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Ariel Von Ocker

Ariel Von Ocker

A Porta Para Além Da Porta

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-No mundo- dizia o professor orgulhoso de parafrasear a Hamlet- há mais coisas do que pode conceber o vislumbre da razão humana.Arthur voou longe ao soar dessa ideia. Cogitou infinitudes que tão só a mente de uma criança é capaz de conceber. -Todavia- seguiu o mestre- a razão teima em tentar compreender o caótico mundo que a rodeia.Novos voos. Novos destinos ignotos. E o tombo tão real e concreto de um mundo que era pitoresco e duro, como o asfalto e o cimento aquecidos pelo sol das onze horas. Arthur olhou a rua além da janela da sala de aula. O jardim brilhava verde e florido, como é nas escolas primárias. Além da mureta, a calçada e o asfalto. Carros passavam e o menino não poderia supor para onde iam tantas pessoas em um mundo esmagadoramente grande. -Nesse intento-prosseguia o homemnossa filosofia busca encadear logicamente os fatos de um mundo em desordem...A tudo isso Arthur ia ouvindo, e ouvindo...qual num sonho onde as palavras perdem gradualmente seu som e seu sentido. Em algum lugar, um pintor esfumou as cores de sua tela, apagando, assim, os limites do que era uma coisa e o que era outra. Foi então que o menino viu: oblíqua, desnuda, absurda, indelével, impossível...a porta que se abria não para fora da saleta fria repleta de carteiras, mas ela: uma porta para o infinito. Parecia-lhe loucura, malgrado fosse real. Via ali mesmo o abismo do Universo além da porta branca da escola. Arthur coçou os olhos em descrédito. Voltou a olhar. Além da madeira retangular, haviam hostes inefáveis de estrelas profusamente vagueantes num espaço negro, abissal e infindável. Astros globulares voavam de um canto a outro e ângulos indescritíveis circundavam esferas cuja consistência era imprevisível. A mera visão daquilo era terrivelmente estarrecedora, não porque provocasse propriamente o terror, mas porque ali corria livre e destemido tudo aquilo que nos faz pequenos e insignificantes perante Ele: o Eterno, o Cosmos, o Ilimitado.

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-(...)Um Aleph seria? Uma porta muito mais do que si própria: o Ser que fugia a si mesmo e extravasava para além de tudo o que Ele próprio poderia supor que era. Era o Infinito em todo sua magistral incompreensibilidade. Era tudo o que nunca nem mesmo sonhou o mais louco dos homens em sentir, viver e falar. Não...Arthur soube quando percebeu o que vivia que não era possível expressar a natureza da Coisa. Havia apenas a experiência de vê-la e sentir sua presença abissal. Descrever o que havia além da porta, contudo, era inexoravelmente impossível. Na verdade, se houvesse uma palavra capaz de tocar em algum ponto daquilo que via Arthur sem entender era justamente "impossível". E, não obstante, permanecia ali: o portal aberto para o Além bem diante de seus olhos tão natural e tão evidente quanto o próprio sol do lado de fora e as palavras do professor ao longe... Uma porta para além da porta... Arthur mirou a porta e sentiu ali o terror da vida e de ser humano num Universo inumano. Viu a solidão vagueante de astros tão longínquos quanto o próprio pensar e, de longe, de um ponto ignoto num outro Cosmos, numa outra dimensão, onde a vida e a morte não são de todo dissociadas, ele percebeu que o olhava. Sim. Olhava ele próprio não de um "onde", mas propriamente de um "quando" ... Os cabelos ruivos, olhos verdes, pele manchada de criança sardenta.... E uma certeza: a infinitude indelével de tudo o que é finito e perecível a refazer-se mais e mais vezes até o enjoo completo da vida e da existência. Ele o viu e o que viu foi a devastação: a intempérie da tempestade... Ora...Arthur, então, com treze anos, sentiu o que só sentem os adultos e não pode definir a nada: um órfão completo da vida e de Deus. Uma enorme solidão do tempo indelével que fazia tudo parecer vão... -até as palavras..Nesse momento, um estalo na madeira e a voz do professor: -Acorda, Arthur! A aula já acabou.Levanta a cabeça de cima da carteira e olha a sala de onde saíam os jovens animados para o retorno às suas casas. Ele se arrumou. Guardou os livros na mochila, amarrou o sapato e cruzou a porta que outrora fora um portal para além de algo. Lá fora, o mundo ainda era tediosamente o mesmo.

@ariel_von_ocker

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