7 minute read
Alberto Arecchi
Alberto Arecchi
Pavia – Itália
Advertisement
Agadez
Tahoua, última parada antes do deserto do Níger. Daqui em diante, uma única etapa de 400 km nos teria levado a Agadez, a antiga capital de um sultanato tuaregue que controlava o tráfego de caravanas no Saara. Vários anos atrás, Agadez tornara-se um destino de viagens e estadias para turistas em busca de belezas arquitetônicas e passeios nas áreas circundantes, em busca dos restos de dinossauros. As estrelas do entretenimento haviam comprado segundas casas na cidade do deserto e vôos regulares a conectavam diretamente com as metrópoles norteamericanas. Então, a revolta pela independência do povo tuaregue tornou a área insegura.
Eu estava indo com um colega para estudar os planos de salvaguarda e valorização do patrimônio histórico e cultural, oferecidos pela UNESCO à República do Níger. Na capital, Niamey, conhecemos Vittorio, um italiano que se mudara para o Níger havia vários anos, como operador turístico. Como administrava empresas de turismo em Agadez, ele se ofereceu para levar-nos com seu carro.
O pequeno hotel em Tahoua era pouco mais que um alojamento para caçadores, espalhado em várias cabanas. Pouco ar para respirar dentro do quarto e um pequeno arcondicionado, colocado no alto da cabeceira da cama, que fazia um barulho terrível. Acima desse barulho, porém, os exercícios acrobáticos do casal no quarto ao lado me mantiveram acordado a noite toda, entre um convidado e a próspera senhora que nos havia recebido à noite, na altura da nossa chegada. A senhora também tinha-me lançado um olhar promissor e possessivo, com um significado inequívoco: Após será a sua vez também! -
Uma promessa que não conseguiu cumprir: na manhã
17
seguinte, preparamo-nos cedo para aguardar a escolta armada que acompanharia os carros da coluna por várias centenas de quilômetros.
A escolta consistia em três carrinhas, cada uma armada com um canhão de tiro rápido e uma metralhadora. Dez homens ao todo: o capataz, três motoristas, três artilheiros, três metralhadores. Mobilidade máxima, sem armadura. Eram os mesmos meios que os rebeldes usavam. Arranjaram-se um à frente do comboio, outro - com o comandante - no meio e o terceiro atrás, a fechar a cobra composta por cerca de vinte carros.
Quando os militares permitiram, a longa jornada começou. Partimos antes do nascer do sol, para chegar a Agadez antes do pôr-do-sol. Vittorio dirigia rápido, conhecia bem o percurso. Era a única estrada da região, correndo sinuosa entre longos cumes de dunas e colinas, de cujo topo as rajadas de vento levantavam cortinas e bufos de areia, que podiam esconder - como cortinas de fumaça - emboscadas em cada ravina descendo em direção ao vale. Tínhamos que manter uma velocidade de cruzeiro constante e parar prontamente, a cada sinal de buzina da escolta. Só podíamos confiar na competência dos nossos protetores. Dediquei-me a observar a paisagem, perscrutando o perfil das dunas ao longo do horizonte, de onde poderia originar-se uma possível emboscada.
O sol ofuscante atraia reflexos e relâmpagos das dunas a cada mudança de inclinação, cada nuvem de areia, até onde os olhos podiam distinguir as formas. Não percebi nenhum indício de presença humana, até as colinas. Vivíamos na ansiedade de uma espera contínua, de uma incursão que podia começar a qualquer momento, sabe-se lá donde. De vez em quando, não sei se fosse um alarme real ou apenas para “flexionar os músculos”, os soldados mandavam o comboio parar e vasculhavam ao redor. Às vezes, uma ou duas das carrinhas iam até as dunas para explorar. A certa altura, um alarme mais importante pareceu disparar. Mandaram os carros parar, dispostos em fila única, juntos, e uma carinha armada partiu para explorar a alta crista de areia. Por algumas dezenas de minutos, ela permaneceu escondida de nossos olhos. Houve uma enxurrada de tiros, depois
18
silêncio. Depois de algum tempo, a carrinha reapareceu e se juntou a nós e fomos embora. Sem explicação.
Finalmente, pouco antes do pôr-dosol, chegamos à mítica cidade do deserto. Em primeiro lugar, a surpresa de um grande presente me esperava: estávamos hospedados em um pequeno hotel, construído por Vittorio no pleno respeito à arquitetura local, restaurando uma casa antiga, bem em frente à Grande Mesquita do século XVI, uma das obras-primas da arquitetura do Saara. Íamos ser hospedados ali durante a nossa curta estadia. A janela do meu quarto dava para o minarete monumental: uma torre de terra crua que se estreitava para cima, reforçada por vigas de madeira horizontais, projetando-se em todos os lados, o que lhe dava a aparência de uma almofada de alfinetes. Percebia-se perfeitamente o encanto da grande arquitetura realizada com o barro cru, ao pé daquela majestosa torre pluri-centenária que voltava a ser rebocada todos os anos, após o período das chuvas. Os postes de madeira, além de manter unidas as camadas de argila, serviram de andaime para quem devia restaurar as camadas superficiais. Lamentei que, desde os dias da grande onda turística, tivessem silenciado os chamados noturnos do muezim, a que estava acostumado, como complemento natural das noites saarianas.
