) and “exposition[s] of text[s] about the possibility of exposition” (DERBYSHIRE, 2009, p. 18). For Derbyshire, Masotta’s rhetoric “devalues the position of the peripheral reader inasmuch as it places him/her in a position of repetition of the centre, even as such iteration opens up to unwilled novelty” (DERBYSHIRE, 2009, p. 16). With reference to Masotta’s commentary on Lacan’s commentary on Poe’s “Purloined Letter,” Derbyshire asserts: on the model developed within the Seminar, Masotta, as intermediary, is occupied by the letter, the signifier – Lacanian theory – yet can do no more than bear it, utterly incapable of manipulating it, since the signifier speaks the subject. And the dissemination which threatens any interpretation can only be vitiated by repeating the message to the letter – “the laborious work of reading” or citation. The threat of the purloining of the text requires that the text be merely repeated. (DERBYSHIRE, 2009, p. 20).


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He continues: Such mimicry is one solution to the problem of a selfconstituted intellectual periphery to its supposed centre, a relation that marks a constant trope of Argentine culture through the twentieth century. We might consider this to be a form of colonialism at the level of theory, where the model of the intellectual, the conceptual apparatus and the problematic of theory are all produced elsewhere and transferred to the new terrain as if the gap between origin and margin did not exist” (DERBYSHIRE, 2009, p. 22).

Derbyshire adds that while “Masotta registered this problem in his critique of Sur,” the influential literary magazine published by Victoria Ocampo, he reenacts it in his exegeses of Lacan.

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What is strange about Derbyshire’s critique is that Derbyshire himself seems to be “occupied” by Lacan’s letter, and thus by Masotta’s letter: that is, psychoanalytic theory, Masotta’s adherence to which is the object of his critique, in fact forms the conceptual basis of that critique. Derbyshire’s reading of Masotta as, in his term, a “cultural symptom,” is itself “symptomatic” of a textual “return of the repressed” much like what he identifies in Masotta’s own writing. Likewise, his argument that Masotta ends up repeating other Argentine intellectuals’ repetitions of the center is itself a repetition of Masotta’s critiques of other Argentine intellectuals. In the very process of demonstrating that Masotta’s rhetorical deference to Lacan puts him in the position of only being influenced, never influencing, Derbyshire in fact reveals himself to be influenced by Masotta. Thus, Derbyshire’s “textual position is both dominant and precarious” (DERBYSHIRE, 2009, p. 13) – much as he says is the case with Masotta. Indeed, Masotta might well be describing Derbyshire’s critique when he characterizes his own commentary on Lacan as “un texto que repite y trasforma el texto de un autor . . . sin dejar de avisar al lector que ahí donde repite tal vez traiciona y ahí donde trasforma no es sino porque quiere repetir” (MASOTTA, 2008, p. 24). I should clarify at this point that I share Derbyshire’s conclusion that Óscar Masotta’s writings on Lacan are fundamentally self-referential: they are at least in part efforts to theorize their own conditions of production. As Derbyshire puts it, Masotta’s “forms of reading from the periphery . . . exemplif[y] the dilemmas of a peripheral


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intelligentsia in relation to metropolitan theoretical production.” Yet as the foregoing reading of Derbyshire’s reading suggests, the relationship between center and periphery in Masotta’s readings of Lacan may prove more complicated than it might initially seem. As we have seen, Derbyshire, an author located in the ostensible center (London) critiques a writer from the ostensible periphery (Buenos Aires) for being too beholden to the center, yet his own argument reveals a beholdenness to the same intellectual from the ostensible periphery he is critiquing. A more extensive of Lacan’s relations with Argentina and Latin America further complicates assumptions about the relationship of periphery and center. As it turns out, the mise-enabyme effects of Masotta’s rhetoric enact and repeat an eccentricity and marginality at the core of the Lacanian enterprise itself, qualities that Masotta’s repetitions of Lacan render more fully visible. Clearly, Lacan and Lacanian theory emanate from a longacknowledged center or capital (Paris) that has a prolonged and complicated history as a source of cultural and intellectual models for the Latin American intelligentsia. The fruitful reception of Lacanian psychoanalysis in Argentina, in large part due to the work of intermediaries like Masotta and García, forms part of this larger history of absorption and transformation of Parisian models. Yet the origins of Lacanian theory are caught up in an overlapping but distinct geopolitical map of intellectual capital, one in which the positions of Lacan and Paris are more precarious that the foregoing overview might lead us to assume. To make this point clear, I would like to briefly revisit some of the large body of work by U.S. scholars on Lacan’s seminar on Poe’s “Purloined Letter” (Masotta’s key text) and the polemic it unleashed. As Jeffrey Mehlman and Jane Gallop both point out, the prolonged transatlantic dialogue between France and the United States occasioned by the “Purloined Letter” seminar turns out to be an uncanny repetition of the seminar’s origins: on one level, a French psychoanalyst’s reading of a story by a North American author set in Paris with a French “analyst” – Poe’s August Dupin – as its protagonist; on another level, a French psychoanalyst’s attack on the dominance of an American version of psychoanalysis – ego psychology – that had become central and hegemonic enough to relegate the heresies of a European analyst


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like Lacan to the intellectual margins. Lacan’s institutional authority as founder, pioneer, and master paradoxically emerged out of the isolation occasioned by repeated denials of recognition by the North American-dominated International Psychoanalytic Association. Lacan was preoccupied not only with his own institutional status but with the decentering of Paris and of Europe in a post-war world in which the United States was newly ascendant in psychoanalysis as in other realms. His response to his own marginalization, one might suggest, was to systematize in texts like the “Purloined Letter” seminar the impossibility of mastery and the untenability of any center.

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While Lacan’s transatlantic antagonism with the United States has received extensive attention, his apposite and equally revealing relationship with Argentina and Latin America has been largely neglected. Decades before Masotta began his labors as a Lacanian exegete, Lacan and Argentina were what we might call “extimate” friends, and Argentina was “in” Lacan before Lacan was in Argentina. For even as he severed ties with ego psychology, its North American institutional base, and its French sympathizers, Lacan sought out South American alliances, a process that would culminate in a visit to Caracas shortly before his death and in his successor Jacques-Alain Miller’s close ties to the continent. A piece of evidence for Lacan’s South American strategy may be found in the library of the Villa Ocampo, the primary residence of prominent Argentine writer and publisher Victoria Ocampo and the focal point of the latter’s famous literary salon. Among the Villa’s large collection of memorabilia attesting to Ocampo’s friendships with the major figures of the modern artistic and intellectual avant-garde are four works bearing Lacan’s inscription. A survey of Ocampo’s epistolary corpus reveals that she first met Lacan during a 1930 trip to Paris, when he was a young psychiatrist in training with close associations with the surrealists. Between 1932 and 1976, Lacan sent Ocampo personally signed copies of four of his major publications, each containing a fondly affectionate dedication. We may safely speculate that Lacan was operating with some awareness of Ocampo’s sphere of influence in the world of Spanish-language letters, largely the product of her control of the prestigious journal Sur. Published by Ocampo between 1931 and 1992, Sur had as one of its missions


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the dissemination of major European intellectual and cultural trends in Argentina and Latin America. Had Ocampo chosen to provide a venue for any of Lacan’s work, it would have reached a wide Spanishspeaking audience, but neither Sur nor the publishing house associated with it published any work by or about Lacan, nor did Ocampo use her influence to seek publication in Spanish for any of Lacan’s writings.

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In one of her 1930 letters about Lacan, Ocampo describes the young psychiatrist as having “sueños napoleónicos de poderío” (OCAMPO, 1997, p. 24). We can assume that she recognized in Lacan’s attempts to solicit her attention to his ideas as a somewhat imperialistic effort to expand his sphere of intellectual influence into the Spanish-speaking world. This initially failed attempt on Lacan’s part might be usefully compared to earlier French geopolitical strategies that emphasized the common “Latin” culture of France and Latin America as the basis for cultural and political alliances. If Lacan’s relationship with the United States forced him into a position of belligerent marginality and isolation, his “unrequited conquest” of Argentina entailed in contrast an assumption of his own centrality in relation to a supposed periphery that he hoped would be duly receptive to his influence. If Ocampo’s indifference frustrated this gesture of mastery – the kind of gesture his own theory persistently ironizes – Lacan’s textual debts to Ocampo’s associate Jorge Luis Borges bring further complications into play. John Irwin has made a forceful case that it was a reading of Borges that “originally directed Lacan to the numerical/geometrical dimension of ‘The Purloined Letter’ and thus suggested Poe’s tale as an ideal text for an analytic reading that would project the structure of the Oedipal triangle onto the reciprocity of blindness and insight in the psychoanalytic encounter” (IRWIN, 1994, p. 442). As he notes, “[t] he probability of Lacan’s having been influenced by Borges should come as no surprise to anyone familiar with the enormous appeal Borges’s work had for French intellectuals in the 1950s, 60s, and 70s” (IRWIN, 1994, p. 448). Irwin also delineates a more precise pathway for Borges’s influence on Lacan: the work of critic and social theorist Roger Caillois, a longtime associate of Lacan. Caillois spent the years of the Second World War in Argentina, where with the help of Victoria Ocampo he started an exile literary journal in French that published


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some of the first French translations of Borges’s work. Later, Caillois oversaw the publication of a complete translation of Borges’s Ficciones. Also during his time in Argentina, Caillois started writing about the history of detective fiction. This led to an exchange with Borges in the pages of Sur, which touched upon the role of Edgar Allan Poe in the development of the genre.

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Irwin draws further evidence from the “Seminar on ‘The Purloined Letter’” itself. In a brief footnote to the seminar, Lacan alludes to Borges’s “El idioma analítico de John Wilkins,” which had been published in French in 1955. Borges’s works, Lacan remarks, “harmonize . . . well with the phylum of our subject” (MULLER; RICHARDSON, 1988, p. 53). Irwin remarks that there is something odd about this footnote, an uncanny feeling that is usually the aura of an unconscious mechanism, of repression and return. For while it is not at all clear that Borges’s essay on Wilkins “harmonizes so well” with the subject of Lacan’s “Seminar” . . . it is quite clear that [other] work of Borges’s [i.e. his detective fiction] harmonizes only too well with the subject of Lacan’s “Seminar”. (IRWIN, 1994, p. 445).

Irwin goes on: Lacan’s reference to the Wilkins essay may indeed represent the return of a repressed content, the resurfacing of Lacan’s sense of how much his own reading of “The Purloined Letter” either owed directly to or was anticipated by Borges’s rereading/rewriting of Poe’s story . . . If this originality anxiety existed for Lacan, then his footnote to Borges would be the trace of an inner division, the visible mark of his inability . . . to acknowledge explicitly a debt of influence to, or the simple priority of, Borges in a matter so central to his interpretation of Poe’s tale. (IRWIN, 1994, p. 446-447).

Lacan, as his correspondence with Ocampo reveals, long sought to create a channel of influence from Paris to Buenos Aires; he also conveyed his work to the Swiss-born Argentine psychoanalyst Enrique Pichon Rivière, who eventually brought Lacan to Masotta’s attention. But if Irwin is correct, Lacan instead found the direction of influence reversed when Ocampo’s literary associate Borges provided the basis for his own reading of Poe. If the theoretical foundation of Lacanian


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theory owes something to Argentina via Borges, the survival of Lacan’s sanctioned institutional legacy eventually relied just as significantly on Latin American alliances. The dissolution of the École Freudienne in January 1980 left Lacan with few allies in France, and it was no accident that he and his chosen successor Jacques-Alain Miller traveled to Caracas in July 1980 to convene the growing community of Spanishspeaking Lacanian analysts, the emergence of which owed much to Oscar Masotta’s efforts. The Lacanian institution survived through its partial Latin Americanization, through the becoming institutionally central of what Lacan had earlier imagined as a peripheral territory to be conquered.

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Instead of offering an exhaustive reading of Masotta’s work, I have attempted to provide a new context for thinking about his intellectual labors as a reader of Lacan. Masotta’s marginal reading of Lacan suggests an understanding of Lacanian theory as an interrogation of marginality as a pervasive condition in a decentered symbolic universe. It also grounds the theoretical work of decentering crucial to Lacan’s thought in specific axes of cultural geopolitics. Masotta’s reading of Lacan’s readings of Poe and Freud offer ways of thinking about the reconfiguration of cultural geography that becomes obligatory in a world without a defined center. A passage from Barbara Johnson’s “The Frame of Reference,” a commentary on the polemic surrounding the Seminar on the “Purloined Letter,” is particularly pertinent to Masotta’s decentering of the already decentered Lacan: it is the act of analysis which seems to occupy the center of the discursive stage, and the act of analysis of the act of analysis which in some way disrupts that centrality. In the resulting, asymmetrical, abyssal structure, no analysis . . . can intervene without transforming and repeating other elements in the sequence, which is thus not a stable sequence, but which nevertheless produces certain regular effects” (MULLER; RICHARDSON, 1988, p. 213-214).

If Lacan read Freud, to use Masotta’s phrasing, not without having also read Borges, then Masotta’s repetition of the center is a repetition of a center that already repeats the periphery, and thus signals the emergence of a cultural map in which such terms can no longer be sustained. Masotta suggests as much when he writes that


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“nuestra cercanía . . . a los textos de Lacan” is in fact an effect of “la distancia y las mediaciones entre nuestro texto y el terreno en cuestión” (MASOTTA, 2008, p. 175).

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WORKS CITED

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MULLER, John P.; RICHARDSON, William J. The Purloined Poe: Lacan, Derrida, and Psychoanalytic Reading. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1988. OCAMPO, Victoria. Sudamericana, 1997.

Cartas a Angélica y otros.

Buenos Aires:

PLOTKIN, Mariano. Freud in the Pampas: The Emergence and Development of a Psychoanalytic Culture in Argentina. Stanford: Stanford University Press, 2001.


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O fim do fim da arte: A poética itinerante de Paulo Nazareth 427

Guilherme Trielli Ribeiro Universidade Federal de Minas Gerais O que está claro é que não há escapatória para o artista nãofigurativo; ele deve permanecer em seu campo e caminhar na direção da consequência de sua arte. Esta consequência nos conduzirá, em um futuro ainda remoto, ao fim da arte como uma coisa separada do ambiente ao nosso redor, que é a própria realidade plástica. Porém este fim será ao mesmo tempo um novo começo. A arte não apenas continuará, mas será cada vez mais ela própria. Através da unificação da arquitetura, da escultura e da pintura, uma nova realidade plástica será criada. A pintura e a escultura não vão se manifestar a si próprias como objetos separados, nem como “arte mural” ou “arte aplicada”, mas, sendo puramente construtivas, vão alcançar a criação de um campo não meramente utilitário ou racional, mas também algo puro e inteiro em sua própria beleza.1 Mondrian

Em 2010, Paulo Nazareth realizou uma viagem singular: foi, a pé, de Santa Luzia, zona metropolitana de Belo Horizonte, a Nova York, nos Estados Unidos. A viagem ou, como o próprio artista a designou, uma residência em trânsito, uma residência por acidente, resultou na série Notícias 1 Encontrei esse trecho de Mondrian no livro Museu é o mundo, organizado por Cesar Oiticica Filho, em 2011. O trecho, anotado por Hélio Oiticica no Natal de 1959, é precedido por estas palavras do artista carioca: “Leio estas palavras proféticas de Mondrian” (p. 14).


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de América, constituída de anotações, retratos biográficos, desenhos, esculturas e perfomances documentadas, que foram exibidos na Galeria Mendes Wood DM, em 2012, e, nesse mesmo ano, publicados parcialmente, pela Cobogó, em Paulo Nazareth: Arte Contemporânea/ Ltda. (NAZARETH, 2012) A série evoca memórias pessoais e coletivas, produzindo a revisão, de cunho altamente pessoal, de inúmeras questões (éticas, estéticas, políticas, econômicas, antropológicas...) que historicamente atravessam, de sul a norte, o continente americano. O próprio artista nos oferece indicações sobre a concepção da série: “proyecto:noticias de América [America news]residencia en transito + residency by accident = atraviesar America Latina antes de llegar a los EUA:que todo el polvo del camino se quede en mis pies + viver en blooklin y saber lo que se pasa ahi _ go to Blooklin,NY /USA living there and know what happane there , but before walk by Latin America: that every Latina America land to be in my foot _”2

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Após o ritual de lavar os pés nas águas do rio Hudson, nele dispersando a terra que se acumulara durante aproximadamente treze meses de caminhada, e ver concretizado o desejo de chegar aos Estados Unidos através da América Latina, Paulo Nazareth rumou para a Flórida, tomando parte na Art Basel Miami Beach de 2011. Mercado de Bananas/Mercardo de Arte é o nome da instalação que Nazareth levou à renomada feira de arte em Miami naquele ano. A instalação foi montada a partir do material criado durante o trajeto de Notícias de América, que compôs o espaço ao lado de uma Kombi 1978 carregada de bananas e a atuação do próprio artista, que acabou estabelecendo, camaleonicamente, inusitadas relações de sentido entre algumas de suas diversas personas, como as de artista plástico, feirante, performer, viajante, narrador oral e latinoamericano. Neste artigo procuro conduzir o leitor ao universo artístico de Paulo Nazareth através de uma breve análise de Notícias de América e Mercado de Bananas/Mercado de Arte. *** Durante a viagem em que se deu a criação de Notícias de América, a crítica Janaina Melo manteve contato com Paulo Nazareth 2 Citação retirada do blog do projeto: <http://latinamericanotice.blogspot.com/>.


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via redes sociais e Skype. É ela, até onde sei, quem mais compreendeu o sentido do caminhar para Paulo Nazareth e, por isso, cito aqui um trecho do seu ensaio “Caminhos e conversas de viagem”, que a meu ver sintetiza importantes aspectos do nosso objeto de estudo:

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Caminhar para Paulo é importante, pois é na caminhada que percebe formas mistas e incertas que fundam a sua cosmogonia. Seu mundo é transitório e o deslocamento contínuo de “terra em terra” cria um mundo sem fixidez. Pelo caminho recolhe objetos e coisas, encontra-se com pessoas, instaura relações e situações dentro e fora do dito sistema de arte. Teria também tal sistema se tornado provisório? Empreende no tempo da caminhada, um certo grau de absoluto. Entrecruza pedaços de objetos, textos e imagens para, a partir deles, compor narrativas e situações. O que importa no processo não é necessariamente o resultado  objeto ou trabalho de arte original  mas a busca pela desorganização das coisas, das pessoas e de si mesmo. Paulo caminha para desvencilhar-se da ideia de permanência. Nas caminhadas procura perceber como a cada situação, cotidiana ou propositadamente poética, pode ser imputado um novo ritmo capaz de alterar o já dado, e permitir que responda de uma outra maneira. Retém-se, por isso, apenas no instante que a cada momento se oferece como uma oportunidade de dissolução de todas as durações. (MELO, 2012, s.p.)

A impermanência, portanto, sendo um dos elementos centrais da arte de Paulo Nazareth, nos serve de guia durante a análise de Notícias de América. A travessia, do coração da América do Sul à costa atlântica da América do Norte, conduziu o artista à experiência de limites, tanto pelo contato direto e contínuo com diversas culturas e paisagens quanto pela singular duração desse mesmo contato, o que nos leva a defini-la como uma performance de longa duração, na linha direta de Marina Abramovich.3 A experiência do percurso e a série de objetos, desenhos e fotografias então produzidos pelo artista, com suas vivências a um só tempo individuais e coletivas, também o fazem herdeiro da arte intersubjetiva de Lygia Clark e Hélio Oiticica.4 Além disso, observe-se que a série Notícias de América estrutura-se a partir de um princípio marcadamente nômade, cuja radicalidade está em sintonia com o dom demiúrgico de Arthur Bispo do Rosário e de muitos artistas mambembes 3 Sobre Marina Abramovic, leia-se WESTCOTT (2015). 4 Sobre Lygia Clark e Hélio Oitica, conferir, por exemplo, Braga (1992), Favaretto (1992), Pedrosa (1998) e Oiticica (2011).


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que, insatisfeitos com o mundo administrado, conseguem, como que por milagre, encontrar e revelar territórios ainda não esquadrinhados pelos estados nacionais e neles fundar mundos novos, comunidades alternativas, universos paralelos. Perguntado, durante uma entrevista, sobre as referências conceituais relacionadas às tensões socio-econômicas da América do Sul presentes em sua obra, Paulo Nazareth nos oferece formulações altamente precisas e esclarecedoras: Tenho obras a partir de R$ 0,10, mas estas você compra comigo. Tenho vício de vender barato (risos), aí a galeria fala: “Deixa que a gente vende porque você dá prejuízo!” — diz ele, para em seguida, ponderar: — O trabalho vai além da galeria, do museu e das bienais, que são como um braço que está no caminho, mas o trabalho não é feito para isso, é feito para uma outra instância, a instância da vida. O objeto de arte não é um objeto palpável, mas a proposição, o conceito, a experiência que existe sem a galeria, que não exige uma exposição. O que a galeria faz é trazer essa possibilidade de alguns poderem ter a experiência desse lugar, mas não é o fim. (FURLANETO, 2013, s.p.)

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As palavras do artista nos ajudam a entender mais de perto os sentidos dos vastos deslocamentos implicados em sua arte. É a partir de um radical nomadismo, que não toma (não faria sentido tomar) o museu como o destino último da arte, porém apenas como “um braço que está no caminho”, marcado por uma experiência espaço-temporal subjetiva e irregular, e que depende sobretudo dos contatos e improvisações que vão se estabelecendo durante a travessia, que o artista, por exemplo, confecciona cartazes em várias línguas e faz performances e retratos nos quais aparece segurando esses mesmos cartazes, muitas vezes ao lado de outras pessoas  o que introduz nas fotografias um elemento (auto) biográfico e ao mesmo tempo um traço comunitário com fundo político. Alguns exemplos: My image of exotic man – For sale (Minha imagem de homem exótico – À venda), How is the color of my skin ? (Qual é a cor da minha pele?), I clean your bathroom for a fair price (Limpo o seu banheiro por um preço camarada), I am dont going to rob you (Eu não vou te roubar), Llevo recados a los E.U.A. (Levo recados aos E.U.A.)5 5 Essas imagens encontram-se no blog de Paulo Nazareth e na publicação Paulo Nazareth: Arte Contemporânea Ltda. (2012).


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Todos esses recados se relacionam diretamente com as comunidades que habitam o interior, entendido aqui em sentido amplo, como as zonas profundas, inauditas, da América Latina, sendo uma espécie de registro da condição social das comunidades que encontra pelo caminho e testemunho da resistência ativa do artista, realização fotográfica e cênica do famoso verso de Rimbaud “eu é um outro”, posto em situação de inumeráveis deslocamentos, cujo sentido sempre converge para o paradoxo do sujeito que constitui sua identidade a partir da fluidez radical de um vertiginoso e incessante processo de desconfigurar-se e reconfigurar-se em outros. A esse respeito, Joanna Espinosa, de modo certeiro, observa:

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Ao jogo “eu é um outro” que Paulo Nazareth parece jogar, e ao qual acrescenta de forma maliciosa “onde eu não é completamente aquele que se pensa ver”, pode inverter-se uma forma de assimilação em que “o outro é eu”. Este outro que Paulo Nazareth tenta mais incluir do que reprimir. Enquanto artista antropólogo, força o encontro de diversas culturas e modos de pensamento, apoiando-se num eu não definido que será ainda preciso delimitar e traçar. A ambiguidade identitária deste corpo em movimento que atravessa as fronteiras e faz explodir os limites geográficos chega a criar o seu próprio espaço-tempo. Desta mutação corporal à apresentação da performance, ligando-se ao país em que se realiza, ele põe em prática a fórmula de Claude Lévi-Strauss “para conhecer e compreender a sua própria cultura, é preciso aprender a olhar do ponto de vista do outro”. (...) Esta identidade encenada enche-se plenamente graças à fricção do corpo e da sua percepção dos outros. Basta fazer emergir um terceiro-espaço em que a identidade subjetiva e subversiva se possa exprimir. Este terceiroespaço torna-se uma dimensão imaginária da sua arte em que a multiplicidade dos olhares é possível. (ESPINOSA, 2013)

A questão da identidade que se funda no contato com o outro, decorrente em grande parte da experiência andarilha, e que implica uma multiplicidade de olhares e afetos, de fato liga a arte de Paulo Nazareth à de Arthur Rimbaud, com a qual tem em comum a singular verve visionária, além de um radical impulso de desgarramento que encontramos, por exemplo, no célebre poema “Sensação”: Nas tardes de verão, irei pelos vergéis, Picado pelo trigo, a pisar a erva miúda: Sonhador, sentirei um frescor sob os pés E o vento há de banhar-me a cabeça desnuda.


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Calado seguirei, não pensarei em nada: Mas infinito amor dentro do peito abrigo, E como um boêmio irei, bem longe pela estrada, Feliz  qual se levasse uma mulher comigo. (RIMBAUD, 2007)

Neste poema6, encontram-se tanto a itinerância quanto a subjetividade que se coloca a partir de sua relação com um outro, mesmo que imaginário. Tal é o caso da personagem feminina mencionada no último verso, que pode ser interpretada metaforicamente como uma figuração da própria coletividade. O andarilho, portanto, ao caminhar, carrega dentro de si a mais precisa e incontornável pulsão comunitária que se pode conceber, o que o faz produzir sentidos como o poeta lírico, ou seja, ao mergulhar em sua própria intimidade, acaba trazendo a reboque as mais radicais figurações da comunidade.7 ***

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Como ficou indicado anteriormente, Paulo Nazareth expõe sua produção e realiza suas performances tanto em museus e galerias de arte quanto em espaços alternativos e não necessariamente ligados à arte, tais como feiras de alimentos e espaços virtuais, como o seu blog. Nas feiras, seus trabalhos ficam expostos ao lado de várias outras mercadorias, de utensílios domésticos a alimentos. Logo, a ideia de vender bananas ao lado de (ou como) objetos de arte não é algo que se destaca de sua prática em contexto brasileiro. Porém a instalaçãoperformance em questão  Mercado de Bananas/Mercardo de Arte  aponta, entre outras coisas, justamente para a conversão conceitual de bananas em objetos de arte. A partir de um impulso crítico vindo de dentro da própria arte, a ambivalência injeta o princípio da impermanência nas próprias fronteiras entre o objeto de arte e a mercadoria. Não se trata, evidentemente, de um decalque da poética duchampiana do ready-made. As bananas, na instalação, desempenham o papel de objetos efêmeros, aliás perecíveis a curto prazo. Com elas, volta à tona a reflexão sobre o tempo colocada por Notícias de América (no caso, o trajeto percorrido a pé do Brasil aos Estados Unidos, durante a longa performance). Dá-se aí uma revisão do conceito de ready6 Leia-se também a interpretação que Maurício Salles Vasconcelos fez deste mesmo poema em Vasconcelos (2000). 7 Conferir a “Palestra sobre lírica e sociedade”, de Theodor W. Adorno.


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made, uma vez que o objeto deixa de ser apenas um objeto deslocado de seu local de origem e de sua função usual para também tornar-se um objeto cênico, cujo sentido depende da performance. Repare-se que, no conjunto dos objetos expostos na instalação, as bananas ligam-se diretamente à Kombi (outro objeto utilizado cenograficamente) e ao artista, que transportam para o contexto do museu tanto a experiência da viagem quanto a experiência da feira popular. Se as bananas e a Kombi compõem uma imagem dissonante, por sua contundência literal (metonímia da feira de alimentos dentro da feira de arte, o que de certa maneira torna aquela uma metáfora desta), trazendo a reboque todas as implicações simbólicas do verde-amarelo que tradicionalmente se ligam à nação brasileira, o artista evidentemente não encena apenas o papel do feirante, pois as bananas que ele vende não têm o mesmo valor e a mesma função das bananas em uma feira de alimentos (Paulo Nazareth autografou bananas e durante o contato com os espectadoresconsumidores realizou narrações orais, também derivadas da série Notícias de América, mistura de sua biografia com a biografia das pessoas que encontrou durante a viagem e das notícias de jornal e dos desenhos e textos delas “decalcados”). As bananas, fragmentos efêmeros da obra, quando assinadas pelo artista, tornam-se metáfora da visão crítica e auto-irônica do artista sobre a arte e a vida contemporâneas. Além disso, as bananas não eram a única “mercadoria” comercializada na instalação. A própria imagem do artista (mambembe-feirantenômade etc.), imagem que, como vimos, Paulo Nazareth ironicamente designa como “imagem de homem exótico”, poderia ser “adquirida” sob a forma de fotografias (outra forma de assinatura?) tiradas ao lado dos espectadores-consumidores de arte. Na feira também estavam “a venda” outros objetos feitos ou recolhidos pelo artista (também da série Notícias de América), como a própria Kombi.

Quando uma banca de bananas é deslocada para o contexto de uma feira de arte, o intervalo dissonante entre o sentido literal e o sentido metafórico da imagem desencadeia associações que obrigatoriamente nos levam a uma longa e variada tradição artística e cultural que utiliza a imagem da banana como signo cultural alegórico  e que, por razões de espaço, não seria possível comentar aqui  como, por exemplo, a expressão pejorativa “república das bananas”, ou


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personagens (fictícias e reais) como Chiquita Bacana, Carmen Miranda e Caetano Veloso, a capa que Andy Warhol fez para o primeiro disco do The Velvet Underground, entre muitas outras. *** Num outro momento da já citada entrevista concedida a Audrey Furlaneto, Paulo Nazareth faz referência a um dos modos como classifica sua arte, ou seja, uma “arte de conduta”, e explica: Existem as performances, mas é mais: é como eu me comporto diante do mundo. Posso decidir permanecer aqui no Centro de São Paulo ou posso me conduzir de uma outra maneira. O objeto de arte está na maneira como eu decido me conduzir, me comportar diante do mundo. É arte de conduta, arte de comportamento, performance expandida e, ao mesmo tempo, diluída. Não é um espetáculo, vai se misturando e se fazendo vida. (FURLANETO, 2013, s.p.)

