Revista Literatas

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Maputo | Ano II | Nº 48 | Outubro de 2012

Reportagem | Pág. 05

Ecos da I Mostra de Literatura Infanto-Juvenil em Maputo Ensaio| Pág. 20-21

“Jamais fui leitor pra aprender alguma coisa” Entrevista| Pág. 11-13

Análise do poema “Minuete do senhor de meia idade” de

Lobo Antunes

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II Semana Literária de Maputo De 26 de Novembro a 02 de Dezembro de 2012

“As Falas da Escrita”

Debates 30 de Novembro Brasil | Palestras homenagem à Angola | Workshops Lília Momplé Moçambique | Lançamentos e etc Prémio Craveirinha-2011


Literatas impressa no Instituto Superior de Artes e Cultura na Matola

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Editorial |

Sumário Personagem

pág. 4

Notícias

pág. 5

Alex Dau lança na Beira e Xai-xai

Rainer Maria Rilke

Entrevista

pág. 11 a 13

Ensaio

Análise do poema “Minuete do senhor de meia idade” de Lobo Antunes

“Jamais fui leitor pra aprender alguma coisa”

Poesia

pág. 14 e 15

pág.20 e 21

Outras Artes

pág. 19

Ganga Bruta: A Obra-Prima de Humberto Mauro

Odete Semedo - Guné Bissau

Sid Summers - Brasil

Ficha técnica

Eduardo Quive

Assim vão as coisas em Moçambique…

E

sta é a quadragésima oitava vez que nos apresentamos a si, caro leitor. Ainda não cessamos a tarefa de informar sobre as letras, debater e divulgar, propósitos imutáveis desta Literatas nossa que nasce do sangue dos poetas, prosadores, críticos entre novos e velhos que embarcam quinzenalmente nesta loucura missão de fazer a arte virtualmente a partir de um país onde há uma maioria considerável que não tem acesso à internet. Cada espreita dela que damos aos leitores, sentimos que vale a pena e quando saímos, vemos olhos ansiosos e ouvidos famintos por uma boa literatura e com fronteiras abertas. Assim falamos nós sem retratos imaginários, estamos na vida real entre os naturalistas, realistas e surrealistas até aos experimentalistas. A literatura é feita de movimentos e só se move que sem deixa morder por esse bicho perigoso que se chama palavra. Já diz o brasileiro Alberto Lins Caldas, esse homem que escreve tudo a minúscula inicial incluindo o nome do país porque reconhece que a tarefa do escritor é criar o seu mundo, as suas gentes a que acaba se tornando servo. o leão é uma forma de zebra, a anta é uma forma de onça, o capitalista é uma forma de operário, um latifundiário é uma forma de camponês. É tudo uma forma, e nós, na virtual forma, fazemos a saudade, a lembrança, o desejo e outros prazeres que achamos que só fisicamente fazem sentido. Saímos de Outubro onde pela primeira vez, realizou-se a Mostra de Literatura Infanto-Juvenil em Maputo com a convidada especial Lurdes Breda, escritora portuguesa com cerca de 20 títulos publicados, na sua maioria infantis. Foi mais uma daquelas viagens a jangada nas águas agressivas da barra do Limpompo que engolem vidas na travessia dos tempos. Mas acima de tudo, foi uma viagem repleta de experiências marcantes para a Literatura Infantil em Moçambique, género que ainda padece de desinteresse pela maioria. Isto ainda leva-nos a questionar se as crianças moçambicanas têm acesso a uma literatura da sua faixa etária ou não. E a resposta é não. Na obrigação que se tem feito publicidade ultimamente, os adultos dizem “é de pequeno que se torce o pepino, as crianças devem crescer com hábitos de leitura”, mas os livros para essa camada aonde estão? Eis a hora de se despertar, não se pode exigir das crianças que leiam obras adultas, com palavras que nunca viram e ouviram, todas páginas só com palavras secas, tudo a sério. Assim, como diz, Lurdes, elas só se assustam. Há que se investir numa literatura adequada para os petizes e não impor que elas leiam os clássicos e os compreendam como os adultos. É até por falta dessa diferenciação, que temos agora crianças a partilhar as famosas novelas brasileiras com os adultos com cenas pornográficas e palavras obscenas a boa moda da juventude moderna. E mesmo a propósito das novelas, outra vez o Hélder, meu sobrinho de 2000, uma vez disse à Lulu, sua irmã de 2005 “me dá um beijo de amor”. A irritação não me coube no peito, afinal não são os miúdos que vão atrás das novelas, são as novelas que vão atrás deles, pois é de manhã, é de tarde, é de noite, elas são propaladas e sem nenhuma hipótese de evitá-las. O maior preocupante é que na actual Política de Livro ainda em discussão, parece que as crianças não fazem parte das decisões do governo sobre a sua educação cultural e sobre os seus livros. Há que se tomar decisões tendo em conta todos os níveis, se não, a sociedade estará formada em estranhos fragmentos.

