Revista Literatas 46

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Maputo | Ano II | Nº 46 | Setembro de 2012

HOMENAGEM AOs POETAs AGOSTINHO NETO E noÉMIA DE SOUSA Leituras| Páginas. 06 e 07

O ser escritor na visão de Camille Dungy Reportagem| Página. 05

Filimone Meigos:

Um poeta feito de contradições Entrevista| Páginas. 11 a 13

Prémio Craveirinha 2011


A Forรงa da Juventude Literรกria Leia a sua revista TODOS os dias

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Editorial |

Sumário Personagem

pág. 4

Notícias

Eduardo Quive

Homenagens acumuladas

pág. 5

E Morte do jornalista e escritor Hilário Matusse

Agostinho Netop, poeta angolano

Entrevista

pág. 11 a 13

Ensaio

Bandeira e Cabral: Poéticas entrecruzadas

Filimone Meigos: Um poeta feito de contradições

Poesia

pág. 14 e 15

Homenagem a Noémia de Sousa

Ficha técnica

pág.20 e 21

Reportagem pág. 05

Lília Momplé prémio Craveirinha 2011

sta é uma daquelas edições em que não se sabe o que dizer ao leitor em jeito de introdução e, muito menos se sabe como resumir. Esta é, na verdade, uma daquelas edições em que injustamente não dedicamos somente a um nome sonante e marcado em tinta indelével na história das nossas literaturas que por toda a parte andam sem obedecer as soberanias, invadem as fronteiras como fazem as andorinhas, como se os territórios fossem compostos apenas por céus e mares. Estes são os remorsos que não nos saem por não dedicar um número para cada um dos nomes que homenageamos, nomeadamente Agostinho Neto, que se estivesse vivo teria 90 anos de idade e Noémia de Sousa, que nasceu a 20 de Setembro de 1926, portanto, 4 anos depois do poeta, o intelectual que se dedicou também à política, movido pelo espírito de liberdade em benefício do colectivo. Agostinho Neto é aquele que escreve com sangue e, por isso, mais do que nos revelar o seu “eu” poético, rasga-nos as almas e deixa um pedaço de si em nós. Da mesma maneira olhamos para a poetisa Noémia de Sousa, aquela que não soube gritar a sua voz única voz, gritou vozes, as nossas vozes, o grito e o “ Sangue Negro”. Dois poetas que renunciaram às suas vidas para servir uma coisa estranha que se chama liberdade, uma descolonização do Homem para Homem. Dois poetas que pela vida que negaram viver individualmente, a favor das suas nações, hoje tornaram-se imortais, sãos os deuses que não os invocamos em vão. Esta quinzena foi realmente marcada por vários acontecimentos que filtraram-se no nosso âmago não nos dando a alternativa de sermos isentos. É preciso, em algum momento, ser sensível, principalmente quando se trata da arte, esta poética forma de ser numa sociedade formal. A revista Literatas, este nosso pequeno empreendimento que sobrevive nos megabytes, homenageou na sua edição número 43, a escritora moçambicana Lília Momplé, em um número que saiu exclusivamente com matérias sobre a sua vida e obra. Quando o fizemos na altura, a cidade de Xai-xai, através da Associação Cultural Xitende também abraçou a iniciativa e homenageou a escritora no dia 11 de Agosto, enquanto o Movimento Literário Kuphaluxa pretende fazê-lo no dia 11 de Outubro. Acreditamos ter já explicado nesse número os motivos desta série de homenagens. Mas ao voltarmos a este assunto, para a surpresa de todos, o Prémio José Craveirinha, o maior prémio literário de Moçambique, foi atribuído à Lília Momplé, o que nos satisfez em demasia. Na verdade tanto o Calane da Silva quanto a Lília Momplé, achamos serem justos merecedores deste prémio, que agora visa homenagear o escritor pela sua carreira e não necessariamente por uma obra literária como era feito nas duas edições anteriores. A Associação dos Escritores Moçambicanos e a Hidroeléctrica de Cahora Bassa estão no limite certo da lucidez e sejam por isso, honrados por cumprir exemplarmente o seu papel de homenagear figuras merecidas. Isto prova também que como uma revista literária, únicos em Moçambique a difundir a literatura nacional com regularidade e pontualidade de dentro para fora e de fora para dentro, somos realmente aqueles que têm a voz aliada à razão. Dissemos que Lília Momplé é uma voz simbólica da literatura moçambicana ainda viva, e, que nesse estado é que deve ser homenageada, quebrando a lei de que rezemos para que ele morra para depois aparecermos em público e fazermos faces pela auto- promoção em nome do defunto. Por último, tivemos na última hora, que enquadrar nesta edição o assunto que deixou abalada a classe jornalística e literária moçambicana. Referimo-nos a morte do jornalista e escritor Hilário Matusse ocorrida no dia 20 de Setembro em Maputo. Aqui fica o nosso reconhecimento ao trabalho do autor de “Sete Estórias de Meter Medo”, que como tomamos conhecimento, cessou as funções de vivente com uma grande vontade de publicar um número da revista literária Oásis.

Centro Cultural Brasil-Moçambique | Av. 25 de Setembro, Nº 1728 | Maputo | Caixa Postal | 1167 | Email: r.literatas@gmail.com | Tel. (+258): 84 57 78 117 | 82 35 63 201 | 84 07 46 603 Movimento Literário Kuphaluxa | http://kuphaluxa.blogspot.com | www.facebook.com/movimento.kuphaluxa

DIRECTOR GERAL Nelson Lineu | nelsonlineu@gmail.com Cel: +258 82 27 61 184 DIRECTOR COMERCIAL Japone Arijuane | jarijuane@gmail.com Cel: +258 82 35 63 201 | +258 84 67 29 929 EDITOR Eduardo Quive | eduardoquive@gmail.com Cel: +258 82 27 17 645| +258 84 57 78 117 CHEFE DA REDACÇÃO Amosse Mucavele | amosse1987@yahoo.com.br Cel: +258 82 57 03 750 | +258 84 07 46 603 CONSELHO EDITORIAL Eduardo Quive | Amosse Mucavele | Jorge Muianga| Japone Arijuane | Mauro Brito.

REPRESENTANTES PROVINCIAS Dany Wambire - Sofala Lino Sousa Mucuruza - Niassa Jessemuce Cacinda - Nampula REVISÃO LINGUÍSTICA Jorge Muianga COLABORADORES Moçambique: Izidine Jaime Brasil:

Timor Leste: Palmira Marques

Cabo Verde - José Luís Hopffer

Angola: Lopito Feijóo João Tala

FOTOGRAFIA Eduardo Quive

Cabo Verde: Filinto Elísio

PAGINAÇÃO Eduardo Quive

COLABORAM NESTA EDIÇÃO: Timor Leste - Maria Ângela Carrascalão

PERIODICIDADE Quinzenal

Rosália Diogo Marcelo Soreano Pedro Du Bois Samuel Costa

Brasil - Diego Mileli ; Dejair Dionísio; Joaquim Branco

Portugal: Victor Eustaquio

Moçambique - Armando Artur; Adelino Timóteo

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A revista Literatas é uma publicação electrónica idealizada pelo Movimento Literário Kuphaluxa para a divulgação da literatura moçambicana interagindo com as outras literaturas dos paises da lusofonia. Permitida a reprodução parcial ou completa com a devida citação da fonte e do autor do artigo.


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Personagem | Angola

Agostinho Neto

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922 - Às cinco horas do dia dezassete de Setembro nasce Agostinho Neto em Kaxicane, freguesia de S. José, conselho de Icolo e Bengo, Distrito de Luanda, filho de Agostinho Neto, catequista de Missão americana em Luanda, sendo mais tarde pastor e professor nos Dembos, e de Maria da Silva Neto, professora. 1934 - A dez de Junho obtém o certificado da escola primária, que frequentou em Luanda. 1937 - Os seus pais mudam-se para Luanda, onde Agostinho Neto prossegue o seu estudo secundário no Liceu Salvador Correia. 1944 - Completa o 7º ano do Liceu, obtido no Liceu Salvador Correia, de Luanda. -Sendo funcionário dos serviços de saúde deixa Angola e embarca para Portugal, a fim de frequentar a Faculdade de Medicina de Coimbra. -Integra-se e participa nas actividades sociais, políticas e culturais da secção de Coimbra da Casa dos Estudantes do Império, com sede em Lisboa, que esteve sob o regime compulsivo de “direcção administrativa” (nomeada pelo Governo) desde 1951 até 1957. 1947 - Surge o grupo que actua sob o lema “vamos Descobrir Angola”, que dá origem ao Movimento dos Jovens Intelectuais de Angola de que Agostinho Neto foi elemento integrante, embora vivendo em Portugal. 1948 - É concedida a Agostinho Neto uma bolsa de estudos pelos Metodistas americanos. - Transfere a sua matrícula para a Faculdade de Medicina de Lisboa, cidade onde passa a residir e onde continua a sua actividade cultural e política no seio da Casa dos Estudantes do Império. - Funda em Coimbra, com Lúcio Lara e Orlando de Albuquerque a revista Momento, na qual colabora. 1950 - Publicação em Luanda, da revista Mensagem, órgão da Associação dos Naturais de Angola, de que se publicaram 4 números (2 cadernos, sendo o último em 1952, no qual Agostinho Neto colabora). 1951 - Representante da Juventude das colónias portuguesas junto do MUD - Juvenil (Movimento de Unidade Democrática - Juvenil) português. - Em Lisboa, Agostinho Neto, de parceria com Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Marcelino dos Santos e Francisco José Tenreiro fundam o Centro de Estudos Africanos, que tinham finalidades culturais e políticas orientadas para a afirmação da nacionalidade africana. - Em Lisboa, “com trabalhadores marítimos angolanos funda o Club Marítimo Africano, correia de transmissão entre os patriotas angolanos que se encontravam em Portugal e os que, em Angola, preparavam os Alicerces do movimento de libertação”. 1952 - A 23 de Março é preso pela PIDE, em Lisboa, quando recolhia assinaturas para a conferência Mundial da Paz de Estocolmo ficando encarcerado durante três meses. 1954 - As autoridades policiais acabam com o centro de Estudos Africanos. 1955 - Preso no mês de Fevereiro e, posteriormente, condenado a dezoito meses de prisão. 1956 - Uma petição internacional circula nos meios intelectuais a pedir a sua libertação que, em França é assinada por nomes altamente prestigiados, como Aragon, Simone de Beauvoir, François Mariac, Jean-paul Sartre e o poeta cubano Nicolás Guillén. -Em Setembro realiza-se em Paris o 1º congresso de Escritores e Artistas Negros, no qual participaram escritores das colónias portuguesas, tais com Marcelino dos Santos, e onde foi lamentada a ausência de Agostinho Neto. - A 10 de Dezembro funda-se o MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola, a partir da fusão de vários movimentos patrióticos, encontrando-se Agostinho Neto, nessa data, nas prisões de Lisboa. 1957 - Solto das prisões da PIDE no mês de Julho. 1958 - A 27 de Outubro é licenciado em medicina pela Universidade de Lisboa e no mesmo dia casa com Maria Eugénia Silva. -Toma parte na fundação do Movimento Anticolonialista (MAC), que congregava patriotas das diversas colónias portuguesas para uma acção revolucionária conjunta nas cinco colónias portuguesas: Angola, Guiné, Cabo Verde, Moçambique, S. Tomé e Príncipe. 1959 - A 29 de Março, em Luanda, efectuam-se prisões massivas de nacionalistas proeminentes e assiste-se a uma escalada de terror policial. - Em Julho irrompe novas escaladas de terror, mais prisões massivas e sequentes julgamentos em que são aplicadas penas severas aos militantes do MPLA. - Nasce em Lisboa, o seu primeiro filho, Mário Jorge Neto aos 9/11/58 - A 22 de Dezembro, de 1959 acompanhado da mulher e do filho Mário Jorge, de tenra idade, deixa Lisboa regressando a Luanda, onde abre um consultório médico. - Agostinho Neto ocupa a chefia do MPLA, em território angolano. 1960 - 8 De Junho de 1960 é preso em Luanda. As manifestações de solidariedade diante do seu consultório médico e na sua aldeia são esmagadas pela polícia. Transita para cadeia do Aljube. Pouco depois é deportado para o arquipélago de Cabo Verde, ficando instalado na Vila de Ponta do Sol, ilha de Santo Antão; depois transita para Santiago até Outubro de 1962. - Em Julho é eleito Presidente Honorário do MPLA. 1961 - A 4 de Fevereiro é desencadeada a luta armada pelo MPLA, com assalto às cadeias de Luanda, seguindo-se uma forte repressão. - A 5 de Fevereiro realiza-se o funeral dos polícias mortos durante os ataques às prisões de Luanda e urdem-se pretextos para um massacre sobre os patriotas angolanos. - Agostinho Neto é preso na cidade da Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde, e é transferido para as prisões do Aljube, em Lisboa, onde deu entrada a 17 de Outubro de 1962. 1961 - Campanha internacional em prol da libertação de Agostinho Neto. A revista Présence Africaine dedica um número especial a Angola e condena severamente as autoridades fascistas portuguesas, expondo o receio pela vida dos prisioneiros, incluindo

Agostinho Neto, formulando um apelo universal contra os torturadores da PIDE. - The Times publica manifestações de protesto contra a prisão de Agostinho Neto, assinadas por figuras de mais elevada craveira intelectual, como o historiador Basil Davidson; os romancistas – Day Lewis, Doris Lessing, Iris Murdoch, Angus Wilson, Alan Silitoe; o poeta John Wain; o crítico de teatro inglês Kermeth Tynan; os dramaturgos John Osborne e Arnold Wesker. - A propósito da resposta inaceitável por parte das entidades portuguesas à denúncia feita por aqueles intelectuais, estes desencadeiam novo e veemente protesto. - A Peguin Books edita o livro Persecution 1961, da autoria de Peter Benenson, denunciado a situação de nove prisioneiros políticos, entre eles Agostinho Neto, através de artigos para a Imprensa e em carta para a embaixada de Portugal, solicitando os cuidados urgentes, para melhorar a situação de saúde de Agostinho Neto, que se temia pudesse tuberculizar. - Fica preso nas prisões do Aljube, em Lisboa, até Março de 1963. - Solto das prisões, em Lisboa, com residência fixa na capital portuguesa. Em Junho de 1963 evade-se de Portugal com sua mulher Maria Eugénia Neto e os filhos, Mário Jorge e Irene Alexandra, chegando a Léopoldville (Kinshasa), onde o MPLA tinha a sua sede Exterior. - Eleito presidente do MPLA durante a Conferência Nacional do Movimento. 1963 - O MPLA instala-se em Brazaville em consequência da sua expulsão do Congo (R. do Zaire) que passou a dar o apoio total a FNLA. - Abertura de uma frente em Cabinda – a Segunda Região política - Militar. 1966 - Abertura de nova frente no Leste de Angola - a Terceira Região 1968 - Transfere a sua família para Dar-es-Salaam onde continuará até 1975. 1970 - Galardoado com o prémio Lotus, atribuído pela 4ª Conferência dos Escritores Afro-Asiático. 1974 - A guerra nas colónias, componente determinante, conduz a Revolução dos Capitães, em Portugal, a 25 de Abril. - Apenas em Outubro o novo regime português reconhece o direito das colónias à independência, após que o MPLA assina o cessar-fogo. 1975 - Em 4 de Fevereiro regressa a Luanda. - Está presente no encontro de Alvor, em Portugal, onde é acordado estabelecer um “governo de transição” que inclui o MPLA, Portugal, FNLA e UNITA. - É recebido pela Associação Portuguesa de Escritores, na sua sede em Lisboa, que assim o quis homenagear, sendo presidente José Gomes Ferreira e VicePresidente Manuel Ferreira. Acompanhado de sua mulher, Agostinho Neto agradece as saudações que lhe foram dirigidas por José Gomes Ferreira, e apela para que os escritores portugueses continuem fiéis e interessados no processo revolucionário angolano. - Em Março, a FNLA declara guerra ao MPLA e inicia o massacre da população de Luanda. Agostinho Neto lidera a resistência popular e apela à mobilização geral do povo para se opor à invasão do país por forças estrangeiras, pelo Norte e pelo Sul, que procuram impedir o MPLA de proclamar a independência. 1975 - A 11 de Novembro é proclamado seu presidente, continuando Comandante -em-Chefe das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola e Presidente do MPLA. - Membro fundador da União dos Escritores Angolanos, criada em 10 de Dezembro de 1975. - Foi o primeiro Reitor da Universidade Agostinho Neto. - Presidente da Assembleia Geral da União dos Escritores Angolanos, cargo que desempenhou até à data do seu falecimento. - Reconhecimento da República Popular de Angola por mais de uma centena de países. 1976 - O exército invasor Sul-Africano é expulso de Angola a 27 de Março. 1977 - Em 10 de Dezembro cria o MPLA – Partido do Trabalho 1979 - Preside à cerimónia do encerramento da 6ª Conferência dos Escritores Afro – Asiáticos, realizada de 26 de Junho a 3 de Julho, proferindo o discurso de encerramento. - A 10 de Setembro, Agostinho Neto falece em Moscovo.

