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Fran Pigosso

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Teresa Azevedo

Teresa Azevedo

Fran Pigosso Farroupilha/RS

Interseção entre dois universos

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Eu lembro bem daqueles olhos intensos, negros. O calor, a textura, o sabor da pele. Os longos cabelos soltos aconchegando-se entre nossos corpos. Eu estava por aí, trilhando os passos da rotina e degustando o sabor amargo da monotonia. Simples assim: acordar, sair sem observar o sol, vestirse com pressa, ir até a parada de ônibus. Aguardar o transporte, chegar ao trabalho, sair do trabalho. Mais transporte público, mais espera. Cansaço, banho, janta e sofá. Mas por um momento, a grande avenida virou beira da praia. Os prédios se tornaram árvores e as pessoas pássaros. Os carros transformaram-se em brisa da manhã e todo o meu corpo foi tomado pela visão mais intensa da minha vida. De repente o mundo parou e eu só vi ela. Seu rosto, seus olhos que me tragaram para um universo paralelo. O semblante de um anjo emergindo do fogo, de um sinal concreto de paz, de força, luz e vida no meio da tormenta. O tempo passou e estávamos nos amando. Sua respiração tão próxima ao meu pescoço, suas unhas agarrando-se as minhas costas como uma pantera. Minha nuca, sua nuca. Mergulhados um no outro, misturando corpos, almas e ilusões.

Eu lembro bem daqueles olhos intensos, claros. O calor, a textura, o sabor da pele. Os cabelos desalinhados escondendo-se entre meus dedos. Eu estava por aí, flutuando envolta em rotina e degustando como café da manhã a solidão de cada dia. Simples assim: acordar, sair sem observar o sol, vestir-se com pressa, batom, escova, olhada no espelho, ir até a parada de ônibus. Aguardar o transporte, chegar ao escritório, sair do escritório. Mais transporte público, mais espera. Cansaço, banho, janta, celular.

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Mas por um momento, a grande avenida virou um campo largo. Os prédios se tornaram árvores e as pessoas nuvens. Os carros transformaram-se em riacho e todo o meu corpo foi tomado pela visão mais intensa da minha vida. De repente o mundo parou e eu só vi ele. Seu rosto, seus olhos que me tragaram para um universo paralelo. O semblante de um tornado emergindo na estrada. De um sinal concreto, desconexo, de força, luz e vida no meio da tormenta. O tempo passou e estávamos nos amando. Diversas cores, em milhares de tons rubros. Uma Como ela era linda em sua plenitude. No seu jeito de falar, ou no silêncio de seu beijo. Na forma como reclamava de tudo, mas não se queixava de nada. A forma que mordia meu beijo, e acariciava minhas ansiedades. Mas por um momento, a praia virou avenida, as árvores prédios e os pássaros pessoas. A brisa da manhã tornou-se fumaça, rodas e motores. De repente o mundo girou, rodou e esmagou minha paz. Aquele semblante, como numa visão sedenta, tornou-se um anjo desaparecendo no fogo. Ela passou por mim, enquanto cruzávamos a avenida. Lado a lado nos olhamos, num olhar que durou o tempo de toda a possibilidade de uma existência. Eu estava atrasado, não podia voltar a trás, nem para tentar um contato posterior, ou ao menos saber seu nome. Então pensei, pensei e vi o como estou sempre atrasado, sempre tentando honrar minha rotina, que nem me encanta mais. Aqui no meu quarto, descansando do dia, assisto a um programa de televisão. Olho pela janela e fico imaginando se ela chegasse agora. Se ela simplesmente desembarcasse, nesse momento que garoa, na frente do meu prédio. Se ela soubesse meu andar, meu número do apartamento. A campainha tocasse. Ela subiria molhada, eu a envolveria em meu casaco e a levaria até minha sala. Aquela pele arrepiada do frescor da água, acalentando-se com uma xícara de chá. Conversaríamos sobre o dia, eu beberia de cada palavra que saísse do seu coração. Ela estaria comigo para jantar. Faria minha refeição olhando em seus olhos, sorrindo pelas besteiras que eu falasse.

