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dos Santos
Maria Toinha e Marcos Andrade Alves dos Santos Canaan, Trairi/CE A v i a g e m do T i o J o ã o Co r re i a
O Tio João Correia inventou de ir do Angelim para Itapipoca comprar uns mantimentos. Avisou de suas intenções a Tia Alvira e começou a se arrumar para sair com escuro na burra e chegar antes que a feira tivesse começado.
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Decidiu que não levaria ninguém, que iria só e resolveria todos os seus negócios, voltando para casa no final da tarde. Esse plano foi aprovado pela Tia Alvira, que antes de dormir lhe recomendou a Deus.
Ele saiu de madrugadinha trotando na sua burra. Ela era um animal de muito valor. Sempre que o tio João precisava, ela estava pronta para lhe servir e já fizeram muitas viagens juntos. Assim havia uma relação de confiança entre ele e a burrinha. O caminho trouxe o sol quando chegou o momento. Ele desabrochou um pouco acima das serras e coloriu o horizonte com o amarelo de seus raios; nessa época estrada tava que só tinha mato seco. O sol também havia sorvido toda a água das plantas.
Foi no trote manso da burra que o Tio João chegou a Itapipoca e tocou-se a resolver os seus negócios. A burra ficou bem amarrada numa árvore alta perto do mercado. E ele se dirigiu para lá na intenção de fazer umas compras.
Sei que ele reencontrou velhos amigos e passou o dia nessa Itapipoca. Quando tava perto das cinco e meia da tarde, ele carregou a burra de compras e tomou o rumo do Angelim.
A viagem de volta parecia tão normal, mesmo assim o Tio João estava preocupado com a noite ter chegado. Realmente não gostava de caminhar sozinho tarde e logo a imensidão escura tragou o dia e as coisas se cobriram com mantos. Mas ele não tinha medo. Só não queria arriscar encontrar gente ruim e desaparecer deste mundo antes do tempo. Continuou seu caminho confiando em Deus e rezando
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baixinho, chamando por proteção de outros mundos.
O caso é que o Tio João chegou lá na Maritacaca por volta dumas 8 horas da noite, a tempo de subir o alto. Ele marcava o tempo pelas estrelas. Tudo escuro, pois aquela noite não pariu a lua. Também não havia casa na vereda que ele escolheu.
Quando a burra chegou acima do alto, então o Tio João começou a se resfriar. Arrepios muito ruins lhe acometeram. Sua vista quis escurecer. Seus lábios não conseguiam mais pronunciar coisa alguma. A oração se perdeu. Ele olhou para trás.
Os quartos da burra pesaram e ela quase arriou no chão. Isso o assustou. Ao se virar para trás viu uma mulher vestida de branco na garupa do animal, sentada em cima de algumas compras. Ela era o peso que quase desmoronou a burra.
Deu um pavor no Tio João e ele se virou para frente novamente. Sua língua sumiu. Nem palavras vinham a sua mente e mesmo que elas viessem, não havia meios de falar. Ele desmaiou em cima da burra e nada soube mais contar dos caminhos.
A noite engoliu o Tio João. A noite engoliu os caminhos. Tudo desapareceu. Mas a burra não parou de caminhar. Tem certos bichos que são protegidos por Deus. E aquela burra era uma boa amiga e, além disso, conhecia o caminho para casa.
Essa por sorte foi a salvação do Tio João, pois talvez outro animal não o teria levado para casa, como fez a burrinha. Muito tarde da noite, perto do primeiro canto do galo pro dia amanhecer, a burra chegou ao cercado de casa.
Tio João estava desmaiado em seu lombo e ela carregada de compras. Então o animal começou a fazer barulhos com seus cascos em cima da calçada. Esses barulhos certamente não acordaram o Tio João, mas acordaram quem estava em casa.
A tia Alvira escutou a pisada da burra e foi olhar o que estava acontecendo. Quando abriu a porta e olhou para fora, avistou a burra andando em cima da calçada com o Tio João caído.
Então ela chamou um filho e correu para ir socorrer seu marido, com medo que ele tivesse sido morto
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pelas estradas. Chamou por ele. Mas o homem não lhe deu resposta. Conferiu se estava respirando, se havia quentura em seu corpo.
Para sua alegria, ele tinha vida e não havia sangue lavando a burra. Somente uma carne que havia sido comprada que cheirava forte. Ela tirou mais o filho todas as compras de cima do animal e assim também tiraram o Tio João.
Levaram-no para dentro de casa com muito esforço. Outros filhos vieram socorrer ao escutarem o que se passava do lado de fora. Entre eles estavam pessoas que trabalhavam com umbanda no centro do Tio João Correia, uma casa afamada na região.
Levaram o Tio para dentro de sua rede, firmaram pontos e fizeram orações pedindo ajuda dos Encantados. Ninguém se entoou, entretanto. Esperaram. Todos estavam muito preocupados, temendo pela vida do velho.
Porém somente quando o galo cantou, um pouco antes de o sol nascer, foi que o Tio João despertou. Ele levantou-se da rede, sentando-se em seguida. Todos se assustaram, ficando em seguida agradecidos.
Perguntaram ao Tio João o que havia acontecido nas estradas que ele havia chegado daquela forma em casa, quase matando a todos de preocupação. Então ele tomou um fôlego e disse: – Graças a Deus que cheguei à minha casa. Como foi que eu cheguei aqui? Não me lembro. Só me lembro daquela mulher na garupa da burra e do medo senti. Eu olhei para seu vestido branco. Achei que seu peso iria derrubar a burra. Quando fitei os olhos da mulher para perguntar o que ela queria, então avistei duas bolas de fogo e ela abriu a boca com os dentes pegando fogo. Então eu não escutei mais nada. Perdi meus ouvidos e minha vista também escureceu até sumir de vez. Caí em cima da burra.
E a Mariota, uma médium experiente respondeu a ele: – Pois não se preocupe Tio João que eu vou fazer umas pontuações e vou descobrir quem era essa mulher e por que ela lhe perseguiu nesta viagem e vou afastá-la. Tenha fé que nunca mais ela vai lhe perturbar. Agora o senhor trate de descansar.
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E quando foi de noite a Mariota entrou em trabalho e os Cavaleiros revelaram quem era mulher que tinha feito mal ao Tio João. Tratava-se de uma mulher que havia sido enforcada pelo próprio marido há muito tempo atrás. Infelizmente ela não havia encontrado a paz e as coisas ruins do outro mundo acabaram lhe perseguindo e roubando seus caminhos de luz. Por causa disso, ela havia se perdido e vagava lá no Maritacaca à procura de viajantes noturnos para se acostar e assombrar. Só não podia ficar ali perturbando por que os Cavaleiros iriam levá-la para as Sete Encruzas do Mar. Quem sabe o destino dela seria se encantar também.
O certo é que o Tio João ficou bom e tudo voltou a fluir em paz nas bandas do Clemente. Ele chegou a ir outras vezes para Itapipoca, mas nunca mais deixou para voltar tão tarde para não arriscar encontrar com aquela mulher.
@marcosencante