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Eudes Nascimento

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Valéria Barbosa

Valéria Barbosa

Eudes Nascimento Campina Grande/PB

O Atleta (Da imaginação 2/3)

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O senhor Matias era um corredor. Quando menino, sua mãe dizia ao tentar agarrá-lo: “Matias, seu pivete, não é a toa que você nasceu de sete meses”. Aos seis anos, Dona Vera decidiu, enfim, colocá-lo numa escolinha de atletismo e já no ano seguinte o moleque trazia todo orgulhoso no peito a sua primeira medalha. “O Roni só ganhou o ouro porque eu deixei, ele é meu amigo! ” Gabava-se. Aos trinta e três anos se aposentou na sua terceira olimpíada, foi um campeão com “C” maiúsculo, cinco medalhas de ouro, três nos 200 metros rasos e duas nos 100. Mas em sua longa carreira também houve derrotas, e aí sempre vinham as desculpas. É, o Matias dizia que eram a sua “carta na manga” para horas difíceis. Agora, já velho, tinha escolhido viver no lar de idosos “Coração de ouro”, decisão que foi aceita sem titubeio pelos filhos, já cansados de suas longas conversas contando as glórias do passado, ou de suas fugas repentinas para correr no parque da cidade. — Papai, o senhor não tem medo do perigo? – Perguntou certa vez sua filha mais velha, Ana, quando o encontrou sentado ofegante num banquinho. – Já foi assaltado duas vezes, outra vez te deixaram com o olho roxo. O senhor quer morrer? — Não, quero quebrar o meu recorde. E não se quebra recorde vendo TV deitado no sofá! Respondia impaciente olhando fixo para o chão. – Olhe só procê? – Mas aí ele se lembrava que fazer menção à forma física da filha deixava-a magoada e então mudava de assunto rapidamente. – Vamos embora! Os filhos diziam: “O papai já está com problemas de memória! Ele vê coisas onde não existe” “Às vezes ele age como se tivesse trinta anos” “Queria ter a sua disposição, não é todo mundo que chega a essa idade com tanta energia”. Muitas vezes ele fazia vista grossa para os comentários que escutava atrás da porta ou nos corredores. Um dia cansou, e aí depois de uma busca rápida na internet descobriu o “Coração de ouro”. O lugar era espetacular, bemconceituado, tinha academia, aulas de dança, festas, pista de atletismo e claro, pessoas como ele, amigos em potencial. Duas semanas foram o bastante para que ele se enturmasse com todo o pessoal. Era respeitado pelos profissionais do lugar, paquerado pelas colegas assanhadas

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e admirado pelos amigos do xadrez. Ao menos era assim como descrevia para os filhos nas ligações e visitas de família. De certa forma era verdade, Matias era muito querido, mas havia certo exagero em tudo o que contava. Era a famosa mania de grandeza. Não demorou muito para que descobrisse que havia uma competição de corrida anual entre todos os asilos da cidade. Havia uma pré-seleção no Lar, mas todos os possíveis competidores sofriam de reumatismo, então ele foi escolhido de primeira pelo treinador, Dino, um jovenzinho de vinte e poucos anos. A preparação foi intensa, todos os dias com exceção do domingo, duas horas diárias. Três meses de preparação. Às vezes Dino reclamava: - Seu Matias, o senhor não tem a mesma idade de trinta anos atrás, não exija tanto de si. Ao que o outro respondia: “Meu caro, isto é uma competição, o mais preparado será o vencedor, além disso, você sabe o que está em jogo!” Dino ria disso, mas sabia que era uma atitude nobre. O fato é que o velho não estava para brincadeira, e o seu lema de vida, tatuado no pulso esquerdo refletia bem isso: “win or win!” Chegou o grande dia, e o pequeno estádio da cidade estava quase lotado, todos vinham para assistir a maturidade vencendo a gravidade e o tempo. Eles achavam a corrida engraçada também, mas para os competidores aquilo não era nada divertido, a disputa era ferrenha e o prêmio fenomenal. Matias estava concentrado em sua raia, mas correu o olho para a plateia procurando os filhos, encontrou-lhes na primeira fila e deu com a mão. Era a hora do Show. — Às suas marcas – gritou alguém. E após alguns segundos se escutou um tiro. Dois competidores ficaram para trás, tinham esquecido o aparelho auditivo, Matias e outros três largaram quase juntos, enquanto um vinha mais atrás. Sua largada não era boa, mas no meio da corrida suas passadas largas davam-lhe uma margem de vantagem sobre os concorrentes. O mais impressionante era que em sua cabeça, ele imaginava os tempos áureos, correndo num estádio olímpico e sendo ovacionado pelo público. Por alguns segundos fechou os olhos e admirou aquela cena magnífica. Era a glória, a glória de um atleta. Foi o primeiro a chegar, sete segundos a frente do segundo colocado, estava ofegante, mas muito feliz. Estava longe dos tempos de outrora, mas tinha vencido. Ainda era o melhor. Imbatível, inalcançável. Como sempre, guardaria todas as manchetes e notas que saíssem sobre ele nos jornais e colocaria num quadro bonito a sua medalha dourada. Ao final do dia, depois de muitas salvas e agradecimentos do pessoal do asilo, ele contemplava resoluto sua conquista na parede do quarto, um grande pôster que trazia escrito o tão sonhado prêmio: “Um ano grátis de fraldas descartáveis Sono Limpo para o Lar Coração de Ouro”.

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