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Donatelo Day

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Teresa Azevedo

Teresa Azevedo

Donatelo Day Cotia/SP

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Quatro amigos estavam na garagem da casa de um deles para os ensaios da banda. Não era o local mais apropriado, e vez ou outra, a mãe ou a irmã mais velha do anfitrião gritava lá de cima para que os fanfarrões desocupados lá de baixo parassem com aquela barulheira ruim e infernal, mas era o local que tinham e eles não eram muito de reclamar das coisas. Nesta noite, entretanto, estavam mais à vontade do que nunca, porque o resto da família tinha ido viajar, então Bill e seus amigos e companheiros de banda poderiam ter a casa só para eles e assim fazer o barulho infernal que quisessem.

Uma observação importante: eles não eram de todo ruim como pintavam a mãe e irmã mais velha de Bill, ainda que precisassem ensaiar bastante, só precisavam de boa vontade para pegar firme e praticar, e isso os quatro tinham de sobra. Ensaiavam desde as seis e meia da noite. Agora eram dez e meia, quando Helô, a baterista, sugeriu:

- Vamos pedir algo para comer?

Eles não tinham aquela fome urgente e desesperadora, que transforma os famintos em gigantes babuínos enfurecidos por um cacho de banana, mas é, era uma boa. Vamos pedir a pizza daquele lugar lá – sugeriu Bill. Com “pizza daquele lugar lá”, Bill se referia a uma pizzaria famosa, não muito barata, mas que era conhecida por ser espetacular e ter o prazo de entrega mais curto do que qualquer outra.

- Eu topo – disse Rafa, o terceiro integrante. - É, eu também –confirmou Berto, o quarto e último. Fizeram o cadastro no aplicativo, colocando nome e endereço de email. Escolheram duas grandes pizzas e pagaram pelo cartão de crédito. Quando fizeram o pedido não tinham aquela fome citada, mas os minutos foram passando, passando e passando, e o que era apenas uma boa sugestão – porque ninguém recusa uma boa pizza – se tornou um pesadelo demorado. De qualquer forma, os quatro acharam graça que a pizzaria mais rápida do mundo estava bobeando justamente com eles, atribuindo a si mesmos a comum e constante Lei de Murphy.

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Ensaiaram mais um pouco, mas depois de uma hora e meia já não era possível ignorar a fome, que se abriu como quatro buracos negros, um em cada um, e a sutil irritação pela demora. Meia noite em ponto eles entraram em contato com a pizzaria por telefone e explicaram a situação, mas a atendente parecia levemente confusa e pediu alguns instantes. Ela demorou quatro arrastados e cruéis minutos para voltar a linha telefônica, então contou para o grupo – a ligação estava no viva voz –que tinham tido um probleminha no WiFi e por isso se desculpavam imensamente. A pizza já estava ao caminho e eles a receberiam em instantes, a atendente prometeu.O grupo entendeu que por conta da conexão de internet, o pedido demorouse a chegar do outro lado, mas ficaram satisfeitos com a promessa. Meia noite e meia, uma da manhã, uma e meia da manhã, duas da manhã. Nada da pizza chegar. O grupo não tinha nada pronto para comer em casa e a essa altura já estava quase se digladiando entre si em função da fome, agora gigantesca, e irritação à mentira da promessa. Não tinham nem mais saldo no cartão de crédito para pedirem em outro lugar e então resolver depois a situação com a tal pizzaria mais rápida do mundo.Ligaram várias vezes nesse meio tempo e bombardearam o celular da pizzaria de mensagens, mas não houve nenhuma resposta. Descobriram um pouco depois que a pizzaria fechava à uma da manhã e reabriria às seis da manhã. Um horário incomum. Destinados e agora movidos ao ódio, ignorando o sono, o grupo esperou até as seis da manhã para ligar novamente para a pizzaria e a esculhambar. Não é preciso reiterar que não mais ensaiaram naquela madrugada e o mau humor tomou conta de todos.Varados de fome, às seis da manhã em ponto, ligaram novamente e dessa vez alguém surgiu do outro lado. Era a mesma atendente. Bill tentou manter a cordialidade e explicou a situação tintim por tintim novamente, porque de alguma forma a atendente parecia mesmo não se lembrar que tinham se falado há poucas horas, e ela, mais uma vez, pediu um momentinho. Novos quatro minutos, ainda mais arrastados e ainda mais cruéis, se desenrolaram e ao fim do quarto minuto, religiosamente, ela retornou. - Deve ter acontecido um engano –disse calma como uma manhã numa praia, sendo quase possível ouvir as ondas leves do mar no fundo de sua voz. – Aqui nos consta que à retomada do WiFi e conexão, as duas pizzas foram enviadas e entregues com sucesso. Peço que, por gentileza, cheque a caixa de Spam e Lixo Eletrônico, porque às vezes elas acabam indo para lá... O grupo todo se entreolhou na intenção de descobrir se todos tinham ouvido a mesma coisa e não tinham sido vítimas de um devaneio da fome, irritação e cansaço. - Senhor...? – a atendente voltou a chamar após o vazio sem resposta. – Pode checar?

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Bill puxou o notebook ligado perto deles e abriu o e-mail, aquele que colocou ao fazer o cadastro no aplicativo, mas não havia nada no Spam ou Lixo Eletrônico. Estava na caixa de entrada mesmo, onde e-mails chegam normalmente. Dois documentos, duas imagens das pizzas pedidas. Pareciam mesmo suculentas e realmente fora um recorde: o horário de entrega marcava meia noite e três minutos. Embasbacado, Bill disse que encontrou as pizzas e pediu desculpas pela confusão. Depois do fim da ligação, todos permaneceram mudos, e Bill imprimiu a foto da primeira pizza. Parece mesmo ser uma delícia, ele pensou, todos ainda afundados no silêncio. Com uma régua, ele cortou a foto irmanamente em quatro pedaços e distribuiu nos quatro pratos que antes Helô o ajudou a trazer lá da cozinha para os companheiros. A banda tomou de café da manhã pizza da noite passada. Havia algo mais saboroso?

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