Centro Cultural Brasil-Moçambique | Av. 25 de Setembro, Nº 1728 | Maputo | Caixa Postal | 1167 | Email: r.literatas@gmail.com | Tel. (+258): 84 57 78 117 | 82 35 63 201 | 84 07 46 603 Movimento Literário Kuphaluxa | http://kuphaluxa.blogspot.com | www.facebook.com/movimento.kuphaluxa

DIRECTOR GERAL Nelson Lineu | nelsonlineu@gmail.com Cel: +258 82 27 61 184 DIRECTOR COMERCIAL Japone Arijuane | jarijuane@gmail.com Cel: +258 82 35 63 201 | +258 84 67 29 929 EDITOR Eduardo Quive | eduardoquive@gmail.com Cel: +258 82 27 17 645| +258 84 57 78 117 CHEFE DA REDACÇÃO Amosse Mucavele | amosse1987@yahoo.com.br Cel: +258 82 57 03 750 | +258 84 07 46 603 CONSELHO EDITORIAL Eduardo Quive | Amosse Mucavele | Jorge Muianga| Japone Arijuane | Mauro Brito.

REPRESENTANTES PROVINCIAS Dany Wambire - Sofala Lino Sousa Mucuruza - Niassa Jessemuce Cacinda - Nampula REVISÃO LINGUÍSTICA Jorge Muianga COLABORADORES Moçambique: Lilía Momplé Izidro Dimande Brasil: Rosália Diogo Marcelo Soreano Pedro Du Bois Samuel Costa

Angola: Lopito Feijóo João Tala Cabo Verde: Filinto Elísio COLABORAM NESTA EDIÇÃO: Angola Brasil - Guido Bilharinho; Sid Summers; Maria Elvira Brito Campos; Ribemar Mitoso; Marcelo Ariel Moçambique - Hirondina Joshua; Octávio Bule; Ana Maria Mello; Xiguiana da Luz; Carlos dos Santos

Portugal: Victor Eustaquio

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Portugal - Fátima Porto Guiné-Bissau Odete Semedo PAGINAÇÃO Eduardo Quive PERIODICIDADE Quinzenal

A revista Literatas é uma publicação electrónica idealizada pelo Movimento Literário Kuphaluxa para a divulgação da literatura moçambicana interagindo com as outras literaturas dos paises da lusofonia. Permitida a reprodução parcial ou completa com a devida citação da fonte e do autor do artigo.


Às segundas-feiras saiba quem é a personagem da semana em: http://revistaliteratas.blogspot.com

Personagem | Alemanha

Rainer Maria Rilke

Fonte Romana

"Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite:"Sou mesmo forçado a escrever?" Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, a dizer o que vê, vive, ama e perde. (...)" Borghese

O Livro de Imagens. Das Buch der Bilder, 1902. O Livro das Horas. Das Stunden Buch, 1905 Novos Poemas. Neue Gedichte, 1907-19081. Requiem. Requiem, 1909. A Vida da Virgem Maria . Das Marienleben, 1913. Sonetos a Orfeu. Die Sonette an Orpheus, 1923. Elegias de Duino. Duineser Elegen, 1923.