Outras descobertas surpreendentes foram: o majestoso Palácio do Sultão e a “Casa do Senegalês”, um palácio com uma grande escada em espiral no centro, todo decorado com gigantescas estátuas multicoloridas, modeladas na argila crua. A cada ladeira, a cada patamar, novas ravinas, novas perspectivas eram vislumbradas, descobrindo as figuras dos mitos tradicionais da África Ocidental. A “casa do forno” ou casa de Sidi Ka é uma obra de arte de um tipo particular: em 1917 um padeiro senegalês, de Thiès, deu rédea solta à sua imaginação, cobrindo o interior da casa com altos-relevos de argila vividamente colorida.
Descobríamos aviões, conchas, arabescos incrustados nas paredes, mas infelizmente nos encontrávamos muitas vezes no escuro e a observação das obras decoradas nem sempre era fácil, mas que surpresa fascinante, quando de repente
19
alguma máscara multicolorida, com dois metros e meio de altura! Do terraço havia uma bela vista panorâmica para o labirinto de ruas abaixo e o interior dos pátios. A cidade inteira conservava traços do passado distante e recente. Nesta casa foi realizada em 1990 uma parte do filme “Um chá no deserto” de Bernardo Bertolucci. A revolta dos tuaregues já durara cinco anos e o número de estrangeiros que chegavam à cidade diminuía constantemente.
Como é normal, nesses sultanatos da área do Sahel, o sultão tinha sob controle tudo o que acontecia no território e principalmente na capital: era ele quem arranjava a propriedade e o uso de todos os edifícios, quem decidia ou permitia os casamentos ou coabitações. Vittorio tinha obtido do Sultão a concessão do edifício que albergava o antigo bordel, com um átrio de grande beleza, construído no estilo das “cúpulas haússa”, para transformálo em restaurante, mas infelizmente teve que encerrar, devido à fuga dos turistas. A cúpula haússa é na verdade um telhado sustentado por vigas de madeira, apoiado em quatro grandes arcos de terra crua que se cruzam sobre a sala, de um lado para o outro. Uma grande varanda dominava a sala do restaurante, destinada em tempos anteriores à atuação das raparigas da “casa”.
Grande parte da cidade histórica fora preservada, embora os prédios precisassem de manutenção e restauração. Tive o prazer de visitar uma casa comprada e restaurada por um astro do cinema americano pouco antes do início da revolta. A casa não estava habitada, mas encontrava-se em ótimo estado de conservação, pois o proprietário havia deixado o trabalho remunerado de guarda e manutenção para uma família de tutores. Até o jardim e a piscina estavam bem cuidados, como se os proprietários tivessem de voltar a qualquer momento. Confesso que sonhei em ser o jardineiro daquela casa no meio do deserto.
Após alguns dias de cuidadosas observações do patrimônio histórico da cidade, partimos com o pesar de não ter podido fazer uma das clássicas excursões no deserto, em busca dos vestígios de dinossauros. Desde os primeiros dias da revolta (cerca de dez anos antes) isso não era mais possível, para não correr o
20
risco de um seqüestro. Retomamos a estrada de volta, sempre em comboio de carros protegidos pela escolta armada. Não houve acidente nenhum, nem mesmo no caminho de volta.
Quarenta anos atrás, por volta de 1980, o estudo da arquitetura vernacular fez descobrir um cinturão de cidades saarianas fascinantes e ainda relativamente bem preservadas: Chinguetti, Ualata, Timimoun, Tombuctu, Gao, Agadez, Zinder, Ghadamès, Siwah. Parecia que, graças ao turismo, a riqueza das comunidades locais pudesse renascer da recuperação desses centros urbanos, testemunhos da antiga riqueza comercial que se baseava nas rotas das caravanas.
Como acontece com a maioria dos projetos de cooperação para o desenvolvimento, nosso estudo sobre a herança cultural do Níger nunca começou. Obteve todas as autorizações de financiamento necessárias, mas entretanto um dos muitos golpes de estado perturbou a estrutura do país africano, anulando todos os acordos feitos com os dirigentes dos vários ministérios.
Hoje, esse mundo está mais uma vez fechado ao estrangeiro, como nos séculos passados, mas não tem mais nenhuma riqueza, nenhum recurso para crescer. Naquela época foram os tuaregues que decidiram tornar a área insegura, perdendo assim sua principal fonte de crescimento econômico e desestabilizando a segurança do estado do Níger, então outro tipo de terrorismo atingiu toda a região. Na histórica cidade de Tombuctu, outra das obras-primas do Saara, os túmulos monumentais de um passado glorioso foram destruídos e muitos livros do patrimônio islâmico, preciosos e insubstituíveis, foram saqueados.
Será que algum dia veremos aquelas esplêndidas cidades florescer novamente, como nos dias em que recebiam milhares de camelos em seus caravançarais?