04 | 28 de Setembro de 2012


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Notícias

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Lília Momplé é a vencedora do Prémio Craveirinha 2011

oi revelado, em Maputo, o vencedor do maior prémio de literatura em Moçambique, atribuído pela Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) e Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB). A escritora Lília Momplé é a vencedora do Prémio José Craveirinha 2011, avaliado em 25 mil USD, cerca de 700 mil meticais. Sucedendo Calane da Silva, vencedor da edição 2010. Texto: Eduardo Quive Foto: Japone Arijuane

Lília Momplé que inicia a sua carreira oficializando-se como escritora com a publicação da reconhecida obra “Ninguém Matou Suhura” aos 53 anos de idade (1988), uma edição feita pela própria autora cujas reedições já chegam a cinco. Desde aos seus primeiros passos, ao estilo característico de bons escritores, Lília soube definir as linhas que norteariam a sua escrita, o que ainda hoje, a tornam num exemplo quando se fala de fidelidade aos conflitos sociais e internos entre a cidadã que há na alma de escritora que ela tem. Predefiniuse como contadora de histórias verdadeiras, sem inventar os factos, afinal, o país vivia (e ainda vive) acontecimentos que segundo a autora não carecem de dramatização. Assim surge o “Ninguém Matou Suhura” que nos referimos. “Escrevi porque tinha uma carga muito grande sobre o colonialismo em Moçambique. Eu tinha raiva do colonialismo. Muita raiva. Tinha a raiva da injustiça. Eu nunca me conformava por tudo que via: massacres sofrimento, opressão isso incomodava-me.” Conta a autora. Aliás, desse livro, faz parte o conto “Caniço” vencedor do prémio 10 de Novembro de 1987 a quando dos 100 anos da cidade de Maputo, facto que enche de orgulho a Lília Momplé, fazendo questão de recordar o acto mesmo por que foi no mesmo local, Paços do Conselho Municipal da Cidade de Maputo, que recebeu o Prémio Craveirinha. Só que desta vez foi para celebrar a sua carreira literária de mais de 25 anos, motivo ainda maior para celebrar. “É muito emocionante para mim, voltar a este paços do conselhos municipal, 25 anos depois para receber mais um prémio e como se não bastasse, o maior do país. Fico contente por receber o prémio monetariamente porque um escritor nunca é rico, os editores são ricos, mas os escritores raramente são ricos.” Disse Lília Momplé, logo depois de receber o prémio. O Prémio José Craveirinha passou desde, 2010 a premiar o escritor pela sua carreira, pelo que, passou dos 5 dólares americanos que ostentava para os actuais 25 mil financiados pela Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), cabendo a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) a nomeação do vencedor. Lília Momplé, à semelhança de Calane da Silva, vencedor do prémio na edição 2010, foi premiada não só pelo livro “Ninguém Matou Suhura” que se destaca dos livros que publicou, mas também por outros livros seus, nomeadamente, “Neighbours” (1995) e “Os Olhos da Cobra Verde” (1997), e por outras tarefas artístico-culturais em que se empenhou ao longo da sua vida. Eis o resumo do seu curriculum.

Lília Momplé com o cheque gigante nas mãos

Lília Maria Clara Carriére Momplé, nascida a 19 de Março de 1935 na Ilha de Moçambique, província de Nampula, a norte de Moçambique, é Assistente Social de profissão, com licenciatura em Serviços Sociais. Foi professora de Inglês e Língua Portuguesa na Escola Secundária de Ilha de Moçambique e directora da mesma escola entre 1970 e

1981. Trabalhou como assistente social em Lisboa, Lourenço Marques (actual cidade de Maputo) e em São Paulo, Brasil, em 1960 a 1970. Em outras missões, Lília Momplé foi, de 1992 a 1998, directora do Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC) e de 2001 a 2005, membro do Conselho Executivo da UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. No seu percurso literário, dirigiu a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) de 1991 a 2001, como secretária geral, de seguida ficou presidente da Mesa da Assembleia-geral da mesma agremiação. Ainda na arte, a escritora publicou o «Muhipiti-Alima» um vídeo de drama, editado pela PROMARTE em 1997. As obras da Lília Momplé, já foram editadas em Inglês, Italiano, Francês e Alemão. A escritora faz parte do «Internacional Who´s Who of Authores and Writeres» e desde 1997 é membro de «Honorary Fellow in Literature» da universidade IOWA dos Estados Unidos da América (EUA). O júri da presente edição do Prémio José Craveirinha foi presidido pelo escritor e professor de História, Ungulani Ba Ka Khosa, integrava ainda o escritor e docente de Literatura Moçambicana, Lucílio Manjate, escritor Aurélio Furdela e o conhecido crítico Jorge de Oliveira que foi coordenador da Gazeta de Artes e Letras da revista Tempo e actual secretário geral da AEMO.

Movimento Kuphaluxa fez-se representar no evento por Mauro Brito

05 | 28 de Setembro de 2012


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Leituras

“Ser escritor não deve ser visto como tentativa de se tornar imortal, famoso ou ter riqueza”

C

amille Dungy, poetisa norte-americana que recentemente visitou a capital moçambicana, Maputo, não se foi sem deixar a sua experiência como professora de escrita criativa no San Francisco State University, ao mesmo tempo que é poetisa. Era necessário que falássemos das suas obras, mas as dificuldades de acesso ao livro de autores contemporâneos de outros países se fez sentir neste encontro, mas, por outro lado, fez surtir efeitos a tentativa de se chegar à resposta sobre o que é um escritor, o que ele deve fazer para que se torne um escritor entre vários e, o principal, que exercícios faz um “bom escritor”. Na verdade, Camille é a pessoa que nos trás a fórmula mágica para que se seja um escritor: a leitura e a prática de escrita. Amosse Mucavele - Moçambique

06 | 28 de Setembro de 2012


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Leituras Literatas: Como é que o trabalho de professora de escrita criativa, jornalista influência a sua escrita? Camille Dungy: O acto de ensinar exige o enquadramento das minhas ideias de forma mais clara possível. Ensinar requer de mim que seja uma leitora por excelência e exige um pensamento crítico em relação ao trabalho e de como e porque se assume uma literatura com êxitos. Isto de ensinar leva-me a ler bastante de modo a manter-me actualizada com o mundo da literatura. Também todas estas ferramentas são indispensáveis para mim como escritora. Ensinar enriquece a minha escrita, ou seja, ensinar requer o mesmo combustível como a escrita. L: Quais são as suas expectativas com esta viagem a Moçambique? Acha que os EUA estão de algum modo interessados pela literatura Moçambicana? C.D: como escritora e leitora a minha curiosidade é natural. O meu trabalho é questionar por detrás do mundo conhecido. Sinto-me tão entusiasmada para ter esta oportunidade de visitar Moçambique e encontrar alguns dos emergentes e já estabelecidos escritores. Do mesmo modo estou feliz por ter a oportunidade de ver o país in loco. Havia muito sobre o qual não tive chances de ver, mais do que nunca agora vou me focar em livros para saber algo mais. Assim como ensinar e ler, a viagem é também veículo inspirador para a escrita. Relativamente a questão sobre o interesse dos americanos em ler autores moçambicanos, leitores em todo mundo tem interesse em literaturas de outras paragens e lugares. Há no entanto uma barreira que é a língua entre os países lusófonos e de expressão inglesa, por isso a importância dos tradutores, eles ajudam a construir a ponte que nos divide. Se há boa literatura, também há bons leitores. L: Para os que escrevem e por quê? Escreverão apenas para vender? C.D: Trata-se de uma questão específica em relação ao vosso Pais, o nível de realização e a variedade de tantos outros factores. Não poderei responder nesse âmbito comercial. Mas posso dar-lhe respostas que vão de encontro com a realidade, contudo, se pretende saber como tornar-se um escritor que as pessoas possam procurar ler, é necessário muita leitura, e também praticar a escrita. Não acontece como acordar numa fresca manhã e esperar que seja um escritor publicado com frequência ( quem as pessoas queiram ler) ao final do dia. Anos e anos de estudo e prática levam-no a melhorar a qualidade a partir do que lê. L: Como é descrito um escritor culturalmente activo nos EUA? C.D: Receio que não tenha percebido a sua pergunta. Além do mais, não sei se posso responde-la. EUA é um país muito grande, e existem muitas diferentes maneiras de mostrar o envolvimento cultural.

L: Há uma tendência dos escritores modernos em procurar os clássicos. Podemos dizer que estamos perante os substitutos legais do Hemingway, Faulkner e Allan Poe? C.D: Não se pode saber com exactidão quem deixará impressões. Há demasiados factores que concorrem para tal, de geração para geração. Tudo o que se pode fazer é escrever as melhores estórias e poemas possíveis. Ser escritor não deve ser visto como tentativa de se tornar imortal, famoso ou ter riqueza. Há tantos outros caminhos para atingir isso, se é isso o que procura. L: Pode citar alguns escritores africanos e em particular Moçambicanos que são editados nos EUA? Estarão, os EUA preparados para receber outras literaturas? C.D: Vocês como leitores devem ter interesse em conhecer este desafio, que é a publicação de novos autores africanos. L: Quais escritores que marcam a sua leitura? Como é que caracteriza a literatura contemporânea Norte-Americana? C.D: Como disse anteriormente, EUA é um país grande, e a América do norte, ainda que, não é maior que a África, ela é enorme e um continente diversificado. Não poderei falar da literatura Norte-Americana como um todo. Darei um endereço no qual poderá ler um ensaio escrito por mim no qual recusei-me expor o meu pensamento sobre a poesia Americana. Duma forma resumida, a poesia americana é maravilhosamente complexa e diversificada. Há um estilo definido, grupo ou ideia. É o que a torna tão maravilhosa. http://www.poetrysociety.org/psa/poetry/crossroads/qa_american_poetry/page_24/ L: Poderia deixar um concelho para escritores e para aqueles que querem se tornar escritores? C.D: Leitura constante, leitura, e mais leitura, ler sempre mais. Fale daquilo que você acha/ consta. Escreva sobre aquilo que lhe mova quando lê. Escreva sobre aquilo que deseja tentar e que seja capaz de faze-lo. De seguida veja como atingir esses objectivos. Quando terminar a prática. Leia algo mais. Repita este ciclo para os restantes dias de sua vida.

_________________________________________ Camille T. Dungy é autora dos seguintes livros de Poesia: Smith Blue, Suck on the Marrow, and What to Eat, What to Drink, What to Leave for Poison. Editou e organizou a antologia Black Nature: Four Centuries of African American Nature Poetry, e co-editou From the Fishouse poetry anthology (www.fishousepoems.org). A sua obra teve menção honrosa no American Book Award, Northern California Book Awards, prémio poetry fellowship from the National Endowment for the Arts. E é Professora no departamento de escrita criativa da Universidade Estadual São Francisco. www.camilledungy.com. Tradução de Amosse Mucavele e Mauro Brito.

O Macaco Macaquinho e o Macaco Macacão e outras histórias.

C

Glória Bastos*

om este livro, João Craveirinha transporta-nos até ao universo da tradição oral africana e ao “era uma vez…” que povoa igualmente as minhas/nossas – europeias e ocidentais – memórias de infância. Na verdade, as seis narrativas que compõem o volume hoje aqui apresentado, são todas introduzidas por essa expressão mágica que, de imediato, nos situa num imaginário ancestral que todos partilhamos de alguma forma, embora assumindo depois realizações distintas, de acordo com as respectivas geografias. Mas estes textos remetem-nos para contextos sociais precisos, distinguindo-se aqui duas dimensões. Por um lado, temos a dimensão simbólica, na medida em que estas histórias de animais, na esteira da tradição africana ancestral de contar fábulas, remetem para as relações sociais entre os homens ou, se preferirmos, para as questões do exercício do poder, retratando-se comportamentos e valores como a ambição, a justiça, a generosidade, ou a intriga. Neste sentido, a narrativa aponta sempre no final, e de forma explícita, para uma lição de ética ou moral – seguindo aqui a estrutura que caracteriza a fábula de matriz ocidental. Em alguns momentos deparamos também com outras filiações da narrativa, como o conto etiológico, presente na história número 3 –INGONHAMA O LEÃO, FISSI A HIENA , O CAMALEÃO E SUNGURA A LEBRE – quando na página 32 se diz que “A partir daí as hienas passaram a andar às escondidas de noite a roubar comida e os restos de outros animais mortos. E é por isso que as hienas e os leões são grandes inimigos até hoje”. Um outro elemento que sobressai nestes contos é ainda a remissão para um contexto social real, em apontamentos que localizam o leitor ou ouvinte perante cenários humanos – porque as figuras intervenientes são agora pessoas e não animais – que caracterizam aspectos da sociedade africana actual. É o caso da abertura da primeira história - o macaco macaquinho e o macaco macacão – que nos apresenta uma cena familiar, de um menino com a mãe e a avó, em que a televisão e as telenovelas são referenciais facilmente reconhecíveis. Ou as duas últimas histórias, que se diz serem contadas por “vovô Mussa, antigo combatente pela Independência de Moçambique”. Esta intromissão do real no simbólico apresenta um outro aspecto que merece a nossa especial atenção. Pensemos nos papéis que a literatura oral africana assume – à semelhança, aliás, do que acontece com a literatura de tradição oral da cultura ocidental – o papel educativo e o papel recreativo. O papel educativo é geralmente pontuado pela figura do contador, que veicula a história e a lição que a acompanha. Em alguns destes contos essa figura foi transportada para dentro da história. Eu explico. Na literatura de transmissão oral a figura do contador é central, na medida em que é através dele que o ouvinte contacta com a história; o contador é, assim, um iniciador nos segredos do mundo, das coisas que nos rodeiam. Esse contador geralmente é um adulto, um velho, uma vez que a experiência de vida constitui um traço importante na figura desse iniciador. E os ouvintes (os iniciados)

serão jovens, crianças que assim descobrem os meandros da vida e do homem. Ora esta situação enunciativa, que é externa ao texto, no caso do livro de João Craveirinha foi transportada para dentro do texto. Isto é, o acto de contar histórias é ele próprio encenado dentro das histórias e cumprindo os preceitos exigidos pela função. Por exemplo, na primeira narrativa, é a avó (e não a mãe, embora também seja referida no texto) que conta ao neto a história do macaco macaquinho. E é o vovô Mussa que conta aos netinhos a história do gala gala poeta e de outros animais. Em relação à faceta recreativa – para além da dimensão lúdica inerente às próprias histórias – refira-se ainda o convite explícito (na contracapa) a uma intervenção dos destinatários ao nível da expressão plástica, pintando as ilustrações a traço também da autoria de João Craveirinha. Olhemos agora para as personagens que povoam estas fábulas. Em primeiro lugar, os animais que protagonizam as histórias ou os que têm um papel relevante no desfecho da acção, são sempre animais pequenos. Mas a sua pequenez surge em oposição à sua capacidade de sobrevivência e, sobretudo, ao seu poder para conduzir a fábula a um final feliz. Facilmente encontramos aqui formas que originam uma simpatia imediata entre a criança e estes pequenos animais, nos quais ela projecta os seus desejos de acção e afirmação, interiorizando as atitudes e valores positivos que essas figuras transportam consigo. Temos igualmente os animais negativos, como seria de esperar, seguindo-se a estrutura dicotómica característica da fábula e do conto tradicional (a hiena, a cobra, o hipopótamo, entre outros), simbolizando sobretudo a agressividade não social e o exercício negativo do poder. Uma reflexão final sobre a questão da linguagem, já que estamos em Portugal e se deseja que este livro seja também lido/ouvido por meninos e meninas das nossas escolas. Na verdade, a linguagem pode aqui constituir um elemento importante de surpresa e de descoberta: de surpresa, pelo efeito de estranheza que certamente provocam as palavras que identificam os animais, e de descoberta, porque permite um contacto com outros termos que não os da sua língua, constituindo uma interessante e motivante forma de aceder a dimensões do outro, numa abertura ao mundo de que hoje se fala muito mas que, para além disso, é realmente um desafio importante para a nossa sociedade. Neste sentido, este livro de João Craveirinha pode certamente ser um importante contributo para uma educação multicultural ao permitir às crianças o contacto com uma linguagem e com formas narrativas que sendo em muitos aspectos familiares a outras histórias que conhecem possuem, também, ingredientes novos. Felicito assim o autor por trazer até nós este volume e nos permitir a nós, adultos, partilhar um universo mágico que também nos convida a uma reflexão profunda sobre o mundo em que vivemos. * Glória Bastos (Professora Universitária portuguesa – especialista em Literatura Infantil)

07 | 28 de Setembro de 2012


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Ideias Resenhas | Silas Correia Leite

O passo certo

CHORUMES: Os Poemas “Anjos Afogados” de Marcelo Ariel

no caminho errado

“Os seres humanos me assombram”

Crise como

Markus Zusak In, A Menina Que Roubava Livros

Oportunidade Nelson Lineu - Maputo

O homem pode transformar obstáculos em meios para atingir os seus próprios fins. Francis Bacon

P

ara Abel e Marcos era impressionante como os jornais, rádios, telejornais entre outro meios de comunicação social falavam da crise financeira que se quer mundial em Moçambique; em vez de alarmante a notícia chegava num tom parecido com tudo menos melancólico; como se tratasse de igualdade com os países que estavam verdadeiramente em crise - digo verdadeiramente porque foi lá onde se criou essa situação e nós como pedra vamos para onde nos lançam -, como que finalmente existisse algo íntimo que nos ligasse de verdade com esses países. O pensamento vinha desse modo porque partilhar as dores muitas vezes é mas sincero, verdadeiro e instrumento eficaz para a união. Ambos estavam sentados no seu local habitual, de baixo de uma mangueira, onde poliam as suas ideias nos finais de semana, assim como este. Podia-se ouvir a conversa do outro lado do muro, numa barraca. Queriam estar lá mas não podiam, de um lado por não beberem, que era a condition sine qua non. Abel não podia beber por questões de saúde e Marcos porque não podia usar o seu salário que era mais magro que ele para tal. Por outro lado era porque a conversas dos ocupantes das cadeiras da barraca eram mesquinhas, segundo eles, assentavam-se mais em lamentações e reclamações. É peremptório referir que eles ficaram amigos por necessidade e só eram no final de semana. Das vezes que frequentaram a barraca eram motivo de zombaria, traziam ideias ou propostas para acabar com aquelas lamentações. “Se nem os governantes e pessoas estudadas não resolviam os problemas, quem eram eles? Tinham que cair na realidade”, ouviam da boca dos legítimos ocupantes da barraca quando não estivesse ocupada com o copo. Para esses a culpa não era do governo, tanto que as coisas eram assim porque tinham que ser, quem seria insensível até ao ponto de ver as coisas como estavam, podendo e não fazer nada, ficando no luxo da sua casa?! A conversa dos dois naquele sábado como apontado a cima era por causa da crise, essa era a posição de Abel: Não nos sentimos piores porque como os outros países estamos em crise. Como os outros, Abel ficou assustado quando alguém do Governo deu-se o trabalho de dizer que a crise não nos afectaria, mas mais tarde a mesma pessoa fez o não dito pelo feito.Com a desculpa de que só tinha dito aquilo para não nos alarmar. - Quanto a mim é nessa desprotegida protecção que faz com que as crianças em grande não consigam criar os seus próprios mecanismos de defesa – sentenciou, Abel. De tanto conversarem, as ideias de um não fugiam muito a do outro, cabiam um acrescentar algo ou tirar dependendo do assunto. Daí que o Marcos rematou: - A nossa crise vê-se que é por causa da diminuição das doações – já que o nosso estado soberano que é não consegue cobrir o seu orçamento - a nossa medida de austeridade não seria deixarmos de ser criança, isto é, crescermos criando os nossos mecanismos de defesa? Crise é um momento de transformação profunda que pode ser para pior ou para melhor, essa é a oportunidade. Pode ser que não tenhamos mais, e não nos queixemos como sempre desta vez por não aparecerem outras crises.

