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Clarice de Assis Rosa

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Valéria Barbosa

Valéria Barbosa

Clarice de Assis Rosa Ituiutaba/MG Insignificância

Sempre fui um cara simpático, e me gabava por isso. Gostava de chamar atenção e usar meu charme para atrair mulheres. Elas quase nunca resistiam ao meu encanto, apaixonavam-se facilmente.

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Não gostava quando ficavam no meu pé. Uma vez satisfeito o meu ego, eu queria novidade, sair com outras, mas não podia negar que, em um primeiro momento, agradava-me receber ligações, mensagens pedindo por novas oportunidades de sair comigo. Lisonjeava-me observar o quanto se humilhavam em troca de um pouco de atenção e carinho.

Porém, o problema não estava relacionado ao fato de não ter sentimentos –como já ouvira – e sim de gostar de todas, simultaneamente. — Charles, você ainda vai se dar mal, uma hora você se apaixona por uma de verdade e é você quem vai sofrer. — Que nada! Isso é impossível, tenho todas as mulheres que quero aos meus pés.

Frequentemente, saía com uma diferente e já houvera ocasião em que saíra com mais de uma em um só dia. Mas não achava que fazia nada de inadequado. Era gentil com todas e sabia conquistar uma mulher. Antes de conseguir o que realmente lhe interessava, passeava de mãos dadas, ia ao cinema, dizia que amava, fazia muitos elogios à escolhida... até terminar a noite em um motel.

As mulheres de sua família achavam um absurdo, diziam que ele estava iludindo as pessoas sem ter intenção de um relacionamento sério, no entanto, isso não o afligia; divertia-o e, quanto mais mulheres conquistava, mais se considerava fascinante.

Envolvera-se em diversos problemas: era mulher ligando ininterruptamente, mandando mensagens, indo ao seu trabalho, humilhando-se, querendo agredi-lo. Fugia de todas, não era sua intenção namorar com qualquer uma delas.

Frequentemente, quando chegava em casa, vindo de sua rotina agitada, ele relembrava as suas conquistas, mas, inevitavelmente, sempre vinha à sua mente uma pergunta inoportuna, que o incomodava pensar: “o que cada mulher que eu saí acrescentou a minha vida?” — Pode não ter acrescentado nada, mas me fez bem ,satisfez meu ego, me fez sentir imponente, bonito – respondia de si para si.

Quando não estava trabalhando, tentava sempre estar com alguma mulher, como se precisasse provar a si mesmo que era capaz de conquistar a mais difícil que fosse.

Seus amigos foram casando-se, constituindo família e cada vez ele ia ficando mais isolado, pois casais chamavam pessoas na mesma situação conjugal para

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saírem com eles; quase nunca o convidavam para jantares, festas. Até seu amigo mais chegado, o Carlos, estava namorando. — Como você mudou Carlos, nem te reconheço mais! — É o amor, um dia você também vai se sentir assim e a presença de apenas uma mulher vai te bastar.

Charles sorria e não acreditava, mas passou a se incomodar pelo fato de só ele estar sozinho, de não ter ninguém em casa esperando-o quando chegasse do trabalho, de nem sempre ter uma mulher disponível para sair com ele a hora que quisesse, como vinha acontecendo nos últimos dias.

Começou a achar que talvez fosse melhor casar-se, mas com quem?

Não saberia escolher uma esposa. Pediu ajuda aos amigos que, nesse caso, não podiam fazer nada.

Passou a observar as mulheres pelas quais ele teria mais afinidade, que não fosse ciumenta, que fosse companheira. Encontrou.

Resolveu casar-se, estava se achando muito só, apesar de sair com várias mulheres, e sentia falta de ter alguém ao seu lado, rotineiramente, como via na casa dos amigos casados.

Casar-se não foi difícil. Tinha um bom emprego e várias pretendentes. Escolheu a que lhe parecia atender aos seus requisitos

Foi uma surpresa e alegria para a família e amigos, todos queriam partilhar desse momento.

No começo foi tudo maravilhoso. Encantara-se com Estela todos os dias; gostava de ver filmes em sua companhia, almoçar junto. Passou a enxergar que sua vida era desprovida de sentido até conhecê-la, que nada do que fizera antes tinha colaborado para fazer dele um homem feliz e completo, como sentia agora.

Com o passar dos meses, Estela tornou, aos seus olhos, uma mulher fria. Já não o elogiava como antes, não dizia o quanto ele era bonito, inteligente, único, o quanto a conquistava dia após dias, e demais coisas que ele ouvira a vida toda.

Passou a rejeitá-la, sem sequer dizer-lhe o motivo. Achava que era obrigação da esposa entender o que estava ocasionando esse distanciamento e que ela deveria entender que um homem necessita ,diariamente, ouvir acerca dos seus atributos.

Sem aviso prévio, começou a sair novamente. A princípio, dizia a Estela que ia tomar umas cervejas com amigos do trabalho, depois já não dizia mais nada, simplesmente saía.

Voltou a frequentar ambientes que ia quando era solteiro ,cada vez com uma mulher diferente . Voltava cheio de si para casa, gostava que o idolatrassem que enchessem seu ego, que dissessem que ele era insubstituível. Gostava de ouvir isso constantemente. Precisava.

E assim continuou sacrificando sua vida, seu casamento em troca de prazeres momentâneos. Necessitava ouvir tudo que no fundo sabia que não era verdade.

Queria ouvir o quão grande era diante da insignificância que realmente sentia.

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