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Iraci Marin
Iraci Marin Caxias Do Sul/RS
Velório
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Baixou uma tristeza geral na cidadezinha quando se espalhou a notícia do falecimento de Dona Isolda.
O velório se deu no salão paroquial, que ficou o tempo todo cheio de pessoas que queriam se despedir, com muitas lágrimas espontâneas, daquela alma bondosa, além dos familiares. Estendida no caixão ornado de rendas, com muitas velas e flores ao seu redor, Dona Isolda era envolvida por alguma luz invisível.
Os sinos tocavam a cada hora e seus sons soavam como um lamento.
As rezas e os cânticos eram contínuos. Rezadores e cantores se revezavam e a contrição só não era maior porque sempre tinha uns que falavam de futebol, da colheita do fumo ou do milho, ou faziam comentários concupiscíveis a respeito de alguma mulher. Elas faziam também seus intermináveis comentários sobre comidas, falavam dos filhos ou do marido. Uma delas deixou escapar que descobrira um segredo escabroso do seu. Não revelou o segredo, mas cada mulher que a ouviu acabou criando um.
No início da tarde, o cheiro de vela e de jasmim dominou o ar abafado do salão. Ouviam-se pessoas tossindo com mais frequência. Uma senhora botou a mão no peito e respirou fundo. Alguém percebeu que ela não se sentia bem e fez vento com a mão sobre seu rosto. A dor daquele momento ficava maior com a dor que sentia no peito, provocada pelo ar infestado dos cheiros de velório.
Dona Isolda, alheia a tudo, enxugava. O transe em que todos se encontravam não permitiu que alguém percebesse qualquer mudança dentro do caixão aberto. A alteração na falecida era constante, embora lenta, assim como ficou lenta a cantoria no meio da tarde. Alguém entoou uma canção de esperança e logo se formou um grande coro de vozes roucas: “Com minha mãe estarei / na
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santa glória um dia / Ao lado de Maria / no céu triunfarei.// No céu, no céu / com minha mãe estarei / No céu, no céu / com minha mãe estarei...“
O corpo de Dona Isolda esmorecia, tornando-se cada vez menos Dona Isolda e cada vez mais um ser irreal, transportado por uma força invisível, e transformado numa luz etérea, sem que os lacrimosos olhos humanos pudessem ver.
A reza e a cantoria não paravam. Em certo momento, a devota que iniciava as orações falou: “Agora vamos rezar pelo primeiro de nós que vai morrer”. Alguns fecharam os olhos, em piedosa atitude; outros se olharam, surpresos com a invocação. No fundo do salão, um falou baixinho para o amigo: “Vou rezar pra você!” O amigo respondeu: “E eu pra você!”
No horário combinado, o padre chegou e, com voz esmorecida de aflição, fez as orações de costume. Concluiu as exéquias com o indispensável “Requiescat in pace!“ A resposta do povo produziu eco no salão e ganhou a rua: “Amém! Amém! Amém!”
Depois, homens fortes levantaram o caixão, logo percebendo que ele tinha apenas o peso da madeira. Olharam-se com ar de susto. Um chamou o padre e cochichou-lhe ao ouvido: “O caixão está levinho. Parece até que Dona Isolda não está dentro dele!” O padre olhou para ele com ar de São Tomé e pegou na alça do caixão. Sentiu a sua leveza. Então pediu para que o baixassem. Baixado, foi aberto e lá estava a figura de Dona Isolda, serena e bela como nunca.
A curiosidade do povo quase virou tumulto. Os fiéis queriam saber o que estava acontecendo. O padre levantou os braços, pedindo atenção, e falou em alta voz:“O caixão tem só o peso da madeira. Dona Isolda é vista, mas parece não estar dentro dele.Então, só se pode concluir que ela foi elevada aos céus!É um milagre! Dona Isolda é uma Santa!”A multidão explodiu em desencontradas exclamações e rezas. Alguns se ajoelharam, outros ergueram as mãos em louvação, ou choraram de alegria, outros cantaram esquecidas canções e os sinos soaram sons de aleluia.