Espantalhos: seres reses. A máquina de existir é a máquina de parir seres. Serão seres? Existem? “Existir a que será que se destina?”, perguntou cantando Caetano Veloso. O Poeta de Cubatão, Marcelo Ariel, sabe. Deve doer saber. E nos responde por tabelas ou diretamente nas fuças com horror de ver, viver e escreviver: anjos afogados. Anjos em fios de alta tensão. A morte -amor. Choro e ranger de dentros. Jean-Paul Sartre dizia que ninguém é escritor por haver decidido dizer certas coisas, mas por haver decidido dizê-las de determinado modo. A chocante Poesia de Marcelo Ariel é uma fronteira cercada de destroços por todos os lados. Vidas-Socós. As duras realidades focadas na névoa-nada. A vida sobrevivencial lançando chamas na UTI do cáustico olhar plausível. A alma sangra entre o chão-diesel e os estilhaços poéticos multicortados de pontos de interrogachão. A cena do crime de existir. Escrever é um modo de estar no mundo, para repugnar-se contra o próprio mundo, e ainda assim sentenciá-lo ao assento de horror. A poesia tirando enterros da alma em pedaços. O revólver quente da criação destrinchando verbos, versos, ver-se, ter-se, verter. Prismas-caças-e-caçadores. Poesia dolor. “Como o céu que dança pra si mesmo/Sem a nossa presença/E depois apaga” (In, Com Miles Davis na Serra, pg.48). Os desterros são íntimos. Os aterros sociais têm seus chorumes dolorosamente líricocontestatórios por assim dizer. Feito um açougue metafísico de almas letrais. Marcelo Ariel voa com remos. As desnaturezas do ranço humano/urbano/insano. A maldição daquele que respiga as sobras, restos de nadas: sub-seres. E ainda achando poemas aí. Meio Jean Genet Pretobrazyl, um pleno pliniomarcos mestiço nas trincheiras do caos que retrata em fotogramas de amarguras, pintando com lucidez palavral os seus achados e perdidos. Não é fácil. Nunca foi. Um Goya-rimbaud. Os sem cérebro produzem monstros. Como ainda tirar poemas do inferno?. O lusco-fusco não sabe de lágrimas de muito além de Dante. O inferno são os seres. O céu rebrilhante de Cubatão é poluição pesada. A poesia toxina esplende um historial da morte poeticamente homeopática dos que foram soterrados. Em meio ao monturo Marcelo Ariel vaza poemaslágrimas, poemas duros, tristes, contundentes, assustadoras lascas de seu meio. Filósofo e metafísico. Que ciência há em não pensar sobre? Entre carcaças de todos os tipos e naipes, os poemas-letra-de-rock pesado em valas perdidas. Chorumes-rajadas. Metralhando palavras que se encorpam em peso-visão, brutezas pegajentas. Falou o diabo e aparece o anti-clímax. A vida só é possível reinventada, disse Cecilia Meireles. Poemas sentidos. Há sangue pra tudo. Serão só poemas? Testemunhos-depojos. Não, são também luzes negras sobre macadames de lixões. “A morte não dorme/A alma não pensa/A vida não vive” (In, Veredito, pg 93). Marcelo Ariel é isso: esquisito porque puramente real por mais que isso nos doa. O asco é mais embaixo. Só os imbecis são felizes. Não há sensações no esquecimento. Ai de ti Cubatão-Brazyl! Ensaios de amargedons localizados, datados. Estúdios a céu aberto entre viadutos, chaminés, mangues e resíduos fichados. Entre ratos, abutres, quasehumanos. A sifilização-réstia. O olhar transido é ainda recolhedor sistêmico. Ponches de restos. Sangria desatando subvidas. Os excluídos sociais, os carentes, os sacrificados, as amarguras de. Tudo do mesmo. Paradoxos inexatos que sucumbem entre mesmices impunes. O teatro de absurdos da vida real no seu pior estertor. “Na noite/Se convertendo em transparência sem tempo” (In, Espelho, pg.137). Marcelo Ariel não é fácil também. Somos literalmente atravessados por seus versos de arames em tintas entrecortadas dele mesmo no seu estilo todo próprio de repaginar o que vê/ sente/comporta/assoma/redime... liquidifica. Assustador. Marcelo Ariel é um soco de luz no LER. Ler o livro de Poemas “Tratado de Anjos Afogados” é um sopro na acomodação saturada. Poesia puro sangue. Os perdidos nas estrofes sujas da mais descarnada vida são literalmente revivificados. Escrevendo ele tira fantasmas da névoa e diz da dor de havê-los. Dói sentir a dor dos outros. Não há como sarar o mundo; já não é possível curar o mundo. Parafraseando Baudelaire, sob o crânio da raça hum ana o horror não faz milagres. Os miseráveis precisam de poetas para retratá-los, serem assim disformes registrados em suas condições de subvida, como seres ocasionalmente sobrevivenciais que acabam sendo, entre os chorumes dos condomínios fechados e os tantos insensíveis podres poderes. As cinzas das desonras. Falando sério, cara pálida, é muito difícil resenhar um livro como o Tratado dos Anjos Afogados de Marcelo Ariel. Você procura palavras exatas e não acha, não cabem, querem refugar o sentir, o pensar, o se achar num igual. Não há metáforas que caibam como identificações em poemas de tal grandeza cívica até. Nem são almas penduradas nos varais para secarem os ossos, mesmo que pareçam. Com tanta “informação” (poesia tensão) você fica irado com a carga poética que recebe, apreende, engole a seco; feito um ocasional renunciante à vida. Vida? Como não fazer parte daquilo e se aceitar humano? Que vida? O que é isso? Seres? Que seres? Chorumes. Poemas como incompreendidas nênias entoando impressões digitais de mortos. A carne-vida nos poemas insepultos. Dentro das covas clandestinas desses céus e infernos não há GPS. Que cadáver-vitrine é a raça hum ana , a civilização por si mesma? Marcelo Ariel arranca poemas de feridas. Leia-o. Isso é que é Poesia. Venha para o mundo de Marcelo Ariel. Mas se apronte que vai doer um bocado. No entanto, você também precisa se enxergar no charco, ver a própria lama social entre cacos de espelhos. Subterrâneos de confins. Marcelo Ariel escreve poemas como quem recupera, com sua placa mãe de captura em alta sensibilidade, os suspiros dos sentenciados a sobreviver; como ainda um pior castigo-condenação do que ter que existir. Existir? -0-

08 | 28 de Setembro de 2012


- Fui eu quem renunciou à Vida! Podeis a continuar a ocupar o meu lugar vós os que mo roubastes...

HOMENAGEM AO POETA AGOSTINHO NETO (1922-1979)

Neto e as gerações literárias do Póst-Independência J.A.S. Lopito Feijóo K. - Angola

Foi em Setembro que nasceu e morreu o poeta Agostinho Neto. Primeiro presidente de Angola e o maior exemplo intelectual para as gerações literárias angolanas do póst-independência. Nascido há exactos 90 anos, numa fria manhã em Kaxicane na freguesia de S. José no Conselho de Icolo e Bengo do então distrito de Luanda, filho de catequista de uma missão americana que foi mais tarde pastor e professor na região e de mãe professora primária. Segundo D. Mestre, consta que na altura, “a pequena burguesia (administrativa e mercantil) africana estabelecida e com estatuto próprio na sociedade colonial, entrava na derradeira etapa do seu aniquilamento enquanto elemento participante da vida económica e social de Angola. Agostinho Neto viveu os primeiros anos da sua vida nas paragens verdes de Kaxicane, que situada numa antiga via de penetração do comércio do litoral no interior, ecoou para Luanda com os restantes portos fluviais da região navegável do rio kwanza, uma plêiade (de jovens) que ainda no século passado se mostrou activa e aguerrida na defesa dos seus interesses e dos seus irmãos de raça e infortúnio, na imprensa da época”. Neto fez-se poeta telúrico e de referência universal por isso mesmo a estudiosa russa Helena Riauzova dizia em tempos, que a poesia de A. Neto foi sempre de luta e neles estão visíveis a dor e o sofrimento do povo angolano assim como a coragem e a decisão inabalável de lutar pela liberdade e pela total independência da pátria que o viu nascer. Na poesia de Neto sempre esteve a esperança, confiança e até a alegria da vitória do próprio povo. Poesia consciente, cheia de entusiasmo, premonitória e de elevado civismo. São traços graças aos quais ocupa um lugar importantíssimo não só na cultura e literatura angolana, mas também na literatura lusófona, africana e universal. Neto era fundamentalmente um homem de paz pelo que de entre outros, foi laureado com o prémio “Lotus” da associação dos escritores Afro-Asiáticos e com o prémio internacional “Lénine” pelo seu surpreendente engajamento no fortalecimento da amizade, solidariedade e paz entre todos os povos. Os escritos de Neto são de uma completude sonhadora universal e acarretam uma profundidade filosófica entre nós inigualável pois até a necessidade de educação e instrução com vista a armazenar o saber que fortalece a nossa cultura geral, perpassa por toda a sua poesia. Um refinado lirismo, imensos motivos de saudade não só da sua infância e mocidade mas, também, dos amigos e entes queridos dos quais se havia separado em razão da luta. A amargura de quem vive enclausurado, a ânsia da liberdade colectiva, e a esperança de um melhor por vir são motivos de jamais olvidar. Vamos crer que qualquer poeta que se preza é um infinito e corajoso batalhador, em todos os campos, sempre predisposto para enfrentar os desafios do seu próprio tempo. Neto assim o era e, conta-se um episódio segundo o qual na prisão foi-lhe proibido trabalhar e escrever mas ele escrevia os seus poemas com letras pequeníssimas em pedaços de papel minúsculos que eram enrolados e escondidos dentro de um cigarro. Às vezes, num cigarro cabia um poema inteiro. Aquando das visitas da esposa, ela saía sempre, com um cigarro intacto e dentro dele, com um poema novo escondido. Reputamos tal atitude como sendo um célebre acto de luta, coragem e sobrevivência pois escrever, para ele era um destino em razão das premonições e foi ele mesmo quem disse um dia. “...escrevíamos poesia (nas prisões) expressávamos as nossas ideias, mais recônditas, apelávamos o povo à luta… aliás nos foram criadas condições ideias para a criação. Uma prisão oferece a um poeta tanta solidão em que só pode sonhar um esteta dos mais refinados. Em todo o caso, nunca mais tive tanto tempo para a poesia como quando estava encarcerado.” Os desafios passaram a ser objectivamente outros, aos quais já no período póstIndependência se juntou a Presidência da União dos Escritores Angolanos, instituição cultural fundada aos 10 de Dezembro de 1975, justamente um mês após ele mesmo ter proclamado a independência de Angola, fazendo dela a república popular que conhecemos até ao início dos anos 90 do passado milénio. Agostinho Neto, antes de poeta, em razão da sua formação, era sobretudo um homem de princípios. Estes princípios de carácter ético fundamentalmente polvilharam toda a sua poesia. Contudo, todo o digno leitor e cultor dos seus textos dificilmente negará a sua influência. Aliás, até porque “ (...) A poesia de Neto tem as suas raízes históricas mergulhadas na longa tradição da literatura angolana patriótica e que data já das últimas décadas do século XIX.” Podemos ler o que bem escreveu Marga Holness, na introdução da Sagrada Esperança de Neto: “Em o Futuro de Angola, semanário que se publicou em Luanda nos primeiros anos da década 1880-1890, José de Fontes Pereira verberava o domínio do português que apenas trouxera escravidão e ignorância. Cordeiro da Mata, outro patriota desse período escreveu romances e poesia e compilou o primeiro dicionário de Quimbundo - Português, o que só por si constituiu um acto de rebelião dado que os colonialistas portugueses reprimiam implacavelmente as manifestações literárias das línguas autóctones”. Os textos de alguns autores deste grupo de escritores, foram compilados e publicados num livro inti-

tulado “ A VOZ DE ANGOLA CLAMANDO NO DESERTO”. Obra de homens cultos e de grande talento cujo propósito confesso era o de «vingar a verdade ultrajada». Num país em que reinava a escravidão, acusava A VOZ DE ANGOLA; «não pode haver nem trabalho, nem civilização nem progresso». Salienta que o trabalho do negro constituía a base de todo o crescimento económico da colónia, este livro punha em causa o regime colonial através de uma violenta acusação formal. «Este foi o acto de nascença da literatura Angolana...» segundo palavras de Mário Pinto de Andrade. Sendo a literatura angolana um todo indubitável, quero dizer que apesar de algumas rupturas estético-litárarias compreensíveis a geração 80 viu-se influenciada, e de que maneira fundamentalmente por Neto, mas também por autores de outras gerações cujo lastro vem desde os idos de 40. Neto é, por conseguinte, um mestre da nossa própria família de poetas, na esteira do pensamento crítico de Harold Bloom, que em seu livro intitulado A ANGÚSTIA| DAS INFLUÊNCIAS diz-nos citando outro autor: «o coração de qualquer jovem é um cemitério em que se inscrevem os nomes de mil artistas mortos mas cujos únicos residentes são uns poucos que pautamos poderosos. (…) O poeta é assombrado por uma voz com a qual as palavras se têm de harmonizar». Em arte, e como tal na arte literária, todo aquele que está disposto a progredir, assumindo-se artista como tal, dá à luz os seus próprios pais. Neto não só foi e será o pai das futuras gerações literárias de Angola e não só. Ele é mesmo o mais alto expoente dos integrantes da nossa família de poetas. Refiro-me a nossa família ética e estético-literária. Convêm finalmente realçar, para governo das futuras gerações de escribas entre nós, que tudo isso implica necessariamente um requintado autodidactismo, formação, trabalho, entrega e muita leitura pois, Neto tal como outros... assim o fizeram no seu tempo. Fizeram intensas e imensas leituras. Sobre esse período, conta Antero Abreu, advogado e então colega de Agostinho Neto, que liam os “ Cadernos Verdes” das Editions Sociales, as “ Noções Elementares de Filosofia” de Politzer, o “ Le Marxisme” de Henri Leféve, o “Cogniet” e ainda livros de circunstâncias que deixaram marca indelével como “ Estes dias Tumultuosos” do jornalista belga Van Passen, “ Os dez dias que Abalaram o Mundo” e também livros de ficção e poesia como “ A Mãe” de Maximo Gorki, “O Don Tranquilo” de Cholokov, toda a obra de Jorge Amado publicada até então, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Erico Veríssimo, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, da “Rosa do Povo”… Da Espanha, Lorca e António Machado; de Portugal os neo-realistas como Soeiro Pereira Gomes, Alves Redol, Fernando Namora, José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, Joaquim Namorado e Fernando Pessoa. Deu-se o aprofundamento da descoberta dos grandes poetas da negritude, Aimé Césaire, Leon Damas, Senghor, e dos poetas negros americanos, Langston Hugles e Count Cullen, dos brasileiros Jorge de Lima e Solano Trindade, dos franceses Éluard, Aragon, Jacques Prévert, do soviético Vladimir Maiakovsky, dos americanos John dos Passos, Steinbeck, Caldwell, Ernest Hemingway, dos latinos-americanos Nicolas Guilmen e Pablo Neruda. Só assim podemos entender que Neto tenha dado uma dimensão ética, humanista e universal - consciente do seu papel -, à toda sua poesia. Uma vida e poesia para a liberdade e para a paz, em África e no mundo. Eis o caminho!

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: Sagrada Esperança/ Renúncia Impossível/Amanhecer em Poesia. Agostinho Neto. UEA A Voz Igual. - Ensaios sobre A. Neto Nem tudo é Poesia. - Ensaios, David Mestre. UEA Apuros de Vigília. - Ensaios, Luís Kanjinbo. UEA Angola 11 de Novembro. -Documentos sobre a independência. Minfo A vida e obra de A. Neto – Roberto de Almeida, palestra. A.Neto - Conferência, Embaixada de Angola na Rússia.

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- Fui eu quem renunciou à Vida! Podeis a continuar a ocupar o meu lugar vós os que mo roubastes...

HOMENAGEM AO POETA AGOSTINHO NETO (1922-1979) NÃO ME PEÇAS SORRISOS

VELHO NEGRO

O CHORO DE ÁFRICA

Vendido e transportado nas galeras vergastado pelos homens linchado nas grandes cidades esbulhado até ao ultimo tostão humilhado até ao pó sempre sempre vencido

Não me exijas glórias que ainda transpiro os ais dos feridos nas batalhas Não me exijas glórias que sou eu o soldado desconhecido da humanidade

É forçado a obedecer a Deus e aos homens perdeu-se

As honras cabem aos generais

Perdeu a pátria e a noção de ser

A minha glória é tudo o que padeço e que sofri Os meus sorrisos tudo o que chorei

O choro durante séculos nos seus olhos traidores pela servidão dos homens no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas nos batuques choro de África nos sorrisos choro de África nos sarcasmos no trabalho choro de África

Nem sorrisos nem glória

Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal meu irmão Nguxi e amigo Mussunda no círculo das violências mesmo na magia poderosa da terra e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas e das hemorragias dos ritmos das feridas de África

Apenas um rosto duro de quem constrói a estrada pedra após pedra em terreno difícil Um rosto triste pelo tanto esforço perdido - o esforço dos tenazes que se cansam á tarde depois do trabalho

e mesmo na morte do sangue ao contato com o chão mesmo no florir aromatizado da floresta mesmo na folha no fruto na agilidade da zebra na secura do deserto na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens

Uma cabeça sem louros porque não me encontro por ora no catálogo das glórias humanas

o choro de séculos inventado na servidão em historias de dramas negros almas brancas preguiças e espíritos infantis de África as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas

Não me descobri na vida e selvas desbravadas escondem os caminhos por que hei-de passar

o choro de séculos onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro da desonesta forca sacrificadora dos corpos cadaverizados inimiga da vida

Mas hei-de encontrá-los e segui-los seja qual for o preço Então num novo catálogo mostrar-te-ei o meu rosto coroado de ramos de palmeira

E terei para ti os sorrisos que me pedes. 1949

Reduzido a farrapo macaquearam seus gestos e a sua alma diferente Velho farrapo negro perdido no tempo e dividido no espaço! Ao passar de tanga com o espírito bem escondido no silencio das frases cõncavas murmuram eles: pobre negro! E os poetas dizem que são seus irmãos. 1948

CONFIANÇA O oceano separou-me de mim enquanto me fui esquecendo nos séculos e eis-me presente reunindo em mim o espaço condensando o tempo Na minha história existe o paradoxo do homem disperso Enquanto o sorriso brilhava no canto de dor e as mãos construíram mundos maravilhosos

fechada em estreitos cérebros de maquinas de contar na violência na violência na violência

John foi linchado o irmão chicoteado nas costas nuas a mulher amordaçada e o filho continuou ignorante

O choro de África e' um sintoma

E do drama intenso duma vida imensa e útil resultou certeza

Nos temos em nossas mãos outras vidas e alegrias desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas por nós! E amor e os olhos secos.

