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Ricardo R. Gallio

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Teresa Azevedo

Teresa Azevedo

Ricardo R. Gallio Porto Alegre/RS

Sonhos Inabitáveis

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Eu e meu marido nos casamos ainda jovens, após um período de intensa paixão juvenil. Na época, ambos tínhamos 25 anos e sem condições financeiras, nos vimos tendo que morar nos fundos da casa de minha sogra, em um anexo. Porém poucos meses atrás minha sogra faleceu e tivemos muitas despesas, primeiro com remédios e médicos e depois com o enterro. Tivemos que vender a humilde casa dela para pagar as dívidas e ficamos morando de favor com amigos. Precisávamos de uma casa só nossa de forma urgente. Depois de uma cansativa busca, finalmente encontramos um lugar que se encaixava em nosso orçamento. Era uma casa um tanto decrépita, de arquitetura bem antiga, mas habitável. E além do valor baixo do aluguel, ainda era mobiliada. Como não tínhamos dinheiro e nem muitos móveis, acabou sendo a escolhida entre outras poucas opções. Mudamos para aquele lugar estranho, cheio de teias de aranha e baratas pelos cantos, o mais rápido possível. Meu marido, Sandro, achou a casa meio assustadora, mas não dei atenção, pois ele é muito supersticioso. A questão financeira falou mais alto. Confesso que o estado da casa não me incomodou tanto. Nada que uma boa faxina e uma arejada não resolvesse. Foram os móveis e objetos de decoração que me incomodaram um pouco, mas a moça da imobiliária deixou bem claro que não podíamos nos desfazer de nada. Podíamos levar nossas coisas, mas não jogar fora qualquer objeto da casa. E eram muitas coisas. Quadros retratando paisagens escuras e deprimentes, esculturas representando ídolos e monstros bizarros, tapetes empoeirados com desenhos medievais e muitos livros carcomidos pelo tempo. Era um verdadeiro antiquário. Nos fundos da casa havia um pequeno depósito onde guardamos algumas coisas. Decidimos modificar o mínimo possível do interior, pois daria muito trabalho entregar a casa como a recebemos. Era melhor deixar quase tudo como estava. Durante uma semana dividimos nosso tempo entre nossos trabalhos e a limpeza do sobrado de dois andares. No sétimo dia estávamos exaustos. Caímos na cama e adormecemos instantaneamente.

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Às três horas da manhã Sandro me acordou, suado e nervoso. Dizia que tivera um sonho horripilante, onde uma das estátuas bizarras da sala criava vida e lhe invadia todos os orifícios do corpo com seus tentáculos. Achei a descrição bem angustiante, porém tentei tranquilizá-lo, mas só depois que aceitei que ele levasse a estátua para o depósito, foi que sossegou. Dias depois ele me relatou que havia tido outro sonho perturbador, dessa vez com um dos quadros da sala. Era uma pintura sombria, que mostrava uma floresta com as árvores se retorcendo sobre uma figura diminuta, como se fossem garras prestes a agarrar aquele pequeno ser. Sandro me disse que no sonho ele era atacado pelos galhos vivos das árvores e que elas despedaçaram seu corpo. Notei que talvez a morte da mãe e a mudança pudessem ter mexido com seu psicológico e fui compreensiva. Ele me pediu para retirarmos o quadro da sala e aceitei. Mas alguns dias passaram e nada estranho aconteceu. Mas não demorou para essa calmaria se transformar em um inferno. Sandro passou a ter pesadelos todas as noites, e cada vez com algum objeto diferente. Nos sonhos as esculturas criavam vida, ou ele se via nas paisagens sinistras das pinturas, ou até mesmo algum dos livros poderia ser o motivo do sonho desagradável. Confesso que o que ele me contava, causavam arrepios. Por isso nunca desprezei sua aflição com tais sonhos. Porém naquele momento parecia que a coisa já tinha extrapolado todos os limites do aceitável. Era ruim ser acordada de madrugada com um berro de Sandro. Mas o que eu estava percebendo era pior. Meu marido estava visivelmente esgotado, com olheiras escuras e melancólico. Seu cansaço se refletia no cotidiano e acredito que no seu trabalho a situação não deveria ser diferente. Sandro estava dormindo mal, o que acabou com seu humor e vitalidade. Além disso, eu notei que ele evitava olhar os objetos da casa. Como se eles fossem de fato lhe fazer algum mal. Chegou um ponto em que não cabia mais nada no depósito e não havia onde colocar os objetos que lhe causavam pesadelos. Adiei o máximo que pude a conversa que sabia que iria causar estresse, mas eu não podia esperar mais. — Meu amor, a gente precisa conversar. Estou vendo seu abatimento e sei que é por causa dos pesadelos. Você não tem dormido bem e está muito cansado. Eu acho que precisamos procurar algum tipo de ajuda. — Ajuda? De que tipo Bianca? Eu só preciso descansar um pouco, o trabalho está puxado. — A decoração sinistra dessa casa está te causando isso, não o trabalho.

