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Lira Vargas

Lira Vargas Niterói/RJ

Contra o Tempo

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Percebi na última festa de aniversário um zero depois do numeral. Aplausos e brilho nos olhos de meus convidados. Uma alegria, que entendi depois que todos foram embora, que eu tinha vencido. Vencido o que? E ganhei o que? Naquela noite fui cansada para a cama, olhei meus cabelos como a fiscalizar e percebi que a pintura estava perfeita. Os dias passaram e as linhas em minha pele dos braços tomavam formas, quadradinhas, retinhas, mas não queria isso pra mim. Corri para a academia de ginástica e falei para o personal trainer , que um exercício urgente para meus braços era necessário para tranquilizarme. Percebi que as pessoas elogiavam minha beleza como se fosse recente, mas finalizavam “nem parece ter essa idade” essa frase vinha como agulhas e espetavam minha alma, sim minha alma. Sentia medo de envelhecer e perder meu status, meu emprego, e o pior, meus amigos. E perdia a cada ano um amigo para a morte! Corria contra o tempo, fiz a primeira plástica, um ano depois outra plástica, e depois uma outra reparadora porque a primeira deu errado, não percebia que envelhecia por dentro, e lá dentro não havia especialista para plastificar. Percebi que a corrida era da academia para a cirurgia plástica, para os revigorantes, colágenos esfoliastes e hidratantes. E a maldita frase em cada encontro “nem parece ter essa idade”. Percebi que a luta contra o tempo era desigual e quando estava sozinha, sentia medo, medo de perder a beleza ou medo de perder a juventude? Medo de perder os amigos e minha família. Eu estava errada. Meus amigos envelheciam comigo e eu nem percebia, continuavam ali, a espera de um novo encontro para um chá. Minha família se dispersando e eu me tornando um fardo pesado, meus valores estavam em quanto deixaria de herança. Minha beleza estava no que desfrutei

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na juventude e no que realizei no presente, lembranças e paz! Corri tanto, e um dia parei. O espelho revelou as rugas e as raízes de meus cabelos brancos. A pele enrugou e li em cada ruga um episódio de uma história. Minha audição diminuiu, mas no silêncio ouvia as músicas que falavam de amor. Minha memória enfraqueceu para o presente, mas o passado vinha alegrar meus cochilos na cadeira de balanço. O tempo se mostrou lento e aconchegante. Percebi que não podia mais correr, que cheguei e fui sim, vitoriosa! Que meus amigos envelheceram comigo, e minha família? Também na corrida contra o tempo. Sorri de tudo isso. O tempo tem uma medida tão exata, tão cronometrada que chamo a isso: TEMPO DE DEUS.

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