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Joedyr Bellas

Joedyr Bellas São Gonçalo/RJ

Um Dia A Mais, Um Dia A Menos

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O homem pediu uma cerveja e um conhaque. O bar está cheio. Não diria lotado, mas cheio. Uma mulher, sentada em um banquinho, canta macio acompanhada de um pianista. A voz é tranquila e rola num tom suave. As notas fluem mansamente. O bar segue sua rotina de ser bar. Um falatório dos diabos, vozes se confundindo, e cada pessoa vai vendendo seu peixe, minha mãe, quando o falatório era grande dentro de casa, e ela queria um pouco de sossego para um cochilo depois do almoço, berrava pedindo silêncio e emendava logo com um isso aqui tá parecendo um mercado de peixe e cada pessoa vai vendendo o seu peixe. As palavras vão se misturando. O homem que pediu uma cerveja e um conhaque esboça um sorriso. Ele está só. A modernidade, os tempos modernos, não permite que uma pessoa ande sozinho um segundo sequer, e eu estranho o homem solitário bebendo sua cerveja e seu conhaque. Não acho estranho por estar bebendo cerveja e conhaque. Ele termina de beber um copo de cerveja e tranquilamente dá uma bicada no conhaque para em seguida encher o copo de cerveja e repetir o ritual. Um copo de cerveja e uma bicada no conhaque. Isso não me causa estranheza, o que me chama a atenção é o fato de ele estar sozinho em um século que exige que as pessoas andem acompanhadas. Andem acompanhadas e falem ao mesmo tampo. As pessoas vão falando. Em uma mesa, mais adiante da minha, um casal, entre uma mensagem e outra no celular, falam qualquer coisa e riem sem tirar os olhos do celular. As pessoas não param de rir. Nem de falar. Eu olho pra minha mulher e falo pra ela que preciso ir ao banheiro e que, talvez, na volta, eu peça ao pianista e à cantora para tocarem a nossa música. Ela não

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desgruda o olho do celular dela, faz um gesto qualquer com a cabeça e dá de ombros. Eu penso, qual é mesma a nossa música? O homem vai no seu ritual de beber cerveja e conhaque, lentamente, e nessa lentidão, ele já vai para a segunda cerveja. O conhaque ainda é o mesmo. O garçom traz a garrafa de cerveja para o homem, faz menção de servi-lo, o homem recusa, o garçom deixa a cerveja em cima da mesa e sai resmungando qualquer coisa. As palavras vão se misturando. Só o homem que não fala nada. Ele está só. Será que ele foi abandonado no altar pela noiva e adquiriu o hábito de beber sozinho cerveja e conhaque para esquecer as mágoas? Será que ele marcou um encontro e levou um bolo? A minha mãe fazia um bolo gostoso de chocolate com calda também de chocolate derramada por cima do bolo. Comíamos de lamber os beiços. Será que o homem tem alguma decepção remoendo no peito? Penso em me chegar perto dele, perguntar qual o conhaque que ele está bebendo, só pra puxar conversa e servir de companhia pra ele, nem que seja por um segundo. Desisto da ideia. Lá fora está chovendo. Não forte. Uma chuvinha de não encher ruas nem de derrubar encostas nem barracos, graças a Deus. Será que o homem sabe que lá fora está chovendo?

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