LiteraLivre Vl. 4 - nº 23 – Set./Out. de 2020
Eudes Nascimento Campina Grande/PB
O Atleta (Da imaginação 2/3) O senhor Matias era um corredor. Quando menino, sua mãe dizia ao tentar agarrá-lo: “Matias, seu pivete, não é a toa que você nasceu de sete meses”. Aos seis anos, Dona Vera decidiu, enfim, colocá-lo numa escolinha de atletismo e já no ano seguinte o moleque trazia todo orgulhoso no peito a sua primeira medalha. “O Roni só ganhou o ouro porque eu deixei, ele é meu amigo! ” Gabava-se. Aos trinta e três anos se aposentou na sua terceira olimpíada, foi um campeão com “C” maiúsculo, cinco medalhas de ouro, três nos 200 metros rasos e duas nos 100. Mas em sua longa carreira também houve derrotas, e aí sempre vinham as desculpas. É, o Matias dizia que eram a sua “carta na manga” para horas difíceis. Agora, já velho, tinha escolhido viver no lar de idosos “Coração de ouro”, decisão que foi aceita sem titubeio pelos filhos, já cansados de suas longas conversas contando as glórias do passado, ou de suas fugas repentinas para correr no parque da cidade. — Papai, o senhor não tem medo do perigo? – Perguntou certa vez sua filha mais velha, Ana, quando o encontrou sentado ofegante num banquinho. – Já foi assaltado duas vezes, outra vez te deixaram com o olho roxo. O senhor quer morrer? — Não, quero quebrar o meu recorde. E não se quebra recorde vendo TV deitado no sofá! Respondia impaciente olhando fixo para o chão. – Olhe só procê? – Mas aí ele se lembrava que fazer menção à forma física da filha deixava-a magoada e então mudava de assunto rapidamente. – Vamos embora! Os filhos diziam: “O papai já está com problemas de memória! Ele vê coisas onde não existe” “Às vezes ele age como se tivesse trinta anos” “Queria ter a sua disposição, não é todo mundo que chega a essa idade com tanta energia”. Muitas vezes ele fazia vista grossa para os comentários que escutava atrás da porta ou nos corredores. Um dia cansou, e aí depois de uma busca rápida na internet descobriu o “Coração de ouro”. O lugar era espetacular, bemconceituado, tinha academia, aulas de dança, festas, pista de atletismo e claro, pessoas como ele, amigos em potencial. Duas semanas foram o bastante para que ele se enturmasse com todo o pessoal. Era respeitado pelos profissionais do lugar, paquerado pelas colegas assanhadas
64