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Felicitas Rohden, que escreve para a série Studio Visits do blog do Instituto Goethe, afirma que leu em um press release que Paulo Nazareth incorpora a ideia do artista como uma espécie de conector ou decodificador performativo. Durante a conversa que teve com o artista perguntou-lhe sobre o modo como ele se relaciona com essa ideia, ou abordagem, e obteve a seguinte resposta: Eu quero viver isso e ficar com as pessoas. Para mim, fazer arte é como qualquer outro trabalho. Um motorista de táxi também é um conector, mas ele nem sempre é consciente disso. Eu não penso muito sobre a tradição de performance na arte, mas mais sobre o seu sentido na vida. Eu quero abrir esse diálogo entre arte e vida. Diversas pessoas, vários caminhos... (ROHDEN, 2012)

A viagem-performance e a instalação aqui consideradas discutem, com sofisticada ironia e leveza profunda, tanto as controversas relações de poder enraizadas na experiência histórica e econômica dos países americanos (sobretudo as experiências dos países latinoamericanos) quanto as próprias noções de arte e de mercado de arte, arte e vida. “Diversas pessoas, diversos caminhos...” Lembremos, enfim, o radical e preciso questionamento implicado no símbolo da poeira acumulada nos pés, implicada em uma declaração feita pelo artista:


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Meu conceito de pátria todos os dias se expande… Nascido no Brasil sou latino-americano, sendo latinoamericano sou também mexicano… Sou parte de cada terra por donde pisaram meus pés… Não há como separar estas terras com uma linha imaginária chamada fronteira... (Nazareth apud ESPINOSA, 2013)

Além da questionadora forma de repensar a geopolítica a partir da questão do apagamento das fronteiras (nacionais e de si), coloca-se aí o acirrado embate entre o artista e as instituições de arte (o museu, a galeria, a escola...), uma vez que suas peformances de longa-duração (ou performance expandida) e a indeterminação de seus itinerários, objetos e conceitos repelem de modo radical a estipulação de prazos e locais de exibição.

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Exemplos como Notícias de América e Mercado de Bananas/ Mercado de Arte indicam que a obra de Paulo Nazareth, no limite, desestabiliza os códigos impostos pelo mercado de arte e, mais amplamente, do próprio mercado, propondo uma retomada éticoestética a partir de uma lógica a um só tempo nômade e lírica. Nesses termos, a consequência de sua arte, em sintonia com a de alguns outros artistas contemporâneos, é, como previu Mondrian, nos mostrar que a arte não é mais uma “uma coisa separada do ambiente ao nosso redor”. A arte contemporânea, da qual a arte de Paulo Nazareth é um exemplo paradigmático, vem criando “um campo não meramente utilitário ou racional, mas também algo puro e inteiro em sua própria beleza.”


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FAVARETTO, Celso. A invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: Edusp, 1992. FURLANETO, Audrey. Paulo Nazareth, um artista exótico. O Globo, Rio de Janeiro, 26. Out. 2013. Disponível em: <http://oglobo.globo. com/cultura/paulo-nazareth-um-artista-exotico-10544447. Acesso em 20/12/2014> MELO, Janaina. “Caminhos e conversas de viagem”. Nazareth, Paulo et alii. Paulo Nazareth: Arte Contemporânea/Ltda. Rio de Janeiro: Cobogó, 2012. MONDRIAN, Piet. The New Art – The New Life. The collected writings of Piet Mondrian. Harry Holtzman e Martin S. James (edição e tradução). Londres: Thames e Hudson, 1987. NAZARETH, Paulo et alii. Paulo Nazareth: Arte Contemporânea/ Ltda. Rio de Janeiro: Cobogó, 2012. _____. Blog de Notícias de América: <http://latinamericanotice. blogspot.com/>. OITICICA, Hélio. Museu é o mundo. (org. Cesar Oiticica Filho) Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2011.


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WESTCOTT, James. Quando Marina Abramovic morrer: uma biografia. Tradução de Tiago Novaes. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2015.


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The End of the End of Art: The Itinerant Poetics of Paulo Nazareth 438

Guilherme Trielli Ribeiro Universidade Federal de Minas Gerais What is certain is that there is no escape for the non-figurative artist; he must stay within his field and march towards the consequence of his art. This consequence brings us, in a future perhaps remote, towards the end of art as a thing separate of our surrounding environment, which is the actual plastic reality. But this end is at the same time a new beginning. Art will not only continue but will realize itself more and more. By the unification of architecture, sculpture and painting a new plastic reality will be created. Painting and sculpture will not manifest themselves as separate objects, nor as “mural art” or “applied art”, but, being purely constructive, will aid the creation of a surrounding not merely utilitarian or rational, but also pure and complete in its beauty. Mondrian1

In 2010, Paulo Nazareth completed a unique journey: he walked from Santa Luzia, near the city of Belo Horizonte, to New York City. The trip, described by the artist as a residence in transit, a residence by accident, resulted in the work Notícias de América [News 1 I found this passage from Mondrian in the book Museu é o mundo (Museum is the World), organized by Cesar Oiticica Filho in 2011. The passage, an annotation made by Hélio Oiticica during Christmas in 1959, is followed by these words: “I read these prophetic Mondrian`s words” (p. 14).


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form the Americas], composed of notes, biographical portraits, drawings, sculptures and documented performances, which were displayed in the Mendes Wood DM gallery in 2012 and partially published in that same year by Cobogó Press as Paulo Nazareth: Contemporary Art / Ltda. (NAZARETH, 2012) The work evokes personal and collective memories and revisits, from a very personal perspective, several issues that have historically affected the entire American continent in regards to ethics, aesthetics, politics, economics, anthropology, etc. The artist himself describes the concept of the project as follows: “proyecto:noticias de América [America news]residencia en transito + residency by accident = atraviesar America Latina antes de llegar a los EUA:que todo el polvo del camino se quede en mis pies + viver en blooklin y saber lo que se pasa ahi _ go to Blooklin,NY /USA living there and know what happane there , but before walk by Latin America: that every Latina America land to be in my foot _”2 After the ritual of washing his feet in the waters of the Hudson River, cleaning the dirt that had accumulated in approximately thirteen months of walking, and after successfully arriving in the United Stated through Latin America, Paulo Nazareth headed to Florida to participate in the Art Basel Miami Beach in 2011. Mercado de Bananas/Mercardo de Arte [Banana Market/Art Market] is the name of the installation Nazareth presented at the famous art fair in Miami that year. The installation was assembled from material created during the Notícias de América trip, along with a 1978 Volkswagen van filled with bananas, with the addition of performances by the artist himself, who ended up establishing, in a chameleon fashion, unusual points of connection between some of his various personas, such as those of the artist, the farmers market vendor, the performer, the traveler, the oral narrator and the native Latin American. This article aims at guiding the reader to the artistic universe of Paulo Nazareth through a brief analysis of Notícias de América and Mercado de Bananas/Mercado de Arte. *** During the America News trip, art scholar Janaina Melo kept in touch with Paulo Nazareth via Skype and social media. It is she who, 2 Refer to the project’s blog: http://latinamericanotice.blogspot.com/


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to my knowledge, has best understood the meaning of walking for Paulo Nazareth. This passage, from her essay “Caminhos e conversas de viagem” [“Paths and travel conversations”], summarizes important aspects that are also the focus of this article: For Paulo walking is important, because as he undertakes his journey he sees the mixed and uncertain shapes that form the basis of his cosmogony. His world is transitory and the continuous movement from “land to land” creates a non-permanent world. As he travels, he collects objects and things, meets people, and establishes relations and situations inside and outside of the so-called system. Has this system perhaps also become transitory? As his journey unfolds, he employs a certain degree of the absolute. He interweaves fragments of objects, writing and images and uses them as the grounds for narratives and situations. What matters in the process is not necessarily the outcome  the original object or work of art  but the search for the disorganization of things, people, and himself. Paulo walks in order to disassociate himself from the idea of permanence. As he walks he seeks to understand how situations, be they common or poetic, may be ascribed a new rhythm that is capable of altering the one already given. This allows him to respond in a different way. This is retained, for this reason, just at the very instant when each moment presents itself as a new opportunity for disintegrating anything of any duration. (MELO, 2012, n.p.)

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Impermanence, one of the central elements in the art of Paulo Nazareth, will serve as our guide for analyzing Notícias de América. The crossing, from the heart of South America to the Atlantic coast of North America, led the artist to the experience of limits, both by direct and continuous contact with different cultures and landscapes and by the natural duration of that contact, which leads us to define it as a long-term performance in the direct line of Marina Abramović.3 The experience of displacement, as well as the series of objects, drawings and photographs then produced by the artist based on individual and collective experiences, also align him with the inter-subjective art of Lygia Clark and Hélio Oiticica.4 In addition, it should be noted that Notícias de América is structured from a distinctly nomadic principle, whose radicalism is in line with the demiurgic talent of Arthur Bispo 3 About Marina Abramović, see Westcott (2015). 4 About Lygia Clark and Hélio Oitica, see Braga (1992), Favaretto (1992), Pedrosa (1998) and Oiticica (2011).


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do Rosário and many itinerant artists who, dissatisfied with the administered world, can, as if by miracle, find and reveal territories not yet occupied by national states and found in them new worlds, alternative communities, parallel universes. When asked, during an interview, about conceptual references related to socio-economic tensions in South America present in his work, Paulo Nazareth offers us highly accurate and insightful formulations: I have works from R $ 0.10, but these you buy from

me. I’m addicted to selling cheap. (laughs), then the art gallery says: “Let us sell because you lose money doing it your way” – he says, then considers: – The work goes beyond the gallery, the museum and the biennial, which are like an arm that is on the way, but the work is not meant for it, it is meant for another instance, the instance of life. The art object is not a tangible object, but it is the proposition, the concept, the experience that exists without the gallery, that which does not require an exhibition. What the gallery does is bring this possibility for some people to experience this place, but this is not the final goal. (FURLANETO, 2013, n.p.)

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The words of the artist help us better understand the meaning of the vast displacements involved in his art. His radical nomadism does not take the museum as the last destination of art but only as “an arm that is on the way.” It is marked by a subjective and irregular experience of space and time, which depends mainly on the contacts and improvisations that will be established during the journey, and which informs, for example, the posters in several languages and the performances and portraits in which he is shown holding these same posters, often alongside other people (thereby introducing an (auto)biographical element in the photographs and at the same time a politically charged communal element). Some examples: My image of exotic man  For sale, How is the color of my skin ?, I clean your bathroom for a fair price, I am dont going to rob you, Llevo recados a los E.U.A. (Levo recados aos E.U.A.)5 All of these messages relate directly to the communities that inhabit the interior (in a broad sense) of Latin America. They document the social conditions of the communities in their path and work as 5 These images were published in Paulo Nazareth’s blog and in Paulo Nazareth: Arte Contemporânea Ltda. (2012).


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evidence of the artist’s active resistance, which can be considered a photographic and scenic realization of the famous verse of Rimbaud, “I is another,” in the context of countless dislocations. The meanings of these messages always converge upon the paradox of a subject who creates his identity from the radical fluidity of a vertiginous and endless process of deconstructing himself and reconfiguring himself in others. In this regard, Joanna Espinosa is right to affirm that:

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Regarding the “I is another” game that Paulo Nazareth seems to play, and to which he adds maliciously “in which I is not quite what we believe to see,” it is possible to invert the statement as “the other is me.” This other that Paulo Nazareth tries to include more than suppress. As an anthropologist artist, he forces the encounter of different cultures and ways of thinking, basing it on an I that is not defined, that still needs to be determined and traced. The ambiguous identity of this body in motion that crosses borders and explodes the geographical limits creates its own space-time. From the mutation of his body to the presentation of performance, that connects himself to the country where the performance takes place, he it puts into practice Claude Lévi-Strauss’s statement that “to know and understand our own culture, we must learn to see from the other’s point of view.” (...) This staged identity is fulfilled thanks to the friction of the body and its perception of others. All that is needed is a third-space in which the subjective and subversive identity can be expressed. This third-space becomes an imaginary dimension of his art, in which the multiplicity of points of view is possible. (ESPINOSA, 2013)

The question of identity is founded in contact with the other, which results primarily from the experience of wandering, and which implies a variety of points of view and affects. It connects the art of Paulo Nazareth to Arthur Rimbaud, with which it shares a unique visionary verve, and a radical uprooting impulse we find, for example, in the famous poem “Sensation”: On the blue summer evenings, I shall go down the paths, Getting pricked by the corn, crushing the short grass: In a dream I shall feel its coolness on my feet. I shall let the wind bathe my bare head. I shall not speak, I shall think about nothing: But endless love will mount in my soul; And I shall travel far, very far, like a gipsy, Through the countryside  as happy as if I were with a woman.6 6 Translated by Oliver Bernard: Rimbaud: The Poems a  new edition. Manchester: Carcanet


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In this poem,7 there are both the element of roaming and the subjectivity that arises from the relationship with the other (even if imaginary). Such is the case of the female character mentioned in the last verse, which can be interpreted metaphorically as a figuration of community itself. The wanderer, therefore, carries within him or herself an accurate and compelling communitarian impulse, which enables him/her to produce meaning as the lyric poet: by delving into their own intimacy, they are able to bring about the most radical figurations of community.8 ***

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As mentioned above, Paulo Nazareth exhibits his art and carries out his performances in museums and art galleries but also in alternative spaces not necessarily associated with the art world, such as farmers markets and virtual spaces (including his blog). At the farmers markets, his works are displayed alongside several other products, ranging from household items to food. Therefore, the idea of selling bananas next to (or as) art objects is not something that stands out from his practice in the Brazilian context. But the installationperformance in question — Mercado de Bananas/Mercardo de Arte — points precisely, among other things, to the conceptual conversion of bananas in art objects. From a critical impulse coming from within the art itself, the ambivalence injects the principle of impermanence in the very boundaries between the art object and merchandise. This is not, of course, a parody of Duchamp’s ready-made poetics. The bananas, in the installation, play the role of ephemeral, perishable objects. They propose, once again, a reflection on time that was already present in America News (in this case, the path traveled by foot from Brazil to the United States, during the long performance). What happens is a revision of the concept of ready-made, since the object is not just dislocated from its place of origin and its usual function but also reintroduced as a scenic object, whose meaning depends on performance. It should be noted that among all the objects displayed in the installation the bananas are directly linked to the Volkswagen van (which is also used in performance) and to the artist; they transfer to the Press Ltd., 2012. 7 Read also Maurício Salles Vasconcelos interpretation of this poem in Vasconcelos (2000). 8 About this subject, read “On Lyric Poetry and Society,” by Theodor W. Adorno.


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museum context both the experience of the trip and the experience of the farmers market. The bananas and the van constitute a jarring image, due to their literal forcefulness (a metonymy of the farmers market in the art fair, which in a way makes the former a metaphor of the latter), evoking all the symbolic implications of green and yellow that are traditionally associated with Brazil. But the artist does not simply re-enact the role of the farmers market vendor because the bananas he sells do not have the same value or the same function of the bananas in a food market (at the exhibit, Paulo Nazareth autographed bananas and spoke with consumers/viewers about topics that he brought from Notícias de América, mixing his biography with the biography of the people he met during the trip and with the newspaper stories and the texts and drawings he created). The bananas, ephemeral fragments of the work, become, when autographed, a metaphor for the artist’s critical and self-ironic perspective on art and contemporary life. In addition, bananas were not the only “commodity” marketed in the installation. The very image of the artist (itinerant-vendor-nomad, etc.), which Paulo Nazareth ironically calls “image of the exotic man,” could be “acquired” in the form of photographs (another form of signature?) taken alongside members of the audience. At the fair, other objects were also for sale, such as works by the artist or collected by him during Notícias de América, including the van. When a banana stand is moved to the context of an art fair, the dissonant interval between the literal and the metaphorical meanings of the image triggers associations that lead us to a long and varied artistic and cultural tradition that uses the image of a banana as an allegorical cultural sign — which, for the sake of brevity, I will not comment here — such as, for instance, the pejorative term “banana republic,” or fictional and real characters including Chiquita Banana and Carmen Miranda, and the cover that Andy Warhol did for the first album of the Velvet Underground, among many others. *** In another moment during the aforementioned interview with Audrey Furlaneto, Paulo Nazareth refers to his art as an “art of conduct”: There are performances, but it is more: it is how I behave toward the world. I can decide to stay here in downtown São Paulo or I can be some other way. The


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art object is in the way I decide behave myself in the world. My conduct is art, my behaviour is art, it is at the same time an extended and a dilluted performance. It is not a spectacle, it mixes with and becomes life. (FURLANETO, 2013, n.p.)

Felicitas Rohden, who writes for the Studio Visits series of the Goethe Institute blog, says she read in a press release that Paulo Nazareth embodies the idea of the artist as a kind of connector or performative decoder. During a conversation with the artist, she asked him about how he relates to this idea or approach and received the following answer:

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I want to live this and stay with people. For me being an artist is like any other job. A taxi driver is also a connector, but he’s not always aware of that. I don’t think so much about the tradition of performance in art, but more about its condition in life. I want to open up this dialogue between art and life. Several people, many ways... (ROHDEN, 2012)

The trip-performance and installation considered here call into question, with sophisticated irony and deep lightness, the controversial power relations rooted in the historical and economic experience of the American countries (especially the experiences of Latin American countries), as well as their own concept of art and the art market, art and life. “Several people, many ways...” We should remember, lastly, the radical and precise questioning implied in the symbolical accumulation on dust on the artist’s feet: Mi concepto de patria todos los días se expande… nacido en Brasil soy latino americano, siendo latino americano soy también mexicano… soy parte de cada tierra por donde pisaron mis pies… no hay como separar estas tierras con una línea imaginaria llamada frontera... (Every day my concept of homeland enlarges... Born in Brazil I am Latin American, and being Latin American I’m also Mexican... I am from every land I’ve walked through... There is no way to divide these lands with imaginary lines called borders...) (NAZARETH, apud ESPINOSA, 2013)

In addition to the inquisitive way of thinking about geopolitics


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from the standpoint of the blurring of borders (national and personal), his work questions the fierce struggle between the artist and art institutions (museum, gallery, school, etc.), since his long-term performances (or expanded performances) and the indeterminacy of his itineraries, objects and concepts radically refuse the stipulation of deadlines and display locations.

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Examples such as Notícias de América e Mercado de Bananas/ Mercado de Arte indicate that the work of Paulo Nazareth destabilizes the codes imposed by the art market and, more broadly, by the market itself by proposing an ethical and aesthetic project that takes into account a logic at once nomadic and lyrical. In these terms, the consequence of his art, in line with some other contemporary artists, are, as predicted by Mondrian, to show us that art is no longer a “separate thing from the environment around us.” Contemporary art, of which the art of Paulo Nazareth is a paradigmatic example, has been creating a “not merely utilitarian or rational field, but also something pure and whole in its own beauty.”


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WORKS CITED

ADORNO, Theodor W. Notas de Literatura I. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2003. AMIRSADEGHI, Hossein; Petitgas, Catherine (org.). Arte Contemporânea: Brasil. São Paulo: TransGlobe Publishing, 2013. BRAGA, Paula (org.) Fios soltos: A arte de Hélio Oiticica. São Paulo: Perspectiva, 1992. CASA NOVA, Vera; ARBEX, Márcia; BARBOSA, Márcio Venício (org.). Interartes. Belo Horizonte: UFMG, 2010.

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ESPINOSA, Joanna. “O homem com solas de poeira.” Buala, Corpo, 31 de Março de 2013. Avaliable at: <http://www.buala.org/pt/corpo/ohomem-com-solas-de-poeira>. Access 05/01/2015. FAVARETTO, Celso. A invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: Edusp, 1992. FURLANETO, Audrey. Paulo Nazareth, um artista exótico. O Globo, Rio de Janeiro, 26. Out. 2013. Availiable at: <http://oglobo.globo. com/cultura/paulo-nazareth-um-artista-exotico-10544447. Access 20/12/2014> MELO, Janaina. “Caminhos e conversas de viagem.” Nazareth, Paulo et alii. Paulo Nazareth: Arte Contemporânea/Ltda. Rio de Janeiro: Cobogó, 2012. MONDRIAN, Piet. The New Art — The New Life. The collected writings of Piet Mondrian. Harry Holtzman e Martin S. James (edition and translation). Londres: Thames e Hudson, 1987. NAZARETH, Paulo et alii. Paulo Nazareth: Arte Contemporânea/ Ltda. Rio de Janeiro: Cobogó, 2012. _____. Blog de Notícias de América: <http://latinamericanotice. blogspot.com/>. OITICICA, Hélio. Museu é o mundo. (org. Cesar Oiticica Filho) Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2011.


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PEDROSA, Mário (org. Otília Arantes). Acadêmicos e Modernos. São Paulo: Edusp, 1998. RIMBAUD, Arthur. Poesia completa. Trad. de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007. _____. Rimbaud: The Poems — a new edition. Translated by Oliver Bernard. Manchester: Carcanet Press Ltd., 2012. ROHDEN, Felicitas. Entrevista a Felicitas Rohden. Disponível em: <http://blog.goethe.de/studiovisits/archives/41-Interview-05-PauloNazareth.html>. Access 05/01/2015.

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ROSENBERG, Harold. Objeto Ansioso. Trad. de Vera Pereira. São Paulo: Cosacnaify, 2004. VASCONCELOS, Maurício Salles. Rimbaud da América e outras iluminações. São Paulo: Estação Liberdade, 2000. WESTCOTT, James. Quando Marina Abramovic morrer: uma biografia. Tradução de Tiago Novaes. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2015.


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Lorenzo García Vega: Seguindo as paredes cubistas do eu labiríntico 1

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Sean Manning The University of Texas at Austin Introdução Na página de abertura de El oficio de perder, publicada em 2004, um título que se refere a profissão de perder que considerava como sendo a sua vida de escritor, Lorenzo García Vega declara que a fim de criar esse livro de memórias que compreende os seus setenta e oito anos, a tarefa deveria ser como tomar a decisão de “entrar por un gran número de puertas, o como soñar que estoy construyendo un Laberinto que tenga una buena cantidad de pasillos” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 27). O primeiro desafio que ele antecipou foi encontrar uma estrutura capaz de reter o seu turbilhão de memórias; um objeto comparável ao sujeito, mas liberado deste para abordar um significado que, de outra maneira, tinha sempre lhe escapado. Embora ele tenha nascido em 1 Tradução de Rodrigo Lopes de Barros


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1926, e em Jagüey Grande, Cuba, García Vega confessava ser um filho do cubismo, uma maneira de organizar os seus arredores que diz ter começado quando viu a representação da usina de açúcar Australia (situada em sua cidade natal), feita por José Manuel Acosta à moda de Fernand Léger. E ele assim o demonstrou através de sua atração de toda a vida pelo conceito, pertencente ao movimento, de um arranjo espacial em direção a uma arte de estabilidade e independência.

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Sua família o levou desde o abrigo de sua Jagüey Grande para Havana quando ele tinha dez anos, e com isso ele recebeu o seu primeiro choque do esmagador mundo exterior. Dentro da capital, ele foi forçado a confrontar a incompreensão isoladora de seu novo ambiente. Ele agora se lembra de que “no sólo sentía hasta el ahogo el polvo negro de la ciudad […] sino que también me parecía como que todo se me escapara” (2005, p. 149). Em meio do tumulto das ditaduras de Machado e Batista, da desilusão de revolucionários que se tornavam oportunistas, dos padres vestidos de autoridade em sua escola jesuíta que exigiam a sua fé sem hesitação, e de sua sensibilidade psíquica delicada que levou ao seu sofrimento mental e a um diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo, García Vega desceu às suas impressões de uma massa caótica de realidade ininteligível. “Lo peor de una neurosis, es la sensación espantosa de vacuidad, de vivir como alrededor de la verdadera vida, y sin poder penetrar nunca en ella. Esta ha sido, sin duda, la peor constante de mi enfermedad, el sentimiento que nunca dejé de experimentar durante toda mi juventud” (GARCÍA VEGA, 1977, p. 63). Com a sua doença emergiu uma urgente necessidade imaginativa, para usar as palavras de Harold Bloom, que o colocou na busca de encontrar um caminho através da escuridão, de criar significado desde um vazio que enquadrava os seus primeiros anos. E foi através de uma empreitada não diferente daquela dos pintores cubistas, que ele procurou a possibilidade da concretude nas palavras. De acordo com Juan Gris, foi “precisamente por reacción contra los elementos fugitivos empleados por los impresionistas en su representación, [que] se tuvo el anhelo de buscar, en los objeto [sic] a representar, elementos menos inestables” (GRIS, 1957, p. 90). Para García Vega, a palavra, como ele a tinha herdado, tinha se tornado indigna de confiança em sua maleabilidade, e, consequentemente, ele aspirava desmascará-la, alcançar um resíduo alquímico que sustentasse uma honestidade da imagem que ele pudesse entender.


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Nesse ensaio, gostaria de abordar o tema das capitais e da vanguarda na América Latina ao examinar a jornada individual de Lorenzo García Vega. Jorge Luis Arcos escreve que “hay una identidad esencial entre la forma que adopta su obra y su sentido” (ARCOS, 2012, p. 298), e à medida que García Vega busca aquele sentido, a forma segue o mesmo caminho. Ou, mais precisamente, quanto mais ele sentia que poderia ou não obter uma forma, o significado se tornava possível. Em última instância, ao examinar a ideia de sua proposta de memórias-labirinto, primeiramente abordarei dois momentos anteriores de sua trajetória literária, focando-me em cada trabalho como uma tentativa particular de conseguir uma estrutura organizadora. Olharei como cada trabalho de sua autoproclamada “vanguarda anacrônica” foi criado por sua implementação cambiante da visão cubista que ele carregava consigo: desde as qualidades plásticas dos versos em seu primeiro livro Suite para la espera, publicado em 1948, à colagem de textos oníricos em Vilis, publicado muito mais tarde em 1998, e finalmente retornando a El oficio de perder, no qual, apesar de sua proposta inicial, ele concluiria que tinha sido incapaz de controlar a estrutura do labirinto, produzindo, ao contrário, um texto que era o seu oposto, o traço que a sua vida tinha deixado dentro dessa estrutura. Ademais, paralelamente à sua movimentação através dessas provações literárias estavam as suas realocações geográficas variadas a centros multifuncionais à medida que ele buscava um lugar para viver em paz. De Havana a Madrid, Nova York, Caracas e finalmente se estabelecendo e se conformando com Miami, ele acumulou estadias insatisfatórias e se tornou mais sensível a uma percepção de ilusoriedade daqueles lugares como tais, isto é, como centros que não o eram. Consequentemente, quando ele se sentou para tentar fazer uma narração de sua vida, o resultado, se tivesse que ser fiel, poderia apenas ser uma travessia textual do labirinto cujo centro era inatingível, o excêntrico labirinto de si mesmo. O Cubismo de Suite para la espera (1948) Em 1993, Lorenzo García Vega relembrava a urgência de seus anos pré-literários antes de conhecer Lezama Lima: Estaba yo metido dentro del gran revolico de los fines de la adolescencia, pero no solo era eso, sino que


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estaba fuertemente agarrado por un tremendo desajuste psíquico para el cual el primer analista que consulté me recomendó unas sesiones de electro shock, sesiones que no dí, aunque estuve alrededor, o rozando una esquizofrenia. Esto fue, entonces, la condición que precedió al encuentro con el Maestro (GARCÍA VEGA, 1993, p. 12)

Em um estado de fragmentação mental com uma relação deteriorante com a realidade, ele estava à beira de tomar um caminho severamente distinto quando encontrou o Maestro, José Lezama Lima, em 1945. De repente, ele tornou-se o mais jovem membro do grupo literário Orígenes, passando por uma aprendizagem de dois anos, o famoso curso délfico, durante o qual lia e discutia as obras das estantes do Maestro, e ganhava acesso às páginas de sua revista e ao mundo literário.

