LiteraLivre Vl. 6 - nº 34 – Jul./Ago. de 2022
Iraci Marin Caxias Do Sul/RS
Velório Baixou uma tristeza geral na cidadezinha quando se espalhou a notícia do falecimento de Dona Isolda. O velório se deu no salão paroquial, que ficou o tempo todo cheio de pessoas que queriam se despedir, com muitas lágrimas espontâneas, daquela alma bondosa, além dos familiares. Estendida no caixão ornado de rendas, com muitas velas e flores ao seu redor, Dona Isolda era envolvida por alguma luz invisível. Os sinos tocavam a cada hora e seus sons soavam como um lamento. As rezas e os cânticos eram contínuos. Rezadores e cantores se revezavam e a contrição só não era maior porque sempre tinha uns que falavam de futebol, da colheita do fumo ou do milho, ou faziam comentários concupiscíveis a respeito de alguma mulher. Elas faziam também seus intermináveis comentários sobre comidas, falavam dos filhos ou do marido. Uma delas deixou escapar que descobrira um segredo escabroso do seu. Não revelou o segredo, mas cada mulher que a ouviu acabou criando um. No início da tarde, o cheiro de vela e de jasmim dominou o ar abafado do salão. Ouviam-se pessoas tossindo com mais frequência. Uma senhora botou a mão no peito e respirou fundo. Alguém percebeu que ela não se sentia bem e fez vento com a mão sobre seu rosto. A dor daquele momento ficava maior com a dor que sentia no peito, provocada pelo ar infestado dos cheiros de velório. Dona Isolda, alheia a tudo, enxugava. O transe em que todos se encontravam não permitiu que alguém percebesse qualquer mudança dentro do caixão aberto. A alteração na falecida era constante, embora lenta, assim como ficou lenta a cantoria no meio da tarde. Alguém entoou uma canção de esperança e logo se formou um grande coro de vozes roucas: “Com minha mãe estarei / na
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