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Gabriel Alencar
Gabriel Alencar Boa Vista/RR
Anfêmero
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Há um deserto no fundo do mar. Lá os crustáceos andam sem ver o fim do mundo, apenas contemplando os pássaros-peixes que os sobrevoam com ar ameaçador. O crustáceo precisa ser esperto, as coisas não são mais como antigamente.
Antes, ainda se podia passear, levar a família para ver um pequeno gêiser, essas coisas que só quem vive no fundo do mar sabe apreciar. Mas hoje não tem mais condições. Cada esquina é uma moreia, um molusco bêbado perdido, um detrito que caiu do espaço.
O fundo do mar é um deserto, mas não significa que a gente não posso gostar do deserto.
Existe um lugar, porém, que a gente gosta de evitar. São as fossas oceânicas. Reza a lenda que lá embaixo existem seres horripilantes e é para lá que vão todos os peixes que boiam. Sim, é um paradoxo. Eles boiam, mas no final vão parar no mais profundo do mar.
O fundo do mar é cheio de histórias. Se olhar para baixo, tem as fossas; mas, se olhar para cima, tem o Grande Espaço. Não falo ali onde voam peixes, falo de onde caem os detritos. Há histórias até de gente que foi abduzida. Nunca conheci um desses, só ouvi falar. Há histórias.
Certo dia eu andava com minha esposa à procura de plânctons. Nossas patas vasculhavam a areia. Procurávamos e montávamos guarda ao mesmo tempo. Um peixe sobrevoou nossa cabeça e tentamos nos enterrar na areia, mas ele falou conosco: – Esperem! Estou perdido. – Como é? – Vocês sabem o caminho para as fossas?
Eu e minha esposa nos entreolhamos. Era um robalo qualquer, não havia nada de especial nele, parecia inocente o suficiente. – E o que diabos o senhor vai fazer lá? – minha esposa interpelou. – Vou buscar meu pai.
Silêncio. Um vento de ondas levantou a poeira no fundo do mar e eu tossi. – O senhor está falando sério? –dessa vez eu que falei. – Já disse que sim. Vocês sabem o caminho ou não?
57
Novamente ficamos em silêncio, mas viramos a cabeça para o leste. O robalo entendeu tudo e pegou o rumo à toda velocidade. – Moço, faça isso não – minha esposa disse, mas ele já não conseguia escutar.
O fundo do mar é um deserto e no deserto a gente vê miragens, coisas estranhas. Será que aquele peixe estava lá mesmo? E como o doido conseguiria resgatar alguém das fossas? Olhei para minha esposa e ela não disse nada, começou a cavucar a areia de novo. Imitei-a.
Mais tarde, já em casa, nenhum dos dois teve coragem de comentar o causo. Se falássemos aos vizinhos, seríamos motivo de chacota, como aqueles que dizem ter sido abduzidos. O deserto é um lugar com poucas novidades e, nós aprendemos naquele dia, era assim que preferíamos.
No dia seguinte, apenas eu saí para procurar comida. – Estou indisposta, você se importa? – Tranquilo, querida, sem problemas.
Eu saí de casa um pouco aliviado. Não queria sentir de novo o desconforto de pensar naquele peixe. Mas eu não conseguia evitar. No fundo eu sei que minha esposa também não e foi por isso que preferiu ficar em casa.
Eu andei pelo deserto infinito, mas estava distraído demais para conseguir o que precisava. Olhava para cima e ficava imaginando como seria ir além do Grande Espaço, lá onde só alguns peixes-pássaro conseguem ir. O meu devaneio me fez caminhar a esmo. Quando menos esperei, eu estava lá.
Eu olhei para a escuridão do profundo do mar e, como eu tanto temia, ela olhou de volta para mim. Fiquei procurando sinais do robalo, mas eu sabia que era impossível ver qualquer coisa ali. O chamado do abismo era cada vez mais forte. Precisei de muita força para olhar para trás e ver o que estava ali desde sempre.
Há um deserto no fundo do mar. Lá os crustáceos andam ignorando o fim do mundo, apenas contemplando os pássaros-peixes que os sobrevoam com ar sonhador. O crustáceo precisa ser esperto, as coisas ainda são como antigamente.