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Mas já tiramos quase tudo de dentro da casa, e mesmo assim você continua tendo pesadelos. Eu não sei mais o que fazer. — Ok, confesso que essas coisas bizarras me incomodam, mas não sei porque tenho sonhos com elas. — Quem sabe se você procurasse ajuda profissional, alguém que entenda disso, um psicólogo, sei lá… — Tá achando que estou louco agora? Só o que me faltava. — Pelo amor de Deus, Sandro! Ir ao psicólogo não é coisa de louco. As pessoas vão lá para resolver seus problemas, conversar, desabafar… — Achei que podia contar com você para desabafar. — E pode, é claro, sempre. Mas eu não sou profissional. Você me conta seus sonhos, eu escuto e retiro algum objeto da sala. Mas isso claramente não está ajudando. — Primeiro, temos que ter dinheiro pra isso, o que não temos e segundo, a única coisa que vai ajudar é sair dessa casa logo.

— Mas não podemos, não agora. Você sabe disso. — É. E isso é uma merda. Mas sabe o que é pior? Você me pressionando. — Não estou te pressionando, só quero ajudar. Se olha no espelho, você está acabado homem. — Não quero mais falar disso. Já chega, por favor. Como eu imaginava, a conversa acabou em briga e pior, sem solução para o problema. Fomos dormir naquele clima ruim. Eu apenas torcia que Sandro dormisse tranquilo, sem sonhos terríveis dessa vez. Porém mais uma vez fui acordada no meio da noite de forma abrupta. Mas dessa vez foi tudo muito diferente. Sandro me acordou com empurrões e quando abri os olhos ele já estava fora da cama. Apenas ouvi ele dizer enquanto apontava para cima: Vamos ser esmagados. Olhei para o teto, que estava visivelmente se movendo em nossa direção e levantei rapidamente. Corremos para fora do quarto e suspiramos aliviados, sem entender o que estava acontecendo. Mas no mesmo instante as paredes do corredor começaram a se aproximar. Meu único instinto, era sair dali o mais rápido possível. Descemos as escadas e na sala não foi diferente. A casa se fechava sobre nós. Eu gritei por socorro. Nunca foram os objetos. É a casa que está tentando nos matar, berrou Sandro. Fomos até a porta da frente, mas não conseguimos abri-la. As paredes estavam muito próximas, iam nos esmagar em breve. Então Sandro foi até uma janela e

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quebrou o vidro com a única poltrona que havia na sala. Agora o espaço era diminuto. Sandro me puxou pelo braço e me jogou pela janela. Caí na grama do lado de fora e bati a cabeça, o que me fez desmaiar. Acordei com o sol da manhã no meu rosto. Estava atordoada, mas imediatamente pensei em meu marido. Não tentei racionalizar o que havia acontecido, apenas queria encontrá-lo. Entrei na casa e lá dentro tudo estava normal. Mas não como na noite anterior. E sim quando nos mudamos. Todos os objetos de decoração, os livros, os quadros estranhos, estava tudo no lugar. Não pensei nisso, apenas sai correndo por todos os cômodos à procura de Sandro. Não o encontrei. Estava desolada, sem saber o que fazer, então simplesmente desabei no chão da sala. Foi quando percebi um quadro diferente na parede. Na pintura em que predominavam tons escuros, era possível ver uma espécie de tornado ao fundo que se aproximava destruindo tudo em seu caminho. Em primeiro plano, pintado como se estivesse olhando para mim, claramente eu via Sandro. A expressão de desespero em seu rosto jamais abandonou meus sonhos dali em diante.

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