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Maria Pia Monda
Maria Pia Monda Belo Horizonte/MG
À deriva
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É claro que ela não podia saber e eu sou muito boa em virar as costas e ignorála, como se o que essa estranha acabou de fazer comigo não me tocasse, não me machucasse. Aperto o suporte com firmeza, deixando um falso resíduo de bondade, misturado com o suor da palma da minha mão, escorregar de mim e colar, com minhas impressões digitais, neste pedaço de metal pintado de amarelo. O valor de uma pena, que não vale a pena sentir, mede-se na raiva que retenho e que, nem em soluços, consigo tirar de mim. Daqui a pouco, voltarei ao ar livre, mas agora é um esforço manter o equilíbrio em meio a essa maré humana, na qual me insiro como um saco de lixo jogado à deriva. Dramatizo demais ultimamente, eu sei. Minhas reações emotivas são imediatas e intensas e me pergunto se o mau-humor é o efeito ou a causa do meu desconforto. É suficiente uma banalidade- um gesto indevido, um olhar mais intenso ou uma palavra mal colocada- para que o sossego se torne aflição. Como há pouco. Eu supusera que não conseguiria me sentar. O ônibus está sempre lotado a essa hora. No entanto, havia um lugar livre. Não precisei- eu nem faria- dar cotoveladas para chegar até ele. Aquele assento estava livre para mim, apesar da multidão de estranhos nas proximidades. Sentei-me e pensei que eu merecia. A lógica irracional do meu universo, violando suas próprias regras, por uma vez atendera à necessidade de me dar um conforto, fazendo-me encontrar aquele banco vazio.
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Fiquei sentada por dez minutos, até que a mulher ao meu lado me pediu para deixá-la passar, pois estávamos chegando ao destino dela. Gentilmente me levantei, gentilmente recuei para que ela tivesse espaço suficiente para se mover, gentilmente até esperei que um rapaz tomasse o lugar dela. Pois, apareceu a estranha cruel e, do nada, assisti com surpresa à pressa com que ela, pouco gentilmente, afundou as nádegas naquele assento que, até pouco antes, era meu. Uma ação premeditada, direta e perfeita. Me senti e ainda me sinto tão estúpida! Ela se sentou e, covardemente, baixou o olhar. Para não sucumbir ao instinto de puxar seus cabelos, virei as costas e encarei a janela. A faixa de asfalto e as casas e as calçadas e os carros e as motocicletas e as lojas e todos os outros componentes urbanos, que caoticamente mobíliam a cidade, declaram que faltam pelo menos mais vinte minutos para chegar ao meu destino. Um tempo que vou ter que passar em pé. A lógica irracional do meu universo, aquelas graças à qual, ultimamente, tudo dá errado, deve ter estabelecido que meu lugar é à deriva.