As minhas mãos colocaram pedras nos alicerces do mundo mereço o meu pedaço de pão. 1949

10 | 28 de Setembro de 2012


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Entrevista

Filimone Meigos: Um poeta feito de contradições

J

á lia os seus escritos desde há muito tempo, mas o verdadeiro contacto com a sua poesia chegou-me nos finais do ano passado quando tive acesso a algumas edições da revista literária Charrua. Daí não parei mais a busca de quem era Filimone Meigos. Descobri que para além de ser autor de “Mozambique Meu Corpus Quantum”, era autor de outras duas obras de uma densa poesia, nomeadamente, “Kalach in Love” e … Uma conversa com Meigos que é também sociólogo, (docente de sociologia de arte) é passear de Beira a Chimoio, de Nampula a Maputo, lugares que o poeta se refere dos lugares e das gentes com quem se cruzou e que formam os seus sujeitos poéticos. E não só nesta entrevista, Filimone Meigos assume que “a inspiração é divina” sendo que a sua poesia a que “muitos não entendem” é baseada em três conceitos Arte – Filosofia – Ciência. Mas porquê justificar as palavras de um poeta que fala por si, não como director geral do Instituto Superior de Artes e Cultura (ISArC), mas como poeta que é e, inevitavelmente, como sociólogo. Eduardo Quive - Moçambique

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Entrevista Literatas: Entra na Charrua já com ambições como escritor? Tinha já em plano a publicação de um livro? Filimone Meigos: Eu devo ter sido dos últimos escritores da Charrua a publicar uma obra. O livro não era um fim em si, obviamente que iria ser, mas não era uma meta. Se for a ver o Pedro Chissano, ou eu, mesmo o próprio Aníbal Aleluia, nós só lançamos livros já no fim. Na verdade o que valeu naquele tempo foi a possibilidade de partilharmos vivências, e debatermos a literatura no seu sentido mais amplo. Nós líamos muito e trocávamos livros e ideias. É isso que me traz muita tristeza porque não se esta geração era suposto ser a fiel depositária – o que é normal porque as gerações sucedem-se – não sei se lêem, se trocam livros. Nós fazíamos isso, íamos a casa de um e do outro, embora bebêssemos uns copos, e havia uns mais adiantados que outros, já tinham livros e até famílias, como era o caso de Khosa, Chissano e do Bucuane. Nós vivíamos como família. Veja hoje como os filhos de Khosa, ou os do White, os meus filhos, tratam-se como primos, somos tios e eles consideram-nos assim. E não era farsa, provavelmente, porque não houvesse diferenciação social como hoje há. Éramos todos iguais, ninguém tinha nada. O Rui Nogar é que tinha que lutar para nos meter na loja para temos uma camisa, calça ou manteiga. E ele fazia questão de dizer ao pessoal das lojas que éramos responsáveis. Ele gostava muito de dizer “cada um com a sua idiossincrasia”. Nós tivemos sorte porque apanhamos uma geração que depositava em nós a esperança e me parece, modéstia parte, que correspondemos a expectativa. L: Corresponderam as expectativas… F.M: Tu lés um “ Ualalapi” de Ungulani Ba Khosa, “ Amar sobre o Índico” de Eduardo White, e tu vês que está ali uma coisa sumarenta. Bem exprimida e as análises que fazíamos um bocado empíricas, porque nenhum de nós tinha ido a escola, mas eram feitas com alguma profundidade. L: Mas também eram tidos como rebeldes… F.M: Sim. Essa é a característica da juventude. Não é rebeldia como rebeldia, mas rebeldia com alguma substância. É um bocado disso que não sinto na geração que nos sucedeu na AEMO. E para o meu gáudio, sinto isso com o Movimento Kuphaluxa, que é – se eu quiser dizer quem é que herdou o espírito ou o modis faciente da Charrua – na minha opinião não é a geração dos jovens que estão na AEMO que faz, edita e discute ideias sobre a nossa literatura. A geração que está na AEMO não consegue fazer isso. L: Mas nesse processo de “passagem de testemunho” sendo que vocês aprenderam dos outros, fizeram o vosso temo da juventude com um certo reconhecimento e terão ensinado aos mais jovens que hoje estão, o que terá falhado? F.M: É um problema conjuntural. O testemunho, ficou nas nossas mãos e não foi passado por vários motivos: Primeiro parece-me que a geração sucessora não entendeu o recado. Segundo parece-me que a própria conjuntura fez com que tivéssemos tido uma abordagem diferente. Era outra coisa que não fosse literatura. Nós nunca pensamos nisso. Fazíamos literatura por literatura. Parece-me que a conjuntura impeliu-nos – quando digo nós, estou a incluir-me na nova geração e dou a mão à palmatória – impeliu-nos à mc-rogização da Literatura, tal como aconteceu na música e nas outras modalidades artístico-culturais. É a cogmelização, a preocupação com os efeitos rápidos, e ganhos. O que nós na Charrua não tínhamos. Éramos pobrezinhos, mas não pobres de espírito, e se leres o Khosa vais achar isso, por exemplo. Mas hoje estamos preocupados com o exibicionismo, marcas de factos e parece-me, infelizmente que esse paradigma vincou – a parte na minha opinião o Movimento Kuphaluxa – mas vincou esse mc -rogização, enquanto a literatura vai para além dos fatos. L: Mas esses todos problemas que se registam que resultados trarão em termos do novo produto artístico. F.M: Toda gente apercebeu-se sem o devido contra-efeito que a cultura é um poder. Mas não tem o devido contra-peso, porque não estudam, não lêem, então fica tudo vazio. Esvazia o conceito de arte como o nível mais alto de criatividade e por conseguinte o nível mais alto de intelectualização do mundo circundante. Então, estão todos preocupados com os livros, gingação, meninas e viagens, mas se olhares para eles com tudo isso não são nada. L: Já disse, portanto, que Kalach in Love é uma releitura do programa radiofónico “ O Poema essa Arma”, mas também podiam ser as falas de um militar que precisava da paz? F.M: Há ali a antítese da guerra, ou seja, o dilema de ter que pegar numa arma para alcançar a paz. L: E é exactamente isso que quero saber, porque há aqui um cidadão que era

militar e tinha que lutar, por outro há aquele que diz “a guerra não é a solução”… F.M: Tínhamos o Apartheid e tínhamos os BA’s, estávamos expostos à apúlia, por um lado, mas por outro, tínhamos como única saída a guerra. Mas como hipótese de trabalho submersa, era a paz. Nós podíamos ter uma solução para o Apartheid, os BA‟s negociando a paz, e esta era a proposta da Charrua. A Liberdade. Na Charrua tínhamos o debate crítico e democrático que não é o que me parece haver agora na AEMO. Não sei que cor tem e o que pensa a geração que agora se encontra na AEMO. L: Acha que há falta de uma ideologia por parte dos actuais gestores da AEMO? F.M: Nós tínhamos uma ideologia que não era exactamente uma ideologia. Mas pelo menos tínhamos um manifesto, se for a ler Charrua poderá encontrar isso, mas não me parece haver esse manifesto nos que agora estão. Não há esse arrojo, acutilância e finura no pensamento neles, como nós tivemos. L: Estava portanto a reflectir sobre esse “não a guerra” na sua obra? F.M: É interessante, porque há uma contradição, pela consciência de que eu não posso ser livre sem essa guerra, mas dentro desta guerra reconhecer que guerra não é nada, não é solução. Parece-me que todos aqueles que fizeram guerra entediam isso. Eu sou oficial na reserva e fui ensinado a matar, aniquilar as forças vivas e não vivas do inimigo. Mas sabes o que é isso? É ter o matar como sua missão, tal inimigo que é seu compatriota. L: Mas então, o seu segundo livro, mais um título difícil e a respectiva escrita. F.M: Porque eu penso e é por isso que dizem que a minha poesia não é poesia. E vou revelar um segredo: quando vou para a universidade começo a aprender a epistemologia, há um estudioso dessa área que se chama Gastom Bachilar, um francês que admiro bastante que “ a Arte, Filosofia e a Ciência, devem andar de mãos dadas”. Arte no seu sentido de mirandum, criativo, devaneio, onírico; Filosofia - perguntativo o rigor científico da teoria. Então, se tu reparares, já responde a pergunta que provavelmente me colocarás sobre o meu terceiro livro, o Mozambique meu Corpos Quantum, é uma tentativa de fazer essa junção, concordando, portanto, com Gastom Bachilar. Se você não estuda, não entende a filosofia, pode escrever poesia, mas não vais te dar bem. Então tens que ser capaz de reunir a perspectiva filosófica, científica e artística, e ele chama isto de racionalismo aplicado. Na verdade a minha poesia é uma tentativa de fazer o racionalismo aplicado. É por isso que sou muito combatido com os que dizem que não é poesia, mas eu afirmo, é poesia e tenho a certeza que é porque estou a seguir uma afirmação teórica que advêm das sociologias, com a qual concordo plenamente. Não se pode escrever poesia copulando e juntando palavras sem conteúdo. L: Mas o que isto exige de ti? Quer concordar que não existe a inspiração? F.M: A inspiração é divina. É para aqueles que acreditam em Deus. Eu acho que para se escrever tem que se ter outras componentes como a leitura e nessa leitura

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Entrevista L: o ser sociólogo e o poeta em si convergem? F.M: Infelizmente, na verdade é até felizmente porque se recuo para o racionalismo aplicado o meu apego a de marche artística, o mirandum, devaneio, e a de marche filosófica, perguntativa, e a de marche científica, o rigor metodológico… é pa, eu acho que nice. L: Ainda nesse âmbito sociólogo, lembro-me já que apesar de amigos, estou ao lado de um magnífico reitor do Instituto Superior de Artes e Cultura… F.M: (risos) … A magnificência é inerente do cargo, na verdade de magnífico não tenho nada, como podes imaginar e veja como estou (de calções, chinelos artesanais, camisete acompanhado do seu Kalach, o cachimbo e o vinho), eu fui sempre assim. Mas esta magnificência também é luta porque entre os meus pares, há uma atitude de resiliência, há crítica de fatos e gravatas e de formalismos que remontam as origens da universidade com as togas e todas aquelas formalidades que não me parecem ser a solução para este país. L: está a falar da classificação das pessoas pela aparência e não pelo conteúdo? F.M: É um bocado da mc-rogização, quer dizer, tu avaliares o invólucro e não o conteúdo, ou seja, se tu estás de factos e gravatas, you are the one, mas se quer falaram contigo, se quer sabem quais são as suas ideias, suas opiniões, estão te avaliar pelas tuas sandálias e que tal chegares destrinçares essas sandálias teoricamente e dizeres que usas as sandálias porque está um dia quente e qualquer coisa, pelo que faz mais sentido que usar fatos e gravatas num país que faz 40 graus de temperatura. É mais racional eu ter racionais do que fazer jus a um embrulho, que é um bocado consequência perversa da modernidade, as pessoas dão mais valor ao invólucro… e se você for um bandido, cheio de gravatas e tudo, mas em baixo tens uma AKM?

tem que haver a capacidade de apreender o mundo. E quando escreve é já uma tentativa de extravasar esta apreensão com o máximo possível de abordagens e aí, entra o Gastom Bachilar, Filosofia, Ciência e Arte, o Racionalismo Aplicado. L: Você acha que nestes seus moldes de fazer a poesia, é compreendido? F.M: Não estou preocupado com isso. Escrevo poesia para os meus, e provavelmente para posterioridades. Fernando Pessoa, não foi entendido na sua época, José Craveirinha idem. L: E quem são esses “teus” que se refere? F.M: São os que gostam de mim, os que estudaram comigo, alguns dos que estudaram comigo, porque mesmo os que cresceram comigo, alguns dizem que o que escrevo não é poesia. L: interessante esta sua abordagem da poesia como uma junção Filosófica, científica e Artística, afinal, estamos perante um sociólogo. Fale-nos dessa relação artista – sociedade a que se remete. F.M: primeiro é uma relação difícil. É entender que tenho uns quadros disponíveis em que posso entender a condição social do artista, os conteúdos que o artista trata sob ponto de vista simbólicas, trocas de bens e serviços e trocas de poder/autoridades e etc. eu conheço isto teoricamente. Não sei se isso dificulta ou facilita a minha tarefa, de qualquer maneira há um pressuposto que é que eu sei que isto é transversal a aquilo que eu faço. L: Está aqui a defender que é difícil fazer a arte ou ser-se artista sem olhar para o que está a nossa volta e nos relacionarmos? F.M: eu continuo a pensar que – isto é um bocado de resultado da minha convivência – o artista sempre tem que ser engajé. Um artista engajado. Você não faz arte para arte, é mentira, faz alguma arte relacionada com qualquer coisa, eu acredito nisso. L: mas olhemos por exemplo para a poesia, nos dias de hoje aplica-se muito o concretismo, do experimentalismo ao visual… F.M: Pode até ser, mas atrás desse experimentalismo, por trás desse concretismo há uma epistemologia, há uma busca de saber, há um processo dessa busca, esse é que é o ponto.

L: como formador de artistas o que observa do Moçambique artístico? F.M: Eu estou a falar aqui como um sociólogo poeta o poeta sociólogo poeta, como quiseres. Sinto que há duas perspectivas: uma que são os artistas que entenderam que é preciso ter imputes teóricos para, por exemplo, conseguirem falar sobre aquilo que fazem, essa é uma perspectiva com a qual concordo. A outra perspectiva é de gente que vai estudar para ter um diploma, para serem N1, sabes o que é N1? Para ganhar salário que é outra perspectiva com qual não me identifico, mas que existe e contra factos não há argumentos, esse é um adágio antigo. Mas se eu quiser fazer uma análise mais fria, eu diria que há gente que está a estudar para aumentar conteúdo, o CHA – Conhecimentos, Habilidades e Atitudes, e há outros que estão pura e simplesmente para depois poderem factos e gravatas e serem chamados doutores todos embrulhados em termos de marketing com esse veludo, quando efectivamente não corresponderão aos conteúdos. Esta segunda alternativa põe-me um bocado triste, mas é o que existe, a sociologia também ensinou-me que as sociedades são feitas de actores sociais, há bons e mãos, há pretos e brancos, há marginais e não marginais, as sociedades transportam em si, doenças, as sociedades tem anomias. Há sempre questões anómicas que tem a ver com a própria sociedade, mas que elas não se podem sobrepor para saberem estar, saberem fazer e saberem ser. L: Olhando para essas duas vertentes, que aqui mostra, que valor acha que tem a formação para o artista e para a cultura no geral? F.M: A formação, eu volto ao Bashilar, para os artistas a formação dá-los este tripé de Filosofia, questionamento, cristicidade, Arte – podes ter nascido com ela, com os teus avôs, mas o mirandum, capacidade de sonhar onírica, ao mesmo tempo, já o terceiro pé, a metodologia a cientificidade que te dá a Ciência… Não há feitiço que substitua a ciência, a leitura, não há sonho que substitua a leitura, não há livro onírico que substitua o livro científico. Quer dizer que tens que ler ciência ao mesmo tempo que tens que ler literatura. Outra pergunta… L: Estamos numa altura em que se reclama falta de qualidade em que quase todas as áreas artísticas no país. Estou a falar, por exemplo, da música, da literatura, só me é difícil de falar das artes plásticas… que explicação pode se dar a tanta reclamação? F.M: Estamos numa crise de crescimento. Nos escritores esse marasmo, nos músicos a pandzização e mc-rogização da música, nas artes plásticas, temos a famosa discussão entre arte contemporânea e a não contemporânea, e sempre repito que é uma discussão redundante, porque quando Picaso, Gandisque, Marlu, estavam a fazer as coisas que fizeram não diziam “eu agora estou a fazer arte contemporânea”. Arte é arte, a arte é do seu tempo e aqui cabe-me falar de um famoso que eu gosto muito que é Nobel de arte, o primeiro preto e africano, Wole Sonyika, o tigre não precisa falar sobre a sua tigritude, ataca. Se você é e pode, faz. Parece-me que é esse o nosso problema que no meu atender, é uma crise de crescimento. Mais dia ou menos dia, há de haver uma quantidade que vai nos revelar a qualidade. L: Precisamos de acreditar ou precisamos de fazer alguma coisa? F.M: Eu acho que estamos a fazer. Por exemplo esta entrevista já é essa perspectiva de que temos que dar um passo seguinte. Dois, o Movimento Kuphaluxa na minha opinião, uma resposta a esse marasmo que caracteriza a literatura moçambicana.

