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Valéria Vanda Xavier Nunes
Valéria Vanda Xavier Nunes
Campina Grande/PB
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Sonho de uma tarde de verão
Clarice não cabia em si de felicidade naquela tarde esplêndida de verão. Acabava de receber uma carta que há meses esperava com ansiedade. O remetente: Ballet Bolshoi - Joinville. Santa Catarina. O coração bate acelerado. Aceita. Em meio às outras, essa era a única palavra que não saía de sua mente. Sentou-se no sofazinho já bastante gasto e sua mente viajou no tempo.
Viu-se menina ainda, com a mão esticada segurando a barra que o pai havia colocado na parede sem reboco de sua casa onde treinava sozinha e fazia suas piruetas em plena rua esburacada. Dona Letícia emocionou-se ao chegar na favela em que Clarice morava para fazer doações de cestas básicas para a comunidade e seu olhos se encontraram com os daquela menina dançando ballet em plena rua. Avaliou seu potencial. Seus olhos marejaram lembrando do desejo da filha que também sonhara em ser bailarina e teve um destino tão trágico antes de conseguir realizá-lo.
Letícia era dona de uma escola de ballet para meninas carentes que criou em homenagem à filha amada e falecida. Clarice não sabia ainda, mas aquela mulher, a partir daquele momento, seria sua fada-madrinha e mudaria totalmente o rumo de sua vida. Ouve a voz da mulher a suas costas e vira-se num belo rodopio. — Então a menina gosta de dançar. Qual é o seu nome? — Letícia pergunta olhando forte nos olhos de Clarice que baixa os seus e responde, encabulada. — Clarice. Eu gosto muito de dançar, sim senhora. — E você faz aula de balé? — Faço não, senhora. Meus pais não podem pagar. — E você gostaria de fazer? — É o meu maior sonho, senhora, mas meus pais nunca que iam deixar, pois a gente não tem dinheiro. É muito caro. Por isso eu danço sozinha aqui. — Clarice responde ainda com os olhos baixos e segurando-se na barra numa linda pose.
Letícia enche os olhos de lágrimas mais uma vez, mas consegue se controlar. Pega na mão da menina e diz que quer falar com sua mãe.
Clarice sai do enlevo em que caiu e segura a emoção ao lembrarse da primeira vez que entrou na escola de ballet pelas mãos de dona
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Letícia como bolsista em sua Escola de ballet Suellen Caroline. Seus olhos se deslumbraram ao ver a grande sala cheia de barras, de alunas e de espelhos que iam do teto ao chão, onde ela estudaria e realizaria seu sonho de um dia ajudar a família a se livrar da miséria em que viviam.
Sua mente povoou-se também dos dias, meses e anos infinitos de treinos, de dedicação, de persistência e das dificuldades pelas quais passou até o momento em que se sentiu pronta para o que aquela carta lhe comunicava. Despertou de seu devaneio ainda segurando a carta tão fortemente que parecia lhe queimar as mãos. Finalmente ela conseguira a oportunidade de chegar a ser uma bailarina de verdade. Quem sabe até uma Primeira Bailarina do Teatro Municipal de São Paulo. Clarice sonhava de olhos abertos. Já se via preparando a mala. Sabia que teria de deixar a família, os amigos, toda uma vida para traz e se dedicar de corpo e alma ao seu objetivo. Sabia os dias de luta que a esperavam, no entanto, nada; nada mesmo a demoveria de seu sonho. Clarice lembrou-se da mãe e falou para si mesma — Preciso contar pra ela urgentemente.
Levantou-se de um salto do sofá puído em que estava ainda devaneando, e, com a elegância própria de uma bailarina, saiu rodopiando na ponta dos pés pelos recantos da casa em busca da mãe. Não a encontrava em parte alguma. Resolveu sair e procurá-la pela vizinhança. Saiu ainda dançando na ponta dos pés, como estava acostumada a fazer, e, com suas piruetas e saltos, invadiu as ruas como se fosse um cisne. Com a carta na mão e a alegria estampada no rosto atravessava a rua principal quando ouviu um barulho ensurdecedor às suas costas.
Não ouviu mais nada. Nenhum barulho. Apenas um grande zumbido nos ouvidos.
Meses depois, via-se sentada em sua cadeira de rodas e ouvindo o Lago dos Cines de Tcháikovsky com uma expressão de enlevo no rosto. Movia sua cadeira de rodas como se estivesse a bailar num grande palco iluminado. Alongava os braços e os recolhia; as mãos para cima, para os lados e para baixo. A cabeça, em cima de um longo e belo pescoço, acompanhava os movimentos.
Era um belo pássaro a voar sobre nuvens esparsas.
Lágrimas de tristeza, contidas há muito tempo em seu peito, escorriam lentamente por sua face. E ela murmurava de olhos fechados: — “Que pena! Assim como as nuvens se desfazem nos ar, meu sonho também se desfez”.