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José Carlos Vaz

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Teresa Azevedo

Teresa Azevedo

José Carlos Vaz São Paulo/SP

Cegueira

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Não tendo mais porta aberta por onde pudesse passar sem medo, restou-lhe a forçosa companhia daquele outro, semana a semana, olhos que já não viam e que ela não mais suportava ver. Não tendo armas para atacá-lo, serviu-se do que sobrara, das palavras que lhe doíam no coração e que pretendia que doessem mais no dele do que no seu próprio. Não tendo forças para lançar ameaças, arranjou-se com a constatação da própria inoperância, na tentativa de torná-lo impotente frente a si. Não tendo escudos ou couraças, lançou mão da defesa que tinha, a exibição crua de sua fraqueza, em minúcias e amplitudes, crendo que assim ele tombaria mais vulnerável do que ela. Não tendo riquezas para comprar afetos, recorreu ao que lhe restava, a ostentação da pobreza em que se desafazia naquela vida, para fazer com que ficasse ele miserável e desprovido, mais do que ela mesma.

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Não tendo mais nenhum livro para lhe trazer respostas, deu vazão à sua inesperada ignorância e turbidez de consciência, e esperou com isso sacar-lhe da mente tudo o que aprendera sobre suas hesitações. Não tendo mais ilusão ou fantasia para servir de consolo, sobrou-lhe pôr à vista a mais nua e translúcida clareza sobre o seu estado, e sonhou que seu desalento fizesse sem esperança aquele homem tão cheio de si. Não tendo mais orgulho ou vaidade para protegê-la das tormentas que a jogavam ao chão, valeu-se não da humildade, mas da própria humilhação, como se o arrastar-se na poeira esfregasse o rosto dele na mesma terra. Não tendo mapa para indicar algum roteiro, auxiliou-se na névoa branca que encobria caminhos e encruzilhadas, crente que a névoa, que não trazia liberdade, lançaria o outro ao fosso da desorientação. Não tendo mais nada a esconder, nem mentira ou omissão para abrigar-se, recorreu ao poder libertador da verdade, mas a verdade é traiçoeira quando penetra pelos ouvidos alheios, e vira outra coisa na cabeça de um homem assustado.

Não tendo mais para onde fugir, deixou-se ficar largada na cama e teve ganas de suplicar o fim daqueles dias, para voltar à rua e correr. Ao ver que nem isso teria, contentou-se com apenas desejar que ele ao menos mantivesse os olhos fechados, enquanto aquilo durasse.

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