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Maria Pia Monda

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Valéria Barbosa

Valéria Barbosa

Maria Pia Monda Belo Horizonte/MG

Cachinhos de fumaça

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Cachinhos de fumaça escapam dos meus dedos e se dissolvem no fundo desenhado pelo crepúsculo. Fumar pode ser uma maneira de devolver à cidade alguns dos venenos que, todos os dias, sou forçada a respirar. Uma troca nem equitativa, nem justa, nem ao menos razoável. Mas a ilusão de vingar-me silencia a verdade afirmada pela consciência de que, a cada baforada, estou me envenenando um pouco mais. A luz fraca do dia morrendo, em breve, será totalmente substituída pela escuridão do fim da tarde e, mais tarde, pela escuridão mais profunda da noite. Uma rotina incontestável. Como terminará o dia? Terminará com a noite. Nada para adicionar. Inspiro golfadas longas de nicotina e alcatrão. A paisagem é a mesma de ontem e do dia anterior. É a mesma de sempre. Uma geometria de prédios e linhas harmônicas que o céu desassoma em um emaranhado caótico de nuvens sem forma. O cigarro se consumou, mas permaneço na varanda olhando em volta. Consigo ver, dentro das habitações, os primeiros raios de luz artificial que começam a reverberar. Minhas pernas estão cansadas. Massageio as panturrilhas. Primeiro a esquerda, depois a direita. As plantas dos pés descalços transmitem um alívio fresco, mas brando para o resto do corpo. Os sapatos ainda estão lá, onde os deixei, tirando-os, no limiar. Não estou acostumada aos saltos, embora os que usei durante a tarde não fossem muito altos. Saltos médios de sete centímetros. Meus sapatos de ocasião especial. A euforia se dissolve em um bocejo que cheira a hábito. Decido voltar para dentro.

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As paredes lotadas não tornam esta casa menos vazia. Mas o que é, essencialmente, o vazio, se não algo que eu tento esvaziar do que, cheio, poderia me machucar? Me abandono no sofá, a saia se enrola nos meus quadris e me deixa com as coxas descobertas. Está na hora para eu usar algo mais confortável. O que o taxista me disse? Um elogio que escapou da minha mente, porque não era dele que eu queria ouvi-lo. A maquiagem cobre, a maquiagem engana e a ilusão começa a perder o efeito, como os traços de batom que deixei nas bordas da xícara. Meus lábios, a cada gole de café mais nus, no final tremiam por cada sorriso. Tiro uma mecha de cabelo do meu rosto. Ainda não tive a chance de me olhar, não tenho coragem. Não quero ler, impressa no meu rosto, uma alegria que daqui a pouco será apenas uma lembrança. Afinal, nos encontramos e nos perdemos e eu sou tão boa em perder, que nem diante da conquista mais simples e ao alcance, estendo o braço. O que ele me disse? - Temos que nos encontrar novamente. E realmente deveríamos, se pretendo descobrir se é verdade que ele quer me ver de novo. As sombras se alongam e abrem caminhos até os espaços mais estreitos da minha mente. Aqueles onde guardo minhas esperanças. Cantos sujos, sem possibilidade de manobra. Pilhas de projetos sem sequela ou memória. É aqui que a demanda bate e faz desmoronar o acervo. Se isso não é um começo, por que temo o fim? A solidão me protege da obrigação de me dar uma resposta, mas me expõe à dúvida de nunca ser capaz de encontrar uma, não até quando eu me impeça de viver-me contrariamente às obrigações que eu mesma me imponho. Como quando ele me entregou o potinho de açúcar e nossos dedos se tocaram.

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Me apressei a retrai-los. - Desculpe. - Por quê? - Ele perguntou. Por nada, por tudo, mas sobretudo porque eu sabia que aquele era um momento que eu nunca esqueceria. Um momento importante? Quem sabe ... É quase sempre o que acontece depois que define a importância do que aconteceu antes. Estabelecer a importância a priori é um ato de arrogância. Um café, por exemplo, é apenas um café. Tentei e continuo tentando me convencer disso, embora eu não possa negar que gostaria que fosse algo mais. O crepúsculo engana meus olhos. É uma sensação visual que se torna uma percepção tátil. Um arrepio involuntário. Um entusiasmo que a incerteza me impede de apreciar plenamente. Era a hora certa para dizer-lhe que gosto dele. Mas eu não disse. A regra exige que eu tenha certeza de que ele também goste de mim, antes de hesitar em dizer-lhe ou não quanto eu já goste dele. Me levanto. Com os pés descalços, alcanço o interruptor e acendo a luz. Meus sapatos estão sempre lá. Se agora eu os pegasse e os colocasse no lugar, o entusiasmo que eu senti, enquanto os usei, permaneceria comigo? Vou me sentir estúpida, eu sei. Talvez amanhã ou mesmo em algumas horas. Quando deitarei na cama e, ao contrário de ontem, não me perguntarei que tipo de dia será hoje, porque já o vivi.

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