Historias de Ouro. Vom lieben Gott und Anderes, 1900. Augusto Rodin. Auguste Rodin , 1903. Histórias de amor e de morte do corneteiro Christopher Rilke. Die Weise von Liebe und Tod des Cornet Christopher Rilke, 1906. Os cadernos de Malte Laurids Brigge . The Notebooks of Malte Laurids Brigge, 1910.

Rainer Maria Rilke nasceu em Praga em 4 de Dezembro de 1875. É considerado como um dos mais importantes poetas modernos da literatura e língua alemã, por sua obra inovadora e seu incomparável estilo lírico. Conhecido como aquele que faz os poetas Rainer, não morre com o tempo, como um verdadeiro herói da poesia, sobrevoa a eternidade, inspira gerações, distingue poetas e não poetas naturalmente. "Poeta fundamental, Rilke é a voz de uma época em transição. Talvez seja a última voz do seu tempo, aquela que anunciou o "fim dos tempos modernos", como quer Romano Guardini, e ao mesmo tempo a primeira voz e o primeiro

Duas velhas bacias sobrepondo suas bordas de mármore redondo. Do alto a água fluindo, devagar, sobre a água, mais em baixo, a esperar, muda, ao murmúrio, em diálogo secreto, como que só no côncavo da mão, entremostrando um singular objeto: o céu, atrás da verde escuridão;

poeta dessa nova era que estamos começando a viver." ela mesma a escorrer na bela pia, (Paulo Plínio Abreu - parte de uma introdução em círculos e círculos, constantesobre a obra de Rilke publicado no jornal paraense: mente, impassível e sem nostalgia, "Folha do Norte" entre os anos de 1946 e 1948 descendo pelo musgo circundante ao espelho da última bacia que faz sorrir, fechando a travessia.

(Tradução: Augusto de Campos)

Morgue

O mundo estava no rosto da amada

"No mundo, a coisa é determinada, na arte ela o deve ser mais ainda: subtraída a todo o acidente, libertada de toda a penumbra, arrebatada ao tempo e entregue ao espaço, ela se torna permanência, ela atinge a eternidade. (...)"

O mundo estava no rosto da amada e logo converteu-se em nada, em mundo fora do alcance, mundo-além. Por que não o bebi quando o encontrei no rosto amado, um mundo à mão, ali, aroma em minha boca, eu só seu rei? Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi. Mas eu também estava pleno de mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei. (Tradução: Augusto de Campos)

Estão prontos, ali, como a esperar que um gesto só, ainda que tardio, possa reconciliar com tanto frio os corpos e um ao outro harmonizar; como se algo faltasse para o fim. Que nome no seu bolso já vazio há por achar? Alguém procura, enfim, enxugar dos seus lábios o fastio: em vão; eles só ficam mais polidos. A barba está mais dura, todavia ficou mais limpa ao toque do vigia, para não repugnar o circunstante. Os olhos, sob a pálpebra, invertidos, olham só para dentro, doravante. (Tradução: Augusto de Campos)

04 | 26 de Outubro de 2012


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Notícias I Mostra de Literatura Infanto-Juvenil:

Novos horizontes para a literatura infantil em Moçambique

N

a I Mostra de Literatura Infanto-Juvenil que decorreu nos dias 20 e 21 de Outubro correntes em Maputo, ficaram interligados os laços da universalidade da escrita e publicação para o público mais novo. Mesmo com as condições de temperatura a complicar, o evento realizou-se no Centro Cultural Brasil-Moçambique (CCBM) e não na FEIMA como inicialmente se previa.

Escritora Lurdes Breda dialogando com leitores no Centro Cultural Brasil-Moçambique em Maputo Redacção - Moçambique