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“(…)Se quiseres compreender-me vem debruçar-te sobre minha alma de África (…)” HOMENAGEM A POETISA MOÇAMBICANA NOÉMIA DE SOUSA (1926-2003) Se me quiseres conhecer

Nossa voz

Justificação

Ao J. Craveirinha

Para Antero Se o nosso canto negro é simultaneamente

Se me quiseres conhecer, estuda com olhos bem de ver esse pedaço de pau preto que um desconhecido irmão maconde de mãos inspiradas talhou e trabalhou em terras distantes lá do Norte. Ah, essa sou eu: órbitas vazias no desespero de possuir vida, boca rasgada em feridas de angústia, mãos enormes, espalmadas, erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,

baço e ameaçador como o mar em noites de calmaria; se a nossa voz é rouca e agreste só se abrindo em gritos de rebeldia; se é ao mesmo tempo amarga e doce a nossa poesia como suco de nhantsumas silvestres; se é encovado e profundo o nosso olhar rasgando-se impávido à luz do dia; se são disformes e gretados nossos pés espalmados de trilhar caminhos ingratos; se a nossa alma se fechou para a alegria e só dá hospedagem ao ódio e à revolta - não nos culpes a nós, irmão vindo das ruas da cidade.

corpo tatuado de feridas visíveis e invisíveis pelos chicotes da escravatura... Torturada e magnífica, altiva e mística, África da cabeça aos pés, - ah, essa sou eu

Que entre nós e o sol se interpuseram grades feias de escravidão, grades negras e cerradas a impedir-nos de tostar de verdadeira felicidade,

Se quiseres compreender-me vem debruçar-te sobre minha alma de África, nos gemidos dos negros no cais nos batuques frenéticos dos muchopes na rebeldia dos machanganas na estranha melancolia se evolando duma canção nativa, noite dentro...

Nosso firme sentido de justiça, nossa indómita vontade a nascer

E nada mais perguntes, se é que me queres conhecer... Que não sou mais que um búzio de carne, onde a revolta de África congelou seu grito inchado de esperança.

Mas ai, irmão vindo das ruas da cidade! nossa miséria comum vestida de sacas rotas e imundas, nossa própria escravidão serão o calor e o maçarico que fundirão

Nossa voz ergueu-se consciente e bárbara sobre o branco egoísmo dos homens sobre a indiferença assassina de todos. Nossa voz molhada das cacimbadas do sertão nossa voz ardente como o sol das malangas nossa voz atabaque chamando nossa voz lança de Maguiguana nossa voz, irmão, nossa voz trespassou a atmosfera conformista da cidade

e revolucionou-a arrastou-a como um ciclone de conhecimento. E acordou remorsos de olhos amarelos de hiena e fez escorrer suores frios de condenados e acendeu luzes de esperança em almas sombrias de desesperados... Nossa voz, irmão! nossa voz atabaque chamando.

para sempre as grossas colunas que nos zebravam a vida inteira

e lhe arrancaram todo o jeito doce e inexprimível de vida.

Nossa voz lua cheia em noite escura de desesperança

nossa voz farol em mar de tempestade nossa voz limando grades, grades seculares nossa voz, irmão! nossa voz milhares, nossa voz milhões de vozes clamando!

Bayete para Rui Knopfli

Ergueste uma capela e ensinaste-me a temer a Deus e a ti. Vendeste-me o algodão da minha machamba pelo dobro do preço por que mo compraste, estabeleceste-me tuas leis e minha linha de conduta foi por ti traçada. Construíste calabouços para lá me encerrares quando não te pagar os impostos, deixaste morrer de fome meus filhos e meus irmãos, e fizeste-me trabalhar dia após dia, nas tuas concessões. Nunca me construíste uma escola, um hospital, nunca me deste milho ou mandioca para os anos de fome. E prostituíste minhas irmãs, e as deportaste para S. Tomé...

Nossa voz gemendo, sacudindo sacas imundas, nossa voz gorda de miséria, nossa voz arrastando grilhetas nossa voz nostálgica de ímpis nossa voz África nossa voz cansada da masturbação dos batuques da guerra

nossa voz gritando, gritando, gritando! Nossa voz que descobriu até ao fundo, lá onde coaxam as rãs, a amargura imensa, inexprimível, enorme como o mundo,

da simples palavra ESCRAVIDÃO:

Nossa voz gritando sem cessar, - Depois de tudo isto, nossa voz apontando caminhos não achas demasiado exigir-me que baixe a lança e o escudo e, de rojo, grite à capulana vermelha e verde nossa voz xipalapala que me colocaste à frente dos olhos: BAYETE? nossa voz atabaque chamando nossa voz, irmão! nossa voz milhões de vozes clamando, clamando, clamando.

Escritora moçambicana, Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares nasceu a 20 de Setembro de 1926, em Lourenço Marques (hoje Maputo), Moçambique. O seu trabalho poético continua por publicar em livro. Poetiza que, numa espécie de postura predestinada, desembaraçando-se das normas tradicionais euro- A mulher que ri à vida e à morte peias, de 1949 a 1952 escreve dezenas de poemas, estando muitos deles dispersos pela imprensa moçambicana e estrangeira. Para lá daquela curva Com apenas 22 anos de idade, surge na senda literária moçambicana num impulso encantatório, gritando os espíritos ancestrais me esperam. o seu verbo impetuoso, objectivo e generoso, vincado (bem fundo) na alma do seu povo, da sua cultura, da sua consciência social, revelando um talento invulgar e uma coragem impressionante. Breve, muito breve Toda a sua produção é marcada pela presença constante das raízes profundamente africanas, abrindo os tomarei o meu lugar entre os antepassados caminhos da exaltação da Mãe-África, da glorificação dos valores africanos, do protesto e da denúncia. Poesia de forte impacto social, acusatória, a sua linguagem recorre estilisticamente à ressonância verbal, À terra deixarei os despojos do meu corpo inútil ao encadeamento de significantes sonoros ásperos, à utilização de palavras que transportam o “grito as unhas córneas de todos os labores inchado” de esperança. este invólucro sulcado pela aranha dos dias Noémia de Sousa, como autêntica pioneira da Literatura Moçambicana (como assim sempre foi considerada) preconiza - no seu percurso literário - a revolução como único meio de modificar as estruturas sociais Enquanto não falo com a voz do nyanga que assolam a terra moçambicana. cada aurora é uma vitória Nos seus poemas, o “eu” de Noémia de Sousa é entendido como um “colectivo”, um povo inteiro que quer saúdo-a com o riso irreverente do meu secreto triunfo ter palavra - o povo moçambicano. Desta forma, a poetiza assume-se como porta-voz daquele povo que é o seu e, dirigindo-se à terra-mãe que os acolhe e protege, ora canta a sua vida, ora lhe pede perdão pela Oyo, oyo, vida! alienação demonstrada ao longo de tanto tempo, ora (mesmo) lhe promete a rápida e definitiva devolução Para lá daquela curva do seu direito a uma vida própria, autêntica. os espíritos ancestrais me esperam

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Poesia

POEGRAFIAS

Só! Adelino Timóteo - Moçambique

1 A Ilha é mágica e misteriosa, tu sabes, e eu gosto dela assim pura. Ilha – caminha para o oriente. Ilha – Mitologia, magia vibrátil, contagiante, em sua esteira aérea e calorosa, desces-me. Como a luz atravessas-me. Tu que és os ritos, o entreposto e a rota para a Índia, a Arábia Saudita, teu folclore encandeia-me o horizonte. Teus seios geminados eu reparo e não sei mais que fazer, a casa do meio que tu me és espanto só de ouvir-te, e que milagre, que magia nasce das tuas mãos, dos teus poros. Palavra que como o fogo aqueces-me o corpo, irreconheço-te só de navegarte, mulher, meu pulmão, minha respiração, motor que eu quero impulsionante pelo sangue adentra-me, que é de amar, meu ofício, meu vício, que existo, pátria, Pandora, paquete, palanque meu que podes ser a ideia do moinho ao centro da mó e na esfera à cabeça do Mediterrâneo. Agora entre as mãos e a língua levo-te como uma donzela à passagem iniciática do menstruo, como a doce cantiga embrulhada na fogueira levo-te os genes carregados de bateria e frutos de afecto, ainda aquela memória solar do voo. in "Viagem à Grécia através da Ilha de Moçambique"

NUNCA SE ATRASA A SAUDADE…

(POEMA DE ALMA DOFER CATARINO)

José Luís Hopffer - Cabo Verde

i Nunca se atrasa a saudade semina na vigília a sede das águas antigas dessedenta-se na fonte do que já foi ou sonhara ser dissemina na crepuscular e nostálgica ardência dos dias sentados a exaustão da melancolia a fronte húmida do assombro a sombra erecta da solidão ii Nunca se tarda a saudade no seu entardecido escrutínio dos abismos e dos alvoroços da solidão fardo e lastro da turbulência compungida fremência dos sentidos ébrios prantos da penúria cicatrizada insinuação do paraíso das suas perdidas margens das suas soterradas abluções das suas suturadas feridas dos seus saturados enigmas das suas porosas interpelações iii Nunca se cansa a saudade nas suas contemplativas fulgurações entretecidas de tédio e de algum fulgor de mágoas e desolação sopro minucioso ressurreição do simulacro afinal simples missiva (provavelmente loira ou talvez mulata) numa tarde de um domingo que finda numa ilusão que tarda em finar-se

Maria Ângela Carrascalão - Timor Leste Só! Sem lágrima sem riso sem voz, mulher dolorida a vida desfeita estuprada na mata pariste teu filho. Da mata o levaram em noite escura se perdeu teu filho. Envolto nas brumas o corpo frio destroçado à vala se deu! (Díli, 2012)

Energia Solar

Amosse Mucavele - Moçambique

As lâmpadas heliográficas acendem o medo do sol no chão torto pelo sopro das ventoinhas voadoras. (isso) enquanto ardem as montanhas pela força do curto-circuito da energia das nuvens, que por infindáveis vezes tentam sem sucesso parar o revólver do vento. A (o) pá continua a atar circunferências do ar na geografia do espaço desértico, onde a radiação solar semeia-se em épocas de seca, cujo o regime predominante é o da rotação das culturas, guarda-se em ruínas da gramática existencialista das palavras como: congelador, televisão, gerador, colhe -se no vociferar agudo da noite, e. Nós com a caneta olhamos o distante florescer do fogo da pedra que cintila nas ondulações do oásis, e. Aqui não há espaço vazio para frotas de água turva.

Armando Artur - Moçambique

Ao Francisco Noa e á Ana Mafalda Leite

A Poesia é o meu fundamento e a minha relação com a vida. É o meu liame com os outros e com as coisas. É na poesia onde se alicerça o meu acto de escrita como meio de conhecimento e simultaneamente como finalidade do próprio conhecimento. Pois a poesia é uma distinção do espírito, uma forma especial de educação, embora vise o conhecimento analógico e simbólico da realidade total, como diria Jorge de Sena. A poesia é em última instância, o meu predilecto instrumento de apreensão e interpretação do mundo. Mais do que um simples instrumento de apreensão e interpretação do mundo, a poesia é também uma espécie de ontologia, mas uma ontologia visada para exaltação do Ser em todas as suas dimensões. Por isso, cantar a pedra, o amor, a dor, a vida, a morte, os deuses, é um gesto de humanismo. Um humanismo sem preconceitos e isento de quaisquer limitações de ordem metafísica. A poesia é, pois, um meio de busca e de reencontro do Ser consigo próprio. Uma poética que tenha como fim este propósito, considero-a assente em princípios éticos. É a isto que eu chamaria de moral da poesia. Pois é uma moral subjacente numa poética que procura induzir e impedir ao gosto e alegria de viver. Procura sempre renovar no homem a fé e confiança em si próprio. É esta a minha relação com a poesia. E esta relação é um acto de fé e de estar. Embora não seja assim tão fácil conservar, no meio de tantas contrariedades, um optimismo vigoroso e soberano com vista á vitória final do homem, tal como diria Roger Garaudy, sempre acreditei realmente numa poética que carrega consigo um entusiasmo profético, dentro do qual subjaz o sentimento épico da grandeza do homem e da sua relação com as coisas. Mas a poesia acontece porque existem as palavras - essas entidades místicas cuja essência ultima e magia da sua transmutação só Sartre soube descobrir. Por isso assumo-as também como a principal matéria-prima da própria poesia. Mas as palavras que sejam fieis depositárias da essencialidade das coisas. Palavras que deixem de ser apenas sinais convencionais para participarem, para se transformarem e para se converterem nas próprias coisas nomeadas. Por exemplo, quando digo água, ela tem que jorrar no poema. Ela tem que abrir sulcos na geografia do tempo, onde possam crescer livres e abertas as plumas que levam á liberdade e á totalidade assentida. E quando assim acontece é quando o poema se realiza em toda a sua extensão e plenitude, na medida em que na poesia a palavra deixa de ter a função de significação passando a ser o próprio Ser. Este postulado é a condição fundamental para o acontecimento da poesia. Ao olhar e apreender o mundo pela janela da poesia, não o faço somente por mero prazer e tão pouco por aquilo que eu chamo de fruição consentida. Mas faço –o igualmente pela convicção de que este mundo, que se revela dorido e nostálgico, é exterior ao homem e é regido pelas leis da harmonia e do aperfeiçoamento contínuo. É por esta razão que ele é compatível com a própria poesia. A célere sucessão dos acontecimentos deste mundo manifesta claramente a urgência da sua transformação, ressumada no princípio poético da urgência de chegar e da urgência de partir. Sendo este mundo uma grata oferenda e, ao mesmo tempo, uma permanente descoberta do próprio homem, cabe então a ele mesmo desfrutá-lo e torná-lo sempre e cada vez melhor. Porque na verdade ele é tão perfeito quanto imperfeito na sua dinâmica. É por isso que viver é sempre uma acto continuado do próprio reviver. Dai que a poesia aconteça todos os dias e em todos os cantos e recantos deste chão pátrio que chora de tanto esperar.

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Conto Conto do João Jogador – Timor-Leste Uma mulher e um homem tiveram um filho. Quando ele nasceu puseram-lhe o nome de João. Desde o tempo em que era pequeno até crescer, só queria jogar cartas. Deixou então a casa dos pais para viajar, procurando quem quisesse jogar cartas com ele. Todos lhe chamavam João Jogador. Depois de ter ganho a todos dentro do seu reino, foi de reino em reino, sempre a jogar cartas. No jogo de cartas, ninguém lhe ganhava. Vivia como um rei. Era muito vaidoso por causa disto. Um dia foi para terra estrangeira. Lá falou pomposamente de si mesmo, “Deixem saber que se um homem aparecer aqui para jogar eu não lhe viro as costas, deixem saber!” Assim que ele acabou de dizer estas palavras, apareceu à sua frente um gigante. O gigante disse-lhe “Amigo! Estás a desafiar-me? Eu aceito.”João disse-lhe “É o que desejo realmente.” Os dois começaram a jogar. No início, o gigante começou a perder. Apostou as posses da sua casa, como ouro e prata, assim como todas as outras coisas, e tudo João ganhou. A seguir, apostou todas as outras posses e cavalos, os seus búfalos e porcos; João ganhou tudo. Depois o Gigante apostou a sua mulher, os seus filhos, os seus criados; João ganhou todos. Não havendo mais nada para apostar, o Gigante apostou um dos seus braços, depois o outro braço e perna e finalmente todo o corpo. Tudo João ganhou. Só lhe faltava a cabeça. Depois de pensar, o Gigante resolveu apostar a cabeça. Então o Gigante começou a ganhar. Primeiro o Gigante recuperou o seu corpo. Depois ganhou de volta a sua mulher, os seus filhos, os criados de sua casa. Ganhou sucessivamente a João, até ele começar a perder tudo o que tinha ganho nos outros reinos. Não havendo mais nada a apostar João apostou então o seu corpo, que o Gigante também ganhou. Depois disto, o Gigante disse a João “Amigo, agora és meu! Por isso, dentro de setes dias deves chegar a uma porta de ferro no meio das altas montanhas! Se não voltares eu mesmo irei à tua procura!” Dito isto o Gigante desapareceu. João não sabia bem onde ficava esta terra. Depois de ter pensado, foi perguntar às pessoas. Talvez alguém soubesse onde era a terra da Alta Montanha e da Porta de Aço, mas ninguém sabia. Pensou “Talvez o Gigante me faça mal, porque está quase na altura dele aparecer.” De manhã saiu outra vez. Decidiu perguntar aos animais. Talvez algum soubesse desta terra. Os animais responderam que não sabiam onde ficava esta terra. Enquanto falava com os animais levantou os olhos para o céu e viu uma águia voar na sua direcção. João perguntou-lhe “ Hoy! Amiga águia, sabes onde fica a Montanha Grande e a Porta de Aço?” A águia respondeu “ Sim sei! Vim agora mesmo de lá!” João ficou radiante. Perguntou à águia se o podia levar até lá. A águia disse que sim, mas essa terra era muito distante, levaria três dias e três noites a lá chegar, por isso, seria necessário levar provisões. João perguntou-lhe quais eram as provisões necessárias, ao que a águia respondeu “ Um barril de água e um barril de carne. Avisas quando estiver tudo pronto e partiremos imediatamente.” A águia disse-lhe, “ Bem, podemos ir já. Carregas as provisões e pões tudo em cima de mim e depois sobes. Partiram. Já no ar, a águia disse-lhe “ quando eu te disser fome tu serves-me água e quando eu te disser sede tu partes-me um pedaço de carne.” Voaram tempos e tempos seguidos. De repente a águia exclamou “Estou com fome” e João retirou um pouco de água que deu à águia. Pouco tempo depois a águia disse “Estou com sede” e João cortou carne e deu-lha. Viajaram constantemente durante três dias e três noites. Ainda havia um pouco de água, mas já não havia carne. A águia sentiu que ele estava muito cansado então disselhe “Estou com sede”. João viu que não havia mais carne então cortou com uma faca uma porção da sua perna e deu à águia. Quando viu a carne a águia perguntou a João “ Que tipo de carne é esta com este sangue?” João respondeu “ É a minha perna, porque já acabou a carne”. A águia respondeu “Não posso comer da tua perna. Prefiro não comer nada. De qualquer forma ainda temos água suficiente para chegar ao nosso destino” Pouco depois chegaram à Alta Montanha e Porta de Aço. A águia levou João directamente para casa do gigante no meio de uma montanha solitária, uma casa com uma única porta de aço. Ali, João agradeceu muito sinceramente à águia que partiu imediatamente. Depois da águia ter partido, João encaminhou-se para a porta do Gigante. O próprio Gigante abriu-lhe a porta e disse-lhe “ Amigo, tens sorte! Caso contrário, serias posto entre os meus dentes. Olha! Já estava vestido para te ir procurar. Só faltava calçar os sapatos. Entra para poderes começar a trabalhar amanhã!” Depois de ter entrado, o gigante mostrou-lhe toda a casa. Por último trouxe-o para um lugar por baixo do quarto da sua filha mais nova. “ Ficas aqui! Amanhã, às sete horas vens para ouvir as ordens.” O gigante e a sua mulher tinham sete filhas, todas tão más como eles os dois. Só a mais nova tinha bom coração. Chamavam-lhe Bui Iku, mas o seu nome verdadeiro era Flor Branca. Ela tinha muito bom coração e fazia bem a toda a gente, por causa disso lhe deram aquele nome. Às sete horas João foi ao quarto do gigante para ouvir as ordens que lhe disse

