LiteraLivre Vl. 4 - nº 23 – Set./Out. de 2020
Felipe Martins Franca/SP
Como está a senhora?
Saí de casa aflito, com tanta amargura no peito, e as ideias mais bagunçadas que nunca. No caminho, enquanto pilotava a moto eu chorava, pois, eu não queria me sentir daquele jeito nunca mais. Eu sabia onde encontraria conforto: A casa do meu melhor amigo. Morávamos longe um do outro, e tudo que eu tinha que chorar ficou no caminho. Era impossível não ficar bem do lado dele. Com seu humor ácido, ele conseguia corroer em mim tudo que era ruim, e sempre precisar fazer nenhuma força, ele me ajudava não só a ficar, mas como ser uma pessoa melhor. — Finalmente! — ele disse insolente. — Veio andando de mula? — eu ri, o cumprimentando. — Ninguém manda você morar nesse fim de mundo. — retruquei. Era assim que demonstrávamos nosso afeto: através de insultos. Na sala, saudei sua mãe e fomos para o seu quarto onde passávamos praticamente todo tempo falando de tudo que estava nos acontecendo. Nos conhecemos no teatro, e apesar das inúmeras vezes no palco, eu não precisava atuar diante dele. Com ele nunca foi necessário usar máscaras e no meu pior ele nunca apontou o dedo e me julgou, quero dizer, julgou, mas foi na minha frente, sem mentiras, sem me poupar, mas sempre buscando acrescentar algo positivo. E eu era assim também com ele. Mas o mais engraçado é que não importava o quão ruim eu estava, só de estar diante dele eu ficava bem. Ele sempre me sedia a cama para deitar e ficava sentado em uma cadeira. O roteiro era sempre o mesmo: falar besteira, assistir algum filme, comer alguma coisa e por fim ficar quase que uma hora no portal falando das coisas sérias. — Você viu que a Tauana está grávida? — ele me perguntou antes de eu me acomodar na nova cama de casal dele. Antes era de solteiro. — Você está brincando? — fiquei estupefato. — Como você ficou sabendo? — Ela postou em todas as redes sociais. — ele continuou. — Quem diria. Já estava morando junto, e agora grávida. E a senhora, está bem?
68