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Felipe Martins

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Valéria Barbosa

Valéria Barbosa

Felipe Martins Franca/SP

Como está a senhora?

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Saí de casa aflito, com tanta amargura no peito, e as ideias mais bagunçadas que nunca. No caminho, enquanto pilotava a moto eu chorava, pois, eu não queria me sentir daquele jeito nunca mais. Eu sabia onde encontraria conforto: A casa do meu melhor amigo. Morávamos longe um do outro, e tudo que eu tinha que chorar ficou no caminho. Era impossível não ficar bem do lado dele. Com seu humor ácido, ele conseguia corroer em mim tudo que era ruim, e sempre precisar fazer nenhuma força, ele me ajudava não só a ficar, mas como ser uma pessoa melhor. — Finalmente! — ele disse insolente. — Veio andando de mula? — eu ri, o cumprimentando. — Ninguém manda você morar nesse fim de mundo. — retruquei. Era assim que demonstrávamos nosso afeto: através de insultos. Na sala, saudei sua mãe e fomos para o seu quarto onde passávamos praticamente todo tempo falando de tudo que estava nos acontecendo. Nos conhecemos no teatro, e apesar das inúmeras vezes no palco, eu não precisava atuar diante dele. Com ele nunca foi necessário usar máscaras e no meu pior ele nunca apontou o dedo e me julgou, quero dizer, julgou, mas foi na minha frente, sem mentiras, sem me poupar, mas sempre buscando acrescentar algo positivo. E eu era assim também com ele. Mas o mais engraçado é que não importava o quão ruim eu estava, só de estar diante dele eu ficava bem. Ele sempre me sedia a cama para deitar e ficava sentado em uma cadeira. O roteiro era sempre o mesmo: falar besteira, assistir algum filme, comer alguma coisa e por fim ficar quase que uma hora no portal falando das coisas sérias. — Você viu que a Tauana está grávida? — ele me perguntou antes de eu me acomodar na nova cama de casal dele. Antes era de solteiro. — Você está brincando? — fiquei estupefato. — Como você ficou sabendo? — Ela postou em todas as redes sociais. — ele continuou. — Quem diria. Já estava morando junto, e agora grávida. E a senhora, está bem?

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Costumávamos nos chamar de “senhora”. Fazíamos humor do começo ao fim e com absolutamente tudo, sobretudo de nós mesmos. Perdi às vezes que o fui ver com o peito cheio de dor, e com muita vontade de chorar, mas para ser sincero, nunca chorei na frente dele. Não era por vergonha, mas sim por que magicamente não havia mais pelo que chorar. — Mais ou menos. — eu disse quebrando o clima da noite. — Terminei meu namoro essa semana! — Ah, mas por quê? — apesar de ambos sermos palhaços, sabíamos que o segredo da comédia é saber quando contar a piada, então ele falou bem sério. Largou o celular e se concentrou em mim. — Você conhece toda história do meu relacionamento até aqui, mas eu omiti uma informação. — fiz uma pausa dramática. — Ele me traiu há alguns meses, e desde lá tentei continuar a relação, mas fui ficando cada vez pior dentro disso tudo e decidi terminar. — Mas que homem idiota, esse! — ele disse. — Sei que é clichê, mas a senhora merece coisa melhor. — Eu sei, e eu terminei justamente por que consegui enxergar. — continuei. — Percebi que passava o tempo todo da minha terapia falando dele, e quando eu vi que estava com vergonha de te contar o que houve, percebi que não podia mais continuar com isso. — Quer dizer que quando ele esteve aqui, ele já tinha te traído? — ele perguntou com um pouco de raiva na voz, então acenei positivamente. — Devia ter cuspido na água então. — Podia ter colocado laxante, isso sim. — eu ri. — Mas é isso. Eu ainda sinto falta dele, mas não suportava mais olhar para uma pessoa que me trocou por outra pessoa, ou outras pessoas. A verdade, meu amigo é que ele nunca me namorou, só me esqueceu de contar isso. — Nossa! — ele ficou espantado. — Ele é sem noção de mais. — Muito! — continuei. — Mas como diria Eponine em “Les Miserábles”: “ele nunca foi meu para perder”. Agora dói, mas você sabe bem que eu junto meus trapos, aprendo e cresço com tudo isso. — É por isso que nunca me envolvo. — ele riu. E tinha razão. Em sete anos de amizade ele se envolveu mais sério apenas com uma pessoa, e não acabou bem. Azarados no amor, e no fim do dia, estávamos lá um pelo outro. Isso era uma constância. Percebi que não importava quantas vezes eu atingisse o fundo do posso, ele esteve lá para me jogar a corda, todas às vezes.

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— Quero ser como a senhora quando eu crescer. — brinquei. — e o que vamos comer? — Pediremos uma pizza, que fica aqui perto, que eu provei e gostei muito. — ele disse. — Mas antes, você vai ficar bem? — ele perguntou preocupado. — Eu já estou bem melhor! — eu sorri enquanto pegava o celular para fazer o pedido da tal pizza. O resto da noite foi como as outras, e sendo assim não lembro com detalhes. Não lembro o sabor da pizza, não lembro qual foi o filme. Não lembro nem dos assuntos que falamos. Das pessoas que criticamos ou dos insultos trocados. Mas algo era constante em todo e qualquer momento que eu via. Eu agradecia do fundo do meu coração ao universo pelo amigo que eu tinha e que sem nenhum parentesco se tornou família. Ele não sabe como me sinto, porque nosso afeto é mascarado no humor, mas ele com toda certeza sente o mesmo, sei disso. Ele era o melhor irmão que eu poderia ter, e não importava quantas vezes ele esteve do meu lado, eu estaria do lado dele cem vezes mais, por que é isso que amigos fazem: te apoiam. Aquela criatura caricata, ácida, meio palhaço, magricela, era uma das pessoas mais importantes da minha vida, e claro que não saí de lá sem dor nenhuma. Claro que seria uma longa jornada até eu me curar daquele baque enorme que nunca havia me acontecido, porém, eu sabia, que eu só passaria por isso sozinho se eu quisesse. — Eu te amo, carniça! — eu disse pela primeira vez. Sem piada, sem brincadeira. — Eu também te amo. — ele repetiu e fiquei em choque, pois, não esperava. — e não acostuma não que eu não falo isso nem para minha mãe. A noite acabou no portão como sempre, mas não conversamos muito, pois, estava frio. Subi na moto e ao contrário de quando cheguei, fui embora sorrindo relembrando da noite. E com a certeza de que não importa o tamanho do buraco no meu coração, ele não me deixaria cair lá dentro. E de fato, nunca caí.

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