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Durante esse tempo, ele também compôs os poemas de seu primeiro livro, Suite para la espera. Sobre essa obra, García Vega escreveu: “Con textos cubistas, con inventarios surrealistas cercanos a Benjamín Peret [sic], entré en la expresión” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 353). Com efeito, muitos dos poemas parecem incluir exercícios de automatismo, uma prática a qual García Vega também deu reconhecimento, através do qual ele localizava e apreendia imagens e nomes incluindo aqueles descobertos durante os dois anos de intensa conversão (Verlaine, Vallejo, El Cid, Whitman, Lautréamont, Apollinaire, e outros também foram incorporados em sua escrita); mas essas imagens eram então colocadas com intenção espacial sobre a página. Os poemas rigorosamente organizados irrompem de objetos em que nenhum deles é aparentemente subsidiário dos outros, endossando a ausência de um centro metafórico claro, algo tão característico do Cubismo literário de Reverdy. Embora nunca à maneira de um caligrama, o espaço branco detém as formas-palavras em tal posição para que forneça cada poema com a sua própria concretude particular, às vezes mais espacialmente semelhante ao “Le pont Mirabeau” de Apollinaire, escrito em 1913, no qual versos serpenteiam da direita para a esquerda à medida que rolam para baixo, ou à maior dispersão de “Lumière”, publicado por Reverdy no número de janeiro de 1918 de Nord-Sud. Tal exemplo pode ser encontrado no poema “En playa


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recortada” (GARCÍA VEGA, 1948, p. 58), o qual termina com o muito referenciado verso “Apollinaire al agua,” uma alusão talvez ao supramencionado poema do cubista francês sugerindo, porém, que o próprio poeta deveria ser atirado em sua própria construção. “En playa recortada” El dios indio porta el tirabuzón en las fiestas del arroz Arrojan las salinas portuarias al octaedro para doscientos guerreros en llamas columpios zigzagueantes Así a barlovento los barcos de papel en el busto de Bach Como un cancerbero misántropo asoma en la palabra ciclón Apollinaire al agua (GARCÍA VEGA, 1948, p. 58)

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Livre de rima, mais ainda altamente sonoro, a supressão da pontuação, o recuos simples e duplos de versos de uma palavra tornam o poema reminiscente de uma preocupação das primeiras vanguardas com a estrutura. Significativamente, está dominado por um campo lexical de formas em movimento, incluindo o ciclone e o saca-rolhas em espiral, o octaedro recebedor e os balanços ziguezagueantes. Também presente está um busto de Bach, uma tradução sinestésica da música, do contraponto barroco e da vida de um indivíduo, em escultura. O leitor explora uma estranha cena sem contexto, através de um tom impessoal que rejeita a sugestão da presença do poeta como testemunha, liberando-o, assim, de uma realidade a priori. Exatamente como no Cubismo, a pessoa e suas anedotas devem ser excluídas, e é apenas com as posteriores afirmações de García Vega e com nossa retrospectiva crítica que podemos personalizá-las, considerando-as como um objeto que vem de um anterior corredor poético desde dentro de seu labirinto. Lezama Lima escreveu sobre a primeira produção de seu discípulo: “Se percibe un alejamiento de la fluencia surrealista, y una búsqueda de planos cubistas: la estructura y la lejanía de cada palabra hierven su poliedro” (LEZAMA LIMA, 1948, p. 43). Está claro que a anacronicidade peculiar da vanguarda de García Vega, favorecendo o cubismo em detrimento do mais recente surrealismo, foi em parte um ato de liberdade ao não professar nenhuma aliança a qualquer


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manifesto. Para esse filho do cubismo, a sua herança não era um direito de nascimento passivo – isso certamente não era a estética de Lezama Lima – mas antes uma eleição deliberada cujo intento era encontrar uma expressão em concordância com a sua necessidade psíquica na direção de uma ordem potencialmente curativa. Agora, através da literatura, ele poderia criar um objeto de arte independente que, como T.S. Eliot descreveu, poderia servi-lo não como “a expressão da personalidade, mas uma fuga da personalidade” (ELIOT, 1950, p. 10), tanto no sentido de uma entrada num tipo da tradição cultural (finalmente penetrando na vida que lhe oprimia antes de conhecer Lezama) quanto uma maneira de autoexame psicanalítico, ou autoextração e tratamento. Expandindo o Concreto

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Em Suite de García Vega, apesar da estabilidade daqueles planos que se sobrepõe, um nível de sensações evitou a sua estruturação. Esse nível correspondeu à sua obsessão com outra obra significante dentro de sua aprendizagem: Em Busca do Tempo Perdido, de Proust. Em certa altura do caminho, ele estava seguro de que tinha “mezclado un poema cubista de Pierre Reverdy con el sabor de un quimbombó hecho por Mamá” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 337). Independentemente do que ele tenha conseguido ordenar através dos poemas de Suite, a sua realidade agora incluía a memória de suas experiência compondo o livro, de ser um jovem cheio de medo no começo de seus vinte anos, fechado dentro da casa de sua mãe onde “tampoco podía dar un paso en el mundo exterior” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 353), e lendo obsessivamente entre cheiros e sabores de sua comida. Dentro do objeto de cada palavra, colocadas ao lado e em cima uma da outra, onde estavam as sensações de cheiro, sabor e memória? Parecia necessitar que os fragmentos fossem maiores, para que pudessem capturar mais, e então ele se afastou do verso em direção à prosa. É importante notar que o jovem poeta, que tinha deixado a Escola Jesuíta Belén aos 14 anos, após declarar que não acreditava em Deus, era parte do grupo primordialmente católico Orígenes. Ainda que o seu amor e gratidão a Lezama fosse evidente, ele não tinha sentimentos de pertencimento. E, esteticamente, a sua atração ao cubismo estava em discordância com a missão cultural convicta do grupo. Lembramos aqui que o abandono de Reverdy da poesia cubista coincidiu com a sua


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conversão ao catolicismo. A personalidade avassaladora de Lezama resultou num grupo cerimonial com o grande poeta como centro. “En la década del cincuenta yo estaba inserto en la órbita del grupo Orígenes; todas mis reacciones estaban dentro de esa órbita”, declarou em 2002 numa entrevista a Carlos A. Aguilera (AGUILERA, 2002, p. 60). A liberdade inicial que ele recebeu através de Orígenes e o modo de expressão que ele tinha aprendido, através dos quais a sua sensação de vazio tornou-se uma oportunidade temporária para a ação, foram sufocadas pelo peso e solenidade da visão transcendente do grupo, e, apesar de ter publicado vários livros, García Vega não conseguiu encontrar uma coexistência mais satisfatória com o mundo. E as coisas não melhoraram para ele depois da Revolução.

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Em 1968, dando-se conta de que não poderia chegar a lugar nenhum na Cuba de Castro, Lorenzo García Vega se mudou para Madrid. Numa entrevista, ele contou sobre uma troca de palavras que teve com Lezama antes de sua partida, na qual se questionava por nunca haver viajado para fora do país. Lezama respondeu: “Pero tuviste como maestro a la principal figura de la literatura cubana. Ni te quejes de eso no te hacía falta haber ido a ninguna parte. La principal figura de la literatura española e hispanoamericana soy yo, y yo fui tu maestro. Así que tuviste completa la cosa” (AGUILERA, 2002, p. 59). Há a insinuação de uma totalidade através de Lezama Lima e Havana em seu centro, mas García Vega ainda estava doente e distanciou-se da órbita de ambos – embora ele mais tarde tenha confessado que não estava “apto para salir de Cuba” (ESPINOSA, 2001, p. 22) – marcando o começo de sua errância geográfica a procura de um lugar que lhe fosse adequado, um lugar, porém, que jamais encontraria. As Colagens Oníricas de Vilis (1998) Após o trauma de sua primeira mudança para Havana aos 10 anos, agora, aos 42, ele entra novamente na confusão de uma cidade desconhecida e, uma vez mais, dois anos depois, em Nova York, onde ele se viu ainda mais isolado, linguisticamente. Sem condições de bancar um tratamento psicanalítico, consultou-se com o scotch. Desde o tempo em que deixou Cuba até o final dos seus sete anos passados em Nova York, ele publicou apenas um trabalho, Ritmos acribillados, e esse foi escrito quando ainda estava em Cuba. Em agosto de 1976, Lezama


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morre e García Vega perde a força da órbita do Maestro. Junto com uma mudança a Caracas, onde publicou o seu diário poético Rostros del Reverso em 1977, e o polêmico ensaio Los años de Orígenes de 1979, no qual amargamente escrutiniza a sua experiência do cada vez mais mitificado e re-apropriado grupo Orígenes, ele entra numa segunda era de liberdade em sua carreira literária.

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No meio disso, a desestabilização dos elementos definidores de sua vida continuou; a sua busca pelo reverso das coisas, da ideia desmascaradora, o cubismo de García Vega, cinquenta anos após Suite e os seus poemas analiticamente construídos de imagens-substantivos carregados com a sua profundidade de conteúdo, moveu-se para construções sintéticas em seus trabalhos Collages de un notario (1993) e Vilis (1998). Em ambos, encontramos uma redefinição evidente do que significava ser cubista para ele. O título do primeiro trabalho evoca a colagem, mas ela está sendo usada por um notário (um apelido que adotava para si mesmo em lugar de escritor), em outras palavras, uma colagem de alguém que dá o seu testemunho de certos eventos presenciados, uma colagem de anedotas, uma colagem como um objeto de arte reunido com a realidade do artista. Seu segundo trabalho, Vilis, é também uma colagem, mas de sonhos que anotou em seu caderno de cabeceira e então os situou na localização fictícia do título do livro. Esses fragmentos do texto são, de acordo com García Vega, “casi todo material en estado puro. Un material al que le di una forma: una estructura: una ciudad imposible donde hay determinados barrios. Lo mismo se pasa de un barrio de Madrid que a otro barrio de otra ciudad, o a otro” (AGUILERA, 2002, p. 52). A construção multicêntrica dos seus versos, alinhada com as suas primeiras leituras do cubismo literário, está ainda evidente aqui, mas agora cada objeto alcança uma escala de maior exposição pessoal estritamente conectada com as próprias experiências de García Vega, como ele as sonhou. María Zambrano, que em 1948 tinha chamado a atenção para a alegria distintiva que detectou em Suite para la espera de García Vega, propõe, em seu trabalho El sueño creador (1965), uma abordagem do sonho como forma completa, e não como coleção de conteúdo para ser interpretado. Ante la totalidad, en el sueño simbólicamente, en la vigilia en virtud de ciertos “suspensos” que en el vivir intervienen, el ser


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humano se siente y aun se ve como ante una montaña inaccesible o como ante un desierto sin límites, o ante una extensión inerte. Imágenes que revelan al sujeto una situación liminar en que el vivir se ha escindido, y queda, de un lado, el sujeto a solas, y de otro, la totalidad de la vida como algo a recorrer o a escalar imposiblemente. (ZAMBRANO, 1965, p. 76)

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Aqui temos um impressionante resumo da luta psicológica de García Vega. As “suspensões” em vida eram os momentos de crise neurótica quando ele se sentia do lado de fora da realidade, um espectador incapaz de adentrá-la. Ao possuir os seus sonhos (outro todo instransponível em que se é espectador) e os montando dentro de sua própria criação, ele parece usurpar a inacessibilidade tanto no sonho quanto na vigília com a atividade da expressão literária. Tomados como uma fusão indistinguível da vida consciente e inconsciente, independentes por si só, quando organizados nas páginas de Vilis, esses sonhos apresentam uma realidade intermediária que tanto tem falta de contexto para o seu conteúdo bizarro e sem sentido, quanto não é nada menos do que um contexto à medida que eles são identificados como os sonhos do autor. Ele preserva a colagem dos cubistas, mas também encontra inspiração na forma literária japonesa do zuihitsu, textos aleatórios coletados como se fossem uma forma de diário. Ele inseriu, entre as transcrições dos sonhos, pequenos textos classificados como o diário de um construtor de pequenas caixas. Isso também sugere a posição intermediária entre o concreto e o sujeito, isto é, entre as duas necessidades: entender-se a si mesmo e estruturar esse entendimento. Sigo trabajando con los olores. Sigo tratando de convertirlos en materiales plásticos que sirvan, después, para meterlos dentro de las cajitas. Olores que se entrelazan . . . Tendré que tener mucho cuidado, pues la tarea es muy difícil. Tendré que pasar de un olor a otro, como se pasa por los escalones de un cuento. (GARCÍA VEGA, 1998, p. 12)

O seu desejo é colocar o insubstancial dentro do substancial. Para Zambrano, em nossos sonhos, somos prisioneiros incapazes de intervir num fluxo contínuo de tempo ocupado apesar de nós. Ao despertar, o tempo reflui e nos permite a possibilidade da atividade. Ao pegar o seus sonhos, aquelas pequenas prisões, e montá-los junto com excertos intercalados de diário descrevendo a luta para conseguir um objeto


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apropriado, García Vega parece sugerir, através da fragmentação, uma saída à insuperável totalidade existencial no próprio ato de escrever. A Estética da Travessia em El oficio de perder (2004)

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De volta a El oficio de perder, como livro de memórias que deve, portanto, dialogar com o tempo, lembramos que a proposta original de García Vega para essa obra era o sonho da construção de um espaço, de um labirinto. Para avaliar o seu uso desenvolvido aqui da estruturação cubista, pois ela viajou com García Vega desde Suite para la espera, gostaria de considerar esse trabalho como baseado numa estética da travessia, a soma de vários movimentos tornados paralelos por esse texto: o movimento cronológico através de uma vida, o movimento através da memória em espiral que tenta mover-se cronologicamente através da vida, o movimento de uma narração que busca uma negociação inteligível entre os dois, e o movimento do texto através e na cadência das páginas. Antes disso, porém, é revelador olhar brevemente, como ponto de comparação, o seu Espirales del cuje, de 1952, o qual também apresenta um texto de memórias de sua infância. Sí, era muy hermoso y conmovedor cuando mi madre hablaba de Casimbalta. Y los días que venía a vacunar el médico Vera y como [sic] ella y sus hermanas huían hasta el arco-iris allá por el potrerillo de Pancho Vueltaabajo. Sí, y habían [sic] los días de bailes y mi abuela estaba frenética y había llegado mamá Pina. Sí, y nadie quería ir en la grupa del más feo… Y era cosa de reírse, pero de reírse a no acabar – “tanto que tu abuela nos pellizcaba – cuando se veían los primeros faroles del guateque. Sí, era tanta la risa cuando salían los Suárez y le decían al abuelo: – Pero pasen, pero si es el compadre Pablo, pero pasen. (GARCÍA VEGA, 1951, p. 31)

Nessa passagem, os fragmentos textuais são facilmente detectados, separados pelos sins cimentadores. Mas eles não estão respondendo a nenhuma pergunta explicita posta antes ou depois no romance e tampouco estão limitados aos quatro dessa seção. A palavra “sim” usada para interromper e unificar as sentenças ocorre 219 vezes (me perdoe, Lorenzo, por contá-las). Assim, ainda que as peças dessa particular memória da infância poderiam ter sido deixadas a continuar sem interrupções, uma voz exterior se insere, separando os planos de


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narração e confirmando a sua própria lembrança. Tal autocerteza não é característica da expressão de García Vega após a morte de Lezama Lima, pós-Los años de Orígenes, e não supreendentemente, quando a revisitou, ele embaraçosamente a identificou como parte da forma transcendente de Orígenes que ele antes tinha rejeitado, ainda que, no entanto, tenha achado aceitável uma “cierta visión cubista del campo cubano” (AGUILERA, 2002, p. 54). Em Espirales, o tom de confiança do criador sobre a sua criação e uma fé no objeto construído de suas memórias subjazem a palavra escrita. Essas memórias avançam sem hesitação como se García Vega estivesse em posse de um conhecimento especial de uma estrutura através da qual ele estivesse manobrando, como se segurasse um mapa em suas mãos, ou como se ele mesmo a tivesse construído.

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Agora, olhando uma passagem de El oficio de perder, escrita mais de 50 anos depois, escutamos um tom governante inteiramente diferente. No sé cómo, cuando me sobreviene un tiempito de angustia como ahora me ha sobrevenido, no se me llega a disolver todo lo que he escrito. Pero, por suerte, no me sucede así. Había antes, cuando uno era niño, un papel sobre un cartón. Uno escribía en el papel. Después uno levantaba la página, y todo quedaba borrado, listo para volver a escribir sobre ella. Pues bien, ahora es como si escribiendo sobre el kaleidoscopio [sic], la angustia me hubiese levantado la página, pero sin que nada se haya borrado. Puedo seguir. Menos mal. La angustia me levanta la página, y todo permanece ahí. ¿Cómo? Será, me digo, que tengo un kaleidoscopio [sic], donde aunque los cristalitos se muevan, las protoimágines [sic] permanecen. ¿Será así? Pero ¿cómo se podrá leer todo esto que estoy escribiendo? Pues aunque, hablando de este kaleidoscopio [sic] trato de ser lo más descriptivo posible, sé que debe haber muchos puntos que quedan confusos. (GARCÍA VEGA, 2005, p. 122)

Como esse texto aparece em meio a fragmentos de suas memórias de uma sala de jantar em Jagüey Grande depois de assistir a um filme de Laurel e Hardy no Cinema Regina, e de uma citação de Pessoa, cujo conteúdo ele usa para continuar a escrever, isso poderia ser considerado o contraponto textual ao “sim” de Espirales. Como contraponto, porém, não é um “não”; não é uma negação das memórias


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ou da forma resultante, mas, alternativamente, é um momento de dúvida, é incerteza ao invés de certeza, em que criador questiona a inteligibilidade do objeto que ele está atribuindo à sua memória. Será que ele vagou longe demais no lugar onde a sua realidade de imagens superpostas desafia as possibilidades da palavra escrita? “Lo sé, sé toda la confusión en que estoy metido”, escreve ele, “pero no la puedo evitar. No puedo evitar unas memorias que quizás casi no sean memorias, no puedo evitar un Laberinto que casi no sé soñar del todo, pero a lo mejor esto tenga que ser así” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 116). E as suas hesitações solidificam, como um adesivo, o próprio movimento dentro da composição da obra.

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Quando duvida, transcrevendo as suas perguntas no texto – “mas posso realmente dizer o que estou dizendo?”, frequentemente assim se questiona – ele parece divagar, um parêntese como ele às vezes as chama, a fim de justamente olhar através de uma outra partícula daquele caleidoscópio, o qual recobre os vários caminhos paralelos que ele está tentando consolidar. Durante essas pausas, quando teme que fez alguma curva errada, que chegou a um beco sem saída, que não sabe como terminar, que não será capaz de terminar, ele parece não estar construindo um labirinto, mas parece estar perdido dentro dele. E perdido, ele se repete, e reconhece que está se repetindo, num ato de refazer os seus passos como o garoto de O Iluminado de Stanley Kubrick, caminhando cuidadosamente para trás sobre as suas pegadas no labirinto coberto de neve. Mas García Vega nunca tem certeza de onde exatamente está. Não sabe como encontrar a entrada ou a saída. Não possui o conhecimento essencial da estrutura para ser capaz de construí-la. Tudo o que pode fazer é seguir caminhando. “Pero si no hay fin entonces ese camino es exactamente un laberinto”, escreve Jorge Luis Arcos (2012, p. 298), mas isso é apenas metonimicamente correto. O labirinto não é o caminho; é o que molda o caminho. O que García Vega cria é, ao contrário, a forma tangível da experiência do espaço dentro da estrutura maior que está para além de sua compreensão. Se lembramos como seu ponto de partida o vazio que ele sofreu em sua juventude e a necessidade obsessiva de estabelecer a ordem dentro desse vazio, podemos ver como a confiança inicial de García Vega, como construtor cubista de objetos artísticos e realidades independentes para preencher aquele vácuo, fez uma jornada através


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de vários centros, incluindo a transcrição de sonhos como forma desbloqueadora, com o intuito de acomodar mais completamente a sua própria suspeita do objeto em si, criando, ao invés, o reverso do objeto, isto é, a sua marca sobre o objeto. A forma do vazio, a forma vazia, corresponde ao traço, em termos derridianos, sim, porém mais apropriadamente em termos paleontológicos do fóssil que é derivado do comportamento animal sobre um substrato, como escavar, rastejar, caminhar. A marca que cria a estrutura do vazio dentro do arenito ou do calcário indica que algo viajou através dele sem consciência da imensidão do mundo ao seu redor. Aqui, a autonomia do artefato está também salientada, uma vez que o fóssil não é o animal em si, mas apenas um registro físico de sua atividade no espaço. Conclusão

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Na página final de El oficio de perder, García Vega considerou até que ponto ele tinha conseguido realizar a sua proposta inicial: “Sólo he tomado conciencia de puntos, de soplos que deben estar relacionados, pero lo que todavía no he encontrado, ni creo que lo encontraré ya nunca, es el hilo que me pudiera conducir, con toda seguridad, de un punto a otro punto, o de un centro a otro centro, de mi Laberinto” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 558). “No tengo hilo y, por lo tanto, no conozco nada del Laberinto” (Ibidem, p. 559). Lorenzo García Vega, em sua necessidade de moldar o caos intangível que o oprimia fisicamente, descobriu a literatura e, através das ideias cubistas de estabilidade na imagem, tentou construir um espaço de sentido por meio da palavra poética. “Cubista siempre he sido”. Arcos, “Me he acostumbrado a ser un apátrida” (ARCOS, 2008, p. 559), disse em 2008, mas ao longo de sua vida ele empreendeu uma jornada através de seus próprios experimentos com o cubismo: em Suite para la espera como Dédalo, o arquiteto mestre, em Vilis, como Teseu explorando o Labirinto na possessão de um novelo para permitir que escapasse, e finalmente em El oficio de perder, como um prisioneiro deixado para o Minotauro, um escritor com uma profissão a perder. O derradeiro cubismo de García Vega abandona o objeto em si pela experiência do ato de estruturar em direção a um objeto que estaria em seu centro, caso alguma vez ele pudesse alcançá-lo. Ele também resiste à saída fácil; uma identificação de sua experiência com qualquer


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coletivo que pudesse ligá-lo de volta ao universal, que pudesse puxálo para fora do labirinto e acalmar as suas dúvidas desde uma verdade universal, permitindo-lhe adotar alguma daquelas capitais: Paris, Nova York, e Havana. Ao contrário, as suas últimas linhas são: “Así que irme quedando solo. Aprender a que estoy solo. Escribir sabiendo que estoy solo. Escribir solo. Y, sobre todo, saber que escribo solo” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 559).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUILERA, C. A. “Conversación con Lorenzo García Vega”. Revista Crítica, Puebla, n. 93, p. 46-61, 2002. ARCOS, Jorge Luis. Kaleidoscopio: La poética de Lorenzo García Vega. Madrid: Colibrí, 2012. ___. “Me he acostumbrado a ser un apátrida”. Cubaencuentro: Revista Encuentro de la cultura cubana, Madri, 6. jun. 2008. BLOOM, Harold. The Anxiety of Influence. New York: Oxford UP, 1973. ELIOT, T.S. “Tradition and the Individual Talent”. Selected Essays. New York: Harcourt, Brace and Company, 1950. p. 3-11.

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ESPINOSA, Carlos. “Lorenzo García Vega: Entrevisto”. Encuentro de la cultura cubana 21/22, p. 18-27, 2001. GARCÍA VEGA, Lorenzo. Espirales del cuje. La Habana: Orígenes, 1951. ___. El oficio de perder. Sevilla: Espuela de Plata, 2005. ___. “Maestro por penúltima vez”. Revista Encuentro, Madri, n. 53-54, p. 5-24, 1993. ___. Rostros del Reverso. Caracas: Monte Ávila, 1977. ___. Suite para la espera. La Habana: Orígenes, 1948. ___. Vilis. Angers, France: Deleatur, 1998. GRIS, Juan. Posibilidades de la pintura. Córdoba, Argentina: Assandri, 1957. LEZAMA LIMA, José. “Un libro de Lorenzo García Vega”. Orígenes, Havana, p. 43-46, primavera-1948. ZAMBRANO, María. El sueño creador. Madrid: Ediciones Turner, 1986.


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Lorenzo García Vega: Following the Cubist Walls of the Labyrinthian Self 476

Sean Manning The University of Texas at Austin Introduction On the opening page of El oficio de perder, published in 2004, a title that refers to the profession of losing that he considered to be his life as a writer, Lorenzo García Vega states that in order to create this book of memoirs encompassing his seventy-eight years, the task should be like resolving to “entrar por un gran número de puertas, o como soñar que estoy construyendo un Laberinto que tenga una buena cantidad de pasillos” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 27). The primary challenge he anticipated was to find a structure capable of retaining his swirling memories; an object comparable to the subject, but liberated from it so as to approach a meaning that had always escaped him otherwise. Though he was born in 1926, and in Jagüey Grande, Cuba, García Vega avowed to have been a child of Cubism, a way of organizing his


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surroundings that he said began when he saw José Manuel Acosta’s Fernand Léger-esque representation of the Australia sugar factory in his hometown. And he demonstrated as much through his lifelong attraction to the movement’s concept of a spatial arrangement towards an art of stability and independence.

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His family took him from the shelter of his Jagüey Grande to La Habana when he was ten, and with this he received his first shock from the overpowering outside world. Inside the capital he was forced to confront the isolating incomprehension of his new environment. He recalled how “no sólo sentía hasta el ahogo el polvo negro de la ciudad […] sino que también me parecía como que todo se me escapara” (2005, p. 149). Amidst the turmoil of the Machado and Batista dictatorships, the disillusionment of revolutionaries turned opportunists, the authoritative priests of his Jesuit school demanding his unhesitating faith, and his delicate psychic sensibility that led to his mental suffering and a diagnosis of an obsessive-compulsive disorder, García Vega descended into his impressions of a chaotic mass of unintelligible reality. “Lo peor de una neurosis, es la sensación espantosa de vacuidad, de vivir como alrededor de la verdadera vida, y sin poder penetrar nunca en ella. Esta ha sido, sin duda, la peor constante de mi enfermedad, el sentimiento que nunca dejé de experimentar durante toda mi juventud” (GARCÍA VEGA, 1997, p. 63). With his illness emerged a dire imaginative need, using Harold Bloom’s words, that set him about finding a path through the darkness, to create meaning from the emptiness that framed his early years. And it was through an undertaking not unlike that of the cubist painters, that he looked for the possibility of concreteness in words. According to Juan Gris, it was “precisamente por reacción contra los elementos fugitivos empleados por los impresionistas en su representación, [que] se tuvo el anhelo de buscar, en los objeto [sic] a representar, elementos menos inestables” (GRIS, 1957, p. 90). For García Vega, the word, as he had inherited it, had become untrustworthy in its malleability, and consequently he aspired to its unmasking, to an alchemical residue holding an honesty of image that he could understand. In this paper, I want to address the theme of capitals and of the avant-garde in Latin America by examining the individual journey of Lorenzo García Vega. Jorge Luis Arcos writes that “hay una identidad


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esencial entre la forma que adopta su obra y su sentido” (ARCOS, 2012, p. 298), and as García Vega searches for that meaning, the form follows. Or more precisely, the extent to which he felt he could or could not attain a form, a meaning became possible. Ultimately examining the idea of his proposed memoir-labyrinth, I will first approach two earlier moments in his literary trajectory focusing on each work as a particular attempt at an organizing structure. I will look at how each work by this self-proclaimed “anachronistic avant-gardist” was created by his shifting implementation of the cubist vision he carried along with him: from the plastic qualities of the verses in his first book Suite para la espera, published in 1948, to the collage of oneiric texts in Vilis, published much later in 1998, and finally returning to El oficio de perder, where, despite his initial proposal, he would conclude that he was incapable of harnessing the structure of the labyrinth, instead producing a text that was its opposite, the trace that his life had left within it. Additionally, parallel to his move through these literary trials were his various geographical relocations to multi-functional centers as he searched for a place to live peacefully. From La Habana, to Madrid, New York, Caracas, and finally settling in, and for, Miami, he accumulated unsatisfactory stays and became more sensitive to a perception of their illusoriness as such, that is, as centers that were not. Consequently, when he sat down to attempt a narration of his life, the outcome, were it to be faithful, could only be a textual traverse of a labyrinth whose center was unreachable, the eccentric labyrinth of his own self. The Cubism of Suite para la espera (1948) In 1993, Lorenzo García Vega recalled the urgency of his preliterary years prior to meeting Lezama Lima: Estaba yo metido dentro del gran revolico de los fines de la adolescencia, pero no solo era eso, sino que estaba fuertemente agarrado por un tremendo desajuste psíquico para el cual el primer analista que consulté me recomendó unas sesiones de electro shock, sesiones que no dí, aunque estuve alrededor, o rozando una esquizofrenia. Esto fue, entonces, la condición que precedió al encuentro con el Maestro. (GARCÍA VEGA, 1993, p. 12)


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In a state of mental fragmentation with a deteriorating relationship with reality, he was on the brink of taking a severely other path when he met the Maestro, José Lezama Lima, in 1945. Suddenly, he became the youngest member of the Orígenes literary group, undertaking a two-year apprenticeship, the famous curso délfico, during which he read and discussed the works of the Maestro’s bookshelves, and gained access to the pages of their magazine and to the literary world.

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During this time he also composed the poems of his first book, Suite para la espera. Of this work García Vega wrote, “Con textos cubistas, con inventarios surrealistas cercanos a Benjamín Peret [sic], entré en la expresión” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 353). In effect, many of the poems appear to include exercises in automatism, a practice that García Vega also acknowledged, through which he located and grasped images and names including those discovered during those two years of intense conversation (Verlaine, Vallejo, El Cid, Whitman, Lautréamont, Apollinaire, and others found their way into his writing); but these images were then placed with spatial intention upon the page. The rigorously organized poems burst with objects where none were seemingly subsidiary to the others, endorsing that absence of a clear metaphorical center so characteristic of Reverdy’s literary Cubism. Though never in the way of the calligram, the white space holds the word-forms in such a position as to furnish each poem with its own particular concreteness, at times more spatially akin to Apollinaire’s 1913 “Le pont Mirabeau” where verses meander left and right as they tumble downwards, or to the greater dispersion of Reverdy’s “Lumière” from the January 1918 issue of Nord-Sud. One such example is “En playa recortada” (GARCÍA VEGA, 1948, p. 58), which ends with the much referred-to verse “Apollinaire al agua,” an allusion perhaps to the aforementioned poem by the French Cubist suggesting, however, that the poet himself should be tossed into his own construction. En playa recortada El dios indio porta el tirabuzón en las fiestas del arroz Arrojan las salinas portuarias al octaedro para doscientos guerreros en llamas columpios zigzagueantes Así a barlovento los barcos de papel en el busto de Bach Como un cancerbero misántropo asoma en la palabra


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ciclón

Apollinaire al agua

(GARCÍA VEGA, 1948, p. 58)

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Free of rhyme, but still highly sonorous, the suppression of punctuation, and the single and double-indentations of one-word verses make the poem reminiscent of an early avant-garde preoccupation with structure. Significantly, it is dominated by a lexical field of shapes in motion, including the spiraling corkscrew and cyclone, the receiving octahedron, and the zigzagging swings. Also present is a bust of Bach, a synesthetic translation of music, of Baroque counterpoint, and an individual’s life, into sculpture. The reader explores a strange scene without context, through an impersonal tone that rejects the suggestion of the poet’s presence as witness, thus liberating it from an a priori reality. Just as with Cubism, the person and their anecdotes were to be excluded, and it is only with García Vega’s later assertions and our critical hindsight that we can personalize it, considering it an object from an early poetic passageway inside his labyrinth. Lezama Lima wrote of his disciple’s first production, “Se percibe un alejamiento de la fluencia surrealista, y una búsqueda de planos cubistas: la estructura y la lejanía de cada palabra hierven su poliedro” (LEZAMA LIMA, 1948, p. 43). It is clear that the peculiar anachronicity of García Vega’s avant-garde, favoring Cubism over the more recent Surrealism, was in part an act of freedom professing no allegiance to any manifesto. For this child of Cubism, his inheritance was not a passive birthright this was certainly not the aesthetic of Lezama Lima but rather a deliberate election whose intent was to find an expression in agreement with his psychic need towards a potentially healing order. Now, through literature, he could create an independent art object, that, as T.S. Eliot described, could serve him not as “the expression of personality, but an escape from personality” (ELIOT, 1950, p. 10), both in the sense of an entry into a strain of cultural tradition (finally penetrating the life that overwhelmed him before meeting Lezama), and as a manner of a psychoanalytical selfexamination, or self-extraction, and treatment.


