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JAX

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Caminhos Floridos*

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O quadro aí está na parede, com sua paisagem em que sobressai o caminho ladeado por moitas de hortênsias.

Quem vê uma paisagem assim, por mais reles venha a parecer a pintura, tende a escutar o convite da Natureza e a enveredar pelo caminho florido, em busca de sensações.

Pode ser a sensação da paz renovada, do amor reencontrado ou puramente sonhado, da simples quietude, vegetal ou mesmo vegetativa, proporcionada por árvores, plantas e, especialmente, pelas flores.

Claro que se oferecem alternativas de caminhada tão numerosas quantas as paisagens que distintos pintores desejaram retratar. Há rotas mais ensolaradas, outras cheias de sombras pela pujança florestal. Descortinam-se itinerários longos, cujo destino final está fora do alcance da vista (mas não da imaginação), ou curtos, que já apontam seu ponto de chegada, seja a pequena choupana, de ares românticos, seja o imponente castelo, a sugerir mil histórias a quem ali vai. Existem múltiplas opções para a peregrinação mental.

Caminhos foram feitos para serem percorridos. É de sua essência. Por mais sedentário se mostre alguém, dificilmente deixará de sentir, pelo menos, a vontade de tomar a trilha convidativa. Excetuados os casos de total e absoluta mediocridade, em cada ser jaz, latente, a expectativa da aventura, de descobrir a inspiração que lhe falta e da qual carece para dar o grande passo no mundo real.

Basta ir a qualquer galeria, olhar os quadros e escolher seu trajeto. Só ou, melhor ainda, ao lado de quem se ama.

Boa sorte, caminhantes! Quem sabe a sorte não lhes sorria a ponto de encontrar Cecília Meireles pelo caminho, com seu olhar poético e sábio, a ensinar que a vida pode (e deve) valer a pena?

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Trilhas acolhedoras e inspiradoras constituem o objetivo ideal, sem descuidar-se, no entanto, de diferentes possibilidades. Caminhos podem revelarse tortuosos e difíceis de andar, pois mesmo as intenções mais românticas e otimistas não estão imunes a obstáculos.

Quem quer aventurar-se tem de estar preparado para o que der e vier. Questão de não permitir que o sonho se transforme em pesadelo, nem na trajetória projetada, nem na vida de verdade.

Coragem, peregrinos! Não há o que temer. Basta ter atenção para evitar tropeçar na estrada. Divagações e devaneios exigem um mínimo de disciplina no rumo certo, sem se perderem em desmesuradas ilusões. Não se pretende negar que vagar à toa pelo caminho florido diante de si possa permitir a passagem da inconsciente ilusão à consciência do próprio eu ou da realidade circundante. Tudo é possível, como se costuma afirmar. Não custa, porém, prevenir os incautos quanto aos riscos de caminhar demasiado ao léu, no único intuito de mirar as flores em cada margem da estrada. Cabe mostrar-se mais positivo, munir-se de propósito para alcançar bom resultado.

Afinal de contas, passar da ilusão à desilusão constitui passo diminuto em qualquer caminhada. Ninguém que se aventure dentro do cenário onírico merece desfecho similar. Já chega o eventual penar do seu cotidiano! Quem atende ao convite do caminho florido na tela requer a devida compensação, no mínimo aprender que sonhar é arte que permeia e transcende as demais. Nada para principiantes.

As flores apresentam-se como prenúncio de marcha agradável, em meio a cores e perfumes. Se algumas têm espinhos, não se vá pensar que elas tencionam agredir os transeuntes. São meros instrumentos de defesa de algumas espécies – e não raro inúteis como tais contra insetos destrutivos e burocráticos. De todo modo, compreende-se que a beleza procure proteger-se. Em lugar de apreciá-la e valorizá-la, ocorre haver quem lhe queira fazer mal, por despeito ou simples mau gosto.

Que mais se pode evocar ante essas paisagens e suas vias à disposição dos seres andantes? Talvez enaltecer seus autores, pouco importam as diferenças na

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qualidade do respectivo trabalho, no domínio na arte de retratar ou no talento para inspirar a viagem de quem vê as obras. Se não estiverem impregnadas de evidente finalidade maléfica ou tristemente comercial, bem-vindas as demonstrações de criatividade, das mais modestas às muito requintadas!

Agradecem todos aqueles que as contemplem e vierem a acrescentar à sua existência um momento de distensão, de elevação do espírito ou de apreço pela Natureza.

A jornada de cada ser necessita de tais momentos.

Para caminhar cada dia mais.

Para reconstruir, de eventuais ruínas, sólidas edificações pessoais.

Para continuar a usufruir dos caminhos floridos...

* Tributo a Cecília Meireles, tijucana como o narrador. Abril 2022.

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