LiteraLivre Vl. 6 - nº 34 – Jul./Ago. de 2022
Sérgio Soares Simão Pereira/MG
Tião, a história do menino fogueteiro — Naquela manhã acordei com um gosto de morte na boca. Já sabia que a inominada estava a caminho, por isso, antes de assumir meu posto, dei um longo e demorado beijo na minha preta, e fiz um último carinho em meu filho. Tião, que contava 18 anos, morava com Karolyne, de apenas 16, com quem já tinha um menino, Isaac - Isaac Newton. Depois da despedida, pegou sua companheira inseparável, a Russa Catarina, seu rádio e foi pra laje. Lá, como de costume, sentou numa lata, acendeu um baseado, e ficou entorpecido pela calmaria, um silêncio no morro, que só podia significar uma coisa… Perdido no espaço-tempo, lembrou-se do dia em que chegou na comunidade, com apenas 11 anos, cheio de mágoa, e se tornou fogueteiro. De tão bom que era, em pouco tempo já comandava os moleques do foguete, e por todos era temido porque, caso algum pisasse na bola, Catarina cantava alto. Esse sentimento de raiva só foi quebrado com o nascimento de Isaac, o nome foi uma homenagem a seus pais, que não conheceram o bebê, mas sempre acreditaram que ele poderia fazer algo importante na vida. Na noite anterior, ficaram os dois - ele e o pequeno - deitados na laje, olhando
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para as estrelas entre gargalhadas, onde Tião contava para o filho a história de cada constelação, e tudo que havia visto na sua visita à Base de Alcântara. Então, como que no despertar de um sonho bom, foi acordado com o rádio gritando: Caveira! Caveira! No mesmo instante o céu da comunidade ficou tracejado pelas rajadas de fuzil, e pelo barulho ensurdecedor dos helicópteros dando rasante. Tião se colocou em posição de tiro, e sentou o dedo na Russa, porém, aquele instante – minuto, que pareceu uma eternidade, foi interrompido pela bala certeira de um Sniper que, com um único disparo, interrompeu a carreira do menino fogueteiro… — Me chamo Sebastião, sou filho único de uma família muito humilde, mas honesta. Fui criado em uma comunidade onde nunca me envolvi com nada de ruim, apesar da violência do local. Filho de pais evangélicos, minha vida sempre foi Casa – Escola – Igreja, mas, ainda assim, era uma criança muito feliz, e dedicada aos estudos. Meu maior sonho era ser astronauta. Até que um dia, aquele menino preto, pobre e