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Expanding the Concrete

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Despite the stability of those superimposing planes in García Vega’s Suite, a level of sensations escaped his structuring. This level corresponded to his obsession with another significant work from his apprenticeship: Proust’s In Search of Lost Time. Somewhere along the way, he was certain that he had “mezclado un poema cubista de Pierre Reverdy con el sabor de un quimbombó hecho por Mamá” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 337). Whatever he had succeeded in ordering through the poems of Suite, his reality now included the memory of his experience composing it, of being a fearful young man in his early twenties shut up inside his mother’s house, where he “tampoco podía dar un paso en el mundo exterior” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 353), reading obsessively amongst the smells and tastes of her food. Within the object of each word, laid next to and on top of another inside the poem, where were the sensations of smell, taste, and memory? It would seem that he needed the fragments to be larger, so that they could capture more, and he moved away from verse, towards prose. It is important to note that the young poet who had left the Belén Jesuit School at 14 after declaring that he did not believe in God, was part of the primarily Catholic Orígenes group. While his love and gratitude for Lezama was clear, he did not feel he belonged. And esthetically, his attraction to Cubism, was in discord with the staunch cultural mission of the group. We recall that Reverdy’s abandonment of cubist poetry coincided with his conversion to Catholicism. The overwhelming personality of Lezama resulted in a ceremonial group with the great poet at the center. “En la década del cincuenta yo estaba inserto en la órbita del grupo Orígenes; todas mis reacciones estaban dentro de esa órbita,” he stated in an interview with Carlos A. Aguilera in 2002 (AGUILERA, 2002, p. 60). The initial freedom he was provided through Orígenes and the expression he had learned, whereby his sensation of emptiness became a temporal opportunity for action, was stifled by the weight and solemnity of the group’s transcendent vision, and despite having published several books, he had not managed to find a more satisfying coexistence with the world. And it was not better for him after the Revolution. In 1968, realizing he could go nowhere in Castro’s Cuba, Lorenzo García Vega left for Madrid. In an interview he recounted an ex-


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change he had with Lezama prior to that in which he doubted himself for not ever having travelled out of the country. Lezama responded, “pero tuviste como maestro a la principal figura de la literatura cubana. Ni te quejes de eso no te hacía falta haber ido a ninguna parte. La principal figura de la literatura española e hispanoamericana soy yo, y yo fui tu maestro. Así que tuviste completa la cosa” (AGUILERA, 2002, p. 59). There is the insinuation of a totality through Lezama Lima and La Habana at its center, but García Vega was still ill and distanced himself from the orbit of both–though he later confessed that he was not “apto para salir de Cuba” (ESPINOSA, 2001, p. 22)–marking the start of his geographical errantry towards a place suited for him, a place, however, that he would not find.

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The Oneiric Collages of Vilis (1998) After the trauma of his first move to La Habana at 10, now, at 42, he entered anew into the confusion of an unknown city, and again two years later into New York, where he was further isolated, linguistically. Unable to afford a psychoanalyst, he consulted scotch instead. From the time he left Cuba until the end of his seven years in New York, he published only one work, Ritmos acribillados, and this he had written when he was still in Cuba. In August 1976, Lezama died and García Vega lost the pull of his Maestro’s orbit. Coupled with a move to Caracas where he published his poetic diary Rostros del Reverso in 1977, and the polemical essay Los años de Orígenes in 1979 in which he bitterly scrutinized his experience of the increasingly mythicized and re-appropriated Orígenes group, he entered into a second era of freedom in his literary career. Amidst this continued destabilization of the defining elements of his life; his pursuit of the reverse of things, of the un-masquerading idea, García Vega’s Cubism, fifty years after his Suite’s analytically constructed poems of noun-images charged with their own depth of content, moved towards the synthetic constructions in his works Collages de un notario (1993) and Vilis (1998). In both we find an evident redefining of what it meant to him to be Cubist. The title of the first work evokes the collage, but it is being used by the notary (a moniker he would adopt for himself in place of writer), in other words, a collage of one who gives their testimony of certain witnessed


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events, a collage of anecdotes, a collage as an art object reunited with the reality of the artist. His second work, Vilis, is also a collage, but of dreams he recorded in his bedside notebook and then situated in the fictitious location of the book’s title. These fragments of text are, according to García Vega, “casi todo material en estado puro. Un material al que le di una forma: una estructura: una ciudad imposible donde hay determinados barrios. Lo mismo se pasa de un barrio de Madrid que a otro barrio de otra ciudad, o a otro” (AGUILERA, 2002, p. 52). The multi-centered construction of his first verses, aligned with his first readings of literary Cubism, is still evident here, but now each object reaches a scale of greater personal exposition strictly linked to his own experiences as he dreamed them.

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María Zambrano, who had remarked in 1948 on the distinctive happiness she detected in García Vega’s Suite para la espera, proposes in her work El sueño creador (1965) an approach to the dream as a whole form, not as a collection of content to be interpreted. Ante la totalidad, en el sueño simbólicamente, en la vigilia en virtud de ciertos “suspensos” que en el vivir intervienen, el ser humano se siente y aun se ve como ante una montaña inaccesible o como ante un desierto sin límites, o ante una extensión inerte. Imágenes que revelan al sujeto una situación liminar en que el vivir se ha escindido, y queda, de un lado, el sujeto a solas, y de otro, la totalidad de la vida como algo a recorrer o a escalar imposiblemente. (ZAMBRANO, 1965, p. 76)

Here we have a striking summary of García Vega’s psychological struggle. The “suspensions” in living were the moments of neurotic crisis when he felt to the side of reality, a spectator unable to enter into it. By taking possession of his dreams (another insurmountable whole where one is a spectator) and assembling them into his own creation he seems to usurp inaccessibility both in the dream and in waking with the activity of literary expression. Taken as an indistinguishable melding of conscious and unconscious life, independent in its own right, when organized on the pages of Vilis they present an intermediate reality that both lacks context for their bizarre, nonsensical content, and is nothing but context as they have been identified as the dreams of the author. He preserves the collage of the Cubists, but he also found inspiration in the Japanese literary form of zuihitsu, random texts collected


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as if in diary form. He inserted among the transcriptions of dreams small texts labeled the diary of a builder of small boxes. This too suggests the intermediate position between the concrete and the subject, that is, between his two needs: understanding himself and structuring that understanding. Sigo trabajando con los olores. Sigo tratando de convertirlos en materiales plásticos que sirvan, después, para meterlos dentro de las cajitas. Olores que se entrelazan. […] Tendré que tener mucho cuidado, pues la tarea es muy difícil. Tendré que pasar de un olor a otro, como se pasa por los escalones de un cuento. (GARCÍA VEGA, 1951, p. 12)

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His desire is to place the insubstantial into the substantial. For Zambrano in our dreams we are prisoners unable to intervene inside a continuous flow of time occupied despite us. Upon waking, time ebbs allowing us the possibility of activity. By taking his dreams, those small prisons, and assembling them together with intercalary diary excerpts describing the struggle to achieve the appropriate object, he seems to suggest through fragmentation an escape from that insurmountable existential whole through the act of writing. The Aesthetic of the Traverse in El oficio de perder (2004) Reaching again El oficio de perder, as a book of memoirs that must therefore dialogue with time, we remember García Vega’s original proposal for it as the dreaming of the construction of a space, of a labyrinth. To evaluate his developed use here of Cubism’s structuration as it had travelled with him from Suite para la espera, I would like to consider this work based on an aesthetic of the traverse, the sum of several movements rendered parallel by this text: The chronological movement through a life, the movement through the spiraling memory attempting to move chronologically through a life, the movement of a narration searching for an intelligible negotiation between the two, and the movement of the text through and down the pages. Before this, however, it is revealing to look briefly, as point of comparison, at his 1952, Espirales del cuje, which also presents an early memoir text of his childhood. Sí, era muy hermoso y conmovedor cuando mi madre hablaba de Casimbalta. Y los días que venía a vacunar el médico Vera y


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como [sic] ella y sus hermanas huían hasta el arco-iris allá por el potrerillo de Pancho Vueltaabajo. Sí, y habían [sic] los días de bailes y mi abuela estaba frenética y había llegado mamá Pina. Sí, y nadie quería ir en la grupa del más feo… Y era cosa de reírse, pero de reírse a no acabar-“tanto que tu abuela nos pellizcaba-cuando se veían los primeros faroles del guateque. Sí, era tanta la risa cuando salían los Suárez y le decían al abuelo: -Pero pasen, pero si es el compadre Pablo, pero pasen. (GARCÍA VEGA, 1951, p. 31)

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In this passage the textual fragments are easily detected, separated by the cementing sí. But these yeses are not responding to any explicit question posed earlier or later in the novel, and they are not limited to the four in this section. The word “yes” used to interrupt and unify sentences occurs 219 times (forgive me, Lorenzo, for counting). So while the pieces of this particular childhood memory could have been allowed to continue forward unbroken, an exterior voice interjects, separating planes of narration and confirming its own recollection. Such self-assuredness is uncharacteristic of García Vega’s expression post-Los años de Orígenes, and not surprisingly, when he revisited it he cringingly identified it as part of the Orígenes transcendent form that he had later rejected, though he nevertheless found acceptable a “cierta visión cubista del campo cubano” (AGUILERA, 2002, p. 54). In Espirales, the tone of the creator’s confidence in his creation and a faith in the object constructed of the memory underlies the written word. These memoirs advance without hesitation as if he were in possession of a special knowledge of the structure through which he was maneuvering, as if he held the map in his hands, or as if he himself had built it. Now, looking at a passage from El oficio de perder, written over 50 years later, we hear an entirely different governing tone. No sé cómo, cuando me sobreviene un tiempito de angustia como ahora me ha sobrevenido, no se me llega a disolver todo lo que he escrito. Pero, por suerte, no me sucede así. Había antes, cuando uno era niño, un papel sobre un cartón. Uno escribía en el papel. Después uno levantaba la página, y todo quedaba borrado, listo para volver a escribir sobre ella. Pues bien, ahora es como si escribiendo sobre el kaleidoscopio [sic], la angustia me hubiese levantado la página, pero sin que nada se haya borrado. Puedo seguir. Menos mal. La angustia me levanta la página, y todo permanece ahí. ¿Cómo? Será, me digo, que tengo un kaleidoscopio [sic], donde aunque los cristalitos se muevan, las protoimágines [sic] permanecen. ¿Será así?


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Pero ¿cómo se podrá leer todo esto que estoy escribiendo? Pues aunque, hablando de este kaleidoscopio [sic] trato de ser lo más descriptivo posible, sé que debe haber muchos puntos que quedan confusos. (GARCÍA VEGA, 2002, p. 122)

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As this text appears amid fragments of his memories of a dining room in Jagüey Grande after watching a Laurel and Hardy film at the Cinema Regina, and of a quotation from Pessoa whose content he makes use of to continue writing, it could be considered the textual counterpoint to the “yes” in Espirales. As a counterpoint, however, it is not a “no”; it is not a negation of the memories or of the resulting form, but instead it is a moment of doubt, it is uncertainty instead of certainty, where the creator questions the intelligibility of the object that he is assigning to his memory. Has he wandered too far in the place where his reality of superimposed images defies the possibilities of the written word? “Lo sé, sé toda la confusión en que estoy metido,” he writes, “pero no la puedo evitar. No puedo evitar unas memorias que quizás casi no sean memorias, no puedo evitar un Laberinto que casi no sé soñar del todo, pero a lo mejor esto tenga que ser así” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 116). And his hesitations solidify, as an adhesive, the very movement within the composing of the work. When he doubts, transcribing his questions into the text–“but can I really say what I’m saying?” he often asks–he seems to digress, a parenthesis as he sometimes calls them, only to look through another particle of that kaleidoscope overlying the several parallel paths he is attempting to consolidate. During these pauses when he fears that he has made a wrong turn, that he has reached a dead end, that he does not know how to finish, that he will not be able to finish, he seems not to be constructing a labyrinth, but to be lost inside of it. And lost, he repeats himself, and he acknowledges that he is repeating himself, an act of retracing his steps like the boy in Stanley Kubrick’s The Shining walking carefully backwards over his footprints in the snow-covered maze. But García Vega is never certain as to exactly where he is. He doesn’t know how to find the entry or the exit. He does not possess the essential knowledge of the structure in order to be able to construct it. All he can do is continue walking. “Pero si no hay fin entonces ese camino es exactamente un laberinto,” writes Jorge Luis Arcos (2012, p. 298). Yes, but this is only metonymically correct. The labyrinth is not the path; it is what shapes the path. What García Vega creates instead


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is the tangible form of the experience of the space inside the larger structure that is beyond his comprehension.

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If we recall as a starting point the emptiness he suffered in his youth and the obsessive need to establish order within it, we can see how García Vega’s initial confidence as a Cubist constructor of artistic objects and independent realities to fill that void, has travelled through various centers including the transcription of dreams as an unlocking form, to accommodate more fully his own suspicion of the object itself, creating instead its reverse, his imprint upon the object. The shape of emptiness, the empty shape, corresponds to the trace, in Derridean terms, yes, but more appropriately in paleontological terms of the fossil of an animal’s behavior upon a substrate, as with burrowing, crawling, or walking. The imprint that creates a structure of vacancy inside a sandstone or a limestone indicating that something journeyed through it unaware of the massiveness of the world about it. Here the autonomy of the artifact is also underlined since the fossil is not the animal itself, only a physical record of its activity in space. Conclusion On the closing page of El oficio de perder, García Vega considered to what extent he had accomplished his initial proposal: “Sólo he tomado conciencia de puntos, de soplos que deben estar relacionados, pero lo que todavía no he encontrado, ni creo que lo encontraré ya nunca, es el hilo que me pudiera conducir, con toda seguridad, de un punto a otro punto, o de un centro a otro centro, de mi Laberinto” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 558). “No tengo hilo,” he continues later, “y, por lo tanto, no conozco nada del Laberinto” (Ibidem, p. 559). Lorenzo García Vega, in his need to shape the intangible chaos that overwhelmed him psychically, discovered literature and through the Cubist ideas of stability in the image attempted to construct a space of meaning by way of the poetic word. “Cubista siempre he sido,” Arcos, “Me he acostumbrado a ser un apátrida” (ARCOS, 2008, p. 559), he said in 2008, but throughout his life he journeyed through his own experiments with Cubism: in Suite para la espera as Daedalus, the master architect, in Vilis, as Theseus exploring the Labyrinth in possession of a thread to allow for his escape, and finally in El oficio de perder, as a prisoner left to the Minotaur, a writer with a profession


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for losing. García Vega’s ultimate Cubism abandons the object itself for the experience of the act of structuring towards an object that would be his center, if he could ever reach it. He also resists the easy escape; an identification of his experience with any collective that could link him back to the universal, that could pull him out of the labyrinth and ease his doubts inside a universal truth allowing him to embrace of one of those capitals in Paris, in New York, or La Habana. Instead, his last lines read: “Así que irme quedando solo. Aprender a que estoy solo. Escribir sabiendo que estoy solo. Escribir solo. Y, sobre todo, saber que escribo solo” (GARCÍA VEGA, 2005, p. 559).

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WORKS CITED AGUILERA, C. A. “Conversación con Lorenzo García Vega.” Revista Crítica, Puebla, n. 93, p. 46-61, 2002. ARCOS, Jorge Luis. Kaleidoscopio: La poética de Lorenzo García Vega. Madrid: Colibrí, 2012. ___. “Me he acostumbrado a ser un apátrida.” Cubaencuentro: Revista Encuentro de la cultura cubana, Madri, 6. jun. 2008. BLOOM, Harold. The Anxiety of Influence. New York: Oxford UP, 1973.

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ELIOT, T.S. “Tradition and the Individual Talent.” Selected Essays. New York: Harcourt, Brace and Company, 1950. p. 3-11. ESPINOSA, Carlos. “Lorenzo García Vega: Entrevisto.” Encuentro de la cultura cubana 21/22, p. 18-27, 2001. GARCÍA VEGA, Lorenzo. Espirales del cuje. La Habana: Orígenes, 1951. ___. El oficio de perder. Sevilla: Espuela de Plata, 2005. ___. “Maestro por penúltima vez.” Revista Encuentro, Madri, n. 53-54, p. 5-24, 1993. ___. Rostros del Reverso. Caracas: Monte Ávila, 1977. ___. Suite para la espera. La Habana: Orígenes, 1948. ___. Vilis. Angers, France: Deleatur, 1998. GRIS, Juan. Posibilidades de la pintura. Córdoba, Argentina: Assandri, 1957. LEZAMA LIMA, José. “Un libro de Lorenzo García Vega.” Orígenes, Havana, p. 43-46, primavera-1948. ZAMBRANO, María. El sueño creador. Madrid: Ediciones Turner, 1986.


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Escravidão urbana como cenário? Um exame crítico sobre a historiografia da escravidão urbana no Rio de Janeiro e Havana

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Ynaê Lopes dos Santos Fundação Getúlio Vargas

Bertoleza foi uma das muitas heroínas da literatura brasileira, cuja trajetória angustiou o peito de diversos leitores. Sua condição de mulher, negra e escrava já seria o suficiente para tanto. Mas, se isso não bastasse, Aluízio de Azevedo lhe reservou um desfecho que de tão infeliz, beirava à realidade (AZEVEDO, 1890). A crioula Bertoleza era residente do Rio de Janeiro no final do século XIX, e desfrutava da maior autonomia de trânsito experimentada pelos escravos urbanos, morando longe do olhar senhorial. A


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personagem era escrava de um senhor que morava em Juiz de Fora – na província de Minas Gerais – e deveria lhe pagar o jornal mensal de vinte mil-réis por mês. Como tantas outras escravas e forras negras, Bertoleza ganhava a vida com sua quitanda. Vendia angu, peixe-frito e isca de fígado para os moradores e transeuntes de Botafogo. Embora seu senhor “lhe comece a pele do corpo” ao obrigá-la a entregar tão alta quantia todos os meses, antes dos quarenta anos, a escrava quitandeira já havia guardado o montante necessário para comprar sua alforria. Com medo de um possível roubo, Bertoleza deixou seu pecúlio sob os cuidados de seu vizinho, o taverneiro português João Romão, que em pouco tempo tratou de se amasiar com a cativa.

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Foi a partir dessa “amizade” que a vida de Bertoleza ganhou contornos ainda mais cruéis. O espertalhão e avarento João Romão fingiu ter comprado a Carta de Alforria de Bertoleza e usou o pecúlio da escrava para investir no seu grande sonho: a construção de um cortiço. O embusteiro João Romão não tinha limites. Além de enganar a cativa, o taverneiro português passou a fazer dinheiro com o trabalho árduo da quitandeira, que durante o dia ralava na taverna do português, e à noite ainda saía às ruas a vender peixes e angu. João Romão literalmente usou e abusou da relação mambembe que estabelecera com Bertoleza, e no momento em que a escrava tornouse um empecilho aos seus negócios, o comerciante português tratou de avisar aos antigos senhores onde estava a escrava supostamente foragida. Ao descobrir toda a farsa, Bertoleza resistiu da maneira que lhe parecia mais eficiente: tirando sua própria vida. Bertoleza não foi a única personagem a viver as vicissitudes de uma sociedade escravista. Oito anos antes do Aluízio de Azevedo publicar O Cortiço, Cirilo Villaverde publicava (em versão ampliada) Cecilia Valdés. Novela de Costumbres Cubanos (VILLAVERDE, 1995). Esse romance, ambientado em Havana na primeira metade do século XIX, conta a história da mulata Cecília, filha ilegítima de Candido Gamboa, um poderoso traficante de escravos de Cuba. Criada sem saber de sua verdadeira origem, Cecília se apaixona pelo seu irmão, Leonardo Gamboa que, sem saber do parentesco com sua amada, resolve abandoná-la para se casar com uma mulher da alta-sociedade


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cubana. Cega de ódio, Cecília jura vingança e consegue convencer José Dolores Pimienta a assassinar seu ex-amante. O plano é executado, mas seus autores são descobertos: José Dolores condenado à sentença de morte e Cecília é presa como cúmplice. Ainda que tenham feito uso das sedutoras ferramentas da literatura, não restam dúvidas que a obra O Cortiço, do maranhense Aluízio de Azevedo, e Cecilia Valdés do cubano Cirilo Villaverde também guardam um pouco de etnografia urbana. Embora repleta de violências físicas, psicológicas e morais, a vida dos cativos urbanos nem sempre teve um fim tão desgraçado como nos folhetins novelescos dos oitocentos. Todavia, como homens que conviveram com a escravidão, Aluízio de Azevedo e Villaverde trouxeram para sua obra ficcional elementos da realidade observada.

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A escolha por duas protagonistas negras e ligadas diretamente à escravidão reflete parte do universo experimentado por esses dois autores ao longo do século XIX. Moradores das duas maiores cidades escravistas das Américas, as tessituras criadas por Aluízio de Azevedo e Cirilo Villaverde revelaram diferentes aspectos da trama da escravidão urbana. Um deles é justamente a figura do escravo urbano, que existia aos milhares não só na capital do Império do Brasil, mas também em Havana e outras cidades americanas. Num contexto marcadamente escravista como o cubano (até 1886) e brasileiro (até 1888), o escravo era a principal mão-de-obra não só nos grandes plantéis monocultores, mas também nas grandes cidades. Esses escravos citadinos, funestamente representados pelas personagens de Bertoleza e Cecília, não só povoaram as cozinhas e quintais dos sobrados cariocas e havaneiros, mas também trabalharam na alfândega, carregaram os mais variados produtos, venderam quitutes, produziram e consertaram sapatos, trabalharam em pedrarias e fábricas, e chegaram, inclusive, a exercer atividades especializadas como carpinteiros, metalúrgicos, barbeiros-cirurgiões, etc. (KARASCH, 2000, p. 259-291). Curiosamente, os escravos e escravas que povoaram as ruas, jornais e diversas obras literárias produzidas no oitocentos, parecem não ter suscitado grandes questões para aqueles que, já no século XX, se debruçaram sobre o passado escravista nas Américas. Mesmo que muitos romances dos oitocentos estivessem ambientados em cidades escravistas; que os relatos deixados por viajantes expressassem a


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surpresa desses estrangeiros ao encontrar uma massa de escravos (crioulos e africanos) nas cidades; que os jornais da época anunciassem a venda, o aluguel e até mesmo a fuga de escravos citadinos, durante muitos anos a escravidão urbana parecia fazer parte da “paisagem de diferentes contextos históricos”, sem que isso levasse a maiores questionamento. Partindo das pistas deixadas pela literatura, o objetivo deste artigo é, justamente, fazer um exame crítico da historiografia da escravidão urbana nas Américas por meio de uma análise conectada dos estudos sobre Rio de Janeiro e Havana – as duas maiores cidades escravistas das Américas – demonstrando como este cenário também foi protagonista de muitas tramas.

Escravidão Urbana: a construção de um cenário

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No início do século XX, no Brasil e em Cuba, a escravidão transformou-se em um objeto independente de análise. Ainda que a instituição tenha feito parte de inúmeras obras nas duas localidades – fossem elas de cunho historiográfico, sociológico ou literário -, a abolição da escravidão no final do século XIX (1886, em Cuba, 1888, no Brasil) e a subsequente formação das repúblicas brasileira e cubana (respectivamente em 1889 e 1898) suscitaram novas perguntas para aqueles que se propuseram a examinar nações que precisavam lidar com a ampliação cívica do conceito de liberdade em meio ao recente passado escravista. Concomitante a isso, a passagem do século XIX para a centúria seguinte também foi marcada pelo florescimento da produção de cientistas sociais que se tornavam independentes das clássicas cátedras de direito e medicina, e, pouco a pouco, outorgavamse como autoridades nos trabalhos que elegiam a sociedade (em sua múltipla expressão) como objeto de estudo1. Neste contexto, dois nomes ganharam destaque no quadro intelectual dos dois países: Fernando Ortiz e Gilberto Freyre foram autores que não só se debruçaram sobre o estudo da escravidão, mas que elegeram a figura do escravo como fio condutor de obras que lhes trouxeram renome internacional. Mais do que analisar as sociedades em que viviam, ambos os autores acabaram formulando um projeto 1 Cf. SCHWARCZ, 1993, SKIDMORE, 1989 e ORTIZ, 1985.


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de integração e transculturação do negro e de seu legado africano nas histórias de Cuba e do Brasil.

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Em 1916, Fernando Ortiz publicou Hampa afro-cubana: Los Negros Esclavos (ORTIZ, 1987)2, obra que representou uma espécie de divisor de águas na sua trajetória. Os fundamentos criminalistas e positivistas que nortearam sua primeira publicação, Los Negros Brujos3, sofreram forte influência das reorientações teóricas propostas pelos antropólogos Bronislaw Malinowski e Franz Boas. Em Hampa afro-cubana, Ortiz examinou diferentes aspectos da vida dos cativos de Cuba, por meio de uma etnografia que combinava a análise de relatos de viajantes com a leitura seriada de documentos produzidos pelas autoridades espanholas e cubanas. Ortiz procurou compreender as diversas instâncias da vida escrava, como a origem africana desses homens e mulheres, suas condições materiais de existência, as dinâmicas de seus trabalhos, as lutas pela liberdade e, mesmo que de forma pouco aprofundada, as diferenças existentes entre os escravos que viviam no campo e aqueles que habitavam as grandes cidades. Corroborando o que havia sido registrado mais de cem anos antes pelo naturalista alemão Alejandro Humboldt, Ortiz foi categórico (e sintético) ao afirmar que, em Cuba, o escravo urbano possuía melhores condições de vida se comparado com aqueles que trabalhavam no campo. Nas dez páginas dedicadas ao tema, o autor afirmou que os escravos citadinos se alimentavam melhor, vestiam roupas mais elegantes, não precisavam dormir em barracões, e gozavam de maior mobilidade de trânsito graças à possibilidade de arrendarem a si

2 ORTIZ, Fernando. Hampa afro-cubana: Los Negros Esclavos. Estudio sociológico y de derecho publico. Revista Bimestre Cubana, La Habana, 1916. Em 1987, essa obra juntamente com as anotação do autor encontradas no arquivo do Instituto de História de la Academia de Ciencias de Cuba, compuseram a edição do livro: ORTIZ, Fernando. Los Negros Esclavos. La Habana, Editorial de Ciências Sociales, 1987, usado neste trabalho. 3 Cf. ORTIZ, 2007 (primeira edição de 1906). Neste trabalho, Ortiz pretendia analisar “la mala vida cubana” que, segundo ele, poderia ser entendida como a difusão da feitiçaria exercida pelos negros de Cuba, cuja “psiquis africana, hubo de mantenerse ésta por largo tempo en un nível inferior de cultura, así moral como intelectual” (Ibidem, p. 21). De acordo com estudiosos, esse trabalho demonstra uma primeira fase de Fernando Ortiz, em que sua prática antropológica estava fortemente influenciada pelos estudos criminalistas, sobretudo aqueles feitos pelo italiano Cesare Lombroso e pelo brasileiro Nina Rodrigues (com quem Ortiz chegou a trocar correspondências). Cf. ARAÚJO, 2003. LOPES DE BARROS, 2011. Disponível em: <http:// www.abralic.org.br/anais/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC1082-1.pdf>


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mesmos4. Tais vantagens acabaram facilitando o acesso desses cativos ao pecúlio, o que explicava o maior índice de coartação e da alforria nas grandes urbes de Cuba. Embora o espaço urbano e as heranças africanas tenham sido examinados pelo autor em outras obras (ORTIZ, 1987, p. 283-293), o local reservado para o escravo citadino permaneceu o mesmo: um nãolugar. Nem tão castigado como aquele que trabalhava nas plantations açucareiras, nem tão livre como quem tinha obtido sua carta de alforria, o escravo urbano ficou numa espécie de limbo analítico, embora sua presença nunca tenha sido descartada pelo autor. As mudanças teóricas nos estudos antropológicos no início do século XX e o uso que Fernando Ortiz fez delas para analisar a figura

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do negro cubano exerceram grande influência no estudo publicado em 1933 por Gilberto Freyre. No célebre Casa Grande e Senzala, Freyre (2009) não só rompeu com o discurso racialista reinante nas ciências sociais brasileiras, como inaugurou um novo olhar sobre o país5. Uma das premissas básicas do autor consistia na formulação de que a formação brasileira era um processo resultante do equilíbrio de antagonismos, fossem eles econômicos, sociais, políticos e até mesmo geográficos (FREYRE, 2009, p. 116). Todavia, Freyre frisou que o maior e mais profundo antagonismo do Brasil era o existente entre escravos e senhores do mundo rural. Vê-se, logo, que a escolha do título Casa Grande e Senzala não foi aleatória. Segundo o autor, a formação da intimidade daquela que considerava a principal instituição da sociedade brasileira, a família patriarcal agrária, acabou moldando a possível contribuição do escravo 4 ORTIZ, F. Op. Cit., 1987, pp.283-293. 5 Um dos motivos do ineditismo da obra de Freyre consistia no fato dele ter examinado as contribuições dos escravos negros – e, consequentemente, das heranças africanas no Brasil – na mesma chave utilizada para falar de brancos e indígenas. Importante ressaltar que além da trajetória pessoal de Freyre, que foi aluno de Franz Boas nos Estados Unidos, e por isso fortemente influenciado pela Antropologia Cultural, o cenário intelectual brasileiro dos anos de 1930 produziu novas interpretações sobre a história do Brasil. De acordo com Antônio Cândido, a década de 1930 foi um “eixo catalisador; um eixo em torno do qual girou de certo modo a cultura brasileira, catalisando elementos dispersos para dispô-los numa configuração nova”. Cf. MELLO E SOUZA, 1984, p. 24. Às experimentações culturais do decênio anterior (cujo marco importante foi a Semana de 1922), que criara modernismos antropofágicos e regionalistas, somavam-se a criação de universidades de filosofia, a laicização do ensino básico, a preocupação com a formação do cidadão, o engajamento político, a publicação massiva de livros e revistas. A mestiçagem passava a ser lida numa chave positiva, e a herança africana era recuperada.


