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Clarice de Assis Rosa

Clarice de Assis Rosa

Nostalgia

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Lembro-me perfeitamente daquela noite fria em que você, trêmulo, entregou-me a sua jaqueta, fingindo sentir calor. Lembro-me de ver seus olhos cheios de lágrimas, quando me acalentava em seus braços, dizendo que tudo ficaria bem. Lembro-me de lhe ouvir dizer que estava sem fome e me entregar um pão, quando isso era tudo o que tínhamos para comer. Lembro-me de quando você chegava exausto do trabalho e lia histórias até que eu adormecesse.

Lembro-me de ouvir as suas repreensões, mais preocupada com a sua tristeza em repreender-me do que com as suas palavras. Lembro-me de quando jogávamos baralho e dominó e você me encorajava a vencer, fazendo alegorias com a vida. Lembro-me de quando você me defendia de qualquer pessoa que ousasse fazerme mal.

Lembro-me de lhe ver abster-se dos seus próprios sonhos e objetivos materiais, para que eu pudesse conquistar os meus. Lembro-me de vê-lo trabalhar arduamente, para garantir-me uma vida diferente da que você tinha.

Lembro-me, a cada instante, das suas risadas inebriando a casa, como se contivesse as próprias angústias para que eu não percebesse as suas lutas.

Cresci pensando em dar-lhe orgulho, que fosse uma vez somente, como forma de gratidão a tudo que você fizera por mim.

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Quis muito retribuir, embora soubesse que nunca conseguiria, o cuidado e amor que você teve comigo. Adiei, pensando que teríamos uma vida longa pela frente e que nunca seria tarde para mostrar-lhe como eu era grata e reconhecia todos os seus esforços. Quando pensei em, finalmente, mostrar-lhe que seus sacrifícios não tinham sido em vão, você se foi.

Eu, nada pude fazer, a não ser me lamentar de não tido feito tudo o que prometi. Você deu a vida por mim muitas vezes, e eu não pude fazer o mesmo nem uma única vez.

Você quis viver unicamente por não suportar imaginar a dor de seus filhos. Até o fim, você se doou para o bem-estar dos outros.

E se foi sem poder evitar a dor que deixou.

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