LiteraLivre Vl. 6 - nº 34 – Jul./Ago. de 2022
Gabriel Alencar Boa Vista/RR
Anfêmero Há um deserto no fundo do mar. Lá os crustáceos andam sem ver o fim do mundo, apenas contemplando os pássaros-peixes que os sobrevoam com ar ameaçador. O crustáceo precisa ser esperto, as coisas não são mais como antigamente. Antes, ainda se podia passear, levar a família para ver um pequeno gêiser, essas coisas que só quem vive no fundo do mar sabe apreciar. Mas hoje não tem mais condições. Cada esquina é uma moreia, um molusco bêbado perdido, um detrito que caiu do espaço. O fundo do mar é um deserto, mas não significa que a gente não posso gostar do deserto. Existe um lugar, porém, que a gente gosta de evitar. São as fossas oceânicas. Reza a lenda que lá embaixo existem seres horripilantes e é para lá que vão todos os peixes que boiam. Sim, é um paradoxo. Eles boiam, mas no final vão parar no mais profundo do mar. O fundo do mar é cheio de histórias. Se olhar para baixo, tem as fossas; mas, se olhar para cima, tem o Grande Espaço. Não falo ali onde voam peixes, falo de onde caem os detritos. Há histórias até de gente que foi abduzida.
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Nunca conheci um desses, só ouvi falar. Há histórias. Certo dia eu andava com minha esposa à procura de plânctons. Nossas patas vasculhavam a areia. Procurávamos e montávamos guarda ao mesmo tempo. Um peixe sobrevoou nossa cabeça e tentamos nos enterrar na areia, mas ele falou conosco: – Esperem! Estou perdido. – Como é? – Vocês sabem o caminho para as fossas? Eu e minha esposa nos entreolhamos. Era um robalo qualquer, não havia nada de especial nele, parecia inocente o suficiente. – E o que diabos o senhor vai fazer lá? – minha esposa interpelou. – Vou buscar meu pai. Silêncio. Um vento de ondas levantou a poeira no fundo do mar e eu tossi. – O senhor está falando sério? – dessa vez eu que falei. – Já disse que sim. Vocês sabem o caminho ou não?