Com a presença especial da consagrada escritora portuguesa Lurdes Breda, a mostra que foi organizada pelo Movimento Literário Kuphaluxa, serviu para abrir novos horizontes à indústria bibliográfica nacional que por vezes, conforme considera a organização, se tem distraído do público infantil nas suas produções literárias. A Mostra de Literatura Infanto-Juvenil era um evento para se chamar à essa consciência, aos escritores e editoras, sobre a necessidade de se edificar uma literatura moçambicana mais abrangente, com livros específico para as crianças o que poderá permitir uma educação cultural onde o livro é amigo do petiz. Estas conclusões tiveram o seu ponto máximo no debate havido no âmbito do mesmo evento, na noite da sexta-feira, 19 de Outubro no CCBM. Nesse debate, estudantes de literatura e linguística, público leitor e escritores debateram em intercâmbio com a consagrada escritora Lurdes Breda de Portugal, sobre a importância dos livros particularmente no público infantil. Das constatações feitas no debate, os intervenientes entendem que a literatura infantil em Moçambique é ainda olhada como “um bicho-de-sete-cabeças”, sendo por isso que muitos são os casos em que os escritores pautam pela literatura adulta. Mas daí vem os vários problemas apresentados, dentre eles, Óscar Fumo, docente da Universidade Eduardo Mondlane avança o facto de se obrigar as crianças a ler livros de adultos que não foram feitos tendo em conta a capacidade de compreensão dos petizes. “Tem se dito muito que é de pequeno que se torce o pepino e que é desde mais novo que se deve começar a ler, mas quando os livros que são dados às crianças estão cheios de letras, palavras gramaticalmente complicadas e ainda com um número de páginas assustador. A consequência é que as crianças assustamse e em vez de nascer nelas o gosto pela leitura, morre um provável leitor voraz” considerou. Entretanto, Lurdes Breda, figura experiente na área de escrita para crianças com cerca de 20 livros publicados em Portugal, defende que a função de escrever para mais novo não se pode confundir como o simples acto de escrever em prosa ou em poesia. “Um livro para crianças deve ter ilustrações, deve ter a função didáctica, portanto, o aprendizado, a sequência dos acontecimentos narrados deve ser acompanhada de animosidade e alguma prudência. Não podemos já falar de armas, por

exemplo que logo elas se assustam porque uma arma fere. Portanto há uma série de coisas que se exige na literatura infantil e que acaba exigindo muito mais do autor.” Tais exigências que escritores moçambicanos contornam ao preferir sempre escreverem para adultos mesmo com algum potencial para escrever livros infantis. Por outro lado, Lurdes Breda considerou que sem uma política de livro que abranja a área de literatura infantil como um género específico e que se pode virar na melhoria da formação de alunos o cenário em que vivemos pode não mudar. “É que só assim se pode ter crianças a ler e gostar de livros e até, se pode exigir com que do ensino primário saiam crianças que já leram um livro integralmente.” Concluiu. Ainda em entrevista que a escritora cedeu à Literatas, referiu que constitui regra fundamental ao amor pela criança por parte de quem escreve para elas. Lurdes Breda lançou na I Mostra de Literatura Infanto-Juvenil, a obra “O Relógio que tem a barriga a dar horas” trazido a Moçambique pela livraria Conhecimento a mesma que é responsável pela sua venda no país, incluindo da obra “Lua em flor” da mesma autora. A autora durante toda a semana passada deslocou-se á várias instituições de ensino do país, nomeadamente, Escola Comunitária Imaculada Conceição no bairro de Hulene, Escola Portuguesa de Moçambique e ainda lançou na Escola Especial Nº2, o livro “O Piolho Zarolho e Arco-íris da Amizade” numa acção organizada pela ACETUR. Rodas de leituras, conversas literárias e exibição do livro infantil foram o domínio dessa mostra que contou com o cunho da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa (FBLP), Conselho Municipal da Cidade de Maputo, Livraria Conhecimento e do Centro Cultural Brasil-Moçambique e contou com a presença dos escritores Carlos dos Santos, Rafo Diaz e Alex Dau. De acordo com a organização que atribui nota positiva à primeira edição da mostra, apesar dos contratempos havidos nos dias programados para o evento, depois da intensa chuva que se fez sentir em Maputo que obrigou a tomar-se como espaço alternativo, o Centro Cultural Brasil-Moçambique. Contudo, a iniciativa veio para ficar e já se trabalha no sentido de alargar as redes de parceria para a próxima edição.

