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Isabel Macedo T
Isabel Macedo T Rio De Janeiro/RJ
As Flores Vermelhas
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parte 1 A música suave tocava no quarto e espalhava melodia pelos cômodos da casa amarela com cortinas laranjas. O chá-verde esfriava na mesa branca da cozinha ao lado do jornal do dia. Algumas abelhas procuravam as flores recém-cortadas do jardim a fim de levarem o pólen para a colmeia. As janelas com dobradiças enferrujadas se balançavam para dentro e para fora com o vento da manhã. O sol pintava os lençóis embolados na cama. e um grito agudo e triste interrompeu o canto dos pássaros nos galhos das árvores.
A jovem correu pelos cômodos e manchou o marrom dos tacos de madeira do chão com um vermelho intenso. As paredes se encolhiam para não serem vítimas da cor intrusa. Mas Sabrina não temia o olhar de repulsa da casa e só queria terminar o que havia começado com a jovem. Bela e nova e caída no azulejo branco do banheiro. Pelos pulsos escuros corriam rios que logo encontravam seu destino final: o ralo. o espelho tentou lhe mostrar uma última verdade, mas a jovem não tinha mais forças para se olhar. Sabrina sorriu ao ver o corpo aberto e exposto ali. Era vitória afinal.
Sabrina sendo sempre tão perfeccionista, planejou o plano com detalhes e destreza. ela penteou os cabelos e bebeu água. regou as plantas e escreveu nas notas da geladeira que a manteiga havia acabado. Sabrina se ama o suficiente para ser fiel a ela mesma até o último suspiro. “creio eu ser esperta para não deixar rastros ou migalhas. as almofadas estão na poltrona errada e essa faca era pesada demais antes, mas durante foi leve como a folha daquela árvore no jardim. meus pés flutuavam enquanto eu a perseguia e a cortava.”
“seria esse meu ato final? ou a ação mais marcante de minha vida? creio eu que o gato da vizinha não me pedirá mais afago no final da tarde. ou que mamãe não me dirá para cortar as unhas do pé quando nos vermos no fim do ano. ou que Gaia sorrirá para mim enquanto cozinha nosso jantar. que fiz eu? estraguei minha vida ou me coroei rainha desta terra? há pó embaixo da cama e tenho quase certeza que traças estão fazendo seu caminho para a estante com
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livros que fica na sala. eu devia ser melhor. mas creio eu que esse foi o meu melhor.”
A jovem no chão pintado agora não respirava mais e seus sonhos estavam se esvaindo pelo ar enquanto Sabrina escovava os dentes na pia azul. Ela deixou a faca ao lado da jovem e dançou pela casa ao som da música. Bebeu o chá agora frio e comeu uma torrada velha. Beijou a foto dela e de Gaia que ficava ao lado das plantas verdes na sala e se sentou no sofá aguardando sua amada voltar para casa. Gaia amaria ela ainda, não? Sabrina achava que sim.
parte 2 Gaia não compreende completamente os sonhos de Sabrina. muitos são estranhos e velhos. Mas Gaia ama Sabrina e sabe que aqueles olhos brilhantes não mentem e se entregam com uma sinceridade pura para si. por isso Gaia carrega flores vermelhas após um dia de trabalho para sua amada sorrir. a lua senta no céu ao redor de suas filhas, as estrelas, e parece contar histórias para as crianças dormirem. Pessoas caminham com seus corpos curvados para casa a fim de finalmente deitar e respirar novamente.
A casa está triste e suas luzes piscam. Algo está errado e as paredes tentam alertar Gaia dos próximos momentos. O ar é pesado e as portas fazem força para não serem abertas, tentando impedir a entrada da inquilina. As flores vermelhas caem no chão quando Gaia vê Sabrina sentada no sofá com sangue em suas mãos e roupas. Algo está errado. Como agir agora? o que fazer? O que pensar? Gaia não sabe, mas sabe que seu peito dói e ameaça implodir.
“o que aconteceu?”, Gaia sempre tão cuidadosa com Sabrina e tocando nela como se fosse porcelana não quer saber a verdade por completo. que verdade será essa em que a podridão pode ser inalada? será o melhor caminho esse que ela pensa em seguir? em que ponto a terra começou a cair das paredes e se acumular nos pés?
“está no banheiro.”, Sabrina sabe o que fez e não sabe o quão grave é. Gaia seguirá ao seu lado? não há canto dos pássaros, pois eles dormem.
Gaia caminha até o banheiro e suas pernas tremem. Os próximos momentos do tempo aguardam o que? o vermelho já está seco. O corpo caído parece frio e abandonado. As mãos de Gaia encontram o do corpo tentando sentir vida ainda, mas, infelizmente, não há. Choro engasgado arranha a garganta e queima os olhos. Gaia se levanta cambaleando e corre até sua amada admirando as estrelas brilhantes pela janela.
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“por que? como? por que?” “eu precisava.” “não, ainda havia chá na geladeira e livros pela metade ao lado da cama”
“não sentia a suficiência nesses atos.”
fim “você ainda me ama, Gaia?”
Gaia está ao lado do corpo chorando e se perguntando onde errou. Onde houve falha? Houve falha? Não, a resposta certa não exatamente existe. Facas são usadas para cortar carne humana todo dia. As paredes se calam, os beija flores choram e mais um caixão é enchido. “como poderia deixar de amar você? mas admito que estou com raiva. como pode?” “você sabe que não há relação alguma com você. minhas ações não são culpa sua e nem de mamãe.” Sabrina passa a mão lentamente pelas mechas pretos de Gaia e tenta transmitir tranquilidade no meio do caos. o fim não parece tão doce quanto ela achava que seria. Há certa dor entre as palavras e entre as infiltrações nas paredes. O silêncio não é tão acolhedor como antes e o som doce da voz de Gaia é amargo. Essa foi o melhor caminho que tomou? Não há como saber mais.
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