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Sérgio Soares
Sérgio Soares Simão Pereira/MG A estória da fundação de Morro Grande
Dia desses estávamos sentados na Mercearia do Geraldo o velho Lazin, o índio e eu tomando uma branquinha, e jogando conversa fora quando passou na televisão uma notícia sobre uma cidade do nordeste, construída dentro da cratera de um meteoro, que teria caído por lá a milhões de anos atrás. O assunto no boteco então descambou para a astronomia. Cada um dos bebedores de plantão deu a sua opinião sobre fim do mundo, astrologia, influência lunar e por aí afora. Até história de lobisomem apareceu. Foi aí que o velho Lazin deu uma pitada, tomou mais um gole, se encheu de sabedoria e resolveu se pronunciar. O boteco inteiro, então, parou para ouvir: Disse o velho que, há muito tempo atrás, bem antes da abertura do Caminho Novo, e antes mesmo do velho alemão passar por essas bandas fazendo suas medições, quando a Pedra do Paraibanha ainda era um grande bloco, e o Rio um filete d`água, numa noite de sexta-feira 13, em agosto, mês de mau agouro, os céus da região se encheram de um clarão vivo e a noite virou dia. Todos os bichos e criaturas da mata se assustaram, até o Saci se escondeu dentro do bambu com medo daquela luz toda. Foi então que, dos céus, desceu uma grande bola de fogo que caiu no chão fazendo o mundo tremer, segundo o bom velho parecia que a terra ia se rasgar ao meio. O impacto foi tão grande que foi sentido até lá pelas bandas do Rio de Janeiro. Passado o susto, a bicharada começou a sair das tocas para olhar em volta e tomar ciência do acontecido. O Saci, como bom moleque do mato, ficou olhando de espreita por dentro de um buraco do bambu, aguardando para ver no que dava aquela confusão toda. De repente, a grande bola começa a se abrir ao meio, como os gomos de uma laranja, e de dentro dela começam a saltar uns homenzinhos bem atarracados, de cabeça grande, corpo pequeno e sorriso no rosto, que saíram em disparada correndo as matas e morros da região, catando tudo que encontravam pela frente, mato, bicho e até gente dos vilarejos próximos. Feita a cata eles voltavam tão rápido quanto
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foram, para dentro da Grande Laranja, e lá ficavam por um tempo. Então, saíam em disparada novamente e voltavam com nova leva. Esse vai-e-vem estendeu-se por toda noite-dia, mas o certo é que, ao amanhecer, a bola já não estava mais lá e no seu lugar ficara a Pedra, cortada como hoje nós a vemos, e o Rio, antes um filete, abrira-se em largas corredeiras e, assim, dentro desse vale, nascera a alvissareira Morro Grande. Terminado o causo, a plateia em volta fez o sinal da cruz e tomou mais um gole para reforçar a reza. Foi então que um sujeito, sentado no canto do boteco, levantou-se e desafiou o velho Lazin a provar que aquilo tudo era verdade. Sem levantar os olhos, o velho tomou mais um gole, deu mais uma pitada e continuou o assunto sem dar conta do fulano. Disse ele que até hoje, nas noites de sextafeira 13, em agosto, do alto da Pedra, é possível ouvir a barulhada que a Bola fez quando caiu, e ver a mata toda se mexendo num rebuliço só. Disse mais, para aqueles que não acreditaram no ocorrido – nessa mesma noite, se o sujeito descer a Pedra, amarrado a um cipó, vai poder ver as marcas das unhas dos homenzinhos que rasgaram o grande bloco, isso mesmo, as unhas, pois, segundo dizem, eles rasgaram o maciço na unha. Conta ele também que no fundo do Paraibanha, entre as corredeiras, os pedaços da Laranja que se partiram, se transformaram em ouro e estão lá até hoje para quem quiser pegar. O sujeito desbocado deu de costas e saiu pisando duro, então o índio perguntou para o velho amigo se ele sabia o que tinha sido feito das coisas que os homenzinhos tinham levado para dentro da Laranja. O velho contador deu mais uma pitada, abriu um sorriso e continuou. Na época do acontecido a região era muito pobre de mato, tinha uma ou outra braquerária, mas, em grande parte, a terra era ruim. O Rio ainda era um riacho, por isso não ajudava muito. O certo é que, depois que os homenzinhos se foram, a região mudou, o mato vicejou dando forma e vida às matas que vemos na Pedra, na Grota dos Macacos e em todo o entorno da cidade. As corredeiras do Rio trouxeram o verde e também peixe em abundância, e assim Morro Grande floresceu. Dizem que para marcar a sua passagem por aqui, eles deixaram as bromélias e as orquídeas que até hoje cobrem a região. Quanto aos animais retirados da mata, eles teriam sido comidos pelos exploradores em sua viagem de volta. Mais ainda permanecia uma dúvida em todos que escutavam o causo. E as
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pessoas que foram capturadas? Que fim levaram? Foram devoradas também? Uma pitada, e mais um gole, e nosso contador de causos esclarece a todos. Conta-se que as pessoas que foram retiradas dos arraiais vizinhos tiveram um fim diferente. De cada grupo de dez, dois foram escolhidos e levados na Laranja, os outros foram, logo em seguida, devolvidos às suas casas. Que fim tiveram os que foram levados, ninguém sabe, mas até hoje tem gente que jura ver alma penada caminhando próximo à Pedra, de noite. Um outro gole e mais um sinal da cruz da plateia quieta, e concluiu o velho Lazin. Mas nem todos os homenzinhos foram embora, dizem que alguns se assanharam com umas caboclinhas que encontraram na mata, e por aqui ficaram, deixando hoje a sua marca nos herdeiros que viveram, e até hoje vivem nas fazendas da região. Ouvindo meu amigo terminar seu causo não pude deixar de imaginar que a família do Tiziu, um sujeitinho famoso na cidade, bom de coração, mas ruim das ideias, seria herdeira dos primeiros habitantes de Morro Grande (cabeça grande, corpo pequeno, e um sorriso congelado no rosto). O certo é que, herdeiros ou não, a gente que nasceu nessa terra é gente humilde, mas de valor, e que soube preservar a beleza, o encanto e a simplicidade das terras das Gerais.
JRO
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