“Tenho o desejo de comer mangas maduras. Amanhã as sete horas estás aqui com as mangas senão morres.” Depois de ouvir isto João partiu imediatamente à procura das mangas. Procurou por todo o lado mas não encontrou nada porque ainda não era a estação delas. Á medida que o dia foi passando João preocupou-se muito e pensou que talvez no dia seguinte o gigante o fosse matar. Durante a noite chorou e chorou e a filha mais nova ouviu-o chorar. À meianoite, quando todos estavam deitados, ela veio ao quarto dele perguntar porque estava ele a chorar. Então ele contou-lhe o pedido que o pai lhe tinha feito e disse-lhe que durante todo o dia tinha percorrido aquela região à procura das mangas mas que não tinha encontrado nada, porque não era a estação delas. “ Talvez amanhã o teu pai me coma mesmo” Depois disto chorou com tanta força que Bui Iku começou também a chorar. Depois disse-lhe “não tenhas medo. Agarra esta semente de manga e planta-a no chão. Depois os dois olharam juntos a semente que ele tinha plantado no chão e esperaram. Depressa uma árvore saiu do chão dando flor, e depois deu fruto. Eles continuaram a observar a árvore. Os frutos cresceram muito até amadurecerem e cairem no chão. Depois a rapariga mandou-o apanhar a fruta e dirigiu-se para o seu quarto, mas antes avisou-o “ Não contes nada a ninguém, isto fica entre os dois”. Às sete horas João dirigiu-se aio quarto do gigante. O gigante veio abrir-lhe a porta e disse-lhe “Tens sorte João! Já não vais ser posto entre os meus dentes! Basta! Podes ir. Dentro de momentos vens cá para receber outra ordem. ”Ao meio-dia o Gigante chamou-o e disse-lhe “A minha mulher perdeu o seu anel de ouro no pântano perto da montanha. Deves ir procurá-lo e amanhã às sete horas trazes cá o anel, caso contrário, morres.” João sabia que este pântano era muito grande e estava cheio de crocodilos. Ainda assim tentou lá ir, no entanto os crocodilos, muito ferozes não o deixaram aproximar e tentaram morder-lhe. João ao fim do dia voltou para o seu quarto e chorou baixinho, durante muito tempo. A meio da noite Bui Iku veio ao seu quarto e perguntou-lhe “João porque choras?” João então contou-lhe o que o gigante lhe tinha pedido e como tinha em vão tentado recuperar o anel, pois os crocodilos nem sequer o tinham deixado entrar na água. Bui Iku disse-lhe “ Não tenhas medo. Agarra o meu anel e põe-no no teu dedo, depois volta ao pântano e se algum crocodilo te quiser fazer mal mostra-lhe o meu anel. João voltou ao pântano e quando os crocodilos se dirigiram a ele, mostrou-lhes o anel fazendo com que todos se escondessem imediatamente nos seus ninhos. Entrou dentro do pântano e não demorou muito a encontrar o anel perdido. Às sete horas em ponto dirigiu-se ao quarto do Gigante que quando viu o anel ficou muito admirado. “A tua boa sorte persegue-te, senão comia-te. Voltas cá mais tarde para receber outra ordem”. Ao meio-dia, o Gigante chamou-o e mostrando-lhe um cavalo selvagem disse-lhe “Amanhã às sete horas montas este cavalo e tens que o domar”. João achou que seria bastante difícil pois nunca tinha domado um cavalo selvagem. Foi para o quarto pensar como deveria fazer. A meio da noite, enquanto estava absorto nos seus pensamentos, Bui Iku veio ao seu encontro. Perguntou-lhe o que o preocupava, ao que ele respondeu “Até hoje nunca domei um cavalo, e não sei como fazê-lo”. A rapariga respondeu “João ouve-me, os meus pais sabem que eu sou responsável por tudo o que fizeste até agora, então pediramte para domares o cavalo de forma a encontrares a morte. Mas não te preocupes. O cavalo é feito de nove de nós. O meu pai será a cabeça do cavalo, a minha mãe será o pescoço do cavalo, as minhas irmãs serão os lados do cavalo, e eu serei a cauda do cavalo. Assim, quando conduzires este cavalo deves-lhe dar muitas pancadas na cabeça, no pescoço, nas costas, em todo o cavalo. Dá-lhe uma verdadeira sova. Deves lembrar-te, não toques na cauda do cavalo. Faz como te digo e no fim veremos!” Então de manhã cedo João foi montar o cavalo. Levou consigo uma cana e uma pequena faca. O cavalo fez tudo para o deitar abaixo, no entanto, João aguentou-se e bateu no cavalo com a cana e bateu ainda mais. Espetou a faca várias vezes na cabeça do cavalo e nas outras partes. Lutou muito até suor preto sair do cavalo. Quando viu isto parou, porque o cavalo não conseguia andar mais. Vendo o cavalo neste estado, João desmontou-o e foi para o seu quarto. Durante a noite Bui Iku veio ao seu quarto e disse-lhe “Estão todos muito doentes em minha casa. Esta é a melhor altura para fugir. Vai ao estábulo e traz de lá um cavalo. O cavalo que deves trazer é um cavalo magro que se chama Pensamento. Não tragas o mais gordo que se chama Vento. Não te demores! Vai depressa!” Mas quando João chegou ao estábulo viu que o cavalo Pensamento era mesmo muito magro e pensou que não aguentasse com os dois. Então trouxe o cavalo mais gordo. Quando Bui Iku o viu disse-lhe muito assustada “ Não é este, o outro é mais rápido”, mas João respondeu-lhe que achava que o outro cavalo não aguentaria com os dois, por isso tinha trazido aquele. Bui Iku disselhe “ Não importa. Vamos já porque está quase a nascer o sol”. Antes de saírem, ambos puseram saliva dentro de uma casca de coco e puseram-no dentro

Depois da águia ter partido, João encaminhou-se para a porta do Gigante. O próprio Gigante abriu-lhe a porta e disse-lhe “ Amigo, tens sorte! Caso contrário, serias posto entre os meus dentes. Olha! Já estava vestido para te ir procurar. Só faltava calçar os sapatos. Entra para poderes começar a trabalhar amanhã!”

16| 28 de Setembro de 2012


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Conto do quarto de Bui Iku.. Depois partiram. Entretanto, o gigante chamou por Bui Iku. A saliva respondeu “Estou aqui! Estou aqui!”. Depois chamou por João e também a sua saliva respondeu “Estou aqui! Estou aqui!”. Assim continuou até ao amanhecer, até que a saliva secou. O gigante então chamou novamente. Como se ninguém respondesse a mulher do gigante cheia de medo disse-lhe “Eles fugiram”. O gigante mandou espreitar nos quartos que estavam vazios. Furioso, o gigante foi a procura deles. Montou o seu cavalo Pensamento. Ele só tinha uma coisa no pensamento, apanhá-los. Bui Iku e João, de repente, sentiram um vento muito forte e Bui Iku disse-lhe “Temos que nos esconder, porque o meu pai vem aí.” Então Bui Iku fez o cavalo mudar de direcção e transformar-se num jardim. Transformou-se em vegetal e João pôs-se a regar o vegetal. Quando o gigante chegou, entrou no jardim e perguntou a João, sem o reconhecer, se ele tinha visto um homem e uma mulher passar, montados num cavalo, por ali. João, fazendo de conta que não percebeu, respondeu-lhe que o seu vegetal era muito pequeno e não lhe poderia vender. Achando que o homem tinha percebido mal, interrogou-o outra vez. Obteve a mesma resposta. Perguntou ainda uma terceira vez e a resposta foi a mesma. Então o gigante voltou para casa. Quando chegou a casa a mulher perguntou-lhe se tinha encontrado a filha e João. Ele disse que não. A única coisa que encontrei foi um senhor Ninguém, um vegetal e um jardim. Percebendo o que tinha acontecido, a mulher explicou-lhe que o jardim era o cavalo, o vegetal era a rapariga e o homem era João. Convenceu-o então a voltar a sair, pois deveria encontra-los na estrada, a fugir. Então o gigante voltou à estrada e eles sentiram o vento regressar novamente. “Rápido temos que nos esconder” disse a rapariga. Bui Iku transformou o seu cavalo num tronco de palmeira . Ela transformou-se em ira e João começou a escavar no tronco. Entretanto o gigante chegou e perguntou-lhe “ Hoy! Amigo! Viste um homem e uma mulher a cavalo passar por aqui? João respondeu “Não te posso vender sumo da palmeira porque só tenho um pouco.” Então o gigante perguntou -lhe outra vez a mesma coisa pensando que o homem não tinha percebido. Perguntou-lhe várias vezes até João enfurecido lhe responder que não lhe podia vender sumo de palmeira, por isso que se fosse embora! Quando chegou a casa a mulher perguntou-lhe se tinha encontrado a filha e João. Ele disse que não, que só tinha encontrado um homem a raspar a casca de uma palmeira e contou-lhe o estranho episódio, dizendo-lhe que o homem pareceu muito zangado. Mais uma vez a mulher percebeu tudo e, explicando ao gigante, convenceu-o a voltar a procurá-los. Bui Iku e João continuavam a viajar e entraram nos limites de uma terra cristã. Bui Iku novamente sentiu o vento a soprar. Desta vez ela transformou o cavalo numa capela, transformou-se em sino e João no homem que toma conta da capela. De repente o gigante apareceu. Viu João e perguntou-lhe: “Hoy! Amigo! Talvez tenha visto uma mulher e um homem montados num cavalo a passar?” João respondeu “ Quer aceitar o cristianismo?” O gigante tornou “ Não amigo! Só lhe perguntei se viu passar por aqui uma mulher e um homem a cavalo?” João disse “Quer confessar-se?” E o gigante “Não!! Só perguntei se por acaso viu um homem e uma mulher a cavalo??!!” Então João respondeu “Você continua a querer perguntar, porque espera aqui?” Então João tocou o sino e as pessoas duma aldeia começaram a juntar-se à frente da Igreja. Vendo tanta gente, o gigante resolveu voltar a casa. Mais uma vez, contou à mulher o que se tinha passado e mais uma vez ela lhe explicou quem eram na verdade o homem, o sino e a igreja. Mais uma vez o convenceu a voltar a procurar a filha e João. “ Mas desta vez irei contigo!!” disse a mulher. Ditas estas palavras partiram. E João Jogador e Bui Iku que tinham regressado à sua viagem sentiram o vento levantar-se de novo, mas desta vez acompanhado por chuva. “Talvez desta vez a minha mãe também venha com meu pai. Acho que é isso que esta chuva quer dizer.” E quase ainda não tinha acabado de falar quando viu os pais aproximarem-se. “Bui Iko! Bui Iko!” gritou a mãe. Então Bui Iko disse a João “Depressa, dá-me a minha garrafa de água. A que carregamos connosco para beber.” João agarrou na garrafa e deu-lha. Ela abriu-a e começou a despejá-la no chão. De repente, a água começou a engrossar de caudal até se tornar numa ribeira cujas águas começaram a empurrar tudo com violência. O gigante e a sua mulher foram arrastados pelas águas para o mar e quando morreram, o vento parou e também parou a chuva. Bui Iko e João continuaram a sua viagem até chegarem a uma grande cidade, nessa terra cristã, onde se estabeleceram. Rapidamente, se casaram, e trabalharam para o melhoramento de todos. Cedo, todos perceberam que eles eram boas pessoas. Passado algum tempo, o rei daquela terra morreu, e como não tinha filhos, os homens sábios reuniram e tornaram o casal nos governantes do reino. Todos ficaram muito felizes com isto e celebraram convidando os reis dos reinos vizinhos para a festa que durou sete dias e sete noites. Muitos búfalos foram mortos durante as celebrações e quando estas acabaram Bui Iko e João Jogador começaram a governar o reino. Todos ficaram felizes.

Conto contigo ...bem-vindo Doutor!

E

Japone Arijuane - Moçambique

ra uma tarde de Dezembro, o sol no auge dos seus afazeres; as senhoras estavam ali, por baixo da mangueira grande; local onde em tardes como estas deslumbra-se um cenário a capulana e ornamentado a fofocas, aliás, uma das funções mais célebres que gente dessa idade e sexo cumpre categoricamente. As crianças bem de tronco nu corriam por trás de qualquer coisa, desde rodas, arcos e elas mesmas. Perto dali localizava-se a estrada grande, - murampani. O miúdo, viera num aceleramento motorizado, com as mãos encenando o volante de uma motorizada, quando derrapou ao pé das mulheres, ouviu-se sermão, - não tens respeito...?, ele ainda não havia ganhado o fôlego. O papo ao ar das senhoras donas de casa parou no ar, na esperança de ouvirem um justificativo que seja, do tamanho afronto a idoneidade, esbugalhadas olhavam para o miúdo que, como uma galinha procura sustento ao papo, procurava ar para tira as palavras. Quando o mwanamwana pensou que disse algo afinal só havia gaguejado e tanto. O aspecto do miúdo agastava mulheres, aquelas senhoras de idade e responsabilidade alheia, pois quando se é mãe nada tranquiliza as mulheres se não o sossego dos filhos; as mães não vivem suas vidas, mas a dos seus filhos. - Tia… tia Odete... mano Doutor Afonso vem aí... As mulheres precisaram de um tempo para descodificaram a soletração do miúdo, mesmo assim se desfizeram da esteira. A dona, a tal tia Odete, foi a primeira a manifestar um gesto de percepção. Camuflada de intuição feminina; retirou-se dos aposentos, a capulana nas pontas dedo; como se, de uma população de formigas se trata-se, correram uma atrás da outra; no mesmo gesto de uma bengala a tactear o chão. Todas dirigiram-se a estrada, seguindo aqueles olhares cegos de alegria. Lá vinha o Doutor Afonso, agora Doutor, os dentes a substituírem os lábios. Dana Odete reconheceu seu Doutor, bem Doutor; como sempre o quis que fosse assim, estava ele ali vindo; uma pasta nas costas e uma mala na mão. Descera do nguinga-taxi a pouco. Guardava a mesma fisionomia que levar a onde hoje vem. A dona Odete parou boquiaberta, lembrando-se do dia que o vi partir; ainda vinha-lhe a lembrança do dia em que teve-o pela primeira vez nas mãos e como era, tão pequeno e meigo seu projecto de triunfar. Não foi por acaso que o baptizou de Doutor logo a nascença. Na altura o país todo vivia uma proliferação do ensino superior, surgiam universidades de noite para o dia, como cogumelo em épocas pós-chuva; surgia e pronto, do nada; e por vezes incógnitas. O nome Doutor era moda, alastrou -se como uma praga de gafanhotos em machambas de arroz, quanto menos se esperava aí estava um doutor, sujo gordo, mas um doutor. Nesta altura bastava só frequentar o ensino superior. Não interessava o curso muito menos o ramo para se ser Doutor. A Odete estava no quinto mês de gestação, quando foi convidada a participar na festa de graduação de um conhecido; um conhecido que quando estudante conhecido por nada ter, além dele mesmo; a pobreza era o que o caracterizava. A partir do dia da graduação a vida mudou, não precisou de seis meses para ter carro e casa própria. Foi a partir desta experiência que a Odete forjou o nome para o seu feto, antes mesmo do mês da luz, o bebé já era Doutor. No décimo segundo mês, as mulheres gritaram -...Bem-vindo Doutor. Na verdade Afonso foi o nome que depois do doutor ter noção das coisas se auto-cognificou, para evitar os berros, mas mesmo assim. E como Afonso doutor não soa bem, ficou Doutor Afonso e vulgarizou-se. Rezam os factos que, um dia, uma família preocupadíssima veio a procura do Doutor, feito o inquérito, um membro da tal família padecia de uma doença rara; quando a dona Odete fez presente o seu Doutor, no meio de tanta patologia houve um momento cómico. O doutor Afonso, cresceu sabendo do bem o seu propósito na terra, fazer-se verdadeiramente um Doutor; ingressar em qualquer ensino superior, esse era o passo certo. Pois quando se interioriza algo, facilmente é a sua exteriorização; a fé mais uma vez mostrou seus dotes a realização, logo que fez o ensino secundário o doutor seguiu sua sina. Foi bem na capital da país que o Doutor foi fazer-se doutor, onde o mesmo viveu durante cinco anos, nos quais nunca havia regressado até então. Quando a dona Odete o tocou as mãos, torrencialmente as lágrimas inundaram o rosto, as outras mulheres melancolicamente reassentavam-se delas mesmas para dar lugar o entusiasmo, aproximaram-se e em coro: Bem-vindo doutor.

http://contosdeadormecer.wordpress.com

17 | 28 de Setembro 2012


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Notícias

“Porque Ler?”: Kuphaluxa põe alunos e escritor a falar da leitura

A

Escola Secundária Josina Machel acolheu na passada quarta-feira, uma palestra subordinada ao tema “Por quê Ler” apresentado pelo esccritor Juvenal Bucuane e o Movimento Literário Kuphaluxa. Em simultâneo o poeta Filimone Meigos falava também da importância da leitura na mesma instituição, numa actividade alusiva aos 30 anos da AEMO. Redacção

