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João Rodrigues

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Valéria Barbosa

Valéria Barbosa

João Rodrigues Reriutaba/CE

A velha estação

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Quase diariamente passo próximo à velha estação ferroviária, e meus olhos me fazem tirar a vista da direção e olhar praquela figura triste, desolada, feito um menino choroso, encolhido num canto. E eu olho, meio com pena, aquele pequeno prédio abandonado, desbotado pelo sol e pela chuva, desvalido durante todo o ano, sem nem mesmo uma demão de tinta para dar-lhe uma pequena esperança de vida. Nem mesmo no Natal ou no fim de ano um pouquinho de carinho lhe é dado.

Certa tarde, ao voltar da escola, meus olhos insistiram em se desviarem novamente em direção àquele corpo sem vida, largado à beira da linha. Quis ignorá-los, mas eles insistiram e me convenceram. E para a minha surpresa, a velha estação ainda estava viva. Piscou-me um olhar, daqueles ternos, que só os velhinhos abandonados sabem lançar do fundo da alma, querendo um pouco de atenção.

Parei. Ela acenou. Senti que implorava por companhia, mesmo que fosse por um minuto apenas. Retomei a direção e pus o carro em movimento. Um “Psiu!” me fez parar bruscamente. Um motoqueiro, surpreso com minha parada repentina, apitou forte e cuspiu qualquer palavrão que não entendi. Todo o meu ser estava voltado agora praquela pobre alma, que tentava afugentar a solidão por um momento que fosse.

Encostei o automóvel na beira da rua mais à frente, para não atrapalhar o trânsito, subi a linha e fui me aproximando, vagarosamente, receando que velhos fantasmas voassem de dentro de suas paredes rachadas ou que saíssem de seu telhado esburacado.

O sol não tinha mais o mesmo vigor de duas horas atrás, portanto não precisei de pressa. Subi até a linha do trem. Os trilhos ainda tremiam com o calor que havia feito durante a tarde, mostrando-se como uma longa e sinuosa cobra, torta aqui e ali, devido à elevada temperatura que lhe tinha judiado as costas nuas praticamente o dia todo.

Subi a calçada suja, com várias rachaduras, latinhas de cervejas, pontas de cigarros e camisinhas usadas, denunciando seu completo estado de abandono. Na verdade, não apenas de abandono, mas de descuido também, pois esse lixo

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que encontrei mostrava que a velha estação tinha companhia, muito provavelmente nas horas mais calmas da noite, quando boêmios, viciados e amantes vinham curtir momentos de prazer.

Pus-me de pé, à sua frente, esperando que ela me dissesse algo. E com sua voz já combalida pelos anos de solidão, mandou-me sentar. Olhei pros lados. Nenhuma cadeira. Me indicou um canto da calçada. Me sentei. Quis perguntar-lhe alguma coisa, mas seus olhos me olharam de tal forma que preferi me calar. Não havia sido chamado ali pra falar, mas pra ouvir.

Sua voz, a princípio, era lenta, quase morta. Mas, pouco a pouco, com o desenrolar de sua narrativa, foi ganhando uma vivacidade de tal forma que me envolveu por inteiro na sua história. Ela estava viva de novo. E falava como uma garota que acabara de receber uma visita após sua festa de quinze anos.

E me falou de seus momentos de glórias, quando tudo começou nos anos sessenta do século passado. No seu calçadão, jovens partiam pra estudar na capital, levando na bagagem umas poucas roupas, muitos sonhos e saudade, abraçados a namoradas ou a familiares, com seus rostos rubros e quentes, segurando as lágrimas que teimavam em descer antes da despedida. Por outro lado, risos e abraços calorosos esperavam quem chegava.

Enquanto o trem não seguia viagem, entre um café e outro pessoas conversavam sobre novidades trazidas da capital ou de outras cidades. Falavam de inverno, de seca, de política e de futilidades. Crianças corriam, gritavam e chupavam bombons. Mas logo o apito do trem anunciava a partida, e a correria agora era pra não perde-lo. Muitos o perdiam, atrasados, chegavam ainda de ressaca, mastigando palavrões, culpando o relógio e tudo mais, e acabavam ficando ali, por mais algum tempo, tomando mais uma dose pra afogar o aborrecimento.

Mal dava tempo a agitada estação descansar e lá vinha outro Horário carregado de conversas, novidades, indagações, lembranças, saudades, paixões... No pátio, mais abraços, beijos, apertos de mãos, choro, muxoxos, bagagens... Mas logo o apito do trem, como um vendaval, levava tudo outra vez. E lá se ia o gigante soltando fumaça, apitando, avisando a todos de sua partida. Alguns ainda corriam atrás, tentando alcançá-lo, mas o velho trem era como o tempo, não podia esperar. E lentamente pegava embalo e saía roncando ferozmente, deixando casas e ruas pra trás, ganhando os cortes, a mata, as pontes e se embrenhava sertão afora, como exigia o seu destino. E mais uma vez ficava em silêncio, ou quase, a jovem estação.

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Eu, absorto, ouvindo aquele romântico relato, fiquei imaginando o quanto de vida teve aquela pobre estação. Nunca tive o prazer de pegar um Horário ali, mas imaginei que muitos bons momentos, muitas histórias, muitas despedidas, encontros e reencontros tenham acontecido naquele pequeno espaço físico, mas que se alargava com tanta gente que passava por ela, indo e vindo de outras paragens, e com certeza também ficava um pedaço de cada pessoa que embarcava, desembarcava ou que simplesmente passava por ali.

Por um momento, viajei no tempo e vi aquela multidão sem a correria de hoje, sem celular, sem tecnologia – às vezes um ou outro radinho de pilha, talvez –, com todo o tempo do curto tempo que o Horário lhes dispunha. Ouvi vozes, choros, soluços, risos, gritos de alegria; vi rostos cansados, sonolentos, aflitos, felizes, tristes, surpresos, ansiosos e tantas outras imagens que se podem ver em uma estação ferroviária.

Voltei a mim quando uma lágrima quente e pesada da velha estação caiu sobre meu rosto. Mas não era uma lágrima de tristeza. Era de alegria. A alegria presa em seu velho coração de pedra corroído pelo tempo tomou fôlego, espantando de si a solidão que o atormentava fazia décadas. Se aquela velha estação estava feliz por uma companhia ao longo de mais ou menos meia hora, imagine como terá sido seu passado nos tempos em que o destino de muita gente dependia dela! E por uns bons minutos fiquei ali, imóvel, só ouvidos, escutando as lamúrias e as glórias de uma abandonada estação de trem.

Só quando um longo trem-cargueiro apitou, chamando a atenção de quem cruzava a linha a alguns metros dali, levantei-me e saí sem me despedir.

Ainda olhei pra trás, e vi o olhar saudoso da velha estação espiando o cargueiro passar direto, sem nem mesmo cumprimentá-la.

E novamente ela se enclausurou em sua solidão.

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