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(e de sua africanidade) para a sociedade brasileira. Para Freyre, o grande legado havia sido deixado pelos cativos de eito e aqueles que transitavam pelos corredores das Casas-grandes do Brasil, que não só trabalharam no plantio, colheita e processamento de produtos tropicais, mas que também temperaram a cozinha senhorial e amamentaram os filhos de seus proprietários (e, por vezes, eram tomadas como objetos sexuais de seus senhores). Ainda que tenha sido muito bem recebida nos círculos intelectuais, e muitas vezes tomada como uma análise que abarcasse a totalidade da história brasilera, Casa Grande e Senzala era uma obra que se propunha a examinar o passado colonial do Brasil. No título que deu sequência à trilogia analítica sobre a sociedade brasileira – publicado originalmente em 1936 –, o escravo citadino, até então não mencionado, recebeu certo destaque. Segundo o próprio autor, Sobrados e Mucambos buscava:

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estudar os processos de subordinação [...] que caracterizaram a formação do nosso patriarcado rural e, a partir dos fins do século XVIII, o seu declínio ou seu prolongamento no patriarcado menos severo dos senhores dos sobrados urbanos e semiurbanos; o desenvolvimento das cidades; a formação do Império; íamos quase dizendo, a formação do povo brasileiro. (FREYRE, 2002, p. 9)

Por meio de um processo de imitação, a praça acabou vencendo o engenho (FREYRE, 2002, p. 61), e a intimidade da família do patriarcado rural foi dando lugar para a teatralização quase intrínseca da vida nas urbes. O âmbito privado dos sobrados e mucambos passou a rivalizar com a esfera pública das ruas, becos e chafarizes do mundo citadino. Em meio às tensões que marcaram a vida urbana do Brasil oitocentista, Freyre acabou construindo o primeiro inventário da escravidão urbana, marcada pela maior transitoriedade dos cativos (tanto os homens como as mulheres) que ganhavam as ruas da cidade em busca de trabalho; pelas fugas constantemente noticiadas nos jornais; pelos bandos de capoeiras que atormentavam as autoridades. (Ibidem, cap. 8-9) Mas, segundo o próprio autor, tal dinâmica “tinha os dias contados”. Ainda que boa parte da complexidade do cativeiro citadino tenha sido abordada por Freyre, o próprio autor já havia, de antemão, a classificado como um “prolongamento [...] menos severo


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dos senhores urbanos”. Assim como pontuado por Ortiz vinte anos antes, “la esclavitud urbana permitia ciertas situaciones favorables al esclavo” (ORTIZ, 1987, p. 285), que de fato distanciavam sua experiência em cativeiro daquela vivida nas grandes plantations. No momento em que a instituição escravista começava a receber as primeiras análises aprofundadas, a pouca violência atribuída ao mundo citadino parecia não interessar aos pesquisadores.

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O papel central que Ortiz e Freyre atribuíram à escravidão (e ao escravo rural) na construção de suas respectivas sociedades foi corroborado por outros estudiosos. Sendo assim, a boa recepção das análises de Fernando Ortiz e, sobretudo, de Gilberto Freyre acabaram tornando a escravidão urbana um tema menos relevante frente à totalidade do sistema escravista6. Tais autores inauguraram uma abordagem sobre a escravidão que lidava de forma positiva com as heranças africanas em duas sociedades notadamente miscigenadas – ainda que a violência fosse parte constitutiva da elaboração dos dois autores. Se, por um lado, as leituras e interpretações das obras de Ortiz e Freyre reforçaram a pouca relevância que a escravidão urbana parecia ter em meio à análise de sociedades escravistas, por outro, a proximidade analítica e teórica dos estudos dos dois autores exerceram forte influência no exame comparado da escravidão nas Américas, que colocou Brasil e Cuba em um mesmo modelo de sistema escravista. Exemplo disso foi o ensaio de Frank Tannenbaum (1991) Slave and Citizen, publicado em 1946. 6 No caso da historiografia brasileira das décadas de 1930 e 1940, outros importantes trabalhos que se propuseram a examinar o passado colonial brasileiro corroboraram o papel secundário que Freyre atribui à escravidão urbana. Cf. HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. (primeira edição de 1936). 26a edição. Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1994. PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. (primeira edição de 1942). 24a reimpressão. São Paulo, Brasiliense, 1996. Prado Júnior chegou a dedicar algumas páginas no exame do cativeiro citadino que, segundo a perspectiva marxista que norteava sua obra, deveria ser compreendido como uma anomalia do sistema escravista brasileiro. O olhar que a escravidão recebeu da historiografia cubana do mesmo período não foi muito diferente. A ocupação dos Estados Unidos na ilha durante a década de 1920 e a ditadura de Gerardo Machado nos anos seguintes acabou gerando uma série de interpretações sobre a história de Cuba que estavam mais preocupadas em compreender questões relativas ao processo de Independência da ilha, bem como as relações diplomáticas. Importantes autores se destacaram nesse período, como Emilio Roig Leuchsering e Ramiro Guerra y Sanchéz – mas suas análises deram pouquíssima atenção para a escravidão urbana. Cf. SMITH, 1964, pp. 44-73.


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Imerso nas questões raciais que permeavam a sociedade estadunidense na primeira metade do século XX, sob a influência dos trabalhos de Ortiz e, principalmente, de Freyre7, Tannenbaum detectou uma série de semelhanças de ordem moral e legal no sistema escravista das colônias ibéricas que, segundo sua análise, seriam decorrentes da herança cristã e do legado do Código Justiniano implementados por Portugal e Espanha no Novo Mundo. (COPPER; HOLT; SCOTT, 2005, p. 39-41) A possibilidade de ter mediadores na relação com seus senhores teria, em tese, possibilitado aos escravos da América Ibérica uma vivência menos violenta quando comparada com aquela experimentada nas colônias inglesas. Um dos argumentos utilizados por Tannenbaum residia justamente no maior índice de alforrias encontradas no Brasil e em Cuba, que, consequentemente, teriam contribuído para a maior miscigenação racial verificada em ambas as sociedades.

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Os termos utilizados por Tannenbaum iluminaram a visão idílica já existente sobre os estudos da escravidão ibérica, sobretudo no Brasil, e abriu caminho para outros estudos comparados8. O trabalho de Stanley Elkins é um dos principais exemplos da influência do modelo comparativo desenvolvido em Slavery and Citzen. (ELKINS, 1959) A partir de então, uma série de estudos (comparativos e locais) foram produzidos em amplo diálogo com a interpretação de Tannenbaum, fosse para reforçar os pontos levantados pelo autor, fosse para rechaçálos9. Não seria exagero afirmar que a polêmica causada por Tannenbaum acabou reforçando a primazia da escravidão rural nos trabalhos que analisaram o passado escravista do Brasil e de Cuba.

7 Importante destacar que uma das razões para Tannembaum dialogar abertamente com Gilberto Freyre deveu-se ao fato da obra freyriana ter sido uma das poucas análises escritas por brasileiros que foram traduzidas para o inglês. 8 Sobre impactos da obra de Tannenbaum na produção de história comparada ver: SILVA JÚNIOR, 2009, pp. 8-20. 9 Em importante artigo em que analisa o debate sobre escravidão nas Américas criado por Tannenbaum, Alejandro de la Fuente apontou uma série de estudos que foram feitos com o intuito de desvincular a realidade racial de sociedades da América Latina à pretensão de “suavidade” do sistema escravista. Cf. DE LA FUENTE, A. La esclavitud, la ley y la reclamación de derechos en Cuba: repensando el debate de Tannenbaum. Debate y Perspectivas, nº 4, diciembre 2004.


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Novos cenários, novos objetos No quadro internacional, os inúmeros exames feitos sobre a escravidão nas Américas, a ampliação do escopo documental utilizado pelos historiadores, as lutas pelos direitos civis dos negros estadunidenses e o processo de independência da África criaram novas perguntas que não podiam ser respondidas apenas com o exame da escravidão rural, ou então por meio da perspectiva que entendia o escravo como “coisa”.10 Dessa feita, na década de 1960, o cativeiro citadino começou a ganhar status de objeto independente e legítimo de análise. O trabalho de Richard Wade inaugurou o estudo sobre o cativeiro moderno no espaço urbano, mostrando que, mesmo numa sociedade marcada pela agricultura monocultora (no caso, o Sul dos Estados Unidos), a escravidão adaptou-se a diversas situações (WADE, 1964).

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A partir da década de 1960, a escravidão urbana passou a ser uma questão relevante para os estudos da história americana. Além do quadro internacional apontado há pouco e do investimento em pesquisas sobre o tráfico transatlântico11, aspectos particulares das histórias do Brasil e de Cuba foram fundamentais para colocar o cativeiro citadino nas agendas de pesquisa, bem como para compor os termos em que tais análises seriam feitas. Sem dúvida alguma, o amplo debate sobre a existência ou não da democracia racial no Brasil (que teve o Projeto UNESCO como momento chave nas discussões)12, e a 10 A mudança historiográfica a respeito da escravidão moderna é bem comentada no artigo: PATTERSON, 1977, p. 407-449. 11 Ainda que num primeiro momento as pesquisas sobre tráfico tiveram uma abordagem fundamentalmente demográfica, elas já apontavam para a necessidade de se conhecer de forma mais aprofundada as dinâmicas das sociedades africanas envolvidas no tráfico. Nesse período, uma das obras mais importante sobre o assunto foi CURTIN, 1969. 12 As análises sobre a questão racial brasileira produzidas pelos intelectuais da Escola e Chicago e, mais tarde, pela Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, ampliaram o debate sobre a existência de uma “harmonia racial” no Brasil. Interpretações da obra freyriana haviam criado o mito da inexistência ou da menor violência nas relações raciais brasileiras, que fazia do Brasil uma espécie de “Democracia Racial” que deveria ser tomada como modelo por outras sociedades. As questões raciais ficaram ainda mais aguçadas após os horrores da Segunda Guerra Mundial, que havia levado ao extremo às teses racialistas do século XIX. A fim de aprofundar os estudos sobre a temática, na década de 1950, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) patrocinou um conjunto de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil. Conforme sugerido acima, a origem deste projeto estava associada, justamente, à agenda anti-racista formulada pela UNESCO no final dos anos 1940, sob o impacto do Holocausto. A aparente harmonia racial no Brasil fazia do país uma espécie de “laboratório vivo”. De tal


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Revolução Cubana de 195913, foram cruciais na definição dos estudos sobre o escravismo. No caso da historiografia sobre o Brasil, a primeira análise sobre a temática parece elucidar muito bem a confluência dessas vertentes. Influenciada pela obra de Richard Wade e em franco debate com a historiografia sobre escravidão que entendia o cativeiro citadino como uma dimensão menos violenta do sistema escravista, em 1972 Mary Karasch (2000) defendeu sua tese de doutorado, publicada quinze anos depois14. A obra de Karasch foi inovadora por dois motivos. O primeiro refere-se à própria escolha do objeto de estudo. Ao se valer de um corpus documental riquíssimo – desde relatos de viajantes até atas municipais, jornais da época e processos criminais –, a autora demonstrou a viabilidade da pesquisa sobre o tema, contrariando o que havia sido postulado por Gilberto Freyre anos antes. O segundo ponto inovador se remete à perspectiva analítica adotada por Karasch,

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modo, os objetivos do Projeto UNESCO eram determinar os fatores econômicos, sociais, políticos, culturais e psicológicos que favorecessem ou não a existência de relações harmoniosas entre raças e grupos étnicos. Para tanto, jovens cientistas sociais brasileiros e estrangeiros se incumbiram de analisar a significativa mobilidade e integração do negro na sociedade brasileira. Ainda que inúmeros trabalhos de peso tenham sido produzidos nesse contexto, não houve consenso entre os estudos. Enquanto parte dos trabalhos reforçava a imagem idílica das relações raciais no Brasil, outros estudos, sobretudo aqueles produzidos pela Universidade de São Paulo, rechaçaram tal premissa, utilizando a forte violência do passado escravista brasileiro como parte constitutiva de suas análises. Cf. GUIMARÃES, Antônio Sérgio, “Cor, classes e status nos estudos de Pierson, Azevedo e Harris na Bahia: 1940-1960”. CHOR, Marcos. SANTOS, Ricardo (orgs.), Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz/Centro Cultural Banco do Brasil, 1996. GUIMARÃES, Antonio Sérgio. O Projeto UNESCO na Bahia. Comunicação ao Colóquio Internacional “O projeto UNESCO no Brasil: uma volta crítica ao campo 50 anos depois”, Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, entre 12 e 14 de julho de 2004. Importante ressaltar, que o grupo que ficou conhecido “Escola de São Paulo” também sofreu forte influência da análise marxista. Importantes obras deste grupo foram: CARDOSO, Fernando H. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional; o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. São Paulo, 1962. COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. São Paulo, Difel, 1966. FERNANDES, Florestan. A Integração do negro na sociedade de classes, 2 vols. São Paulo, 1964. 13 Sobre a influência que a Revolução de 1959 teve na produção historiográfica cubana, ver: SMITH, Robert F. Twentieth-Century Cuban Historiography. The Hispanic Historical Review, Vol. 44, nº 2. Feb. 1964, pp. 44-73. PÉREZ Jr. Louis A. In the Service of the Revolution: Two Decades of Cuban Historiography 1959-1979. The Hispanic American Historical Review, Vol. 60, nº 1. Feb., 1980, pp. 79-89. PÉREZ Jr. Louis A. Twenty-Five Years of Cuban Historiography: Views from Abroad. Cuban Studies, nº 18, 1988, pp. 87-101. 14 KARASCH, Mary. A vida dos Escravos no Rio de Janeiro (1808 – 1850). São Paulo, Cia. das Letras, 2000 (trad. português).


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que tomou o escravo como sujeito de sua história15. Essa abordagem permitiu esmiuçar as diversas facetas da vida escrava no Rio de Janeiro, traçando um amplo quadro sobre a estrutura do sistema escravista e o cotidiano cativo. Levando em conta a violência inerente à instituição, a autora apresentou um verdadeiro guia da vida escrava no Rio de Janeiro, que comporta a origem dos cativos, o tráfico transatlântico, a venda dos escravos, as atividades realizadas por eles no espaço urbano, as reinvenções de laços identitários, as atitudes do Estado perante a massa escrava, dentre outros aspectos.

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A partir da análise de Karasch é possível afirmar que os estudos sobre escravidão urbana no Brasil passaram a compor um interessante campo investigativo, que foi ganhando maior legitimidade. Sete anos após a pesquisa da estadunidense, Kátia Mattoso publicou Ser escravo no Brasil16, obra na qual apresentou um quadro geral da vida escrava na cidade de Salvador17. Em tese de doutorado defendida em 1982, e publicada alguns anos depois, João José Reis (2003) reorientou o tema da escravidão nos centros urbanos. Ao estudar o levante dos Malês em 1835 na cidade de Salvador, o autor trabalhou com a potencialidade explosiva dos centros urbanos do Brasil Imperial, que exacerbavam o sentimento de desigualdade social e política. O trabalho de João José Reis já anunciava importantes mudanças na historiografia brasileira sobre escravidão. O final de década de 1980 e o início dos anos 1990 foram extremamente profícuos na produção acadêmica. O diálogo com movimentos sociais (como o Movimento Negro), a redemocratização brasileira e a recusa da harmonia racial no Brasil tiveram forte influência em trabalhos que elegeram o escravo como objeto de análise. Mas, tal escolha também estava pautada numa série de inovações ocorridas na História Social, como a preocupação em abordar a “história dos vencidos”, ou a história vista de baixo; a micro História; e a nova abordagem marxista desenvolvida por E.P. Thompson – que empregava o conceito de agência para analisar as 15 Parte da perspectiva analítica adotada por Karasch segue a linha sistematizada por Genovese em sua obra: GENOVESE, 1974. 16 MATTOSO, Kátia. Ser Escravo no Brasil. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1982. O livro é tradução do original francês de 1979. 17 Muitos dos pontos levantados pela autora foram questionados pela historiografia subsequente, principalmente no que se refere à certa suavidade do sistema escravista nas cidades, se comparado à escravidão no campo. Ver: GORENDER, 1990.


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classes trabalhadoras inglesas18. De maneira geral, tais trabalhos ressaltavam a violência inerente ao sistema escravista, mas tinham a forte preocupação em apresentar as diferentes formas de resistência dos escravos em meio ao sistema – resistência essa muitas vezes ligada às heranças africanas. (Cf. REIS; SILVA, 1989) Ainda que parte significativa da produção acadêmica deste período tenha analisado o escravo sujeito às dinâmicas que ditaram o ritmo produtivo das plantations19, as novas abordagens historiográficas privilegiavam estudos mais específicos, que passavam ao largo de análises generalizantes. Nesse contexto, o mundo citadino se tornou extremamente convidativo para novas pesquisas, e muitos historiadores aproveitaram as pistas deixadas por Mary Karasch para esmiuçar o cativeiro citadino e suas aparentes contradições.

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O Rio de Janeiro foi uma das cidades mais estudadas pela historiografia devido ao avultado número de escravos durante o século XIX e, consequentemente à grande quantidade de documentos existentes nos arquivos. Em 1983, Leila Mezan se propôs estudar a escravidão no Rio de Janeiro joanino a partir do que considerou ser a falta de intermediação na relação senhor-escravo que, no campo, era representada pela figura do feitor. (ALGRANTI, 1988) Por meio da análise de processos criminais, a autora trabalhou com uma das facetas mais polêmicas do cativeiro nas cidades: a maior liberdade escrava nas ruas dos centros urbanos e o papel do Estado como instância mediadora do controle social, ou seja, como substituto do feitor. A violência, a maior mobilidade do escravo urbano e as ações estatais foram finamente discutidas por Leia Mezan. Cinco anos depois, quando o Brasil comemorava o centenário da abolição, Marilene Rosa Nogueira da Silva (1988) defendeu sua dissertação de mestrado, na qual procurava compreender o cotidiano do escravo ao ganho – o cativo que ia para as ruas cariocas para realizar suas tarefas – a partir do pressuposto de que o espaço urbano era um ambiente altamente explosivo. Nesse mesmo ano, Luis Carlos Soares 18 Importantes trabalhos que foram cruciais para a renovação da historiografia social deste período são: GINZBURG, 1987. SHARPE, artigo em BURKE, 1992, pp. 39-62. THOMPSON, 1997. THOMPSON, 1998. 19 Importantes trabalhos que analisaram a escravidão rural no Brasil foram: MACHADO, 1987; LARA, 1988.


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(1988) também analisou parte das questões relacionadas ao mundo do trabalho dos escravos urbanos, reiterando que o pecúlio recebido pelos cativos não diminuía a violência inerente às relações escravistas. Em certa medida, as três obras descritas acima trataram dos assuntos mais espinhosos sobre a escravidão urbana: a maior mobilidade do escravo no espaço urbano, a possibilidade desse cativo ter pecúlio e os limites da interferência estatal no cotidiano escravista das urbes. Todos foram categóricos ao demonstrar que, embora a escravidão urbana tivesse características significativamente distintas das observadas no mundo rural – principalmente no que diz respeito à vida material dos escravos –, a violência esteve presente em todas as dimensões do cativeiro citadino.

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Embora a história cubana tenha experimentado o peso da escravidão de forma muito intensa (sobretudo entre fins do século XVIII e começo do século XIX), a trajetória da historiografia sobre escravidão urbana em Cuba é significativamente distinta do que foi visto no caso brasileiro. A Revolução de 1959 é tida por muitos estudiosos como uma espécie de divisor de águas na produção historiográfica produzida em Cuba. Antes da Revolução, a escravidão urbana era um tema pouco ou nada explorado. Ainda que tenha havido uma importante produção intelectual entre as décadas de 1930 e 1940, os temas analisados estavam atrelados à compreensão do passado colonial, da guerra de Independência e das relações diplomáticas com os Estados Unidos, que quase resultaram na anexação da ilha. A cidade de Havana foi palco de muitos estudos, mas a maior parte deles estava preocupado em compreender quais foram as redes sociais estabelecidas pela elite intelectual do século XVIII e, principalmente, da centúria seguinte (SMITH, 1964). É inegável que as obras de Fernando Ortiz tenham exercido forte influência nos trabalhos com abordagens culturalistas, demonstrando a necessidade em se aprofundar os estudos sobre a população escrava e negra para a melhor compreensão do passado colonial. Perez de la Riva publicou um importante trabalho em 1944 no qual, sob a forte influência dos estudos de Freyre, elegeu a plantação cafeeira como o centro da cultura cubana durante a colonização20. Imersos nas discussões 20 DE LA RIVA, PÉREZ. El Café. Historia de su cultivo y explotación en Cuba. Havana, 1944. Citado por: SMITH, 1964, p. 71.


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iniciadas por Frank Tannenbaum e Stanley Elkins a respeito das diferenças entre os sistemas escravistas das Américas, Herbert Klein (1989)21 e Franklin Knight (1970) elaboraram interpretações sobre o sistema escravista cubano que, apesar de divergentes, concordavam sobre a menor relevância do cativeiro citadino na história cubana. Por mais que tenha reconhecido a importância do escravo (e do liberto) para o funcionamento das grandes cidades cubanas, Klein tomou como irrefutáveis os relatos deixados por parte dos viajantes e classificou o cativeiro citadino como menos violento do que o vivenciado nas plantations, e até mesmo do que o experimentado na escravidão urbana da Virginia (KLEIN, 1989). Knight reforçou tal perspectiva, afirmando que

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Não foi apenas a vida dos escravos nas cidades muito menos regulamentada, mas também as oportunidades para obter dinheiro permitiu-lhes comprar a sua liberdade com facilidade relativamente maior do que os escravos rurais. Os escravos urbanos também se misturavam com as pessoas de cor livres, o que facilitava as fugas. (KNIGHT, 1970, p. 61)

Assim como Ortiz havia afirmado meio século antes, a melhor condição material do escravo urbano – que podia vestir-se e alimentarse melhor do que os cativos do campo – não só criou um subtipo de escravo, como acabou desenvolvendo um gradiente da violência inerente à instituição escravista22. As muitas mazelas sofridas pelos escravos passaram a ser estudadas de forma mais sistemática pela historiografia formada após a Revolução de 1959. Embora uma abordagem mais esquerdísta da história cubana já tivesse sido elaborada na década de 1930, boa parte das análises marxistas passaram a encarar o período escravista como o gérmen das lutas de classe do século XX. Não só a violência inerente ao sistema foi encorporada nas análises, como a própria figura do negro ganhou destaque (PEREZ Jr, apud SMITH, 1964, p. 71). 21 Primeira publicação em 1969. 22 Em 1972, John Blassingame publicou um interessante artigo no qual criticou o olhar condescendente que Klein e Knight desenvolveram sobre a escravidão urbana. Seu principal questionamento incidiu no uso acrítico dos relatos deixados pelos viajantes que visitaram a ilha durante o período colonial, e a escolha proposital de parte desses estrangeiros. Segundo ele, outros viajantes que estiveram na ilha não só denunciaram a violência sofrida pelos escravos citadinos, como a classificaram como mais acintosa se comprada com a vida dos escravos que viviam no Sul dos Estados Unidos. Cf. BLASSINGAME, 1972, p. 415-424.


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Aspectos da complexidade das relações criadas em cidades escravistas cubanas foram apresentados em El negro en la economia habanera del siglo XIX23. Publicado em 1971, o livro de Pedro Deschamps Chapeaux resgatou parte da trajetória da população negromulata que viveu em Havana durante o século XIX. Embora a escravidão urbana propriamente dita não tenha sido seu objeto de análise, o autor investigou questões importantes, tais como os agrupamentos negros (cabildos de nación), os batalhões de Pardos e Morenos de Havana, os músicos, os barbeiros e sangradores, os casamentos inter-raciais que indicaram a intrincada relação estabelecida entre os negros escravizados e aqueles que haviam obtido a liberdade.

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Mesmo apontando a necessidade de um estudo mais sistemático sobre a escravidão urbana em Havana, a grande contribuição da obra de Deschamps Chapeaux foi iluminar as questões experimentadas pelos negros (escravos e livres), dando especial atenção para os eventos e situações protagonizados pela población de color. De certa forma, Deschamps acabou criando uma tradição que privilegiava o estudo das ações de escravos e libertos em Cuba, tivessem eles vivido no campo ou nas cidades. As contribuições do autor não pararam por aí. Imbuído em comprovar a relevância da população negra (livre e escrava) na história de Cuba, em 1973, Deschamps Chapeaux publicou Contribución a la historia de la gente sin historia, obra na qual faz uma análise de cunho teórico-metodológico sobre a presença negra em Cuba. Onze anos depois, o mesmo autor publicou Los cimarrones urbanos, estudo no qual o autor apontou parte da complexidade das dinâmicas da escravidão urbana, bem como quais seriam os documentos necessários para se pensar o cativeiro no espaço citadino24. As primeiras obras de Deschamps Chapeaux foram muito importantes para a análise feita por Verena Martinez-Alier em Marriage, Class and Colour in Nineteenth-Century Cuba25, publicado 23 DESCHAMPS CHAPEAUX, Pedro. El negro en la economia habanera del siglo XIX. UNEAC, Habana, 1971. 24 DESCHAMPS CHAPEAUX, P. PÉREZ DE LA RIVA, J. Contribución a la história de la gente sin historia. La Habana, Editorial de Ciencias Sociales, 1974. DESCHAMPS CHAPEAUX, P. Los Cimarrones urbanos. La Habana, Editorial de Ciencias Sociales, 1983. 25 MARTINEZ-ALIER, Verena. Marriage, Class and Colour in Nineteenth-Century. A study of racial atitudes and sexual valeus in a slave society. Michigan, The University of Michigan Press, 2001.


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originalmente em 1974. Mesmo que seu objetivo não fosse examinar exclusivamente as dinâmicas da escravidão ou do mundo citadino, Martinez-Alier levantou importantes questões sobre aspectos que balizaram o cotidiano dos cativos e libertos que viveram na ilha durante o século XIX, principalmente no que diz respeito aos valores e práticas sexuais de uma sociedade escravista marcada por relações raciais tensas. Esse trabalho teve grande importância no debate sobre as questões raciais e de gênero em Cuba que, conforme visto, foram tidas como menos violentas se comparadas com outras localidades nas Américas, sobretudo as localidades de colonização inglesa e francesa.

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Num esforço em realizar uma história total de Cuba, Levi Marrero pontuou questões interessantes sobre a escravidão em Havana, nos volumes 9 e 10 da gigantesca obra Cuba: economia y sociedade. Azúcar, ilustración y consciencia (1763-1868)26, reforçando a complexidade das relações raciais na ilha. Ainda na linha de trabalhos que se debruçaram sobre as questões étnicas raciais em Cuba – estabelecendo importante articulação com a dinâmica do escravismo citadino – destacasse o livro Conspiração de La Escalera (1844) publicado em 198827. Nessa obra, Robert Paquette evidenciou a complexidade das questões raciais na ilha, num momento em que o abolicionismo ganhava muito espaço entre determinados grupos cubanos (sobretudo em Havana), que contavam com forte apoio dos ingleses diretamente envolvidos em ações antiescravistas na Cuba de então. Assim como no trabalho de João José Reis, as dinâmicas do espaço urbano marcadamente escravista, também se mostravam potencialmente explosivas. De tal forma, as historias miúdas dessas cidades ganhavam outros contornos e novos personagens. O que se pode observar é que, entre as décadas de 1970 e 1980, uma série de análises sobre a história do Brasil e de Cuba passou a examinar a passagem do trabalho escravo para o trabalho livre, bem como as imbricações dos conceitos de raça e nação em Cuba nas últimas décadas do século XIX e no início da República. Por meio 26 MARRERO, Levi. Cuba: economia y sociedade. Azúcar, ilustración y consciencia

(1763-1868), vols. 9 e 10. Madrid, Editorial Playor, 1984. 27 PAQUETTE, Robert L. Sugar is Made with Blood. The conspiracy of La Escalera and the conflict between Empires over Slavery in Cuba. Middeletown, Wesleyan University Press, 1988.


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de análises comparadas ou de estudos de caso, a pretensa harmonia racial cubana – já questionada em trabalhos anteriores – passou a ser sistematicamente combatida28.

