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Sérgio Soares
Sérgio Soares Simão Pereira/MG
Tião, a história do menino fogueteiro
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— Naquela manhã acordei com um gosto de morte na boca. Já sabia que a inominada estava a caminho, por isso, antes de assumir meu posto, dei um longo e demorado beijo na minha preta, e fiz um último carinho em meu filho. Tião, que contava 18 anos, morava com Karolyne, de apenas 16, com quem já tinha um menino, Isaac - Isaac Newton. Depois da despedida, pegou sua companheira inseparável, a Russa Catarina, seu rádio e foi pra laje. Lá, como de costume, sentou numa lata, acendeu um baseado, e ficou entorpecido pela calmaria, um silêncio no morro, que só podia significar uma coisa… Perdido no espaço-tempo, lembrou-se do dia em que chegou na comunidade, com apenas 11 anos, cheio de mágoa, e se tornou fogueteiro. De tão bom que era, em pouco tempo já comandava os moleques do foguete, e por todos era temido porque, caso algum pisasse na bola, Catarina cantava alto. Esse sentimento de raiva só foi quebrado com o nascimento de Isaac, o nome foi uma homenagem a seus pais, que não conheceram o bebê, mas sempre acreditaram que ele poderia fazer algo importante na vida. Na noite anterior, ficaram os dois - ele e o pequeno - deitados na laje, olhando para as estrelas entre gargalhadas, onde Tião contava para o filho a história de cada constelação, e tudo que havia visto na sua visita à Base de Alcântara. Então, como que no despertar de um sonho bom, foi acordado com o rádio gritando: Caveira! Caveira! No mesmo instante o céu da comunidade ficou tracejado pelas rajadas de fuzil, e pelo barulho ensurdecedor dos helicópteros dando rasante. Tião se colocou em posição de tiro, e sentou o dedo na Russa, porém, aquele instante – minuto, que pareceu uma eternidade, foi interrompido pela bala certeira de um Sniper que, com um único disparo, interrompeu a carreira do menino fogueteiro…
— Me chamo Sebastião, sou filho único de uma família muito humilde, mas honesta. Fui criado em uma comunidade onde nunca me envolvi com nada de ruim, apesar da violência do local. Filho de pais evangélicos, minha vida sempre foi Casa – Escola – Igreja, mas, ainda assim, era uma criança muito feliz, e dedicada aos estudos. Meu maior sonho era ser astronauta. Até que um dia, aquele menino preto, pobre e
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crente quase acreditou que isso poderia se tornar realidade. Era semana da Pátria, e em comemoração a essa data especial, a escola iria receber a visita do Coronel Astronauta, meu maior ídolo. Na véspera da visita, nem dormi direito, pensando em como seria encontrar com o meu herói, e o que eu poderia perguntar para ele. Acordei cedo, me despedi dos meus pais e, num galope, cheguei à escola antes mesmo do portão se abrir. Quando tocou o sinal de entrada, eu já estava a postos para sentar na primeira fila do auditório. E a hora chegou. Foi como se eu tivesse sido teletransportado para outra dimensão, cada palavra, cada gesto do convidado me fazia voar alto, sonhando em como seria conhecer o espaço. Foi então que, num sacolejo, fui acordado com alguém chamando meu nome: – Sebastião da Silva, Sebastião da Silva – até que a Diretora me puxou da cadeira. – Vem cá Tiãozinho, você foi o sorteado. Ainda atônito, e sem entender o que estava acontecendo, fui levado para o centro do palco, onde o Coronel me cumprimentou dizendo: – Parabéns, você foi o escolhido para viajar comigo, e conhecer a Base de Alcântara, o Centro Aeroespacial Brasileiro. Você aceita? Sem palavras, aquele garoto que sempre sonhou com esse momento só conseguiu responder com um abraço do tamanho da Estratosfera, e que envolveu seu maior ídolo com a força da Gravidade. Os dias seguintes foram de pura excitação e preparação. Acompanhado de minha mãe, embarquei na viagem que mudaria minha vida para sempre, de maneira definitiva. Vivi a experiência de viajar de avião, aproveitei as mordomias de um hotel e, finalmente, conheci a casa do Astronauta brasileiro. Chegando à Base, não perdi um segundo sequer das explicações dos militares, absorvendo cada palavra, e guardando em minha retina cada imagem – o Centro de Comando, a Área de Treinamento Físico, a Base de Lançamento, mas o que me fez perder o chão, foi realmente conhecer o Simulador de Gravidade. Aquele foi o dia mais longo, e ao mesmo tempo mais marcante de minha vida. Na despedida ganhei um uniforme, feito especialmente para mim, igual ao dos oficiais aviadores que faziam seus treinamentos em Alcântara. De volta à comunidade, o que deveria ter sido a realização de um sonho, começou a se tornar o maior pesadelo da minha vida de meninohomem. Eu, que acreditei que seria recebido com honras militares, como aconteceu com Neil Armstrong quando retornou de sua viagem à Lua, fui surpreendido, no dia em que voltei à escola, com a indiferença dos meus colegas. Mas o que mais me machucou, de verdade, foram as piadinhas – “filhote
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de astronauta”, “lambe botas de milico”, “baba-ovo de governo”. Aquelas palavras pareciam não fazer sentido em minha cabeça que, com apenas 11 anos, estava sofrendo sua primeira e maior decepção. E as ofensas não melhoraram, na verdade foram só piorando, até que um dia aconteceu a gota d’água – a professora de História, aquela filha duma vagabunda, falou em tom de deboche para a sala inteira ouvir que “a única forma de moleque negro e pobre conseguir chegar perto das estrelas, era subindo em um andaime bem alto, para lavar janela de prédio”. – Se orienta moleque, e acorda pra vida! Disse a professora, em tom de vaticínio. Aquele chamamento realmente me “orientou”, e me fez acordar pra uma vida que eu não havia escolhido. Se antes eu andava apenas triste, desde então comecei a nutrir uma revolta contra tudo e contra todos que, não aguentando mais, me fez, no meio da madrugada, pegar minhas coisas e fugir de casa, deixando para trás meus pais e meus sonhos. Acabei indo parar em outra comunidade, mais distante, onde descobri que podia ganhar dinheiro e abrigo, trabalhando de fogueteiro para o tráfico. Naquele dia morria o Tiãozinho – Sebastião da Silva, e nascia ali o “Tião fogueteiro”.
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