05 | 26 de Outubro de 2012


Você é um leitor? Envie-nos comentários sobre o livro que está a ler. Mande-nos por e-mail: r.literatas@gmail.com

Leituras Alex Dau lança na Beira e Xai-xai Texto: Dany Wambire

F

oi lançado na penúltima terça-feira (16), na cidade da Beira, o segundo livro do escritor moçambicano Alex Dau, “Heróis de Palmo e Meio”. Foi do agrado de muitos beirenses, pois poucas vezes a cidade da Beira, a segunda maior cidade do País pára para assistir ao “parto” normal ou cesariana de uma obra literária. Muito poucos escritores desta “pérola do indico” lançam livros na Beira em particular e noutros pontos do país no geral. Mas alguém dos beirenses se recordou. Ele chama-se Alex Dau, escritor da “nova geração”, que pela segunda vez assistiu ao “nascimento de um filho”. Este novo filho, ou seja, este livro, intitulado “Heróis de Palmo e Meio” foi apresentado na Beira, depois do igual acto ter acontecido na capital moçambicana, em Março último. Mas quem são os Heróis de palmo e Meio? Esta era pergunta que provável e exclusivamente preenchia a cabeça de muitos “amantes” de leitura e escrita, que acorreram à galeria do Centro Cultural português - Pólo da Beira para testemunhar o lançamento do segundo livro deste promissor escritor moçambicano. E duvida-se que a pergunta, a não ténue curiosidade de muitos tenha sido satisfeita por completo. Tudo ficou em suspense, atiçando a curiosidade de querer ler o livro ― afinal, não é do escritor justificar títulos ou passagens textuais, para não limitar as interpretações dos leitores. As requisições não foram ínfimas. De acordo com as informações segredas à Literatas pelos organizadores do lançamento dão conta da sobra de pelo menos 4 livros, dos 100 disponibilizados pela editora do escritor, a Alcance Editores. Quer dizer que foram vendidos em apenas uma hora e meia do acto de lançamento pelo menos 96 livros. “Os Heróis de Palmo e Meio” é o segundo livro de contos de Alex Dau. À semelhança do primeiro ― Reclusos do Tempo ― contém 12 contos, elaborados com certa mestria de quem se quer afirmar um exímio contista. Antes de publicados em livro, os contos mereceram uma apreciação crítica de leitores atentos enquanto os textos eram publicados no Suplemento cultural do Jornal Notícias. O lançamento do livro na Beira, por um lado, surge da vontade do próprio escritor de contrariar a ordem das coisas: lançar um livro fora do “grande” Maputo, onde também existem potenciais leitores da literatura moçambicana. Por outro lado, pelo facto de a Beira ser o berço de alguns dos grandes escritores moçambicanos da actualidade, nomeadamente, Mia Couto, Filimone Meigos e Adelino Timóteo. O outro argumento é o de que a cidade da Beira fica próximo da província da Zambézia, província natal do escritor. E espera-se que não haja confusões ou ciúmes dos conterrâneos que souberam da presença do seu “irmão” na vizinha província de

Sofala. Foi questão de agenda ― de dinheiro, também quem sabe, afinal estamos em crise mundial. Entretanto, da Beira, “Heróis de Palmo e Meio” seguiu para a cidade de Xaixai, província de Gaza onde participando na semana literária local “Bula-bula”, Alex Dau brindou num acto exclusivo ao publico daquela pacata cidade com o lançamento do seu mais recente livro. A perspectiva do autor, neste momento, é colocar os seus livros em Quelimane, acto que poderá acontecer no ano que vem.

06 | 26 de Outubro de 2012


Notícias

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II Semana Literária de Maputo De 26 de Novembro a 02 de Dezembro de 2012

“As Falas da Escrita”

Como é que uma escrita fala?

Os temas

Maputo será a capital da literatura com a realização de mais uma edição da Semana Literária de Maputo de 26 a 30 de Novembro.

Lusofonia: um novo território para a escrita?