Cenário como protagonista

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Foi apenas no final da década de 1980, que as fímbrias da escravidão urbana que alimentaram alguma das ficções do oitocentos transformaram-se em objetos de pesquisa da historiografia que se debruçava sobre as dinâmicas do Rio de Janeiro e de Havana. Ainda imersos na renovação historiográfica, sobretudo na área da História Social – que inauguravam novas perspectivas históricas –, os estudos feitos a partir de 1990 corroboraram a particularidade da escravidão urbana, colocando novas questões sobre o espaço citadino e ampliando o leque de assuntos relevantes sobre o tema. No caso brasileiro, pode-se notar uma profusão de trabalhos sobre cativeiro citadino, principalmente no Rio de Janeiro, cidade que teve uma trajetória muito singular dentro do contexto americano, tendo em vista que foi transformada naquilo que Kisten Schultz chamou de Versalhes Tropical29. Além da singularidade do Rio de Janeiro, é preciso pontuar que a criação de muitos cursos de pós-graduações e o desenvolvimento de pesquisas em arquivos e/ou fontes até então pouco consultados também foram cruciais para a elevação da escravidão urbana como objeto de análise. Aquilo que era cenário, ganhava status de protagonista, permitindo que os historiadores pudessem esmiuçar ainda mais a dinâmica urbana. O exame dos tipos de moradia escrava foram temas de pesquisa de Sidney Chalhoub30 e de Carlos Eugênio Líbano Soares31, que 28 Ver: SCOTT R. Slave Emancipation in Cuba: The Transition to Free Labour, 1860-1899. Princeton, Princeton University Press, 1985. SCOTT, R. Degrees of Freedom: Cuba and Louisiana after Slavery. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 2005. FERRER, A. “Esclavitud, Ciudadanía y los Límites de la Nacionalidad Cubana: La Guerra de los Diez Años, 1868-1878”. Historia Social, no. 2, 1995, pp. 101-125. FERRER, A. Insurgent Cuba: Race, Nation, and Revolution, 1868-1898, North Carolina, University of North Carolina Press, 1999. DE LA FUENTE, A. Myths of Racial Democracy: Cuba, 1900-1912. Latin American Research Review, Vol. 34, Nº 3, 1999, pp. 39-73. 29 SCHULTZ, Kirsten. Versalhes Tropical. Império, Monarquia e a Corte Real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008. 30 CHALHOUB, S. Cidade Febril. Cortiços e Epidemias na corte imperial. São Paulo, Cia. das Letras, 1996. 31 SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Zungú: rumor de muitas vozes. Rio de Janeiro, Arquivo


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demonstraram que os escravos urbanos souberam desfrutar da maior mobilidade de trânsito em benefício próprio. Os mesmos autores também examinaram, em trabalhos distintos, como os escravos se apropriaram de laços de solidariedade e da prática da capoeira para lutar contra a escravidão32. A complexidade da vida no Rio de Janeiro era tamanha, que trabalhos mais especializados puderam ser feitos. Formação de quilombos nas proximidades do perímetro urbano carioca; capoeira escrava; fugas; criminalidade; compra de liberdade; relações de compadrio; maneiras de controlar os cativos; procedência dos africanos escravizados33; diferentes possibilidades de moradia: esses são exemplos de outros temas que veem sendo abordados pela historiografia que se debruça sobre o escravismo citadino, sobretudo na cidade do Rio de Janeiro34. Público do Rio de Janeiro, 1998. 32 CHALHOUB, S. Visões de Liberdade. Uma história das últimas décadas da escravidão na

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No caso de Havana, a produção historiográfica sobre sua dinâmica escravista é menor e menos diversificada, ainda que axial para desnudar as tessituras do escravismo na cidade. Ainda que apenas tangenciasse a questão do escravismo, os trabalhos de Venegas Fornias foram fundamentais para o melhor conhecimento da diversificada população que habitou uma Havana amuralhada35. Na síntese feita sobre as relações estabelecidas entre Cuba e Espanha36, Moreno Fraginals sublinhou a proeminência da escravidão em Havana em alguns de seus capítulos, oferecendo importantes pistas sobre a complexidade do cativeiro na cidade. Ao analisar os Negros e mulatos: vida e sobrevivência, e A sociedade produzida pelo açúcar, o autor mostrou como o cativeiro citadino fez parte de praticamente toda história da capital cubana, achegando, inclusive, a advertir sobre as principais mudanças ocorridas nesse segmento da população a partir do século XIX37. Em 1998, Antonio Núñes Jiménez38 publicou uma compilação de anúncios dos principais jornais de Havana entre os anos de 1790 a 1886. Com este material, o autor apresentou parte do enredo que marcou o cotidiano da Havana escravista, dando especial destaque reforçaram a relevância do estudo da escravidão urbana. Moradia escrava, legado africano, relações de gênero e as dinâmicas entre cativos e forros foram alguns dos aspectos que permearam o cotidiano de cidades como Salvador, Pernambuco, São Paulo e Porto Alegre. Tal diversidade, aliada ao uso de fontes variadas, à formulação de novas perguntas e à análises criteriosas, demonstram a relevância e as potencialidades da investigação da escravidão urbana no Brasil. Ver: COSTA, Ana de Lourdes R. Ekabó. Trabalho escravo, condições de moradia e reordenamento urbano em Salvador no século XIX. Dissertação de Mestrado defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1989. CARVALHO, Marcus J.M. Liberdade: Rotinas e Rupturas do Escravismo, Recife, 1822-1850. 2ªed. Recife. Editora da UFPE, 1998. DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX. São Paulo, Brasiliense, 1984. WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Sonhos Escravos, Vivências Ladinas. Escravos e forros em São Paulo (1850 – 1880). São Paulo, Editora Hucitec, 1998. MAESTRI, Mário. O Sobrado e o cativo. A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso gaúcho. Passo Fundo. Editora UPF, 2002. FARIAS, J.B. GOMES, F. SOARES, C.E.L. MOREIRA, C.E.A. Cidades Negras. Africanos, crioulos e espaços urbanos no Brasil escravista do século XIX. São Paulo, Alameda, 2006. 35 VENEGAS FORNIAS, Carlos. La urbanización de las murallas: dependecia y modernidad. La Habana, Editorial Letras Cubanas, 1990. VENEGAS FORNIAS, Carlos. Cuba y sus pueblos. Censos y mapas de los siglos XVIII y XIX. La Habana, Centro de Investigación y Desarrollo de la Cultura Cubana Juan Marinello, 2002. 36 FRAGINALS, M.M. Cuba. Espanha. Cuba. Uma História Comum. (trad. port., 1ª edição esp. 1995)Bauru, EDUSC, 2005. 37 Idem, pp. 101-111 e pp. 217-237. 38 NÚÑES JIMÉNEZ, Antonio. Los Esclavos Negros. La Habana, Fundación de la Naturaleza y el Hombre, 1998.


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à procedência desses cativos, às atividades executadas por eles no mundo urbano e à resistência ao sistema escravista por meio das fugas.

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Nos últimos quinze anos, diferentes aspectos da escravidão urbana em Havana foram abordados pela historiografia, confirmando aquilo que os trabalhos assinalados vinham anunciando. As inovações apontadas e a ampliação do debate sobre as questões raciais em Cuba marcaram muitos desses estudos. Em 2001, por exemplo, Luz Mena39 defendeu sua tese de doutorado na qual analisou os negros livres e as relações raciais existentes em Havana durante seu processo de modernização urbana. Dois anos depois, Gloria García trabalhou com diferentes aspectos da escravidão cubana num constante diálogo entre documentos e análise historiográfica, cujo objetivo era tentar “escutar a voz do escravo”.40 No mesmo ano, Maria del Carmen Barcia Zequeira41 examinou a problemática da formação de famílias escravas em Cuba e, uma vez mais, Havana foi citada como um dos espaços de reconstrução dos laços de parentesco de escravos e seus descendentes. Em 2004, Daniel Walker tratou da resistência dos escravos urbanos com base no estudo comparado entre as cidades de Havana e de New Orleans42; para tanto, o autor analisou o controle social no espaço público, a luta escrava pela constituição de famílias, o imaginário africano e o imaginário afro-americano e, por fim, a construção do que chamou de herança cultural. Em 2006, Matt Childs43 analisou aspectos relacionadas diretamente à escravidão em Havana ao examinar a luta contra a escravidão atlântica a partir da rebelião de Aponte, em 1812, indicando uma vez mais o caráter explosivo que essa cidade poderia ter. Dois anos depois, em 2008, Maria del Carmen Barcia Zequeira44 publicou 39 MENA, Luz Maria. “No Common Folk”. Free Black and Race Relationships in the Early Modernization of Havana (s1830-s1840). Tese defendida na Universidade de Berkley, 2001. 40 GARCÍA, Gloria. La Esclavitud desde la Esclavitud. La Habana, Editorial de Ciencias Sociales, 1996, p. 3. 41 BARCIA ZEQUEIRA, Maria del Carmen. La Otra familia. Parientes, redes y descendencia de los esclavos en Cuba. La Habana, Fondo Editorial Casa de las Americas, 2003. 42 WALKER, D.E. No more, No more. Slavery and Cultural resistance in Havana and New Orleans. Minneapolis, University of Minessota Press, 2004. 43 CHILDS, Matt D. The 1812 Aponte Rebellion in Cuba and the Struggle against Atlantic Slavery. Chapel Hill, University of North Carolina Press, 2006. 44 BARCIA ZEQUEIRA, Maria del Carmen. “Negros en sus espacios: vida y trabajos en la


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outro trabalho, no qual examinou os espaços públicos que os negros ocuparam em Havana. Embora não aborde apenas a vida do escravo na capital cubana, a autora lançou luz sobre algumas das implicações que a escravidão urbana teve na cidade, sobretudo no que diz respeito à população livre e “de cor”. Neste mesmo ano, a importância da escravidão em Havana foi destacada por Alejandro de la Fuente, quando o autor analisou a história da cidade durante o século XVI. Em Havana and the Atlantic in the Sixteenth Century45, De la Fuente trouxe importante contribuição para os estudos da escravidão urbana, principalmente de Havana, ao defender a tese de que a cidade já poderia ser classificada como escravista muito antes da consolidação do sistema de plantation em Cuba.

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No ano seguinte, Maria del Carmen Barcia Zequeira ampliou a pesquisa indicada acima e publicou Los Ilustres Apellidos46, obra em que analisou os diferentes espaços ocupados pela população negra em Havana durante o século XIX, sobretudo pelos segmentos liberto e livre que compunham as milícias de batalhões de negros e pardos e chefiavam as confrarias e cabildos da cidade. Ainda que o número de trabalhos sobre Havana seja menor quando comparado com o Rio de Janeiro, a inovação da História Social permitiu que os historiadores fizessem novas perguntas sobre o passado da cidade cujas respostas estavam intimamente relacionadas com o caráter escravista de Havana. Os trabalhos mais recentes das historiadoras Aisnara Perera Diaz e Maria do los Ángeles Fuentes são bons exemplos disso: além de uma perspectiva da micro história e da preocupação em compreender o universo dos escravos e libertos, as pesquisas das duas historiadoras também permite compreender Havana em comparação com outras cidades de Cuba47. Habana Colonial (espacios físicos, espacios sociales, espacios laborales)”. In.: José Antonio Piqueras. (Org.). Trabajo libre y Coativo en Sociedades de Plantación. Madrid: Siglo XXI, 2009. 45 DE LA FUENTE, A. Havana and the Atlantic in the Sixteenth Century. North Carolina , The University of North Carolina Press, 2008. 46 BARCIA ZEQUEIRA, Maria del Carmen. Los Ilustre Apellidos: negros en la Habana colonial. La Habana, Ediorial de Ciencias Sociales, 2009. 47 Aisnara Perera Diaz e Maria de los Ángeles Meriño Fuentes. Esclavitud, familia y parroquia en Cuba: otra mirada desde la microhistoria. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 2006; idem, Para librarse de lazos, antes buena familia que buenos brazos. Apuntes sobre la manumisión en Cuba. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 2009.


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Numa outra perspectiva, o trabalho recente de Ada Ferrer acaba com qualquer dúvida sobre o caráter marcadamente escravista de Havana na virada do século XVIII para a centúria seguinte. Em Freedom’s Mirror a autora analisa as relações entre Cuba e Haiti durante a Era das revoluções (FERRER, 2014). Mostrando como a capital cubana foi um local não apenas de entrada de milhares de africanos, mas também de circulação de muitas ideias que, assim como demonstrado por Matt Child, poderiam implodir o escravismo da ilha.

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A possibilidade de comparar a escravidão em Havana e no Rio de Janeiro foi anunciada ainda no século XIX, quando o cientista Alejandro Humboldt (1836) se assustou com o percentual negro de ambas as cidades, ou alguns anos depois, quando o abolicionista Aureliano Tavares Bastos comparava – sem esconder sua felicidade – que o número de escravos das duas cidades diminuía a olhos visto. O historiador Michel Zeuske chegou a sugerir a potencialidade de um estudo comparado sobre aquelas que ele chamou de “irmãs do Atlântico”.48 A relação entre espaço urbano e trajetórias femininas foi o tema central analisado por Camillia Cowling em tese defendida em 2006 e publicada em 201449. Fazendo uso da análise comparada, Cowling trabalhou com a realidade das mulheres “de cor” no Rio de Janeiro e em Havana durante os últimos anos de vigência da escravidão, mostrando como escravas que eram mães exerceram papéis fundamentais na luta pelo fim da escravidão no Brasil e em Cuba. Em tese de doutorado defendida em 2012, a potencialidade do estudo comparado daquelas que foram as maiores cidades escravistas foi uma vez mais analisado; em Irmãs do Atlântico, a pesquisadora demonstra quais foram as razões compartilhadas pelas elites cubanas e brasileiras para que Rio de Janeiro e Havana compartilhassem o pouco honroso título de maiores cidades escravistas do mundo (SANTOS, 2012). A possibilidade de comparar dinâmicas e conectar experiências 48 ZEUSKE, Michael. “Comparing or interlinking? Economic comparisons of early nineteenthcentury slave systems in the Americas in historical perspective” In.: LAGO, E. dal & KATSARI, C. (ed.) Slave System Ancient and Morden. Cambridge, Cambridge University Press, 2008, pp. 148-184. 49 COWLING, Camillia. Matrices of Opportunity: Women of Colour, Gender and the Ending of Slavery in Rio de Janeiro and Havana, 1870-1888. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2013


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permite ampliar ainda mais o olhar sobre esse cenário que, cada vez mais vem ganhado protagonismo nas agendas de pesquisa. Analisar a escravidão urbana em perspectiva, permite não só mergulhar nas especificidades que o escravismo citadino ganhou em diferentes cidades das Américas, como também compreender quais dinâmicas eram características da escravidão urbana. O cenário no qual se desenrolaram as vidas de sofrimento, angústias, amores e labutas de Bertoleza e Cecília, tornou-se pois, um promissor campo de pesquisa.

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Urban Slavery as a Scenario? A Critical Examination of the Historiography of Urban Slavery in Rio de Janeiro and Havana 532

Ynaê Lopes dos Santos Fundação Getúlio Vargas

Bertoleza was one of many heroines of Brazilian literature whose trajectory distressed several readers’ hearts. Her condition/ experience as a female black slave would be enough to do so. As if that were not enough, Aluízio de Azevedo (1890) created such an unhappy ending for her in the novel O Cortiço that it managed to touch reality. Creole Bertoleza was a Rio de Janeiro resident in the late nineteenth century, and enjoyed the freedom of movement that urban slaves experienced when they lived far from their master’s watchful


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eye. The character was a slave of a man who lived in Juiz de Fora— in the province of Minas Gerais—and to whom she must pay twenty thousand réis a month. Like so many other slaves and black freedwomen, Bertoleza made her living as a stallholder. She sold angu (corn mush/polenta), fried fish and bait liver to residents and passersby in Botafogo. Although her master “lhe comece a pele do corpo” (“worked her fingers to the bone”) to force her to deliver such a high amount every month, by the age of forty, the enslaved stallholder had saved enough money to buy her freedom. Fearful of a possible theft, Bertoleza left her nest egg in care of a neighbor, the Portuguese barkeeper João Romão, who soon tried to soften up the captive.

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It was from this “friendship” that Bertoleza’s life gained even more cruel edges. The sly and avaricious João pretended to have bought a Freedom Letter for Bertoleza and used the slave’s nest egg to invest in his own dream: the construction of a tenement. The trickster João had no limits. In addition to deceiving the captive, the Portuguese barkeeper began to make money from Bertoleza’s hard work, as she worked in the Portuguese tavern during the day, and also worked on the streets selling fish and angu at night. João Romão literally used and abused the weak relationship established with Bertoleza, and when the slave became a business impediment, the Portuguese trader tried to warn her old masters about the fugitive slave. When she discovered this total farce, Bertoleza resisted in the way that seemed most efficient: by taking her own life. Bertoleza was not the only character to live the vicissitudes of a slave society. Eight years before Aluízio de Azevedo published O Cortiço, Cirilo Villaverde published (an enlarged version of ) Cecilia Valdés. The novel has in its subtitle the phrase Costumbres Cubanos or Cuban Customs in English (VILLAVERDE, 1995)1. This novel, set in Havana in the first half of the nineteenth century, tells the story of a mulatta Cecilia who is an illegitimate daughter of Candido Gamboa, a powerful Cuban slave trader. Raised without knowing her true origin, Cecilia falls for her brother, Leonardo Gamboa who, without knowing the relationship with his loved one, decides to abandon her to 1 First edition, 1839. Revised edition, 1882.


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marry a woman of the Cuban high society. Consumed by blind hatred, Cecilia vows revenge and convinces José Dolores Pimienta to murder her former lover. The plan comes to fruition, but the perpetrators are discovered: José Dolores is sentenced to death and Cecilia is arrested as an accomplice.

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Even though they made use of literature’s seductive tools, there is no doubt that the work O Cortiço, by Brazilian Aluízio de Azevedo, and Cecilia Valdés, by Cuban Cirilo Villaverde, also retain some urban ethnography. Although full of physical, psychological and moral violence, the life of urban slaves did not always have an end as miserable as the serials of the eighteen hundreds. However, as men who lived during the slavery era, Aluízio de Azevedo and Villaverde brought fictional elements of their observed realities to their works. The choice of two black female protagonists, directly linked to slavery, reflects part of the universe that these two authors experienced throughout the nineteenth century. Residents of the two largest slave cities in the Americas, the stories created by Aluízio de Azevedo and Cirilo Villaverde revealed different aspects urban slavery. One of those aspects is precisely the figure of the urban slave, which existed in the thousands, not only in Brazil’s imperial capital, but also in Havana and other American cities. In a distinctly slave context like the Cuban (until 1886) and Brazil (until 1888), slavery was the main source of manual labor not only on large mono-crop plantations, but also in major cities. These urban slaves, ominously represented by the characters of Bertoleza and Cecilia, not only populated the kitchens and backyards of Rio’s and Havana’s houses, but they also worked in customs, carried the most varied products, sold delicacies, produced and repaired shoes, worked with precious stones and in factories, and even worked in more specialized trades such as carpenters, metal workers, barbers, etc. (KARASCH, 2000, p. 259-292) Interestingly, the male and female slaves who populated the streets, newspapers and various literary works produced in the eighteen hundreds do not seem to have raised serious questions for twentieth century researchers who study the Americas’ last slave societies. Even though many of the eighteen-hundred novels were set in slave cities; foreign travelers’ accounts express surprise at finding a mass of slaves (Creoles and Africans) in the cities; newspapers announced the sale,


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rental and even escape of urban slaves, for many years urban slavery seemed to be part of the “landscape of different historical contexts,” without requiring greater questioning. Starting with the clues left in literature, the purpose of this article is precisely to critically examine the history of urban slavery in the Americas through a connected analysis of studies about Rio de Janeiro and Havana—the two largest slave cities in the Americas—demonstrating how this scenario was also the protagonist of many plots. Urban slavery: The Construction of a Scenario

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In the early twentieth century, in Brazil and Cuba, slavery became an independent object of analysis. Although the slave institution has been analyzed by numerous studies in both locations—whether of a historiographical, sociological or literary nature—the abolition of slavery in the late nineteenth century (1886, in Cuba, 1888, in Brazil) and the subsequent formation of the Brazilian and Cuban Republics (respectively in 1889 and 1898) raised new questions for those trying to examine how nations needed to deal with the civic expansion of the concept of freedom amid their recent slave past. Concurrently, the passage from the late nineteenth century to the next century was also marked by the establishment of social scientists who became independent from the classic chairs of law and medicine, and, little by little, were recognized as authorities of work that chose society (in its multiple expression) as their object of study. (Cf. SCHWARCZ, 1989; ORTIZ, 1985) In this context, two names gained prominence in the countries’ intellectual framework: Fernando Ortiz and Gilberto Freyre were authors who not only focused on the study of slavery, but elected the slave figure or individual slave as a guide for works for which they became internationally renowned. Rather than analyzing the societies in which they lived, both authors ended up formulating an integrated and transcultural project about the black slave and the African legacy in Cuban and Brazilian histories. In 1916, Fernando Ortiz published Hampa afro-cubana: Los Negros Esclavos (Afro-Cuban Hampa: the Black Slaves)2, a work 2 Cf. ORTIZ, 1916. In 1987, this work, together with the author’s annotation found in the archive


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that represented a kind of watershed in his career. The criminologist and positivist foundations that guided his first publication, Los Negros Brujos, (the Blacks Wizards)3 were later strongly influenced by the theoretical guidelines proposed by anthropologists Bronislaw Malinowski and Franz Boas. In Hampa afro-cubana, Ortiz examined different aspects of slaves’ lives in Cuba through an ethnography that combined an analysis of travelers’ accounts with the serial reading of documents produced by Spanish and Cuban authorities. Ortiz tried to understand the various instances of slave life, such as the African origin of these men and women, the material conditions of their existence, the dynamics of their work, the struggles for freedom and, even though with lacking depth, the differences between the slaves who lived in the countryside and those who lived in the big cities. Corroborating that which was recorded over a hundred years earlier by the naturalist Alexander Humboldt, Ortiz (1987, p. 283-293) was adamant (and synthetic) in stating that in Cuba, the urban slave had better living conditions compared to those who worked in the field. In ten pages devoted to the subject, the author wrote that the city slaves were fed better, wore more fashionable clothes, did not have to sleep in barracks, and enjoyed greater mobility as they could lease themselves. Such advantages have just facilitated access for these slaves to savings, which accounted for the higher rate of coarctation and manumission in the large Cuban cities. Although urban space and African heritage had been examined by the author in other studies4, the place reserved for the slave city of the History Institute of the Science Academy of Cuba, were used to compose the book edition: ORTIZ, Fernando. Los Negros Esclavos. La Habana, Editorial de Ciências Sociales, 1987. 3 ORTIZ, F. Los negros brujos. Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2007 (first edition in 1906). In this work , Ortiz aimed at analyzing “the bad Cuban life,” which, he said, could be understood as the spread of witchcraft performed by blacks in Cuba, whose “psiquis africana, hubo de mantenerse ésta por largo tempo en un nível inferior de cultura, así moral como intelectual” (p. 21). According to scholars, this study showed a first phase of Fernando Ortiz when his anthropological practice was strongly influenced by the studies of criminologists, especially those made by the Italian Cesare Lombroso and the Brazilian Nina Rodrigues (With whom Ortiz exchanged correspondence ). Cf. ARAÚJO, 2003. LOPES DE BARROS, 2011. Availiable at: <http://www.abralic.org.br/anais/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC1082-1.pdf> 4 Five years later (1921), Ortiz published an important work in which he analyzed the solidarity networks set up in Cuba by slaves and freedmen from the same ethnic background. Cf.: ORTIZ.F. Los cabildos afrocubanos. Revista Bimestre Cubana, vol. XVI, nº 1, enero-febrero de 1921. After his death in 1969, many Ortiz writings were compiled in other works , which also


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remained the same: a non-place. Although not punished as much as the slaves that worked in the sugar plantations, nor as much as a freedman who had been emancipated, the urban slave was a kind of analytical limbo, although their presence had never been discarded by Ortiz.

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The theoretical changes in anthropological studies in the early twentieth century, and how Fernando Ortiz made use of them to analyze the Cuban blacks, exercised an important influence on Gilberto Freyre’s study published in 1933. In the famous Casa Grande e Senzala (The Masters and the Slaves), Freyre (2009) broke with the racialist discourse prevailing in the Brazilian social sciences, but also ushered in a new look on Brazil. One of the author’s assumptions states that the Brazilian formation was a process resulting from balanced antagonism, be it economic, social, political or even geographical (2009, p. 116). However, Freyre noted that the largest and deepest antagonism of Brazil was that between slaves and masters of the countryside. It is understood that the choice of the title Casa Grande e Senzala was not random. According to the author, the formation of the intimacy of the patriarchal family (considered by Freyre the main institution of Brazilian society), shaped the slaves’ contribution (and his African background) in the history of Brazil. For Freyre, the great legacy was left by rural and house slaves: captives who transited through the corridors of the master’s houses of Brazil, who worked on planting, harvesting and processing tropical products, and also tempered the Master’s kitchen and nursed their owners’ children (and were sometimes used as sexual objects by their masters). Although it was very well received in intellectual circles, and was seen as an analysis that encompassed the entire Brazilian history, Casa Grande e Senzala was indeed a study that aimed to examine the colonial past of Brazil. In the title that followed the analytical trilogy of Brazilian society—first published in 1936— the urban slave, not previously mentioned, received some prominence. According to the author, Sobrados e Mucambos sought to: analyzed aspects of the slave/black life in Cuba. Cf. ORTIZ, F. Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar, La Habana, Editorial de Ciencias Sociales, 1978. ORTIZ, F. Los Negros Curros. La Habana, Editorial de Ciencias Sociales, 1986. Other Ortiz works, as well as a brief examination of his life, can be found at GARCÍA-CARRANZA, A. SUÁREZ, Norma. QUESADA MORALES, Alberto. Cronología Fernando Ortiz. La Habana, Fundación Fernando Ortiz, 1996.


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“study the subordination processes [...] that characterizes the formation of our rural patriarchy and, from the late eighteenth century, its decline or its extension in a severe patriarchy of lords of urban and semi-urban houses; the development of cities; the formation of the Empire; we are almost saying, the formation of the Brazilian people.” (FREYRE, 2002, p. 9)

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Through a process of imitation, the urban plaza winning the sugar mill (FREYRE, 2002, p. 61), the intimacy of the rural patriarchal family was giving way to the inherent theatricality of life in cities. The private sphere of houses (sobrados) and shanties (mucambos) rivaled the public realm of streets, alleys and fountains of a world city. Amid the tensions that marked the urban life of nineteenth-century Brazil, Freyre ended up building the first inventory of urban slavery, marked by greater transience of slaves (both men and women) who went to city streets in search of work, by slave escapes constantly reported in the newspapers, by coops gangs (capoeiras) that plagued the authorities (Ibidem, chapters 8-9). However, according to the author, such dynamics had “numbered days.” Although Freyre has approached a good part of the complexity of the urban slavery, the author had in advance classified this phenomenon as an “extension, [...] less severe, of urban masters.” As noted by Ortiz twenty years before, “Urban bondage allowed certain favorable situations to the slave” (ORTIZ, 1987, p. 285) which in fact distanced the experience of urban slaves from slave plantation experience. At the moment the slave institution began to receive the first in-depth analysis, the little violence attributed to the city world did not seem to be of any interest to researchers. Other scholars corroborated the central role that Ortiz and Freyre attributed to slavery (and rural slaves) in building their societies. Thus, Fernando Ortiz and Gilberto Freyre’s analyses were well received, especially Freyere’s analysis, ultimately making urban slavery a less important issue facing the whole slave system5. These authors opened 5 In the case of Brazilian historiography of the 1930s and 1940s, other important works that proposed to examine the Brazilian colonial past corroborated the secondary role that Freyre attributes to urban slavery. See Cf. HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. (first edition in 1936). 26a edição. Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1994. PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. (first edition in 1942). 24a reimpressão. São Paulo, Brasiliense, 1996. Prado Junior devoted a few pages to the examination of urban slavery that, according to the Marxist perspective that guided his work, should be seen as an anomaly of the Brazilian slave system. The analysis that slavery received from the Cuban historiography of


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a discussion of slavery that dealt positively with African heritage in two notably blended societies—although violence was a constituent part of the two authors’ development. If, on the one hand, readings and interpretations of Ortiz and Freyre’s works reinforced the little relevance that urban slavery seemed to have to the analysis of slave societies, on the other, the analytical and theoretical proximity of the studies of the two authors strongly influenced the comparative analysis of slavery in the Americas, which placed Brazil and Cuba in the same model of slave systems. An example was the essay by Frank Tannenbaum (1991) Slave and Citizen, published in 1946.

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Immersed in the racial issues that marked American society in the first half of the twentieth century, under the influence of Ortiz and Freyre’s work6, Tannenbaum has detected a number of similarities of moral and legal order in the slave system of the Iberian colonies. According to the author, these similarities would arise from the Christian heritage and legacy of the Justinian Code implemented by Portugal and Spain in the New World (Cf. COPPER; HOLT; SCOTT, 2005, p. 39-41). The possibility of having mediators in the relationship with their masters would, in theory, enable the slaves of Iberoamerica a less violent experience when compared to that experienced in the English colonies. One of the arguments used by Tannenbaum was the largest manumission rate found in Brazil and Cuba, which, consequently, would have contributed to the greater racial miscegenation seen in both countries. The terms used by Tannenbaum illuminated the existing idyllic view of Iberian slavery studies especially in Brazil, and paved

that period was not much different. The US occupation of the island during the 1920s and the dictatorship of Gerardo Machado in the following years has led to a number of interpretations of the history of Cuba which were more concerned with understanding issues concerning the island’s independence process and the diplomatic relations. Emilio Roig Leuchsering and Ramiro Guerra y Sanchéz gave little attention to urban slavery. Cf. SMITH, Robert F. TwentiethCentury Cuban Historiography. The Hispanic American Historical Review, Vol. 44, Nº 1 (feb., 1964), p. 44-73. 6 Important to note that one of the reasons for Tannenbaum to talk openly with Gilberto Freyre was due to the fact that Freyre’s work was one of the few reviews written by Brazilians that were translated into English.


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the way for other comparative studies7. The work of Stanley Elkins (1959), a prime example of the influence of the comparative model, was developed in Slavery and Citizen. Since then, a number of studies (comparative and local) were produced in a broad dialogue with Tannenbaum’s interpretation in order to either reinforce or head off the author’s points8. It would not be an exaggeration to say that the controversy caused by Tannenbaum reinforced the primacy of rural slavery in the works that analyzed Brazil and Cuba’s slaveholding past. New scenarios, new objects

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In the international context, the numerous examinations undertaken on slavery in the Americas, the expansion of historians’ source scope, the civil rights struggles of African-Americans and the African independence process, created new questions that could not be answered only by examining rural slavery, or from the perspective that understood the slave as a “thing.”9 On this occasion, in the 1960s, the urban slavery began to gain independent object status and legitimate analyses. The work of Richard Wade (1964) inaugurated the study of modern bondage in urban areas, showing that even in a society marked by monoculture (in this case, the southern United States), slavery adapted to different situations. From the 1960s, urban slavery became a relevant question in American history studies. In addition to the international framework just noted and the investment in transatlantic slave trade research10, particular aspects of Brazil and Cuba’s histories were instrumental in putting urban slavery on research agendas, and to compose terms on 7 To understand Tannenbaum’s impact on the production of Comparative History see: SILVA JÚNIOR, 2009, p. 8-20. 8 In an important article that analyzes the debate over slavery in the Americas created by Tannenbaum, Alejandro de la Fuente pointed out a number of studies that have been done in order to show that racial reality of Latin America was not associated to the slave regime of the Iberian colonies. Cf. DE LA FUENTE, 2004. 9 The historiographical change on modern slavery is well commented in the article: “The Study of Slavery.” Annual Review of Sociology, n. 3, p. 407-449, 1977. 10 Although in a first moment the research on transatlantic slave trade had a fundamentally demographic approach, these studies have pointed to the need to understand in more depth the dynamics of African societies involved in transatlantic trade. During this period, one of the most important works on the subject was CURTIN, Philip D. The Atlantic slave trade: a census. Madison, Wisconsin University Press, 1969.


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which such analysis would be based. Without a doubt, the broad debate about the existence or non-existence of racial democracy in Brazil (in which the UNESCO Project was a key in the discussions)11, and the Cuban Revolution of 195912 were crucial in defining the study of slavery.

