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Joedyr Gonçalves Bellas
Joedyr Gonçalves Bellas
São Gonçalo/RJ
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Noite De Natal
O meu filho no pé da árvore, diga-se de passagem, é bom explicar bem explicadinho, era uma árvore de Natal, ou seja, um galho grosso de goiabeira, enfiado numa lata com terra, bem ramificado em galhos mais finos. Finos e firmes. Devidamente enfeitados de bolas, sinos, papais-noéis, estrelas, anões e mais o que o menino ia pendurando com o que ele achasse pendurável. Um super-herói. Um carrinho. A neve era um rolo de algodão branco todo gasto na árvore de natal para dar um toque de lareira, por onde PapaiNoel desceria para encher a casa de presente. Não importa que o verão fosse de 40 graus. Tradição é tradição e neste ano o PapaiNoel foi um primo que, derretendo de calor naquela roupa pesadona, entornou na cerveja, mas a rena e o trenó deixaram ele lá na casa da vovó. Intacto. Natal que se preza, só o da casa da vovó, com o povo todo reunido. Primos, tios, agregados, e a vovó castigando na rabanada, que alguém passava e falava: cuidado vovó, olha a diabetes. Quem deu rabanada pra vovó? Completava outro. E a vovó nem aí. Não era o tempo da diabetes, era o tempo de cada um leva um pratinho, leva o que pode e a mesa ia transbordando de pratos gostosos, de comida a balde, como meu pai costumava dizer. Vinho era em garrafão e a bebedeira era santa. O meu filho, no pé da árvore, ficava olhando os milhares de presentes, tentando adivinhar qual era o dele, o que ele iria ganhar esse ano dos tios. Em casa, no dia seguinte, quando saíssemos da casa da vovó, a bicicleta dele já estava armada e, quando ele passasse pelo portão, a primeira coisa que ele veria era Pitucha, a cachorrinha levada, depois, na varanda dos fundos, na nossa árvore-de-natal, estaria lá a tal da bicicleta que ele sonhara o ano inteiro e enchera cartinhas e mais cartinhas com pedido de uma bicicleta com rodinha, olha, Papai-Noel, não vai esquecer a rodinha não. E não esqueceu. O meu filho cresceu, os filhos crescem e vão buscando o canto
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deles, tentando conquistar o mundo, rindo, chorando, errando, acertando, enchendo a casa de netos, mas o Natal da minha casa nunca mais foi o mesmo. Nunca mais teve árvore de galho de goiabeira, as mesas e as salas foram encurtando, alguns tios e os vovôs ficaram eternizados no álbum de família, os quintais foram acimentados, as lareiras, algum engraçadinho, estragaprazer, disse que lareira é coisa de europeu e Natal é só pra gastar dinheiro. Pode até ser. Mas houve um Natal, uma noite de Natal, de nozes, coquinhos, avelãs, farofa com passas e banana, maionese de maçã ácida, bacalhau no azeite, rabanada, galinha assada, Jesus multiplicando o pão e acabando com a fome do mundo, o tradicional peru, que meu pai comprava na vizinha e matava de véspera, devidamente encachaçado, um leitãozinho assado no forno à lenha da padaria, arroz a la grega, e a minha avó, com a boca toda suja de canela e açúcar, dizendo, ah, meu neto, não podia ser Natal o ano inteiro na mesa de todos nesse mundão de meu Deus. Pelo menos que haja arroz e feijão.