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Rogério Rocha

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Rogério Rocha São Luís/MA

U m so p ro de ve n to e m m e u ro s to

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Bateu seis vezes sobre seu peito. Um tronco forte, forjado na luta cotidiana e em anos de saga interiorana. Punho cerrado, braço forte, como o peso de um porrete. Bateu contra si como um primata em ambiente selvagem, num alarido que aos outros soaria quase como um cântico bárbaro. Uma forma extrema de reafirmação de poder.

Bateu, esmurrou, socou. Primeiro o peito dele, depois o meu. Sobre o dele os murros eram como jatos de energia para potencializar ainda mais o momento. Uma prévia da ação. Sobre o meu, era como se uma carreta me tivesse esmagado. Quase um coice de cavalo bravo.

Bateu com força e esbravejou. Sempre que fazia isso era a meio metro de distância, deixando a espuma respingar dos cantos de sua grande boca. Aquela mesma que um dia, sedenta, gozei ao beijar. É... Quem diria.

Apesar dos meus pedidos, era incapaz de parar. Minha alma estava pálida àquela altura. Meu rosto também. Mas depois mudaria para pior, ficaria rubro, vermelho. Nele o sangue, a fraqueza, a frouxidão...

Ele veio com tudo. Sim. Veio com fome de mim. Distribuiu um golpe seco, chapado, com a palma da mão cheia de calos sobre a minha face. Afinal, o trabalho na obra nunca o dignificara. Nunca, nunca vi isso.

Ela bateu em seu peito de rinoceronte. Bateu, depois cuspiu sobre mim. Empurrou-me sobre a mesa da cozinha. Com os braços esticados em sua direção, as mãos querendo proteger o rosto, retruquei com algumas palavras tímidas que nem sei quais foram. Mas não importa! Para mim nada importa hoje. Para ele menos ainda.

Fui tímida a vida toda. Tímida e tola. Sobretudo quando deitava na cama para que o seu pesado corpo, ainda não banhado, me amassasse com frenéticas investidas que bagunçavam tudo dentro de minhas entranhas.

Algumas vezes percebi ser eu a fonte daquela gênese de sentimentos, mas tudo muito confuso. Ciúmes e posse, amor, violência, querer e ceder. Depois, mansamente, fui recuando para dentro do meu deserto de esperas e falsas esperanças. Espera pelo que ele nunca seria e pelo que deixaria de ser também, muito brevemente.

O café preto que derramei sobre o pano da mesa, quando contra ela me choquei, estava preto. Sem um pingo de leite. Preto, preto, simples.

176

Sem açúcar também, isso lembro. Mas não consegui pegar o pote, pois foi justo quando ele chegou do trabalho. Estava tarde. Era tarde mesmo, eu sei. Mas parece que para mim tudo é tarde já faz um tempo.

Sofri em desespero com as descargas de adrenalina que faziam daqueles olhos verdes, aproximados de mim segundo após segundo, um lago de insanidade. Também sofri pelos trancos que minha coluna pegava, pelos trincos que a cervical devia ter, por causa daquelas mãos pegajosas atadas aos meus braços, a me sacudir como se eu fosse uma boneca de pano em tamanho gigante.

Foi quando girou rumo à porta que dava para o pequeno quarto dos gozos que eu não mais tinha, em busca do cinto que sempre usava, que abri a gaveta do armário da cozinha, tirei a faca de pão e a escondi atrás de mim. Na volta, com a mão direita a esmagar minhas bochechas, num breve deslize de guarda, antes de outra surra, enfiei, de um golpe só, o pequeno instrumento no lado esquerdo de sua garganta. Foi duro, rápido, urgente. Quase um flash para mim, a eternidade para ele.

Ouvi um urro de leão ecoar no espaço diminuto da nossa casa, um corpo imenso a cair no chão esperneando, debatendo-se como um porco a estrebuchar. Paralisada, devorei com os olhos lacrimosos a imagem daquele monstro, já nas últimas. Até o ponto em que pude, eu o encarei, navegando em velocidade da luz as memórias destroçadas de uma história de intensos desassossegos.

Depois do que vi não tive mais pena, medo, dor, cansaço. Saí sem trancar a porta. Mãos sujas de sangue. Deixei roupas e o pouco que construí com o meu carrasco. Num rumo incerto, passei a correr mais leve. A alma então, outrora pesada, bem mais que a sombra frágil do meu corpo, fugia em disparada.

Era noite. Ia eu embora pela rua deserta. Chorava e sorria, ao mesmo tempo, num descontrole que lembrava o jorro de ar na torneira, quando água chega. Por mero impulso, o riso me tomou a face, lambeu meus lábios, limpou todo o sangue. Ao mesmo tempo, sentia, com prazer, um sopro de vento que beijava meu rosto e um forte arrepio, da coluna à nuca, enquanto descia a ladeira em direção ao nada daquela vida que acabara.

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