LiteraLivre Vl. 6 - nº 34 – Jul./Ago. de 2022
Clarice de Assis Rosa
Nostalgia Lembro-me perfeitamente daquela noite fria em que você, trêmulo, entregou-me a sua jaqueta, fingindo sentir calor. Lembro-me de ver seus olhos cheios de lágrimas, quando me acalentava em seus braços, dizendo que tudo ficaria bem. Lembro-me de lhe ouvir dizer que estava sem fome e me entregar um pão, quando isso era tudo o que tínhamos para comer. Lembro-me de quando você chegava exausto do trabalho e lia histórias até que eu adormecesse. Lembro-me de ouvir as suas repreensões, mais preocupada com a sua tristeza em repreender-me do que com as suas palavras. Lembro-me de quando jogávamos baralho e dominó e você me encorajava a vencer, fazendo alegorias com a vida. Lembro-me de quando você me defendia de qualquer pessoa que ousasse fazerme mal. Lembro-me de lhe ver abster-se dos seus próprios sonhos e objetivos materiais, para que eu pudesse conquistar os meus. Lembro-me de vê-lo trabalhar arduamente, para garantir-me uma vida diferente da que você tinha. Lembro-me, a cada instante, das suas risadas inebriando a casa, como se contivesse as próprias angústias para que eu não percebesse as suas lutas. Cresci pensando em dar-lhe orgulho, que fosse uma vez somente, como forma de gratidão a tudo que você fizera por mim.
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