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Mistura de dor e desejo, coragem e medo. Mistura de corpos, almas e ilusões. Como ele preenchia minha vida, dava sentido e direção à estrada que eu antes seguia sozinha. Bebia da minha saliva e mastigava minhas palavras, sonhos e ansiedades. O jeito que olhava em meus olhos e... Eu nunca saberei descrever perfeitamente aquele olhar. Mas por um momento, o campo largo virou avenida. Nuvens e árvores viraram pessoas e prédios. Riachos viraram rodas, motoristas e poluição, nessa visão mais intensa da minha vida. De repente o mundo girou, rodou e esmagou as imaginações de uma existência. O semblante de um tornado que passou no meu coração. Das coisas que poderiam ser. Ele passou por mim, enquanto cruzávamos a avenida. Lado a lado nos olhamos, num olhar que durou o tempo de toda a possibilidade de uma existência. Eu estava atrasada, não podia voltar a trás, nem para tentar um contato posterior, ou ao menos saber seu nome. Então pensei, pensei e vi o como estou sempre atrasada, sempre tentando honrar minha rotina, que nem me encanta mais. Aqui no meu quarto, descansando do dia, assisto a uma série. Olho pela janela e fico imaginando se ele chegasse agora. Se ele simplesmente desembarcasse, nesse momento que garoa, em frente ao meu prédio. Se ele soubesse meu andar, meu número do apartamento. A campainha tocasse. Ele subiria com flores, eu o envolveria em meu abraço e o levaria até minha sala. Minha pele arrepiada, seu olhar envolvente, momentos em que os olhos falassem mais que a voz. Acalentando-se, ele, com uma xícara de chá.

E nos casaríamos. Ela deixaria suas roupas jogadas na beira da cama cada vez que fosse trabalhar. Eu esqueceria o litro de leite vazio na mesa, e sempre discutiríamos sobre isso. Teríamos que dividir a televisão, e entrar em acordo nos dias de jogo. Ela receberia uma blusa de renda no nosso primeiro aniversário, a qual ela usaria no nosso jantar com os amigos. Ela teria medo do escuro, e eu de tempestades. E nos amaríamos, como dois adolescentes,

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entre discussões e cenas de amantes apaixonados. Mas isso tudo o mudou. No dia seguinte, pediu as contas do emprego que não gostava, marcou uma viagem e, como quem voltasse de um coma, inscreveu-se no vestibular e, posteriormente, ingressou na faculdade de administração. E agradeceu, como quem recebe um presente inesperado, mas sempre quisto, que a paixão faz o mundo girar para o lado oposto, acorda os sentidos e modifica a realidade.

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Conversaríamos sobre o dia, eu beberia de cada palavra que saísse do seu coração. Ele estaria comigo para jantar. Faria minha refeição olhando em seus olhos, sorrindo pelas besteiras que eu falasse. E nos casaríamos. Ele deixaria a toalha molhada jogada na beira da cama cada vez saísse do banho. Eu esqueceria uma janela aberta, e sempre discutiríamos sobre isso. Teríamos que dividir a televisão, e entrar em acordo quanto a que série ver. Ele faria uma surpresa no nosso primeiro aniversário, a qual a qual eu nunca esqueceria. Ele teria medo de crises econômicas, e eu do desconhecido. E nos amaríamos, como dois adolescentes, entre discussões e cenas de amantes apaixonados. Mas isso tudo a mudou. No dia seguinte, pediu as contas do emprego que não gostava, marcou uma viagem e, como quem voltasse de um coma, largou a faculdade de administração, desejo ardente de seu pai para fazer um curso de teatro. E agradeceu, como quem recebe um presente tão esperado, que a paixão faz o mundo girar para o lado oposto, acorda os sentidos e modifica a realidade.

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