LiteraLivre Vl. 6 - nº 34 – Jul./Ago. de 2022
Maria Pia Monda Belo Horizonte/MG
À deriva É claro que ela não podia saber e eu sou muito boa em virar as costas e ignorála, como se o que essa estranha acabou de fazer comigo não me tocasse, não me machucasse. Aperto o suporte com firmeza, deixando um falso resíduo de bondade, misturado com o suor da palma da minha mão, escorregar de mim e colar, com minhas impressões digitais, neste pedaço de metal pintado de amarelo. O valor de uma pena, que não vale a pena sentir, mede-se na raiva que retenho e que, nem em soluços, consigo tirar de mim. Daqui a pouco, voltarei ao ar livre, mas agora é um esforço manter o equilíbrio em meio a essa maré humana, na qual me insiro como um saco de lixo jogado à deriva. Dramatizo demais ultimamente, eu sei. Minhas reações emotivas são imediatas e intensas e me pergunto se o mau-humor é o efeito ou a causa do meu desconforto. É suficiente uma banalidade- um gesto indevido, um olhar mais intenso ou uma palavra mal colocada- para que o sossego se torne aflição. Como há pouco. Eu supusera que não conseguiria me sentar. O ônibus está sempre lotado a essa hora. No entanto, havia um lugar livre. Não precisei- eu nem faria- dar cotoveladas para chegar até ele. Aquele assento estava livre para mim, apesar da multidão de estranhos nas proximidades. Sentei-me e pensei que eu merecia. A lógica irracional do meu universo, violando suas próprias regras, por uma vez atendera à necessidade de me dar um conforto, fazendo-me encontrar aquele banco vazio.
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