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In the case of Brazilian historiography, the first analysis on the subject seems to clarify the confluence of these streams. Influenced by the work of Richard Wade and in a frank debate with the historiography of slavery that understood that urban bondage was a less violent dimension of the slave system, in 1972, Mary Karasch defended her doctoral thesis, published fifteen years later. The work of Karasch (2000) was innovative for two reasons. First, because of its choice of subject matter. To take advantage of a rich documentary corpus—from travelers’ reports to municipal minutes, newspapers of the period, and criminal cases—the author demonstrated the feasibility of research on the subject, contrary to what Gilberto Freyre had postulated years earlier. The second innovative point refers to Karasch’s adopted analytical perspective, which took the slave as an agent of his own history13. This approach allowed her to scrutize Rio de Janeiro’s aspects 11 Analyses of the Brazilian racial issue produced by the intellectuals of the School of Chicago and later the Free School of Sociology and Politics of São Paulo, expanded the debate on the existence of a “racial harmony” in Brazil. The Freyrian work interpretations had created the myth of abscent or lesser violence in Brazilian race relations that made Brazil a kind of “racial democracy” that should be taken as a model by other societies. Racial issues were further sharpened after the horrors of the Second World War, which had led to the extreme the racialist theories of the nineteenth century. In order to further study the issue, in 1950 the UNESCO sponsored a series of research on race relations in Brazil. As suggested above, the origin of this project was linked precisely to the anti-racist agenda formulated by UNESCO in the late 1940s under the impact of the Holocaust. The apparent racial harmony has made Brazil a country understood as a kind of “living laboratory.” In this way, the objectives of the UNESCO project were to determine the economic, social, political, cultural and psychological aspects that favored (or not) the existence of harmonious relations between races and ethnic groups. Therefore, young Brazilian and foreign social scientists have undertaken the analysis of the significant mobility and integration of black people in Brazilian society. As part of the work reinforced the idyllic picture of race relations in Brazil, other studies, especially those produced by the University of São Paulo, rejected this premise, using the strong violence of Brazil’s slave past as a constitutive part of their analysis. Cf. GUIMARÃES, article in CHOR; SANTOS(org.), 1996. GUIMARÃES, 2004. The “Escola de São Paulo” was deeply influenced by Marxism: CARDOSO, 1962. COSTA, 1966. FERNANDES, 1964. 12 About the influence that the 1959 Revolution had in the Cuban historiography, see: SMITH, 1964, p. 44-73. PÉREZ Jr, 1980, p. 79-89. PÉREZ Jr. 1988, p. 87-101. 13 Part of the analytical perspective adopted by Karasch follows the systematic platform by


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of slave life, outlining a broad picture of the slave system structure and the slave’s daily life. Taking into account the inherent violence of slavery, the author presented a true guide of slave life in Rio de Janeiro, which includes the slaves’ origins, the transatlantic slave trade, the sale of slaves, the activities they carried out in the urban space, reinventions of identity bonds, and state attitudes towards slave masses, amongst other issues.

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From Karasch’s analysis, we can say that the study of urban slavery in Brazil was included in an interesting investigative field, which had been gaining greater legitimacy. Seven years later, the US research Katya Mattoso (1982) published Ser escravo no Brasil (To Be a Slave in Brazil), a work which presented a general picture of slave life in the city of Salvador14. In João José Reis’ doctoral thesis, which he defended in 1982, and published a few years later, he reoriented the slavery issue concerning urban centers. By studying the uprising of Malês in 1835 in the city of Salvador (Malês’ Rebellion), the author worked with the explosive potential of urban centers of Imperial Brazil, which exacerbated the sense of social and political inequality (REIS, 2003). The work of João José Reis already announced important changes in the Brazilian historiography of slavery. The late 1980s and early 1990s were extremely profitable in academic production. The dialogue with social movements (such as the Black Movement), Brazil’s democracy and the refusal of racial harmony in Brazil had a strong influence on works that selected the slave as the object of analysis. Nevertheless, this choice was also guided by a number of innovations that had taken place in Social History, such as the concern to address the “history of the vanquished,” or “history from below”, Micro History, and the new Marxist approach developed by E. P. Thompson, who employed the concept of agency to analyze the English working classes15. In general, such analysis emphasized the Genovese in his work: GENOVESE, Eugene Roll. Jordan, Roll. The World the Slaves Made. New York. Vintage, 1974. 14 Many of the points raised by the author were questioned by subsequent historiography, especially in regard to certain softness of the slave system in cities, compared to slavery in the field. See: GORENDER, J. Escravidão Reabilitada. São Paulo, Ed. Ática, 1990. 15 Important works that were crucial to the renewal of the Social History of this period are GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. O cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido


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violence inherent to the slave system, but were strongly concerned with presenting the different forms of resistance of slaves inside the system—this resistance was often linked to African heritages.16 Although a significant part of the academic production in this period analyzed the slave subjected to the dynamics that dictated the pace of productive plantations17, new historiographical approaches favored more specific studies, which passed off generalizing analysis. In this context, the city world became extremely inviting for further research, and many historians took the clues left by Mary Karasch for crushing the urban slavery and their apparent contradictions.

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Rio de Janeiro was one of the cities studied by historiography due to the large number of slaves in the nineteenth century and, consequently the large numbers of documents in the archives. In 1983, Leila Mezan proposed to study slavery in Rio de Janeiro from what she considered to be the lack of intermediation in the master-slave relationship that, in the field, was represented by the overseer figure (ALGRANTI, 1988). Through the study of criminal cases, the author worked with one of the most controversial aspects of urban slavery: the greater freedom of a slave on the streets of urban centers and the state’s role as a mediator of social control, or as a substitute for the overseer. The violence, the increased mobility of the urban slave and the state actions were well discussed by Leila Mezan. Five years later, when Brazil celebrated the centenary of the abolition (1988), Marilene Rose Nogueira da Silva (1988) defended her Masters dissertation, which sought to understand the everyday life of the gain slave (escravo de ganho)—the slave who worked on the streets performing different tasks—from the assumption that the urban space was a highly explosive environment. That same year, Luis pela Inquisição. São Paulo, Cia. das Letras, 1987 (first edition in 1976). SHARPE, Jim. “A história vista de baixo.” BURKE, P. (Org.). A Escrita da História - Novas Perspectivas. São Paulo, UNESP, 1992, p. 39-62. THOMPSON, E. A Formação da Classe Operária Inglesa, 3 volumes. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997. (First edition in 1963). THOMPSON, E. Costumes em Comum – estudos sobre cultura popular tradicional. São Paulo. Cia. das Letras, 1998. 16 Cf.: REIS, J.J. SILVA E. Negociação e Conflito. São Paulo, Cia. das Letras, 1989. 17 Important works that analyzed the rural slavery in Brazil were MACHADO, Maria Helena P.T. Crime e escravidão. Trabalho, Luta, Resistência nas lavouras paulistas 1830-1888. São Paulo, Editora Brasiliense, 1987; LARA, Silvia H. Campos de Violência. Escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro 1750-1808. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.


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Carlos Soares (1988) also examined some of the issues related to the labor world of urban slaves, reiterating that the annuity received by the captives did not diminish the violence inherent to slave relations. To some extent, the three works described above deal with the thorniest issues of urban slavery: the increased mobility of the slave in the urban space, the possibility of this captive saving/having a nest egg, and the limits of state interference in the city slave’s daily life. All were categorical in demonstrating that while urban slavery had significantly different characteristics from those observed in rural areas—particularly with regard to the material life of the slaves— violence was present in all dimensions of urban slavery.

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Although Cuban history has experienced the weight of slavery very intensely (especially between the late eighteenth and early nineteenth centuries), the trajectory of the historiography of urban slavery in Cuba was significantly different from what was seen in Brazil’s case. Many scholars regard the 1959 Revolution as a kind of watershed in the historiography produced in Cuba. Before the Revolution, urban slavery was a minor or unexplored theme. Although there was significant intellectual production between the 1930s and 1940s, the topics analyzed were linked to the understanding of the colonial past, the war of independence and diplomatic relations with the United States, which almost resulted in the annexation of the island. The city of Havana was the scene of many studies, but most of them were concerned with understanding what social networks were established by the intellectual elite of the eighteenth century and especially of the following century (SMITH, 1964). It is undeniable that the works of Fernando Ortiz exerted strong influence on culturalist approaches, demonstrating the need to deepen the studies on the slave and the black population to obtain a better understanding of the colonial past. Perez de la Riva published a major work in 1944 in which, under the strong influence of Freyre’s studies, chose the coffee plantation as the center of Cuban culture during colonization (apud SMITH, 1964, p. 71). Immersed in the discussions initiated by Frank Tannenbaum and Stanley Elkins about the differences between the Americas’ slave systems, Herbert Klein (1989) and Franklin Knight (1970) elaborated interpretations of the Cuban slave system which, although divergent, agreed that the urban


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slave was less relevant in Cuban history. As much as Klein (1989, p. 159-164) recognized the importance of the slave (and freedman) for the operation of the major Cuban cities, the author took as irrefutable the reports left by travelers, and ranked urban slavery as less violent than slavery on the plantations, and even than the urban slavery in Virginia. Knight reinforced this perspective, stating that: It was not just the lives of slaves much less regulated in cities, but also the opportunities to get money allowed them to buy their freedom with relatively higher ease than rural slaves. Urban slaves also mingled with the free people of color, which facilitated escapes. (KNIGHT, 1970, p. 61)

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As Ortiz had said half a century before, the best material condition of urban slaves—they could dress and feed themselves better than field slaves—did not only create a slave subtype, but eventually developed into a gradient of violence inherent to the institution of slavery.18 The many ills suffered by slaves began to be studied more systematically by the historiography formed after the Revolution of 1959. Although a more leftist approach of the Cuban history had already been drawn up in the 1930s, much of the Marxist analysis began to face the slave period as the seeds of the twentieth century class struggles. Not only was the inherent violence in the slave system embodied in the analysis, but the very black figure rose to prominence as well (PEREZ Jr, apud SMITH, 1964, p. 74). Aspects of the complexity of the relationships created in Cuban slave cities were presented in El negro en la economia habanera del siglo XIX. Published in 1971, Pedro Deschamps Chapeaux’s book (1971) rescued part of the trajectory of the black-mulatto population that lived in Havana during the nineteenth century. Although urban slavery itself 18 In 1972, John Blassingame published an interesting article in which he criticized the condescending look that Klein and Knight developed about urban slavery. His main question focused on the uncritical use of accounts left by travelers who visited the island during the colonial period, and the deliberate choice of these foreigners. According to him, other travelers who were on the island not only denounced the violence suffered by city dwellers slaves, but also classified it as more spiteful if compared with the lives of slaves who lived in the Southern United States. Cf. BLASSINGAME, J. W. Bibliographical Essay: Foreign Writers View Cuban Slavery. The Journal of Negro History, Vol. 57, nº 4 (Oct., 1972), p. 415-424.


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was not its object of analysis, the author investigated important issues such as black clusters (cabildos de nación), the battalions of Pardos and Morenos of Havana, musicians, barbers and bleeders, interracial weddings that indicated the intricate relationship established between African slaves and those who had obtained freedom.

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Even while pointing to the need for a more systematic study of urban slavery in Havana, the great contribution of Deschamps Chapeaux’s work was to illuminate the issues experienced by blacks (slaves and free), paying particular attention to the events and situations perpetrated by the black population (población de color). In a way, Deschamps ended up creating a tradition that favored the study Cuba’s slaves and freedmen’s actions, if they would have lived in the countryside or in the cities. The author’s contributions did not stop there. Imbued in proving the relevance of the black population (free and slave) in the history of Cuba, in 1973, Deschamps Chapeaux published Contribución a la historia de la gente sin historia (Contribution to the History of the People without History), a work which is a theoretical and methodological analysis of the black presence in Cuba. Eleven years later, the same Deschamps published Los cimarrones urbanos, a study in which the author pointed out some of the complexity of the dynamics of urban slavery, and showed what documents are required to think captivity in the city space19. The first works of Deschamps Chapeaux were very important to Verena Martinez-Alier’s (2001) analysis, Marriage, Class and Colour in Nineteenth-Century Cuba, originally published in 1974. Even if her goal was not only to examine the dynamics of slavery or the world city, Martinez-Alier raised important questions about aspects that guided the daily lives of slaves and freedmen who lived on the island during the nineteenth century, especially in regard to sexual values and practices of a slave society marked by strained race relations. This work was of great importance in the debate on race and gender issues in Cuba, which were considered less violent compared to other locations in the Americas, especially the towns of English and French colonization. In an effort to accomplish a full history of Cuba, Levi Marrero 19 See: DESCHAMPS CHAPEAUX, P. PÉREZ DE LA RIVA, J. Contribucion a la história de la gente sin historia. La Habana, Editorial de Ciencias Sociales, 1974. DESCHAMPS CHAPEAUX, P. Los Cimarrones urbanos. La Habana, Editorial de Ciencias Sociales, 1983.


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(1984) addressed interesting questions about slavery in Havana in volumes 9 and 10 of the work Cuba: economia y sociedad. Azúcar, ilustración y consciencia (1763-1868), reinforcing the complexity of race relations on the island. Still in the line of studies that have drawn on racial and ethnic issues in Cuba—establishing important links with the dynamics of urban slavery—there is the conspiracy book La Escalera (1844) published in 198820. In this work, Robert Paquette showed the complexity of racial issues on the island, at a time when abolitionism gained a lot of space between certain Cuban groups (especially in Havana), and which relied on strong support from the English directly involved in antislavery actions in Cuba. As in the work of João José Reis, the dynamics of a slave urban space also showed potential violence. As such, the fine stories of these cities gained new contours and other new characters. What can be observed is that, between the 1970s and 1980s, a series of analyzes on the history of Brazil and Cuba began to examine the transition from slave to free labor, as well as the overlapping of concepts of race and nation in Cuba during the last decades of the nineteenth century and the beginning of the Republic. Through comparative analyzes or case studies, the alleged Cuban racial harmony—already questioned in previous works—is now systematically tackled21. Scenario as a Protagonist It was only in the late 1980s that the fringes of urban slavery present in fictions turned into historiographical research as objects that leaned on the dynamics of Rio de Janeiro and Havana. Still immersed in the historiographical renewal, especially in the area of Social ​​ History—that inaugurated new historical perspectives—the studies from 1990 confirmed the particularity of urban slavery, placing new questions about the city space and expanding the range of relevant issues on the theme. In Brazil, one can notice a profusion of urban slavery studies, mainly in Rio de Janeiro, a city that had a very singular 20 See: PAQUETTE, Robert L. Sugar is Made with Blood. The conspiracy of La Escalera and the conflict between Empires over Slavery in Cuba. Middeletown, Wesleyan University Press, 1988. 21 SCOTT 1985. SCOTT, 2005. FERRER, 1995, p. 101-125. FERRER, 1999. DE LA FUENTE, 1999, p. 39-73.


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trajectory within the American context, with a view that has been transformed into what Kisten Schultz (2008) called Tropical Versailles. Besides the uniqueness of Rio de Janeiro, it is necessary to point out that the creation of many post-graduate courses and the development of research in archives and/or sources hitherto rarely consulted were also crucial to the rise of urban slavery as an object of analysis for which the scenario earned protagonist status, allowing historians to further scrutinize the urban dynamics.

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The examination of the types of slave housing was a topic research of Sidney Chalhoub (1996) and Carlos Eugenio Lebanon Soares (1998), who demonstrated that urban slaves were able to enjoy the benefits of traffic mobility in urban context. The same authors also examined, in different studies, how slaves built bonds of solidarity, and how Capoeira was used to fight against slavery (CALHOUB, 1990). The complexity of life in Rio de Janeiro was such that more specialized analyzes could be done. Formation of quilombos within Rio de Janeiro city limits; slave capoeira; escapes; crime; purchase of manumission; crony relations; ways to control the captives; origin of enslaved Africans22; different housing possibilities: these are examples 22 See: GOMES, Flávio dos Santos. “Quilombos do Rio de Janeiro no século XIX.” REIS. J.J. GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Liberdade por um fio. História dos quilombos no Brasil. São Paulo, Cia. das Letras, 1996, p. 263-290. GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas – mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro – século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995. SOUSA, Jorge Prata (org.). Escravidão: ofícios e liberdade. Rio de Janeiro, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998. FERREIRA, Roberto Guedes. Na pia batismal; família e compadrio entre escravos na freguesia de São José do Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2000. SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor. Identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000. SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Capoeira Escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850). Campinas, Ed. Unicamp, 2002. ROSSATO, Jupiracy A. R. Sob os Olhos da Lei: o escravo urbano na legislação municipal da cidade do Rio de Janeiro (1830-1838). Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002. FLORENTINO, Manolo. “Dos escravos, forros e fujões no Rio de Janeiro imperial.” Revista da USP - Dossiê Brasil Império, 58, jun./jul./ago. 2003 p.104-115. FRANK. Zephyr L. Dutra’s World. Wealth and Family in Nineteenth-Century Rio de Janeiro. Albuquerque, University of New Mexico, 2004. MOREIRA, Carlos E.A. O Duplo Cativeiro: escravidão urbana e o sistema prisional no Rio de Janeiro, 1790 – 1821. Dissertação de Mestrado defendida na UFRJ, Rio de Janeiro, 2004. FARIAS, J.B. SOARES, C.E.L. GOMES, F. No Labirinto das Nações. Africanos e identidades no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 2005. LARA, Silvia H. Fragmentos setecentistas. Escravidão, cultura e poder na América portuguesa. São Paulo, Cia. das Letras, 2007. LIMA, C.A. Artífices do Rio de Janeiro (1790-1808). Rio de Janeiro,


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of other issues that were being addressed by the historiography that focused on city slavery, particularly in the city of Rio de Janeiro23.

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In the case of Havana, the historiography of the urban slave dynamics is smaller and less diverse than Rio’s, although it revealed the plot of slavery in the city. Although only tangentially speaking about the issue of slavery, the work of Venegas Fornias (1990 and 2002) was fundamental for a better understanding of the diverse population that inhabited the walled Havana24. In a summary made on the relations between Cuba and Spain25, Moreno Fraginals (2005) emphasized the prominence of slavery in Havana’s neighborhoods providing important clues about the complexity of bondage in the city. By analyzing the Negroes and mulattoes: life and survival, and the company produced by the sugar, the author showed how the city slave was part of the entire history of the Cuban capital, and he also warned about the major changes in this segment of the population from the nineteenth Apicuri, 2008. SELA, Eneida M.M. Modos de ser, Modos de ver. Viajantes europeus e escravos africanos no Rio de Janeiro (1808-1850). Campinas, Editora UNICAMP, 2008. SANTOS, Ynaê Lopes dos. Além da Senzala. Arranjos escravos de moradia no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo, HUCITEC, 2010. 23 Despite the fact that a significant portion of the research on urban slavery has examined Rio de Janeiro for the reasons already scored, important analyzes of other Brazilian cities have reinforced the importance of the study of urban slavery. The slave house, African heritage, gender relations and dynamics between captives and freedmen were some of the aspects that permeated the daily life of cities like Salvador, Pernambuco, São Paulo and Porto Alegre. This diversity, combined with the use of various sources, the formulation of new questions and careful analysis, demonstrate the relevance and potential of research of urban slavery in Brazil. COSTA, Ana de Lourdes R. Ekabó. Trabalho escravo, condições de moradia e reordenamento urbano em Salvador no século XIX. Dissertação de Mestrado defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1989. CARVALHO, Marcus J.M. Liberdade: Rotinas e Rupturas do Escravismo, Recife, 1822-1850. 2ªed. Recife. Editora da UFPE, 1998. DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX. São Paulo, Brasiliense, 1984. WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Sonhos Escravos, Vivências Ladinas. Escravos e forros em São Paulo (1850 – 1880). São Paulo, Editora Hucitec, 1998. MAESTRI, Mário. O Sobrado e o cativo. A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso gaúcho. Passo Fundo. Editora UPF, 2002. FARIAS, J.B. GOMES, F. SOARES, C.E.L. MOREIRA, C.E.A. Cidades Negras. Africanos, crioulos e espaços urbanos no Brasil escravista do século XIX. São Paulo, Alameda, 2006. 24 VENEGAS FORNIAS, Carlos. La urbanización de las murallas: dependecia y modernidad. La Habana, Editorial Letras Cubanas, 1990. VENEGAS FORNIAS, Carlos. Cuba y sus pueblos. Censos y mapas de los siglos XVIII y XIX. La Habana, Centro de Investigación y Desarrollo de la Cultura Cubana Juan Marinello, 2002. 25 See FRAGINALS, M.M. Cuba. Espanha. Cuba. Uma História Comum. Bauru, EDUSC, 2005.


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century (FRAGINALS, 2005, p. 217-237). In 1998, Antonio Núñez Jiménez (1998) published a compilation of announcements from major newspapers in Havana between the years 1790 to 1886. With this material, the author presented part of the scenario that marked the everyday life of slaves in Havana, with particular attention to the origin of these captives, the activities performed by them in the urban world and the resistance to the slave system through the escapes.

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In the last fifteen years, different aspects of urban slavery in Havana were approached by historiography, confirming what the previously indicated works announced. The mentioned innovations and broadening of the debate on racial issues in Cuba marked many of these studies. In 2001, for example, Mena Luz (2001) defended a doctoral thesis that analyzed the free blacks and race relations in Havana during its urban modernization. Two years later, Gloria García (1996, p. 3) worked with different aspects of Cuban slavery in a constant dialogue between documental sources and historiographical analysis, whose goal was to try to “listen to the voice of the slave.” In the same year, Maria del Carmen Barcia Zequeira26 examined the issue of the formation of slave families in Cuba and; once again, Havana was cited as one of the spaces of reconstruction of ties of kinship between slaves and their descendants. In 2004, Daniel Walker addressed the urban slave resistance based on the comparative study between the cities of Havana and New Orleans27; to this end, the author analyzed the social control in the public space, the slave struggle for the establishment of families, the African and the African-American mentality and, finally, the construction of what he called cultural heritage. In 2006, Matt Childs28 analyzed aspects directly related to slavery in Havana to examine the struggle against Atlantic slavery from the Aponte rebellion in 1812, indicating a more explosive character that this city could have. Two years later, in 2008, Maria del Carmen Barcia Zequeira29 published another work, which examined public spaces that 26 See: BARCIA ZEQUEIRA, Maria del Carmen. La Otra familia. Parientes, redes y descendencia de los esclavos en Cuba. La Habana, Fondo Editorial Casa de las Americas, 2003. 27 See: WALKER, D.E. No more, No more. Slavery and Cultural resistance in Havana and New Orleans. Minneapolis, University of Minessota Press, 2004. 28 See: CHILDS, Matt D. The 1812 Aponte Rebellion in Cuba and the Struggle against Atlantic Slavery. Chapel Hill, University of North Carolina Press, 2006 29 BARCIA ZEQUEIRA, Maria del Carmen. “Negros en sus espacios: vida y trabajos en la


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blacks occupied in Havana. Not only did the author address the life of the slave in the Cuban capital, but she also shed light on some of the implications that urban slavery had in the city, especially with regard to the free and “de color” population. That same year, Alejandro de la Fuente highlighted the importance of slavery in Havana, when the author analyzed the history of the city during the sixteenth century. In Havana and the Atlantic in the Sixteenth Century, De la Fuente (2008) gave an important contribution to the study of urban slavery, especially of Havana, to defend the thesis that the city could already be classified as a place of slavery long before the plantation system was consolidated in Cuba.

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The following year, Maria del Carmen Barcia Zequeira (2009) expanded the research indicated above and published Los Illustres Apellidos, a work which analyzed the different areas occupied by black people in Havana during the nineteenth century, especially by freed and free segments that made up black and mulatto battalions, and helmed confraternities and urban cabildos. Although the number of studies on Havana is smaller when compared to Rio de Janeiro, the innovation of Social History allowed historians to answer new questions about the city’s past whose answers were closely related to the slave character of Havana. The most recent work of historians Aisnara Perera Diaz and Maria Ángeles Fuentes were good examples of this: in addition to the perspective of micro history and the concern in understanding the world of slaves and freedmen, the research of these two historians also allows us to understand Havana compared with other Cuban cities30. From another perspective, the recent Ada Ferrer (2014) work ends with no doubts about the strength of slavery in Havana at the turn of the eighteenth century into the following century. In Freedom’s Mirror the author investigates the relationship between Cuba and Haiti during the Age of Revolution. Showing how the Cuban capital was not Habana Colonial (espacios físicos, espacios sociales, espacios laborales).” In.: José Antonio Piqueras. (Org.). Trabajo libre y Coativo en Sociedades de Plantación. Madrid: Siglo XXI, 2009. 30 Aisnara Perera Diaz & Maria de los Ángeles Meriño Fuentes. Esclavitud, familia y parroquia en Cuba: otra mirada desde la microhistoria, Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 2006; idem, Para librarse de lazos, antes buena familia que buenos brazos. Apuntes sobre la manumisión en Cuba, Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 2009.


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so much an entry for thousands of Africans; Ada Ferres pointed out, as shown by Matt Child, that the circulation of ideas could have imploded the system of slavery on the island of Cuba.

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The possibility to compare slavery in Havana and Rio de Janeiro was also announced in the nineteenth century when the scientist Alejandro Humboldt was startled by the black percentage of both cities’ population, or a few years later when the abolitionist Aureliano Tavares Bastos compared—without hiding his happiness—that the number of slaves in the two cities decreased significantly (HUMBOLDT, 1836). Historian Michel Zeuske (LAGO; KATSARI, 2008, p. 148-184) even suggested the potential of a comparative study on those he called “The Atlantic Sisters.” The relationship between urban space and female trajectories was the main topic analyzed by Camillia Cowling in a thesis defended in 2006 and published in 201431. Making use of comparative analysis, Cowling worked with the reality of women “of color” (black and mulatto women) in Rio de Janeiro and Havana during the last years of the existence of the slave system, showing how slave women who were mothers exercised important roles in the struggle to end slavery in Brazil and Cuba. In a doctoral thesis defended in 2012, the potentiality of a study comparing those who were the largest cities of slaves was once again analyzed; in The Atlantic Sisters, the author showed that the common reasons of the Cuban and Brazilian elites made Rio de Janeiro and Havana share the hardly honorable title of largest slave cities of the world (SANTOS, 2012). The ability to compare dynamics and connect experiences allows us to enlarge the look at the scenario of urban slavery in the Americas, an issue that is gaining greater role in research agendas. Analyzing urban slavery in perspective allows us to dive into the urban slavery specifics in different cities of the Americas, and understand what dynamics were characteristic of urban bondage. The scenario, in which the lives of suffering, anguish, loves and toils of Bertoleza and Cecilia took place, became therefore a promising research field.

31 COWLING, Camillia. Matrices of Opportunity: Women of Colour, Gender and the Ending of Slavery in Rio de Janeiro and Havana, 1870-1888. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2013


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Zonas de Influência: Juan José Saer e o nouveau roman 1

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Larisa Maite Colón Rodríguez

Universidad de Salamanca/Oberlin College

Em 1967, Juan José Saer publicou uma tradução do conto escrito por Alain Robbe-Grillet, “La plage” [“A Praia”], num pequeno jornal literário de Rosário intitulado Setecientosmonos. No ano seguinte, 1968, ele completou a primeira tradução ao espanhol de Tropisms de Nathalie Sarraute. Naquele mesmo ano, ele recebeu uma bolsa de estudos para passar seis meses em Paris pesquisando as relações entre o fenômeno da vanguarda literária do nouveau roman e o da vanguarda cinematográfica nouvelle vague. Saer não terminou a sua pesquisa – e também jamais deixou Paris – mas ele de fato conheceu e entrevistou os mais importantes escritores do nouveau roman: Alain Robbe-Grillet, 1 Tradução de Rodrigo Lopes de Barros.


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Nathalie Sarraute, Michel Butor e Claude Simon. O nouveau roman, porém, não desapareceu da vida de Saer junto com aquele projeto, mas, de fato, permaneceu como um ponto constante de referência para ele não apenas em seu trabalho crítico, mas também em sua obra ficcional.

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Nos anos 1960, na época em que Saer começou a escrever, se considerava a cidade de Buenos Aires como o centro intelectual argentino. Borges, Cortázar e o grupo Contorno liderado por David Viñas dominavam a cena literária com as suas histórias fantásticas, no caso dos dois primeiros, e com os textos realistas políticos, no caso de Contorno. Todos os grandes editores, a maioria dos jornais e críticos literários estavam localizados na metrópole. Assim, muitos autores como Leopoldo Lugones, Carlos Mastronardi, Ezequiel Martínez Estrada e Manuel Gálvez migraram desde suas cidades natais para o centro urbano a fim de tentar encontrar modos de publicar e se darem a conhecer em seus círculos literários variados. Outros tiveram dificuldade para construir um nome na esfera literária ao permanecerem em suas próprias cidades, enquanto outros, como foi o caso da Saer, mudaram-se de suas pequenas cidades na Argentina para cidades ao redor do mundo, sem passar pelo centro argentino de legitimidade cultural. O caso de Saer é interessante, pois ainda que tenha decidido nunca retornar à Argentina, ele jamais deixou de escrever em sua língua nativa e de localizar o seu trabalho ficcional em nenhum outro lugar a não ser na província argentina de Santa Fé. Paris aparece como cenário em um romance, La pesquisa, mas como uma história em que um personagem, Pichón Garay, que vive em Paris, conta a seus amigos sobre quando vai de férias à Argentina. Diferentemente de outros escritores argentinos que emigraram para a Europa, como Héctor Bianciotti e Juan Rodolfo Wilcock, ambos decidindo escrever nas línguas de seus recém adotados países (francês, no caso de Bianciotti, e italiano, no caso de Wilcock), Saer não apenas não escreveu em qualquer outra língua além do Espanhol, como também tentou capturar em seus livros os detalhes linguísticos da vertente falada em sua província à medida que se distanciava de tópicos que poderiam ser considerados regionalistas. Desde o seu primeiro livro, Saer começa a desenvolver a sua “zona”; a repetição é algo chave para a compreensão de sua poética: o seu uso de um mesmo lugar – a província de Santa Fé – no


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qual os livros são baseados, de um repertório restrito de personagens que aparecem em mais de um livro, de temas recorrentes e de um foco rigoroso nos elementos formais do texto, tudo isso compõe a fundação de seu projeto literário.