Era para ser uma simples conversa de escritor para leitor, de quem lê para transmitir a sua experiência a quem precisa ler. Afinal que realmente precisa de ler? “Todos temos que ler. Se nós que escrevemos temos de exigir ao leitor que leia e que nos compreendem, o leitor imagina o esforço que temos de empreender para que escrevamos aquilo que ele precisa de entender? A leitura é muito importante para o estudante tanto quanto para o escritor.” Filimone Meigos partilhou nestes moldes a sua opinião sobre a importância da leitura. Meigos que é poeta, sociólogo de profissão sendo neste momento docente de sociologia de arte no Instituto Superior de Artes e Cultura (ISArC) instituição que é dirigente máximo, não quis mostrar-se para os alunos da Escola Secundária Josina Machel, quis ainda mais. “É importante sim que o aluno veja em nós exemplos de bons leitores, mas é mais importante ainda, que o aluno veja em si, o melhor leitor que o país e o mundo precisam, porque a formação faz-se também e principalmente pela preocupação do formando em obter o conhecimento e onde se busca o conhecimento?” “certamente que na leitura”, concordavam por sua vez os alunos que afluíram em massa a palestra que era organizada pela AEMO, num dia em que um outro escritor moçambicano escalava Josina Machel, levado pelo Movimento Literário Kuphaluxa. Trata-se de Juvenal Bucuane, por sinal, com mesmo percurso do Filimone Meigos, eles que ambos, se iniciaram na revista literária Charrua logo após a criação da Associação dos Escritores Moçambicanos em 1982. Como quem concordava com seu homólogo, Juvenal Bucuana que tem experiência de professorado, não deu nó ao assunto “Por quê Ler?” “A leitura ajuda-nos a pensar, a criar e a progredir. Ler uma obra literária que as

vezes parece lazer leva-nos a vários conhecimentos sobre as coisas que nos rodeiam e principalmente sobre nós mesmos. Quem não lê vem o mundo da mesma forma enquanto o mundo muda a todo momento” Durante quase uma hora de tempo que duraram as palestras, era notória por parte dos alunos, a curiosidade de ouvir a voz da experiência, o escritor, aquele que lê para escrever ao mesmo tempo que lê para se tornar num cidadão culto com um olhar crítico sobre o que existe em sua volta. Contudo, a preocupação é ainda de saber quem são os escritores que muitas vezes, o aluno só os vê na televisão, faltando ainda a vontade de ir ao encontro do livro por parte destes, deixando assim a melhor oportunidade que se tem de se conhecer o homem que está de trás das letras. Essa atitude que está na origem das palestras com o tema “Por quê Ler” levadas a cabo pelo Movimento Literário Kuphaluxa, de acordo com Amosse Mucavele, leva a que se quero próprio processo de ensino e aprendizagem seja deficitário no país. “Na verdade tanto o aluno como o professor, devem ter em mente que a leitura é a porta que se deve abrir por todos aqueles que querem se formar e se identificarem como gentes na sociedade. Um aluno que já leu pelo menos uma obra completa tem os horizontes abertos para interpretar muitos problemas que lhe vem pela frente. Mas essa consciência que tinha que partir da família, porque não é assim, a escola deve assumi-la” disse Mucavele, coordenador deste projecto no Kuphaluxa. Por outro lado, a fonte deu a conhecer que a margem desta iniciativa o Movimento Literário Kuphaluxa anunciou que a partir do próximo ano, está em vista a implementação de Núcleos Escolares de Leitura com vista a fortalecer as acções de formação de leitores nas escolas secundárias do país. até ao momento a iniciativa é apoiada pelo Instituto Camões de Maputo, Associação de Escritores Moçambicanos e pelo Centro Cultural Brasil – Moçambique.

Crianças “superdotadas” em conversa com escritor Alex Dau

S

ão meninas e meninos dos bairros de Hulene, Magoanine, entre outras zonas circunvizinhas na periferia de Maputo. Frequentam entre quinta e sétima classe na Escola Comunitária Imaculada Conceição e tem entre 10 e 13 anos de idade. Tendo em conta as dificuldades que o ensino enfrenta, esperava-se mais esforço por parte do escritor que ia conversar com elas naquela tarde de sexta-feira, o que não chegou a acontecer. Os meninos colocaram-se na dianteira e iam lançando as perguntas numa linguagem corrente e bem elaborada, para a surpresa de todos.

Da iniciativa “Por quê Ler” que é levada aos adultos nas escolas secundárias, resultam as conversas entre escritores e as crianças nas escolas primárias. Na sexta-feira passada foi a repetido o encontro que levou o escritor e contador de histórias peruano Rafo Diaz, desta vez com o escritor moçambicano Alex Dau que lançou recentemente o livro “Heróis de Palmo e Meio” que versa sobre as atitudes dos meninos de rua que lhes pode caber, no final do dia, o título de heróis. Os eventos são do Movimento Literário Kuphaluxa agremiação juvenil ligada a divulgação da literatura moçambicana, promoção do gosto pela leitura e o intercâmbio entre escritores. O diálogo variava entre Alex da Dau e os meninos da Imaculada Conceição fazia -se pela troca de palavras entre ambos, variada por leitura de contos da autoria do escritor e textos produzidos pelos próprios alunos. Cada uma das partes soube fazer jus à oportunidade que teve de se mostrar. Durante a conversa com os alunos, o escritor foi surpreendido com perguntas como “o que li tornou escritor? Quando é que começa a escrever? É verdade que o escritor expressa nos livros seus sentimentos? Como é ser escritor em Moçambique? Quantos livros já lançou?” A curiosidade era maior por parte daqueles meninos que nos seus bairros não tem nenhuma biblioteca para conhecer autores, mas que lidam com a cede de saber quem são os que estão de trás dos livros. Alex Dau sem ter como esquivar-se das perguntas que muitas vezes são difíceis de responder, falou do valor crucial para se ser tudo que se quiser na vida, a leitura. “Para que todos vocês sigam qualquer que seja a profissão, os livros devem vos acompanhar. Devem ter em mente que sem o livro vocês não saberão ler, falar, nem escrever. Devem gostar de ler e gostar de ouvir. Eu tornei-me escritor

da experiência de histórias que as minhas primas contavam-me de noite ainda criança como vocês. Eram histórias que metiam medo, mas que transmitiam valores da vida e que são também uma forma de ler. Nem todos vocês tem acesso ao livro, mas podem ter acesso a palavra através dos mais velhos e entre vocês mesmos, contando-se histórias.” Na verdade, o escritor procurou transmitir aos pequenos a importância que tanto a oralidade e a literatura têm para a formação, pensando nas crianças que têm e as que não tem o acesso ao livro. Por sua vez, os alunos da Escola Comunitária Imaculada Conceição, para além de ler os contos da obra “Reclusos do Tempo” primeiro livro de Alex Dau, contaram histórias da sua autoria e recitaram versos por si compostos. Foi notória na poesia daqueles petizes a vontade de serem futuros poetas não apenas pela forma de composição do texto, mas pela preocupação, ainda que pequenos, com a metáfora e a forma de escrever no “bom português”. O escritor, também comentou sobre esse aspecto. “Estou surpreso com a forma como estas crianças conhecem as curvas de uma boa escrita. Elas sabem ler e escrever. São realmente o reflexo de que basta uma preocupação e empenho para termos um ensino de qualidade. Estas crianças tem esses conhecimentos porque a sua escola tem uma biblioteca com o espaço enorme que ainda dá para receber um escritor como hoje aconteceu, isto é, elas tem acesso a alguns livros e a escola ainda preocupa-se em pô-las em diálogo com escritores isso é de se louvar.” Realmente, a conversa entre Alex Dau e as crianças, decorreu dentro da biblioteca escolar, com um acervo composto não só de livros escolares, mas por diversas obras literárias, algumas das quais esforço da própria escola e outras, oferecidas no ano passado pelo Movimento Literário Kuphaluxa.

28 | 28 de Setembro 2012


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Notícias

Uma morte de meter medo! O luto escalou mais uma vez o jornalismo moçambicano e, desta vez, em simultâneo com a literatura nacional. Morreu vítima de doença, na passada quinta-feira, 20 de Setembro, Hilário Matusse que no jornalismo desde 1982, por 15 anos dirigiu como secretário-geral o Sindicato Nacional dos Jornalistas (SNJ) e como escritor, publicou a obra “Sete Estórias de Meter Medo”. Eduardo Quive

Pessoas de diferentes áreas profissionais prestaram o seu último adeus ao Hilário Matusse na segunda-feira passada, dia em que foram a enterrar os seus restos mortais que repousam do Cemitério de Lhanguene, na cidade de Maputo. Profissionais de jornalismo impresso, rádio, televisão, juristas, desportistas, artistas e outras pessoas, umas ligadas directamente ao malogrado e outras não, foram lamentar junto da família, a perda daquele que é um dos emblemáticos na história do jornalismo em Moçambique. Tão jovem, Matusse engrenou no jornalismo iniciando-se na revista Tempo em 1982, para mais tarde passar pelo jornal “Vanguarda” e Televisão Experimental, hoje Televisão de Moçambique, onde exerceu o cargo de chefe da redacção entre 1990 e 1992. Eleito secretário-geral da Organização Nacional dos Jornalistas (ONJ) em 1991, foi aquele que liderou o processo da transformação da organização em Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ) tornando-se desse modo, o primeiro secretário-geral em dois mandatos (1996 a 2005). Este realce histórico do profissional que era Hilário Matusse, faz com que o SNJ considere mesmo após a sua morte, que “ele foi muito relevante numa época de imensos sacrifícios para a realização de uma grande obra para a qual o jornalismo moçambicano de hoje é o exemplo que beneficia.” No entanto “pena que só depois de partir é que alguns compreenderão aquilo que enquanto presente não conseguiam entender, a sua visão de justiça social, dos direitos dos jornalistas, a sua militância por um jornalismo isento, os princípios fortes de irmandade e solidariedade com o próximo, a sua disponibilidade de partilhar os invejáveis conhecimentos que tinha, a honestidade e até mesmo as suas mágoas.” Disse o SNJ no momento último de despedida ao jornalista. O diferente não podia dizer a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), instituição que Hilário acompanhou o seu crescimento e sempre frequentou. Jorge de Oliveira, secretário-geral da AEMO, classifica Hilário Matusse e a sua obra “Sete Estórias de Meter Medo” verdadeiras fontes de saber que a cultura nacional tem de preservar. Aliás, de Oliveira, disse que Hilário Matusse inspira escritores e jornalistas pelo grau da sua intelectualidade conhecido por todos. “É uma perda muito grande na medida em que nos temos inspirado e seguido o percurso e a obra do Hilário Matusse como jornalista, uma vez que grande parte dos nossos escritores seguem os trabalhos que tem sido feitos pelo jornalistas e muitos deles se iniciam como jornalistas e o Matusse é um exemplo nesse sentido. Mas ele também mostrou ser um contista que poderia a qualquer momento exigir um lugar no panorama da ficção moçambicana. Ele publicou na nossa colecção Nkaringana o “Sete Estórias de Meter Medo” que é um livro que realmente nos mostrou que há em si, um grande contista para além de um grande jornalista.” Ademais, o secretário-geral da AEMO, acrescenta “tiramos o seu primeiro livro, mas nos últimos tempos estávamos a trabalhar com ele no sentido de tirarmos uma edição da revista Oásis, que ele gostaria que saísse. Neste momento ainda não sabemos o que vamos fazer em relação a isso. Mas o “Sete Estórias de Meter Medo” que é o que está na nossa maior colecção será divulgada, trabalhada e sempre que for possível vamos exaltar a obra. Vamos sempre que for possível retomar esse escritor.” Realmente é dor e consternação em áreas diversas. É uma morte de meter medo; perda irreparável. Uma morte que cria um silêncio profundo

no seio da comunicação social em Moçambique e já agora, igualmente na literatura. Hilário Manuel Eugénio Matusse nasceu a 22 de Junho de 1956 na então cidade de Lourenço Marques, actualmente Maputo, residindo no bairro do Chamanculo para depois morar na Matola, província de Maputo, no bairro de Tsalala. Faz parte de uma família de 19 irmãos. Iniciou-se como jornalista em 1982 na revista Tempo. Passou ainda pelo jornal Vanguarda e Televisão Experimental, hoje Televisão de Moçambique, onde exerceu o cargo de chefe da redacção entre 1990 e 1992. Foi eleito secretário-geral da ONJ em 1991, de 1996 a 2005, dirigiu os destinos do SNJ como primeiro secretário-geral. Deixa quatro filhos e uma neta.

Seis Cineastas Brasileiros

N

a mais abrangente coleção de crítica de cinema já editada no Brasil, “Ensaios de Crítica Cinematográfica”, do Instituto Triangulino de Cultura, sediado em Uberaba, cidade onde também por vinte anos foi publicada a revista internacional de poesia Dimensão distribuída em sessenta países, vem de ser lançado o livro Seis Cineastas Brasileiros, de Guido Bilharinho. Compõe-se a obra de artigos de crítica dos filmes de longa-metragem dos cineastas Mário Peixoto (Limite), Humberto Mauro (Ganga Bruta, O Descobrimento do Brasil e outros), Nélson Pereira dos Santos (Rio, 40 Graus, Vidas Secas, Memórias do Cárcere e os demais), Gláuber Rocha (longas-metragens), Paulo César Saraceni (Porto das Caixas, A Casa Assassinada, Natal da Portela e outros) e Júlio Bressane (nada menos de dezesseis dos 23 longas-metragens que realizou, desde Cara a Cara, de 1967, a A Erva do Rato, de 2009). A abordagem dos filmes, analítica e judicativa, como em todos os livros da Coleção, orienta-se pelos pressupostos de autenticidade do tratamento temático e utilização elaborada ou inventiva da linguagem cinematográfica. Complementa a obra, de 298 páginas, além de duas dezenas de ilustrações, índices onomásticos, de filmes e publicações citadas e circunstanciado sumário. Informe-se sobre os demais livros da coleção e sobre a revista internacional de poesia Dimensão no blog www.institutotriangulino.wordpress.com e no site da livraria Cultura.

19 | 28 de Setembro de 2012


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Ensaio

Bandeira e Cabral: Poéticas entrecruzadas

João Cabral de Melo Neto

Manuel Bandeira

Joaquim Branco* - Brasil

L

irismo e antilirismo na poesia de Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto, em confronto comparativo, a partir da noção bipolarizada que se tem de suas obras, que situa o primeiro como escritor mais voltado para o lirismo e o segundo como um poeta-engenheiro, com o objetivo de se dessacralizar esta visão puramente maniqueísta da crítica em relação aos dois autores. Palavras-chave: Poesia moderna. Tradição. Ruptura. Lirismo. Antilirismo.

Rondó dos cavalinhos no canavial Por princípio seria cômodo e esquemático estabelecer criticamente as características do lirismo de Manuel Bandeira e do antilirismo de João Cabral de Melo Neto, como projetos antagônicos do fazer poético. Mas não é essa a nossa proposta. O que pretendemos é pesquisar algo de lírico e de antilírico nas obras de ambos, confrontá-las, e perceber como esta bifurcação se une e volta a se concretizar na construção de obras igualmente importantes para o nosso tempo. Onde se esboçam – aparentemente – tantos antagonismos podem-se cruzar pontos de identificação, como na teoria do filósofo Mário Ferreira dos Santos em sua obra Filosofia concreta, citada pelo historiador Sidney Silveira em artigo de jornal, a propósito de Marcel Proust e Machado de Assis (Silveira, 2000, p. 4) E Bandeira e João Cabral situam-se muito bem, o primeiro como um dos mestres do nosso Modernismo, cuja poesia atuou (veja-se “Os sapos”) criticando o passadismo de nossos parnasianos, mesmo não tendo participado pessoalmente da Semana de Arte Moderna; e o segundo, como consolidador da estética moderna, erguendo os alicerces de uma poética que apontou para novos caminhos no pós-moderno e construindo uma obra de características universais. Ambos alinham-se com Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Cecília Meireles, Mário e Oswald de Andrade, para formar um conjunto de nomes cujas obras têm um lugar de destaque na formação de uma nova literatura no Brasil. Esses dois pernambucanos, com dicções tão diferentes na formulação de sua comunicação poética, se identificam no rasgo imaginativo, na coerência ética, na preocupação com o próximo (leia-se: com o social) e principalmente na qualidade e agudeza dos trabalhos.

A lira no tempo

Foi no século XIX, período do Romantismo, que a poesia lírica, encontrando terreno propício, se desenvolveu, adquiriu contornos próprios, firmando-se definitivamente como gênero. Tempo propenso às efusões do subjetivo e das emoções, a época romântica deu aos poetas a liberdade de que precisavam para sua expressão. Anteriormente, no Trovadorismo, quando apenas iniciava seu desenvolvimento, no Classicismo – com acento no épico – e no Neoclassicismo – entre o pastoreio, o barroco e o Iluminismo –, não houve uma valorização maior da chamada poesia lírica. No século XX, grandes transformações vieram sacudir a literatura e a sociedade, e com isso sobraram caminhos, faltando, no entanto, um lugar mais claro e determinado para a poesia lírica, mesmo porque a prosa de ficção, que se desenvolvera a partir do Oitocentos, ocupava cada vez mais um lugar de destaque. Como situar o poeta numa sociedade mecanicista e desprovida da Corte e dos saraus novecentistas, das belezas do campo e vivendo a própria crise do belo? Como entender esta figura colocada dentro da urbe, entre o comércio varejista e as vitrines dos grandes magazins, perdido entre ruelas e boulevards, entre passantes e automóveis, dentro de vagões e transatlânticos? Sem o seu pedestal erguido junto às aristocracias e sem poder ou função perto da nova burguesia – demasiadamente prosaica ou desinteressada –, o poeta moderno viu-se de repente tendo que procurar dentro de si novas forças, o que significou a busca desesperada de uma saída. E parece que ele foi encontrar na linguagem a solução para as suas angústias e interrogações. Só que o lirismo – racional e controlado no Classicismo e atordoadamente voltado para a problemática pessoal no Romantismo, – iria encontrar eco num eu -lírico super-ampliado pela própria noção de gênero que se esfacelava frente às demandas de formas renovadoras de expressão. O texto então se repartiu entre autor e leitor, e este ganhou uma função complementar através da leitura participativa. Jorge Luis Borges chegou a afirmar, certa vez, que a parte que cabe ao leitor é tão importante quanto a do escritor, pois pertence a ele a fase da consumação (e do consumo) da obra de arte, e daí toda a teoria da recepção do texto. Entre uma nova maneira de ver o mundo e o manejo da linguagem, em que a forma muitas vezes pode ensejar o conteúdo, é imprescindível a existência de um novo artista, lírico ou não: o poeta moderno. Enfim, o poeta encontra o seu lugar. Não no olhar subjetivo para dentro de si, como o caracol simbolista, nem na prisão na torre de marfim parnasiana, sequer nas masturbações românticas, mas na matéria-prima de que sempre se utilizou para criar: a linguagem, fonte e tema para sua viagem fantástica através das páginas dos livros, dos jornais e das revistas.

