LiteraLivre Vl. 4 - nº 23 – Set./Out. de 2020
João Rodrigues Reriutaba/CE
A velha estação
Quase diariamente passo próximo à velha estação ferroviária, e meus olhos me fazem tirar a vista da direção e olhar praquela figura triste, desolada, feito um menino choroso, encolhido num canto. E eu olho, meio com pena, aquele pequeno prédio abandonado, desbotado pelo sol e pela chuva, desvalido durante todo o ano, sem nem mesmo uma demão de tinta para dar-lhe uma pequena esperança de vida. Nem mesmo no Natal ou no fim de ano um pouquinho de carinho lhe é dado. Certa tarde, ao voltar da escola, meus olhos insistiram em se desviarem novamente em direção àquele corpo sem vida, largado à beira da linha. Quis ignorá-los, mas eles insistiram e me convenceram. E para a minha surpresa, a velha estação ainda estava viva. Piscou-me um olhar, daqueles ternos, que só os velhinhos abandonados sabem lançar do fundo da alma, querendo um pouco de atenção. Parei. Ela acenou. Senti que implorava por companhia, mesmo que fosse por um minuto apenas. Retomei a direção e pus o carro em movimento. Um “Psiu!” me fez parar bruscamente. Um motoqueiro, surpreso com minha parada repentina, apitou forte e cuspiu qualquer palavrão que não entendi. Todo o meu ser estava voltado agora praquela pobre alma, que tentava afugentar a solidão por um momento que fosse. Encostei o automóvel na beira da rua mais à frente, para não atrapalhar o trânsito, subi a linha e fui me aproximando, vagarosamente, receando que velhos fantasmas voassem de dentro de suas paredes rachadas ou que saíssem de seu telhado esburacado. O sol não tinha mais o mesmo vigor de duas horas atrás, portanto não precisei de pressa. Subi até a linha do trem. Os trilhos ainda tremiam com o calor que havia feito durante a tarde, mostrando-se como uma longa e sinuosa cobra, torta aqui e ali, devido à elevada temperatura que lhe tinha judiado as costas nuas praticamente o dia todo. Subi a calçada suja, com várias rachaduras, latinhas de cervejas, pontas de cigarros e camisinhas usadas, denunciando seu completo estado de abandono. Na verdade, não apenas de abandono, mas de descuido também, pois esse lixo
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