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Plinio Giannasi

Plinio Giannasi Regente Feijó/SP

Opostos

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Sinto-me bem aqui, sentado no banco da praça depois do almoço.

Afinal, são apenas trinta minutos para relaxar, longe daquela balbúrdia toda, e fica pertinho do trabalho. A empresa é do meu pai, que na verdade NÃO é meu pai. A vida toda (todos os meus vinte e um anos) evitaram falar sobre minha adoção, e mamãe, que também NÃO é minha mãe, fica agressiva com este assunto.

O banco fica debaixo de uma árvore, não muito alta, sem flores, vez ou outra um pássaro. Breve meditação, pensando sobre minha origem. Trago uma garrafa d’água, conselho médico devido a cálculos renais. Agora pela metade, a garrafinha fica aqui abandonada, equilibrando-se num canto do banco. Um Diretor Geral aos vinte e um anos de idade. Sem origem. ...

Pedir trocados já não enternece corações endurecidos. Basta andar por aí aos farrapos, alguém sempre socorre com algumas moedas, comida, água. Em seu trajeto, o que tem de diferente é que naquele banco da praça tem uma garrafinha de água que alguém esqueceu. Ela senta pra descansar um pouco naquela sombra, verifica a água, ainda tem quase metade.

Ao pegá-la, um despertar. Coração em disparada, pensamentos em órbita, não se reconhece. Bebe até esvaziar a garrafa, que fica ali, no mesmo lugar. Hora de voltar para...

Ah, por aí. ...

Calor infernal, três da tarde. O sistema informatizado caiu, estamos completamente reféns da internet. Vou sair e me sentar naquele mesmo banco, onde relaxei depois do almoço.

Inclusive, creio que esqueci ali a garrafinha com alguma água dentro, politicamente incorreto. Banco vago, sempre, e a garrafinha lá, no mesmo cantinho. Vazia, mas tenho certeza de que ainda tinha água. Ao pegá-la, estranha sensação, coração na garganta, um magnetismo mágico naquele objeto. Mas, é só uma garrafinha d’água. Vazia, fica no mesmo lugar. ...

Comércio fechado, por hoje chega. Para ir até a marquise que ela chama de lar, precisa passar pela pracinha, daquela árvore, daquele banco, daquela garrafinha. Aproxima a mão trêmula da garrafa vazia, ao toque, a mesma viagem, agora mais

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intensa. Desaparecem as dores que a acompanham desde a internação no manicômio, que dão lugar a apenas uma dor. Na cicatriz que ficou daquela cesariana feita às pressas, e nem pode ver o filho.

Agora aquele objeto é dela, leva-o preso ao peito como a tentar amamentar, e acalmar a dor que a incomoda. Ninguém ali se espanta, afinal, ela é mais um dos despejados do Hospital Psiquiátrico. Não consegue dormir com medo de ser roubada.

Não seus trapos e utensílios miseráveis. Apenas a garrafa. ...

Noite tensa, durante o jantar toco no assunto proibido. De onde vim, sobre meus pais. Afinal, conheço diversas pessoas que foram adotadas e convivem harmonicamente com suas origens. Respostas nada esclarecedoras, termino o jantar a vou para a sacada do apartamento. Posso ouvir a discussão na sala, muita roupa suja lavada sem cerimônia, e a verdade me rasga a alma. Uma intrincada rede de traições, meu pai abandonou minha mãe, grávida. Ela enlouqueceu.

Durma-se... ...

Não dormiu... O medo de ser roubada superou o sono, ela volta à pracinha, ao banco. Espera. Apenas espera. ...

Antes de entrar na empresa, corro os olhos pela pracinha, detenho-me no banco, onde deixei a garrafa d’água. Tem uma pessoa sentada lá, nunca tem, mas hoje tem.

Vou me sentar também, cabem duas, ou até três pessoas. Atravesso a avenida, com a aproximação retorna aquela sensação. Alguns metros, vejo que é uma senhora aparentando sessenta anos, segurando uma garrafa plástica vazia. E dorme, meio sentada, meio deitada. Reconheço a garrafa pela marca. Uma paz imensa toma-me por inteiro, o cheiro dela denuncia alguns dias sem banho, mas não me incomodo.

Sua respiração é suave como a brisa repentina. Não quero voltar ao trabalho. Ela acorda com o som do meu celular. Quando ela percebe que não está só, faz menção de ir embora. Entrega-me a garrafa plástica vazia. Peço: — Por favor, fique. — Não, eu preciso de um banho, você está tão bem arrumado. — Não importa. Eu não ligo, fique. — Qual a sua idade? — Vinte e um. — Tive um filho, mas ele não tem mais que quinze anos. Você tem outra água?

Deixamos, enfim, aquela garrafinha toda amassada numa lixeira ali ao lado. Ela me olha sem piscar, responde com monossílabos ou gestos. Saímos juntos formando um contraste social que choca. A idade dela, trinta e cinco com aparência de sessenta, a vida na rua

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envelhece e embrutece. Conta, entremeio a soluços de um choro suave, sobre pessoas desprovidas de caráter, de histórias contadas ao contrário para a família, que determinaram sua internação num hospital psiquiátrico. Com o fechamento destes estabelecimentos, os internos são entregues às famílias.

Que família?

Passa-se assim o dia todo, pergunto onde ela mora. Debaixo de uma marquise de teatro abandonado, com outros. Pergunto se podemos nos ver amanhã. Sorriso radiante. SIM, sempre.

Noite tranquila em minha casa. Bronca por ter faltado ao trabalho, digo que amanhã também não vou. Durmo o ontem e o hoje, exausto e fascinado. Sonhos indecifráveis.

Amanhece e nem quero tomar café com eles, saio sem o tradicional terno e gravata, que dá lugar a uma bermuda e tênis velho. O noticiário da manhã informa que um grupo não identificado atira na direção de moradores de rua, num teatro abandonado.

Quatro mortos, décima chacina do ano.

Um aglomerado de viaturas e curiosos. Aproximo-me tateando com os pés uma nuvem imaginária, não tenho chão. Quatro mortos, eles eram mais de dez, o policial não me permite a aproximação. Um sussurro ao pé de meu ouvido: — Você veio mesmo...

Não choro, minha alegria é tanta que apenas abraço aquela pequenina, mal vestida, descabelada, que me diz sobre a noite passada. Passaram atirando, ameaçaram voltar.

Quem pagou pra ver, ficou. Ela preferiu buscar outro refúgio... Um banco de praça. Saímos assim, para o mundo. Mais um dia quente.

Temos muito que conversar.

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