LiteraLivre Vl. 5 - nº 26 – Mar./Abr. de 2021
Rodrigo Duhau Brasília/DF
O Velho e a Pistola
Era uma manhã de sábado. O velho
O velho ainda não aceitava a
estava sentado na poltrona e balançava
morte da velha, que havia sido sua
as pernas, para cima e para baixo, sem
companheira por algumas décadas.
tirar os pés do chão. Ele segurava os
Quando deitava, demorava a pegar
óculos e mordia uma das hastes. Vestia
no sono. Às vezes, não se continha e
uma camisa branca amassada e velha
esticava o braço para tocar o lado da
com alguns furos e uma bermuda de um
cama no qual a esposa costumava
pijama também surrado, que trazia uma
dormir, mas o gesto lhe causava mais
mancha de comida. Havia escovado os
tristeza e decepção por sentir apenas
dentes
o lençol gelado.
preguiçosamente.
preocupou
em
pentear
Não os
se
cabelos
esbranquiçados.
– Maldito! – ofendia o câncer, colocando as duas mãos na cabeça e,
Ele estava na sala, onde havia uma
em seguida, procurava na mesa-de-
mesa de centro com alguns livros, um
cabeceira um comprimido, que ele
jarro com uma planta artificial e uma
tomava sem água, quando percebia
pistola. O velho fitava há algum tempo a
que não pegaria no sono.
arma, que estava carregada. De poucos sorrisos
e
de
piscar
acelerado,
...
ele
Quando se descobriu a doença,
morava sozinho desde que um câncer no
nada mais podia ser feito para salvar
fígado vencera sua esposa.
a vida da velha. O médico deu-lhe
Além da mesa de centro, na sala havia
também
uma
de
jantar,
que
alta para morrer em casa ao lado do marido.
depois que ele ficou viúvo nunca mais
– Mas doutor...
fez as refeições lá. Preferia a poltrona.
–
Comia assistindo à televisão sem prestar atenção no que estava passando.
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Infelizmente
não
fazer nada. Eu sinto muito.
podemos