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Críticos, no entanto, descrevem os seus primeiros livros como sendo trabalhos regionalistas. Isso pode ser explicado por algumas de suas características tais como o uso de personagens marginais, as entonações orais de alguns de seus contos, ou de sua decisão de escolher ambientes rurais ao invés de urbanos para as suas ficções. Os primeiros livros de Saer passaram quase desapercebidos e as resenhas que recebeu, em sua maioria, o qualificavam como um escritor realista ou regionalista – e devemos manter em mente que na Argentina ser um escritor realista era o oposto de ser um escritor da vanguarda. No que acredito ter sido um gesto intencional para com parte da literatura produzida na Argentina e contra aqueles críticos que não pareciam entender o seu projeto literário ou que esperavam um tipo diferente de literatura do jovem autor, Saer começou a explorar modelos literários diferentes a fim de situar-se do outro lado do que ele chamava de “literatura oficial”, que incluía autores do “boom” literário latinoamericano e muitos dos críticos antirregionalistas e antirrealistas. Um daqueles modelos era o nouveau roman. Saer leu muito cuidadosamente as obras teóricas dos autores do nouveau roman. À parte de sua tradução das obras já mencionadas, que foram as únicas traduções publicadas por Saer, ele também escreveu extensivamente sobre o assunto. Em seu livro de ensaios El concepto de ficción, um livro que inclui ensaios escritos de 1965 a 1996, Saer direta ou indiretamente se refere ao nouveau roman em aproximadamente uma dúzia de ensaios. Ele retoma o tema novamente em seus dois outros livros não-ficcionais, La narración-objeto, publicado em 1999, e Trabajos, publicado postumamente em 2005. Até mesmo os dois volumes que compilam os seus trabalhos inéditos, Papeles de trabajo I e Papeles de trabajo II contêm referências, críticas, notas e comentários sobre livros e teorias do nouveau roman; e, finalmente, o seu livro El río sin orillas. Tratado imaginario faz referência ao nouveau roman. Há também um longo manuscrito inédito que foi apresentado como uma conferência sob o título de “Le nouveau roman y nosotros”, que analisa o conceito de “objetivismo”, alguns romances de Butor, RobbeGrillet e Sarraute e suas respectivas teorias sobre o romance.


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Essa lista tem a intenção de mostrar que a relação entre Saer e o nouveau roman não foi uma fascinação efêmera colocada em marcha com a sua chegada à França do final dos anos 1960 (o momento em que o nouveau roman estava em seu estágio mais maduro) como alguns críticos têm sugerido. O interesse de Saer antecede essa viagem. Foi também, como mencionei anteriormente, a razão para a sua viagem e um importante ponto de referência para ele.

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A obra de Saer é normalmente estudada, ainda que superficialmente, em relação ao nouveau roman quando se considera o que a maioria dos críticos chamou de “fase experimental”, isto é, os primeiros quatro livros que ele publicou, entre 1968 e 1980 (Cicatrices, El limonero real, La mayor e Nadie nada nunca). Mas desde a publicação do seu livro Cicatrices, ou talvez mesmo antes, o seu interesse pela poética do nouveau roman excede aqueles parâmetros e se estende ao seu projeto narrativo como um todo tanto do lado exterior – isto é, desde onde ele coloca-se eticamente como escritor, uma posição que espelha aquela dos nouveaux romanciers – quanto do interior de sua ficção: em segmentos intertextuais, alusões, referências e também em sua adoção de algumas das estratégias formais usadas nas obras do nouveau roman. Estas estratégias podem ser resumidas em narração de ritmo lento, repetição, romances com finais abertos, personagens vagos, referências meta-textuais, mise en abyme, descrições incrivelmente detalhadas, falta de fiabilidade narrativa e o uso de estados mnemônicos, inconscientes e oníricos para borrar os limites textuais. Em suas narrativas, o espaço assume um papel privilegiado; uma vez que a descrição é um elemento central nos textos de Saer, o espaço obviamente será o foco daquelas descrições. O espaço, no nouveau roman, é, como comenta María Teresa Gramuglio: “el objeto de una mirada que lo instaura como ajeno, lo exterioriza y lo va descubriendo parte por parte en lentos, cuidadosos recorridos que hacen verdaderos inventarios de detalles, objetos, medidas y distancias” (GRAMUGLIO, 1967, p. 14). Na literatura de Juan José Saer, o espaço representado e o descrito são o mesmo. Contudo, porque ele é retratado com a estranheza particular da percepção do narrador, ele mantém o seu mistério. Saer nos revela que se pode escrever todos os possíveis detalhes de um lugar, mas que jamais será possível capturar a sua natureza.


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A estrutura de Cicatrices pretende tornar problemático o gênero novelístico utilizando-se de algumas das estratégias narrativas que acabamos de mencionar. As três principais características que o romance compartilha com o nouveau roman são a organização temporal, o uso do mise en abyme e as descrições meticulosas que Saer continuará a usar em seus outros romances; descrições da cidade de Santa Fé, mas também de ações mínimas e triviais tais como gestos e movimentos.

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O romance está repartido em quatro capítulos que são divisões temporais dos acontecimentos que estão sendo narrados. O primeiro capítulo se faz de acontecimentos que tiveram lugar entre fevereiro e junho, o segundo capítulo de eventos de março a maio, o terceiro capítulo inclui abril e maio, e o quatro trata-se de um dia em maio, especificamente, o primeiro dia do mês. Todos os capítulos têm diferentes narradores que, de alguma maneira ou outra, estão relacionados ao acontecimento principal, que é um assassinato seguido de suicídio. A estrutura do romance pode ser descrita como uma espiral e o centro ou denominador comum seria o crime. Nesse sentido, o romance pode também ser lido como uma obra de ficção detetivesca, exceto pelo fato de que não há uma investigação de um crime no sentido clássico, mas o que recebemos são referências e fragmentos de um crime que os outros personagens trazem à luz em suas narrações independentes. Esse uso de técnicas de ficção detetivesca para compor a problemática da narração foi também uma prática comum de Robbe-Grillet. Em seu livro Por um Novo Romance, Robbe-Grillet escreve que o romance moderno trouxe o fim ao tempo de narrativas lineares e que a sua intenção era apagar em seus textos todos os traços do tempo, substituindo-o pelo espaço. O “tempo”, diz ele, “parece estar estirpado de sua temporalidade. Ele não passa mais. Não completa mais nada” (ROBBE-GRILLET, 1992, p. 155). A fim de capturar o instante, o narrador deve negar a continuidade. Em seu romance Le Voyeur, há uma hora faltante no curso da narração. Aquela hora em que o personagem principal não parece se recordar onde estava e do que aconteceu, e que foi também a mesma hora em que o crime foi cometido. Ao longo do restante do romance, vemos o personagem principal tentar se lembrar dos acontecimentos que tiveram lugar naquela hora específica para determinar se ele é culpado ou não do crime. Signos, símbolos,


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referências, sugerem ao leitor que ele é culpado, mas o romance acaba sem jamais clarificar se ele é o verdadeiro criminoso. O tempo, então, é interrompido e essa interrupção enfraquece a narrativa linear: depois daquela hora faltante, o leitor sente a mesma incerteza do personagem principal. Toda a estrutura de Cicatrices desconcerta o leitor de uma maneira similar, uma vez que a ordem temporal da narração está subvertida: o primeiro capítulo começa com um jogo de bilhar, mas o fim do capítulo é, no entanto, cronologicamente anterior ao jogo e aquele primeiro capítulo é, na verdade, cronologicamente o último do romance. A estrutura fraturada do romance permite que o leitor comece por qualquer capítulo sem necessitar ler os outros três.

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O uso do mise en abyme está sempre presente no romance, embora me limitarei a dois exemplos. Jean Ricardou identifica três tipos de técnicas de mise en abyme no nouveau roman. Ele as chama de repetição, antecipação, e condensação (RICARDOU, 1973, p. 50). No romance de Saer, podemos reconhecer todas as três. O primeiro capítulo já anuncia a organização da obra quando o narrador faz um comentário sobre a luz que vem de diferentes lâmpadas de teto e acaba iluminando certas áreas da sala. Diz ele: El cono de luz artificial que cae sobre la mesa verde nos aísla como en el interior de una carpa. Hay varios conos luminosos a lo largo del salón. Cada uno de ellos está tan aislado de los otros, y moviéndose con tan perfecta autonomía, que parecen planetas con su sitio fijado en el sistema, girando en él, ignorando cada uno la existencia de los otros. (SAER, 1997, p. 14-15).

Cada capítulo do romance seria um “planeta” em particular ou cone de luz que ilumina apenas os acontecimentos narrados por um personagem específico. Esse anúncio serve como uma antecipação do que está prestes a ter lugar no texto. Antes de que sejamos capazes de entender a organização do romance, uma vez que ainda estamos no primeiro capítulo, o narrador já a deixa clara. Obviamente, será apenas após lermos o livro todo que poderemos traçar esse signo e compreender o que Saer está fazendo. No primeiro capítulo, também lemos como Fiore se mata, uma vez que o juiz, um amigo do narrador, deixo-o entrar na sala de interrogatórios quando ele começa a questionar Fiore. A última coisa


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que Fiore diz antes de pular de uma janela é que as peças não podem ser encaixadas. Ele se refere a uma série de acontecimentos que o trouxeram àquele momento de sua vida, mas a sua declaração poderia ser extrapolada ao romance em si, o qual apropriadamente termina com uma citação em latim tomada da Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, “Nam Oportet Haereses Esse” (SAER, 1997, p. 267), que pode ser traduzida como “é preciso que entre vocês haja discordâncias”, outro mise en abyme que funciona como uma representação condensada da estrutura do romance.

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O terceiro aspecto do romance que espelha de perto as obras do nouveau roman é a descrição. Robbe-Grillet, em seu livro Por um Novo Romance, discute o problema da descrição no romance e assinala que se ela costumava funcionar como um instrumento a fim de tornar algo visível ou claro aos olhos do leitor (o seu ponto de comparação é o romance realista do século XIX) a intenção com relação aos seus romances é fazer o oposto. As descrições costumavam servir para apresentar um universo estável e a autenticidade dos eventos, palavras e gestos. Essa representação da segurança do mundo entrou em colapso com o romance moderno. Robbe-Grillet afirma que se a descrição costumava ser capaz de fazer as coisas visíveis, “agora parece que ela as destrói, como se a sua intenção de discuti-las apenas desejasse borrar os seus contornos, torná-las incompreensíveis, fazê-las desaparecer totalmente” (ROBBE-GRILLET, 1992, p. 147). O terceiro capítulo do romance, a visão do juiz, contém a representação mais direta do tipo de descrição que pode ser associada com o nouveau roman. No romance de Saer, a intenção espelha aquela de RobbeGrillet, ao mesmo tempo em que coloca a questão de como se narrar um acontecimento. Lemos: Llego por fin a la boca del puente colgante, que he visto avanzar hacia mí, con sus mástiles envueltos en una niebla que los deja entrever, oscurecidos y relumbrantes por la humedad, por sus desgarrones y de tanto en tanto (...) Después desaparece. Queda atrás. El puente también queda atrás. Se extiende ahora delante de mí la costanera vieja, con su asfalto lleno de grietas y resquebrajaduras, manchado de lubricante. La baranda de concreto muestra su hilera interminable de balaustres manchados por la intemperie. De tanto en tanto, la ausencia de alguno rompe la uniformidad. Y a veces, también, el balaustre


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roto ha caído en pedazos sobre la ancha vereda de enormes lajas grises. Del otro lado de la costanera, veo los álamos altísimos, ya deshojados, avanzar hacia mí y luego desaparecer. Delante está la niebla. Forma un murallón blanco, cerrado (SAER, 1992, p. 167).

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A fragmentação narrativa, o sentimento de estranheza em todos os personagens e suas incertezas reforçam esse tipo de descrição, bem como o uso que faz Saer da repetição de certas frases e palavras enfatiza a impossibilidade de capturar o real. Nesse caso, a neblina reaparece e cada objeto da cidade está envolto por ela. Essas descrições meticulosas são quase imagens estáticas e, embora elas tenham sido relacionadas à experiência cinematográfica – a visão do narrador seria a câmera que captura as cenas com todos os seus detalhes e os expressa como ele as vê – poderíamos dizer que elas tendem a oferecerem-se ao leitor como pinturas: imagens na obra de Saer acentuam o “estar aí” das coisas e a natureza fútil da linguagem em seu esforço de capturar a essência delas. Em Cicatrices, Saer adota o conceito sarrautiano de “suspeita”, mas se em Sarraute essa suspeita estava majoritariamente dirigida à construção de um romance com o indivíduo burguês como o seu centro, para Saer a suspeita refere-se à percepção que o indivíduo tem do real. O terceiro capítulo, narrado pelo juiz, é um paradigma dessa situação: a insuficiência da visão, a complexidade do real e o processo de escritura estão inter-relacionados nesse personagem quando ele tenta narrar a vista de uma cidade ocupada pelo que ele descreve como guerrilhas. O juiz que olha e percebe é também o juiz que escreve e reitera o vazio do real: “Está amaneciendo, pero la niebla acuosa envuelve de tal modo, apretadamente, el automóvil, que no puedo distinguir nada, salvo la carrocería inerte del automóvil y las densas masas blanquecinas en lento movimiento que han borrado la costanera, si es que hay una costanera, y que entorpecen completamente mi visión, si es que hay algo – aparte de la niebla – en que yo pueda desplegar mi visión” (SAER, 1997, p. 235). O juiz olha, lê, interpreta, percebe e julga o significado do real, mas a sua percepção do real lentamente se torna borrada até se cancelar com a neblina que cobre tudo o que está visível: “no veo más que los manchones de niebla moviéndose lentamente” (SAER, 1997,


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p. 165), “los andenes se cierran de niebla detrás” (SAER, 1997, p. 165), “veo a través del parabrisas venir hacia mí las altas palmeras que relucen, envueltas en niebla” (SAER, 1997, p. 166), “no hay más que el automóvil y la niebla, en una especie de inmovilidad” (SAER, 1997, p. 167), “miro fijamente la niebla (...) y después todo vuelve a borrarse” (Saer 168), “queda otra vez la niebla vacía, a través del parabrisas” (SAER, 1997, p. 168). Nesse romance, nada está realmente concretizado, e as descrições meticulosas apenas servem para deixar mais óbvios os insucessos do sujeito em capturar tudo o que a sua visão pode processar.

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Sobre a literatura de Saer, pode-se dizer, junto com Heráclito, que ninguém é capaz de banhar-se no mesmo rio duas vezes; a memória e a percepção seriam o seu rio e a sua linguagem, o indivíduo tentando recontar a mesma história uma vez mais. A maioria dos críticos de Saer têm sido relutantes em analisar os seus textos em relação ao nouveau roman, reivindicando a “originalidade” do seu projeto literário. Mas esse projeto em si mostra um horizonte teórico estável que inclui e privilegia o discurso do nouveau roman. De todos os modos, dizer que Saer foi influenciado pelo nouveau roman não diminui de modo algum a sua originalidade. Pelo contrário, Saer usa um lugar, a sua “zona”, através do qual aborda tópicos universais em suas explorações narrativas. De fato, o seu uso das estratégias narrativas do nouveau roman contribuem para a sua forma particular de originalidade.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GRAMUGLIO, María Teresa. El espacio en la novela objetivista. Revista Setecientosmonos, n. 10, p. 13-18, 1967. RICARDOU, Jean. Le Nouveau Roman. Paris: Seuil, 1973. ROBBE-GRILLET, Alain. For a New Novel. Essays on Fiction. Evanston: Northwestern University Press, 1992. ROBBE-GRILLET, Alain. “La playa”. Revista Setecientosmonos, n. 10, p. 1-2, 1967. SAER, Juan José. Cicatrices. Buenos Aires: Seix Barral, 1997.

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SARRAUTE, Nathalie. Tropismos. Buenos Aires: Galerna, 1968.


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Zones of Influence: Juan José Saer and the nouveau roman 572

Larisa Maite Colón Rodríguez

Universidad de Salamanca/Oberlin College

In 1967 Juan José Saer published a translation of a short story written by Alain Robbe-Grillet, “La plage” [“The Beach”], in a small literary journal from Rosario called Setecientosmonos. In the following year, 1968, he completed the first Spanish translation of Nathalie Sarraute’s Tropisms. That same year he was awarded a scolarship to spend six months in Paris researching the relations between the literary avant-garde phenomenon of the nouveau roman and the film avantgarde of the nouvelle vague. Saer did not finish his research–—and he also never left France—but he did meet and interview the most


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important writers of the nouveau roman: Alain Robbe-Grillet, Nathalie Sarraute, Michel Butor and Claude Simon. The nouveau roman, however, didn’t fade away for Saer with that project; in fact it remained a constant point of reference for him not only in his critical work, but also in his fictional oeuvre.

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In the 1960’s, at the time when Saer started writing, the Argentinian intelectual center was considered to be the city of Buenos Aires. Borges, Cortázar and the Contorno group led by David Viñas dominated the literary scene with their fantastic stories, in the case of the first two, and the political realist texts, in the case of Contorno. All the big publishers, most of the literary journals and literary critics were located in the metropolis. Thus, many authors such as Leopoldo Lugones, Carlos Mastronardi, Ezequiel Martínez Estrada and Manuel Gálvez migrated from their hometowns into the urban center to try to find ways to publish and to make themselves known in its various literary circles. Others struggled to make a name for themselves in the literary sphere by staying in their own towns while others, as in the case of Saer, moved directly from their small towns in Argentina to cities around the world, without passing through the Argentinian center of cultural legitimacy. The case of Saer is an interesting one, because even though he decided never to return to Argentina, he never ceased to write in his native language and locate his fictional work anywhere else but in the Argentinian province of Santa Fe. Paris appears as a setting in one novel, La pesquisa [The Investigation], but as a story that one character, Pichón Garay, who lives in Paris, tells his friends when he goes on vacation to Argentina. As opposed to other Argentinian authors who emigrated to Europe, like Héctor Bianciotti and Juan Rodolfo Wilcock, both of whom decided to write in the languages of their newly adopted countries (French in the case of Bianciotti and Italian in the case of Wilcock), Saer not only never wrote in any other language than Spanish, but also tried to capture in his books the linguistic details of the spoken language of his province while distancing himself from topics that could be considered regionalistic. From his very first book Saer starts developing his “zone”; repetition is key to understanding his poetics: his use of the same place–the province of Santa Fe–in which to base his books, of a restricted repertoire of characters that appear in


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more than one book, of recurring themes and an attentive focus on the formal elements of the text form the foundation of his literary project. Critics, nonetheless, described his first books as being regionalist works. This can be explained by some of their characteristics such as the use of characters that were marginal, the oral intonations of some of his short stories or his decision to choose rural settings instead of urban ones for his fictions. Saer’s first books almost went unnoticed and the reviews that he got for most of them labeled him as a realist or regionalist writer—and we should keep in mind that in Argentina being a realist writer was opposed to being a writer from the avant-garde.

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As what I belive was an intentional gesture towards some of the literature produced in Argentina and against those critics who didn’t appear to understand his literary project or who expected a different type of literature from the young author, Saer began to explore different literary models in order to situate himself on the other side of what he called “official literature” which included the authors from the literary phenomenon of the Latin American “boom” and many of the anti-realist and anti-regionalist critics. One of those models was the nouveau roman. Saer read very carefully the theoretical works of the writers of the nouveau roman. Aside from his translation of the works already mentioned, which were Saer’s only published translations, he also wrote extensively on the subject. In his book of essays El concepto de ficción [The Concept of Fiction], a book that includes essays written from 1965 to 1996, Saer directly or indirectly refers to the nouveau roman in close to a dozen of his essays. He takes up the topic again in his two other non-fictional books, La narración-objeto [The Narration-Object], published in 1999, and Trabajos [Works], published posthumously in 2005. Even the two volumes that compile his unpublished works, Papeles de trabajo I and Papeles de trabajo II contain references, criticism, notes and comments about books and theories of the nouveau roman and finally his book El río sin orillas. Tratado imaginario [The Shoreless River. Imaginary Treatise], makes reference to the nouveau roman. There is also a long unpublished manuscript that was given as a conference with the title of “Le nouveau roman y nosotros” that analizes the concept of “objectivism,” some novels of Butor, RobbeGrillet and Sarraute and their respective theories on the novel.


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This “list” is meant to show that the relationship between Saer and the nouveau roman was not some ephemeral fascination that was triggered with his arrival in France in the late 1960’s (the moment when the nouveau roman was in its most mature stage) as some critics have suggested. Saer’s interest predates his trip. It was also, as I have mentioned, the reason for his trip and it was an important point of reference for him.

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Saer’s work is normally studied, albeit superficially, in relation to the nouveau roman when considering what most of his critics have called his “experimental phase,” namely the four books that he published from 1968 to 1980 (Cicatrices, El limonero real, La mayor and Nadie nada nunca). But since the publication of his book Cicatrices [Scars], if not before, his interest in the poetics of the nouveau roman exceeds those parameters and extend to his entire narrative project both from the outside—that is, from where he positions himself ethically as a writer, a position that mirrors that of the nouveaux romanciers— and from the inside of his fiction in intertextual segments, allusions, references and also in his adoption of some of the formal strategies used in the works of the nouveau roman. Those could be summed up in slow paced narration, repetition, novels with open endings, vague characters, metatextual references, mise en abyme, incredibly detailed descriptions, narratorial unreliability and the use of mnemonic, unsconscious and oneiric states to blur textual limits. In his narrations space takes on a priviledged role; since description is a central element in Saer’s texts, space of course will be the focus of those descriptions. Space, in the nouveau roman is, as María Teresa Gramuglio comments, “the object of a sight that establishes it as foreign, exteriorizes it and discovers it in slow itineraries that make inventories of details, objects, measurements and distances” (GRAMUGLIO, 1967, p. 14). In the literature of Juan José Saer, the space represented and described is the same, but because it is pictured with the particular strangeness of the narrator’s perception, it keeps its mystery. Saer tells us that one can write all the possible details of a place but one will never be able to capture its nature. The structure of Cicatrices aims to make problematic the novelistic genre using some of the narrative strategies that we just mentioned. The three main characteristics that the novel shares with


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the nouveau roman are the temporal organization of the novel, the use of the mise en abyme and the meticulous descriptions that Saer will continue to use in his other novels; descriptions of the city of Santa Fe, but also of minimal or trivial actions such as gestures and movements. The novel is divided into four chapters that are also temporal divisions of the events that are being narrated. The first chapter comprise the events that happened from February to June, the second chapter the events that happened from March to May, the third chapter includes April and May and the fourth chapter one day in May, specifically, the day of May 1st. All the chapters have different narrators that in some way or another are related to the main event, which is a murder suicide.

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The structure of the novel can be described as a spiral and the center or common denominator would be the crime. In that sense, the novel can also be read as a work of detective fiction, except for the fact that there isn’t an investigation of a crime in the classical sense but what we are given are references and fragments of the crime that the other characters bring about in their independent narrations. This use of the techniques of detective fiction to render the narration problematic was also a common practice of Robbe-Grillet. In his book For a New Novel, Robbe-Grillet wrote that the modern novel brought about an ending to the time of linear narratives and that his intention was to erase in his texts all traces of time substituting it with space. “Time”, he says, “seems to be cut off from its temporality. It no longer passes. It no longer completes anything” (ROBBE-GRILLET, 1992, p. 155). In order to capture the instant the narrator must deny continuity. In his novel The Voyeur, there is a missing hour in the course of the narration. That hour where the main character doesn’t seem to remember where he was or what happened, was also the same hour where a crime was commited. Throughout the rest of the novel we see the main character trying to remember the events that happened in that specific hour to determine whether he was guilty of the crime or not. Signs, symbols, references suggest to the reader that he is guilty, but the novel ends without ever clarifying if he was actually the criminal. Time, then, is interrupted and this interruption undermines the linear narrative: after that missing hour, the reader feels the same uncertainty as the main character.


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The whole structure of Cicatrices disconcerts the reader in a similar way since the temporal order of the narration is subverted: the first chapter begins with a pool game but the end of that chapter is nevertheless chronologically prior to the game and that first chapter is actually chronologically the last one of the novel. The fractured structure of the novel allows the reader to begin any chapter without reading the other three.

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The use of the mise en abyme is everywhere apparent in the novel although I will limit myself to just two examples. Jean Ricardou identifies three types of mise en abyme techniques in the nouveau roman. He calls them repetition, anticipation and condensation (RICARDOU, 1973, p. 50). In Saer’s novel we can recognize all three of them. The first chapter already announces the organization of the novel when the narrator makes a comment about the light that comes down from different roof lamps and ends up illuminating certain areas of the room. He says: The cone of light that falls on the green table isolates us like the walls of a tent. There are several cones of light across the hall. Each so isolated from the others, and hanging so perfectly apart, that they look like planets with a fixed place in a system, in orbit, each ignorant of the other’s existence. (SAER, 1997, p. 6)

Each chapter of the novel would be a particular “planet” or cone of light that illumintes only the events narrated by a specific character. This announcement serves as an anticipation of what is about to happen in the text. Before we are able to understand the organization of the novel, since we are still in the first chapter, the narrator already makes it clear. Of course, it will only be after reading the whole book that we can trace this sign and figure out what Saer was doing. In the first chapter we are also told how Fiore kills himself since the judge, a friend of the narrator, lets him enter the questioning room when he starts interrogating Fiore. The last thing that Fiore says before jumping through the window is that the pieces cannot be put together. He refers to the series of events that brought him to that moment in his life, but his statement could be extrapolated to the novel itself which appropriately ends with a latin quote taken from Paul’s first epistle to the Corinthians: “Nam Oportet Haereses Esse” (SAER, 1997, p. 278)


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which can be translated as “It is well, or fitting, that there be dissent,” another mise en abyme that works as a condensed depiction of the structure of the novel.

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The third aspect of the novel that closely mirrors the novels of the nouveau roman is the description. Robbe-Grillet, in his book For a New Novel discusses the problem of description in the novel and points out that if description used to work as an instrument to make something clear and visible for the eyes of the reader (his point of comparison being the realist novel of the 19th century) the intention for his novels is to do the opposite. Descriptions used to serve to present a stable universe and the authenticity of events, words and gestures. That representation of the security of the world collapsed with the modern novel. Robbe-Grillet affirms that if description used to be able to make things visible, “now it seems to destroy them, as if its intention to discuss them aimed only at blurring their contours, at making them incomprehensible, at causing them to dissappear altogether” (ROBBEGRILLET, 1992, p. 147). The third chapter of the novel, the version of the judge, contains the most direct representation of the type of description that can be associated to the nouveau roman. In Saer’s novel the intention mirrors that of Robbe-Grillet while it posits the question of how to narrate an event. We read: Soon I reach the suspension bridge, which I have seen approach me. Its columns, darkened and gleaming from the water, are only half-visible here and there through breaks in the fog (…) Then [the bridge] disappears. He is behind me. Then the bridge too. Now the old waterfront extends ahead, its oil-stained asphalt covered with fractures and holes. Now the concrete railing, its endless, weathered balustrade. Every so often, a missing column brakes the uniformity. And sometimes a broken column has fallen to pieces over the enormous gray slabs of the wide sidewalk. From beyond the waterfront I see the leafless, tall poplars approach me and then disappear. The fog approaches, a solid, white wall (SAER, 1997, p. 173).

Narrative fragmentation, the feeling of strangeness in all the characters and their uncertainty reinforce this type of description as well as Saer’s use of repetition of certain phrases and words to emphasize the imposibility to capture the real. In this case, the fog reappears and every object of the city is surrounded by it. These meticulous


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descriptions are almost still images and even though they have been related to a cinematic experience—the sight of the narrator would be the camera that captures the scenes with all their details and expresses them as he sees them—we could say that they tend to offer themselves to the reader more as paintings: images in the works of Saer stress the “being there” of things and the futile nature of language in its effort to capture their essence.

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In Cicatrices, Saer adopts the Sarrautian concept of “suspicion” but if in Sarraute this suspicion was mostly directed towards the construction of the novel with the bourgeois individual in its center, for Saer the suspicion falls on the perception that the individual has of the real. The third chapter, narrated by the judge is a paradigm of this situation: the insufficiency of sight, the complexity of the real and the process of writing are interrelated in this character when he tries to narrate the vision of a city occupied by what he described as gorillas. The judge that looks and perceives is also the judge that writes and reiterates the emptiness of the real: “The sun is coming up, but the wet fog surrounds the car so closely that all I can see is the inert body of the car and the slowly drifting whitish masses that have erased the waterfront, if there really is a waterfront, and which completely obscure my vision, if–beyond the fog–there really is anything for my eyes to see” (SAER, 1997, p. 242). The judge looks, reads, interprets, percieves and judges the meaning of the real, but his perception of it slowly gets blurry until it cancels itself with the fog that covers everything that is visible: “I can only make out blurs moving slowly through the fog” (SAER, 1997, p. 171), “the platforms fade into the fog” (SAER, 1997, p. 171), “I see tall palms approach me, wrapped in fog” (SAER, 1997, p. 172), “for a moment there is nothing but the car and the fog” (SAER, 1997, p. 173), “I stare at the fog” (SAER, 1997, p. 174). In this novel nothing is really achieved, and the meticulous descriptions only serve to make more obvious the failure of the subject to capture everything that his sight can process. For Saer’s literature one can say, with Heraclitus, that no one can step into the same river twice; memory and perception would be his river and language the individual trying to recount the same story over again.


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The majority of Saer’s critics have been reluctant to read his texts in relation to the nouveau roman, claiming the “originality” of Saer’s own literary project. But this project itself shows a stable theoretical horizon that includes and privileges the discourse of the nouveau roman. In any case, to say that Saer was influenced by the nouveau roman does not diminish in any way his originality. On the contrary, Saer uses a place, his “zone,” through which he addresses universal topics in his narrative explorations. If anything, his use of the narrative strategies of the nouveau roman contributes to his particular form of originality.

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BIBLIOGRAPHY GRAMUGLIO, María Teresa. El espacio en la novela objetivista. Revista Setecientosmonos, n. 10, p. 13-18, 1967. RICARDOU, Jean. Le Nouveau Roman. Paris: Seuil, 1973. ROBBE-GRILLET, Alain. For a New Novel. Essays on Fiction. Evanston: Northwestern University Press, 1992. ROBBE-GRILLET, Alain. “La playa.” Revista Setecientosmonos, n. 10, p. 1-2, 1967. SAER, Juan José. Cicatrices. Buenos Aires: Seix Barral, 1997.

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SARRAUTE, Nathalie. Tropismos. Buenos Aires: Galerna, 1968.


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