O canivete contra a faca só lâmina 20 | 28 de Setembro de 2012


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Ensaio Conhecido pela leveza de estilo, como poeta-cronista, cantor das andorinhas, e por isso injustamente chamado de “poeta menor”, Manuel Bandeira criou um confortável nicho, na ampla faixa de tempo em que atuou, pela emoção trazida na sua vara de condão, com poderes para fazer aparecer à nossa frente as três mulheres do sabonete Araxá ou as duas índias do leste. E com essa emoção, surge um eu-lírico todo especial, ora vazado na circunstância transformada em eternidade, ora na meditação sobre um passado cuidadosamente desembrulhado para o leitor. Toda essa disposição por assim dizer lírica pode de repente se transmutar para o épico-moderno misturado com brincadeiras e ironias adolescentes: Em Pasárgada tem tudo é outra civilização tem um processo seguro de impedir a concepção tem telefone automático tem alcalóide à vontade tem prostitutas bonitas para a gente namorar. (Bandeira, 1961, p. 87)

A estrutura concretista foi visitada por Manuel Bandeira que, do mesmo modo que Drummond, Murilo e Cassiano Ricardo, fez os seus experimentos, mostrando uma espécie de adaptação para a poesia que surgia nos anos 50/60, como neste “A onda”: a onda anda aonde anda a onda? a onda anda ainda onda ainda anda aonde? aonde? a onda a onda (Idem, 1963, p. 61)

Do Beco das Carmelitas ao Engenho Trapuá João Cabral, por seu turno, traçando trajetória oposta, inscreveu o poema na pedra, nos trapos dos algodoais, na lâmina da cana, com o chicote do vento e o arremedo da moenda. Mas não deixa escapar o momento lírico, como neste “A palavra seda”: A atmosfera que te envolve atinge tais atmosferas que transforma muitas coisas que te concernem, ou cercam. E como as coisas, palavras impossíveis de poema: exemplo, a palavra ouro, e até este poema, seda. É certo que tua pessoa não faz dormir, mas desperta; nem é sedante, palavra derivada da de seda. (Melo Neto, 1975, p. 158)

Seu eu-lírico, com o peito aberto, enfrenta o canavial, na agrura do agreste pernambucano, nos mistérios de Sevilha, ou na Mancha, mas ao sentir como o “automobilista infundioso” os frescos cheiros da Provença, pode ir, num átimo, “do timo à alfazema”, para surgir plena e exuberantemente lírico. [...] É viajar nos cheiros castos, ainda vegetais, em mato: do casto normal de planta, do sadio, de criança. (Idem, 1968, p. 52)

Ou em “Paisagem pelo telefone”, em que o poeta não consegue esconder a variação lírica tal a sua intensidade para retratar uma cena em que está inteiro o componente feminino: [...] Pois, assim, no telefone tua voz me parecia como se de tal manhã estivesses envolvida, fresca e clara, como se telefonasses despida, ou, se vestida, somente de roupa de banho, mínima, [...] (Ibid., p. 135)

Demonstrada em páginas de teoria e de entrevistas, a visão cabralina quer parecer de pedra, dura, cerebral, preparando o torpedo milimetricamente para atingir “seu alvo no Pacífico”, mas, nas mãos de pilão ou nos dedos do canavial, na onda que vira musa recostando o perfil contra a paisagem marinha, de repente deparamos com o mais sensível dos humanos. Bandeira – um passarinho que passou a vida à toa, à toa – se identifica com os joões gostosos moídos diariamente no grosso tecido social brasileiro, que vai sendo rasgado e remendado nas páginas dos jornais e na tragicidade das noites. E não se conforma com as pessoas simplesmente paradas na porta do bar, vendo o enterro passar indiferentes. Em “O cacto” revela-se o Bandeira bem terra-a-terra, quase irreconhecível para os que só conhecem o poeta das noites de São João e das saudades da infância: [...] O cacto tombou atravessado na rua, quebrou os beirais do casario fronteiro, impediu o trânsito de bondes, automóveis e carroças, arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas privou a cidade de iluminação e energia. – Era belo, áspero, intratável. (Bandeira, 1967, p. 246)

Manuel e João É Bandeira quem afirma, em entrevistas e na praxis, a primazia da inspiração, tal como sempre se professou entre os poetas mais antigos. Do outro lado, estaria a transpiração cabralina em altas porcentagens. Bandeira navega no fio da navalha, dentro de um lirismo controlado pela intuição poética que orienta e não deixa nunca resvalar para o lugar-comum e o lacrimejante, mas numa perigosa fronteira em que muitos poetas já se perderam. Cabral usa um „falso‟ prosaísmo, o antídoto „graciliano-ramos‟ da dissecação, o poema a palo seco, o filtro anti-meloso, como a prevenir contra uma possível recaída da nova poesia em horizontes romântico-penumbrosos. Sua maneira é esta. Fala, exagera até na contenção e na fala. É a sua preparação de fortes diques contra os fantasmas dos clichês e frases-feitas e da onda antimodernista de seu tempo. Com isso, precisa negar a sua lírica, que no entanto existe, é pungente e nos conforta ao revelar um poeta mais que completo. Dialogam os dois na poesia e na vida, brigando contra o ranço e a estagnação que impregnam a má tradição literária. São ambos poetas da mais alta estirpe, e suas obras estão aí para comprovar essa afirmação. É só conferir e, para isso, ler.

BIBLIOGRAFIA BANDEIRA, Manuel. Antologia poética - Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 2a. ed., 1961. ______. Bandeira - seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro: José Olympio, 3a. ed., 1979. ______. Estrela da tarde. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963. ______. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 4a. ed., 1973. ______. Manuel Bandeira - Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 2 ed., 1967. BARBOSA, João Alexandre. A imitação da forma - uma leitura de João Cabral de Melo Neto. São Paulo: Duas Cidades, 1975. BRASIL, Assis. Manuel e João - dois poetas pernambucanos. Rio de Janeiro: Imago, 1990. CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. São Paulo: Publifolha, 2000. CARA, Salete de Almeida. A poesia lírica. São Paulo: Ática, 1986. COSTA LIMA, Luiz. Lira e antilira - Mário, Drummond, Cabral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1966. ______. Poesias completas. Rio de Janeiro: José Olympio/Sabiá, 1968. ______. Terceira feira. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1961. MERQUIOR, José Guilherme. A astúcia da mímese - ensaios sobre lírica. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1972. ______. Razão do poema - ensaios de crítica e de estética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. NUNES, Benedito. Poetas modernos do Brasil - 1. João Cabral de Melo Neto. Petrópolis: Vozes, 1971. SECCHIN. Antonio Carlos. João Cabral: a poesia do menos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1985. SILVEIRA, Sidney. “Memória, humor e amor em Proust e Machado: semelhantes na diferença”, in O Globo, supl. Prosa e Verso, 22.7.2000. VERNIERI, Susana. O Capibaribe de João Cabral em O cão sem plumas e O rio: duas águas? São Paulo: Annablume, 1999.

(*) Joaquim Branco Nome completo: Joaquim Branco Ribeiro Filho Instituição: FIC – Faculdades Integradas de Cataguases Função: professor doutor (Literatura Brasileira)

21 | 28 de Setembro de 2012


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Ideias Finais

Croniconto

Retalhos

Os vizinhos de lado

Das injúrias que vive o Miyomo

Dany Wambire - Moçambique

P

ediram-me ou me ordenaram a escrever. Que eu pegasse mesmo na pena, pois, segundo eles, já tinham me visto, fingitivo, a traduzir vozes de certas almas, que ultimamente faziam do meu corpo, das minhas mãos, suas ilegítimas propriedades. E eu finjo e fujo, para não cumprir com as ordens destas almas que não conseguem pôr a escrito as suas inquietações e satisfações. Ainda, apresento falsos argumentos. Sim, me vou digladiando nas argumentiras. ― Vocês estão a me incriminar. Qualquer dia vou preso por causa das vossas declarações. Como era de esperar, ninguém se comove com a minha injustificação. Defendem-se, essas vozes, que há um direito que lhes assiste, o de liberdade de expressão. Que testemunharão a meu favor, caso qualquer indivíduo apresente uma queixa à justiça, se por mim entender-se ofendido. E se se deseja exemplo de alguém que este hábito tem, de encomendar escrita das suas inquietações, tenho Infelisberto Descansado. Este é quem ultimamente me vem bater à porta para lhe escrever a estória dos seus vizinhos de lado. Como o próprio Infelisberto diz, esses vizinhos discutem em demasia, acima do anormal. Trinta horas por dia, coisa inaceitável. Digo-lhe que não posso escrever este assunto, bastante sensível. Afinal, ele bem sabia que em assuntos de casais não se deve pôr a colher. Eu só escreveria caso o assunto transmutasse ao contrário, de sensível ao insensível. Mas ele insiste, dizendo: ― Não é caso de vida ou morte, mas o assunto merece um documento escrito. Não resisto. Não é meu forte recusar a pedidos. Gosto é desafiar ordens ou mandos arrogantes, e não a pedidos humildes. Então, fui escrevendo, traduzindo em escrito a voz deste Infelisberto. Começou por dizer que o seu vizinho, Salomau Maugente casou-se com a enteada, logo após a morte da mãe desta última, por sinal esposa desse Salomau. Os dois viveram juntos, enfrentando máslínguas. Peniscilina, a enteada, passou a ser em concomitante irmã, madrasta, mãe dos filhos de Salomau. Diz-se que tudo andava às maravilhas. Chegaram mesmo a ter muitos filhos. Coube ao primeiro receber um nome que fenecesse com todas más-línguas dos demais. O nome foi adoptado e adaptado em inglês: Letspeak. Queria-se dizer que pessoas podiam falar, mas essas falas não afectariam a sua relação. Muito pelo contrário: estimulava-os a ter mais filhos. Aconteceu, todavia, que ultimamente os problemas faziam constantes visitações à relação dos dois. Até melhor é dizer que os problemas foram aparecendo como se fossem os sangues que visitam às mulheres em cada mês. Peniscilina foi entendendo que a sua relação era incomum: ela separava-se do Salomau em idade a trinta anos. Sendo a maior para Salomau, obviamente. Frustrada, começou a beber álcool até acabar a decepção. Acabou a frustração, mas nasceu nela o gosto pela bebida, passando a fazer-lhe companhia no seu dia-a-dia. Quer dizer: no tremendo exercício de alívio da frustração, nasceu-lhe um vício. Em casa não parava. E sempre que o marido lhe exigia satisfações, ela prontamente respondia-o. ― Não me incomode se não, vou-te denunciar. ― Denunciar, fiz o quê? Peniscilina dizia que iria ao gabinete de atendimento à mulher vítima de violência doméstica para apresentar a queixa de que o seu marido, quando se envolvera com ela, há dez anos atrás, ela era menor, contando apenas com catorze anos de idade. Houve nessa altura violência sexual, acreditava ela. ― Você abusou-me e violou-me sexualmente ― ameaçava, bêbeda Peniscelina quando lhe apetecia. ― Não foi violência sexual, mas sim agressão sexual ― retrucava Salomau, concluindo no seguido, ― todo sexo é violento. Mesmo o consentido. Não paravam as discussões. Ainda, uma vez, Salomau seguiu a esposa numa barraca para que ela viesse à casa e tomasse conta do recado doméstico. E ela respondeu, com violência verbal. ― Por que me persegue? Não vês que eu não te quero?! ― Se não me quisesses, ias procurar feiticeiro para pôr-me na garrafa? E seguiam outros palavreados e palavrões, indescritíveis.

Eduardo Quive - Moçambique

M

iyomo é irmão de Ma-cabeça e Pequeno. É tio de Tchontchi e filho do tio Mamboco. Sei pouco dos seus outros irmãos, mas garanto que os conheço a todos e os saúdo sempre que os encontros em algures, o mesmo que faço quando encontro o mano Feliz, Miyomo, neto de vovó Alfina, agora falecida. Uma coisa é verdade, vovó Alfina foi quem deu ao Miyomo a dignidade que merecia como homem apesar da deficiência que ele tinha na fala, nos gestos e ao andar. Até o mesmo Miyomo não se isenta do direito de dar valor ao valor que a sua avó deu-lhe enquanto pessoa portadora de deficiência e que for a vítima de alguma hostilização por parte de muitos. Aliás, fico mesmo comovido ao contar esta parte da história, mas tenho que contar. Tenho que tirar isto de mim que grita sem parar a pedir que eu vos conte. Esta língua minha faz comichão que se cala e não fala das pessoas. Mas atenção, gente que amo e que faz parte de mim. Estava mas é, para dizer que Miyomo sofrera com a morte daquela que se assumiu como sua mãe diante do menosprezo que ele recebia de todos. Foi a primeira vez, essa do velório da vovó Alfina que vi as lágrimas de Miyomo. Ah! mas eram lágrimas de verdade. Nunca me senti contagiado com tamanha choração. Dizem os meus avós, ver as lágrimas de uma mulher é até algo de chorar também e acabar todas forças, mas ver as lágrimas de um homem se pode considerar o fim do mundo. Homem quando chora até berra. Não é birra. É mesmo o fim que o escalou. Homem só chora quando descobre que não é nada e a mulher quando é traída enquanto ama. Homem chora por ser impotente e a mulher por ser dependente. Tudo injusto para um e justo para outro. Homem traído e sem coragem de agredir, mata-se e, a mulher traída é que chora cá na minha terra. Mas as lágrimas de Miyomo não eram de homem traído, eram de homem sozinho e impotente. Órfão de si próprio. Miyomo viveu e cresceu em casa da sua avó enfrente da minha casa. Lembro-me que toda criançada tinha medo dele. Todos alegávamos a forma como ele falava e andava como motivo para tal medo. É que Miyomo fala como uma verdadeira erupção vulcânica. Pior ainda é não perceber com exactidão o que ele diz entendendo sempre que ele está zangado. A mamã batia quando me visse a fugir dele e dizia que Miyomo não é nenhum bicho. Isso nós sabíamos, o problema mesmo era aquele andar de camaleão ou cobra ferida que nos enchia ainda mais de medo. Aquela mão que enchia o rosto de tão ser grande! E aquele pé que arrebentava qualquer chinelo que parecia daqueles ladrões que nos roubavam nas casas no Patrice todo até as bandas do Bedene, Singathela e São Dâmaso! Mas Miyomo era gente, coisas que depois viemos a nos acostumar mesmo gozando da sua deficiência sempre que podíamos. O que nos intrigava mesmo era o facto de contarem os mais velhos que Miyomo não nasceu deficiente. Andam histórias de que a sua deficiência é fruto da sua própria causa. Não parece ser nada de se acreditar, mas conta-se por isso vou também contar. Foi há muito muito tempo. Tempo em que em casa da vovó Alfina se comia peixe enquanto havia falta de comida. Num dia, Miyomo sozinho em casa, fritou seis peixes para a sua refeição. Aquele seria o dia em que Miyomo teria a oportunidade de realizar o seu sonho de comer Carapau até a fartura sem alguém para instruir medidas. Então temperou bem o peixe a estilo dos homens que conhecem o sabor de um peixe frito, pôs alho picado com sal e muito limão com as respectivas sementes. Deixou por bom tempo na bacia para que ficasse bem temperado. Então colocou-os na frigideira. Enquanto os peixes sofriam na fogueira aquele ventinho intriguista fazia chegar aos demais, o cheiro daquele carapau sem dó. Todos babavam no cheiro daquele retoque da culinária de Miyomo que fez questão de impedir a entrada de pessoas cobiçosas. Queria era desfrutar sozinho de todos os peixes. Fritos, Miyomo deixou os peixes em cima de mesa gotejand0 saliva de tanto apetite. Miyomo babava de tão bom ser aquele cheiro que ele próprio empenhou-se a dar aos peixes. Posso até imaginar o que ele cantava enquanto os olhava com o estômago gritando de vontade. Miyomo deixava cair lágrimas sôfrego do carapau mergulhado no quente óleo depois de muito alho com sal, limão e sementes. A mamã sabe muito bem-fazer esse prato com xima e salada de tomate. Sei o quanto é bom. Mas Miyomo queria desfrutar daquela delícia acompanhado só de pão. Com tudo pronto na mesa, com os peixes bem expostos aos ventinhos marginais, Miyomo imigrou para a rua “N” a correr para comprar o pão que faltava para o seu almoço dos sonhos. Eis o diabo quando atenta a alegria do pobre. De volta, Miyomo abre a porta directo a mesa da sua refeição quase que de joelho de tanto apetite que lhe ardia os lábios e a barriga já impaciente. Goteja saliva e lágrimas de cega vontade. Susto! Os peixes já não estavam na mesa. Miyomo quase que não apanha um enfarte. Esfrega os olhos e engole bem a saliva que já molha todo o chão de tanta vontade de deliciar-se do frito carapau. Mas o peixe não está e nem vem. Miyomo grita de susto quando a sua trás, vem um gato preto a ultimar com os últimos pedaços. Porra! Gritou ainda mais já raivoso. Soa de repente. O calor sobe-lhe pelo juízo e as pernas tremem em uníssono com as mãos que se afastam do corpo. Atento aos passos do gato, dirige-se à porta e fecha-a, impedindo que o gato saia. Fechou também as janelas para ficar a sós com o gato. O gato ainda tenta simular algumas fugas, mas vê que está tudo cercado e, para piorar, Miyomo parou na porta com um enorme pau nas mãos. Olho a olho. Miyomo Vs Gato. Último combate. Miyomo está decidido a matar aquele animal vadio que lhe tramou a refeição. E o gato apercebido do possível fim, esticou as unhas pronto para lutar. Bastou Miyomo levantar o pão para o gato enfiar as suas garras no seu pescoço. Daí em diante, Miyomo que falava bem e, jovem disponível para uma vida normal. Passou a falar quase que despercebidamente. A sua língua prendeu e o que diz agora, tem modos de não ser percebível.

22 | 28 de Setembro de 2012


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