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Adenor Leonardo Bachi

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LiteraAmigos

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Adenor Leonardo Bachi

Uruguaiana/RS

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Parmênides; ou Das cadeiras fujonas

MICIÃO – Storax! (Vendo que o criado não responde, inicia-se um monólogo.) Vou lhe contar uma história que parece ter sido tirada da cabeça de Kafka.

Era um dia rígido de inverno. Parmênides tinha passado o dia inteiro sentado no sofá da sala de sua casa assistindo a programas de auditórios, mas passou o tempo sentado um pouco de mais, a ponto de não se levantar nem para fazer aquilo que podia, como, por exemplo, pegar o controle remoto em cima da cômoda encostada ao sofá. Queria colocar a sua preguiça em dia e não queria mais saber de fazer nada que lhe exigisse esforço para pensar e se mover. Até que uma hora sentiu vontade de ir ao banheiro e precisou realmente se levantar, não vendo outra saída. Porém, algo interessante ocorreu quando ele passou perto da mesa, que ficava próxima ao corredor do banheiro: foi Parmênides se aproximar da mesa que as cadeiras se levantaram e fugiram de perto dele em direção à cozinha numa pressa que é comparável à de uma lebre fugindo do caçador. O homem ficou admirado vendo aquilo – e para ter a certeza de que estava mesmo acordado, foi ao banheiro, fez a sua necessidade e depois entrou no chuveiro com a água fria para ver se estava mesmo acordado ou se aquilo se tratava de um sonho (que era no que preferia crer). Que decepção! Estava mesmo acordado – e a água fria, geladíssima, penetrava no seu corpo com toda a baixa temperatura de uma água quase sólida. Aí, ele desligou o chuveiro e se dirigiu à sala para ver o que tinha acontecido. Teria sido uma miragem?

Parmênides se aproximou, de mansinho, para perto da sala, até que, quando estava quase pisando no aposento, avistou todas as cadeiras no lugar onde deveriam estar: ao redor da mesa, como se nada tivesse acontecido. – Ora essa! – resmungou. – É cada coisa que os meus olhos veem que eu vou te contar!

Mal terminou de falar, a ação que ele vira antes de ir ao banheiro se repetiu: as cadeiras retiraram-se novamente com os seus pés rápidos, como os de Aquiles, para a cozinha, e pareciam estar bastante assustadas com a presença de Parmênides ali perto da mesa. Ele reagiu, assustado, pulando em cima da mesa e ali se sentando, mas esta, ao ver que tinha alguém sentado nela, igualmente

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fugiu, juntando-se às cadeiras. Ele, então, caiu com as nádegas no chão. – Pessoal, não voltemos logo para a sala! – disse uma voz meiga e feminina, vinda da cozinha (que era a voz de uma das cadeiras). – Ele nela se encontra, todo despido e úmido. Parece que voltou do banheiro. Tales, fuja logo aqui para a cozinha e mostre-lhe que ele passou tanto tempo em cima de você que agora é a sua vez de descansar, pois, sim, os sofás também descansam. – Descansam e merecem descansar, sim! – respondeu uma voz grossa e chateada, que saía de algum canto dali da sala. – Aliás, Alcmena, o dito-cujo, quando estava sentado de preguiça em cima de mim, ele soltava gases com vontade e força bem perto do meu nariz. Como que eu iria aguentar passar o tempo inteiro assim, inalando esse deteriorado odor? Antes sentisse cheiro de Carolina Herrera… – Tales, ele jogou muito tempo fora sentado em você para assistir a tolos programas de TV, e tudo isso por causa de ter sido dominado por aquela que é a maior inimiga da Disciplina: a Preguiça. Aquele que é dominado pela Preguiça joga tanto, tanto tempo fora que podia evitá-lo sem desasnar colocando a demanda em dia ou aprendendo mais ao ter contato com a irmã da Filosofia, a Arte através da leitura de um livro, ou escutando uma música, ou vendo um bom quadro ou uma bela escultura ou então assistindo a um célebre filme ou até mesmo a uma grande peça de teatro.

Neste momento, o sofá da sala se levantou e fugiu para a cozinha, e Parmênides descobriu que a voz que saía dali da sala era a do próprio sofá. Mas ele ficou tão abismado e assustado ao se deparar com aquela cena que desmaiou. O sofá aproveitou o momento e correu rápido como uma chita para onde se encontravam a mesa e as cadeiras. Lá chegando, viu que todas as cadeiras precisavam descansar, e as sentou em cima de si. Depois, avisou: – O Parmênides se assustou ao me ver fugindo para cá e está desacordado lá na sala, no exato lugar onde a mesa ficava.

A mesa, ao ouvir isso, replicou: – Deixa comigo, pois vou fazêlo acordar novamente.

Dito isso, a mesa saiu para a sala e foi para o lado de onde Parmênides estava, desacordado, e deixou cair uma de suas pernas, de propósito. O ruído acordou o homem, que, assustado, disse: – Ué! A mesa está aqui – e com uma de suas pernas desencaixada! Mas ela não tinha fugido? Seja como for, vou consertá-la.

Ele a consertou com toda a atenção do Mundo e, percebendo que, por ter passado tempo demais descansando em cima do sofá e agora tinha que dar lugar a quem precisasse, tentou se deitar em cima da mesa. Ao fazer isso, porém, sentiu a mesa se inclinar: notou que outra perna da mesa se desencaixara. – Outra perna solta! Que droga!

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Parmênides se aproximou do canto onde a perna se soltou, consertou-a (mas não mais com tanta atenção) e se deitou de novo em cima dela. Mas foi de novo se deitar e conseguir se acomodar que sentiu que mais uma perna desencaixara. – Que anda acontecendo com esta mesa?

Ele saiu de cima dela, aproximouse do canto onde a perna se soltara e a consertou de qualquer jeito, já perdendo a paciência. Feito o conserto, Parmênides se deitou de novo em cima da mesa e, depois de meia-hora acomodado em cima dela, ouviu outra perna se soltar. Aí, ele soltou os cachorros: – Vá catar coquinhos por tanto desencaixar pernas!

E, então, agarrou essa perna, segurando-a pela parte de baixo e, irado, lançou-a pela janela. Depois, foi para a rua passear um pouco e se encontrar com os seus jovens amigos.

A mesa, vendo que perdera uma perna após abusar da paciência do seu dono, disse, lamentando-se:

– Nunca exorbite daqueles que nos fazem bem, até porque não conhecemos o verdadeiro caráter das pessoas. Pelo menos o Parmênides aprendeu a não levar a Preguiça ao lado radical… – Depois de uma breve pausa, meditou consigo mesmo: –Parmênides é um jovem, e eu conheço bem a sua personalidade jovial: Hoje entendo o porquê da continuação das demografias decrescentes nalguns países desenvolvidos (como o Canadá e as nações da Europa): é porque os jovens são audazes e corajosos e gostam de fugir para onde há aventuras e para onde a juventude é grande – para curti-la. DÊMEA (entrando no palco) – Entrou por uma porta,

Saiu por um canivete; Manda o rei, meu senhor, Que me conte sete.

Assim que Xerazade concluiu sua história, ela disse: “E, no entanto, ó rei, esta história não é mais espantosa do que a notável história de ‘Aladim e a Lâmpada Maravilhosa’.”

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