O evento é organizado pela Literatas – Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona do Movimento Literário Kuphaluxa, e neste ano ostenta o lema “As falas da Escrita”. Constitui a grande novidade da II Semana Literária de Maputo o facto de o mesmo contar no presente ano, com a participação de Angola e Brasil para além de contemplar escritores moçambicanos a residirem noutras capitais provinciais. Ainda é inovação desta edição a discussão de dois assuntos propositadamente escolhidos de forma a dar voz à cultura sobre a dinâmica dos dois organismos onde coincidentemente Angola e Moçambique fazem parte, a CPLP e SADC, ambas organizações com Moçambique na actual presidência e tendo escolhido como o foco os chamados “corredores de desenvolvimento”. Sendo assim, a cultura que é o que eleva o significado da Lusofonia, outra questão pertinente na conjuntura actual, poderão não ser elementos que chamam atenção às lideranças. Contudo, há que se dar uma voz aos escritores desses países e entender-se o cenário que se vive, as políticas colectivas, de integridade e o próprio diálogo intercultural a que nos leva a nossa diversidade. O Brasil, nesse contexto, tem uma experiência a partilhar com a extensão do chamado “afro-brasileirismo” que tem se demonstrado mais poderoso na interacção entre este país e o continente africano, particularmente com os países africanos de língua portuguesa. Ainda o Brasil consegue interagir com as literaturas dos outros países da América Latina, facto que já não acontece entre os países da CPLP onde, por (outra) coincidência, Moçambique e Angola estão juntos como únicos que falam a mesma língua. Por outro lado, olhando para cada país, existem as chamadas “ilhas” que se pressupõe serem as províncias no abandono ou isolamento em detrimento das potencialidades que as capitais dos países apresentam. A II Semana Literária de Maputo será portanto, esse campo de debate de ideias, com a inclusão dos escritores sem olhar para as ilhas, mas buscando destes a sensibilidade sobre o que se faz nos lugares onde se encontram na área de literatura e quem é o escritor onde quer que esteja. Portanto, os espaços e os meios onde o escritor e o livro se encontram são o fundamento principal para o encontro de Maputo neste evento que de forma assustadora decidimos chamar de Semana Literária, cinco a sete dias de total ocupação pela actividade de escrita e reflexão. Em Moçambique não há evento igual, mas ainda é cedo para chama-lo de especial e exclusivo, afinal, não é por falta de vontade que o mesmo não acontece. Falta loucura igual em muitos, falta a utopia e o desejo obcecado de andar pelo centro e não pelas laterais. Nós os Literatas e Movimento Literário Kuphaluxa que somos exclusivamente activistas literários e, por concessão, escritores, removemos a pedra pesada que camufla o espírito fugaz do escriba para levar ao cidadão as vozes daqueles que nos proporcionam momentos de prazer com conhecimento e vidas que são os escritores. Mas há o Governo, aquele que se responsabiliza pelas políticas. Aliás Moçambique está no processo de renovação da sua política de livro, analisando, igualmente, as estratégias da sua implementação. Assim sendo, mais do que discutir políticas vamos discutir, na II Semana Literária de Maputo, um dos pontos mais essenciais que é o livro infantil em Moçambique, uma vez que, é de pequeno que se devem iniciar os gostos. Será que a política do livro terá se feito pensando na educação literária das crianças? Em fim, uma semana podia ser muito para se discutir o livro e os seus meios de circulação, mas uma semana, para discutir a literatura e os seus intervenientes, poderá ser pouco porque literatura é vida, é eternidade e a infinitude. Assim sãos “As falas da escrita”

- Os desafios para escritores africanos. . OBJECTIVO: Nos últimos tempos a ligação através da língua e cultura dos nossos países o que se chama também de Lusofonia tem sido assunto de debate. No entanto, a literatura tem tido algum espaço nesse intercâmbio? Que posição os escritores desses países devem tomar para tirar proveito dessa ligação? Os eventos, a circulação do livro, o contacto entre os escritores, que olhar sobre tudo isso?

O escritor onde é e onde se encontra? . OBJECTIVO: Reflectir sobre a vida literária fora das capitais dos países. Até que ponto o facto de se estar fora da capital pode influenciar a actividade literária do escritor?

A escrita Angolana e Moçambicana no contexto do Regionalismo político e cultural: SADC/ CPLP 

Exemplos do Brasil na sua relação com a literatura da América Latina.

. OBJECTIVO: Moçambique e Angola fazem parte de duas organizações. Uma é a CPLP que une não só países da mesma língua, mas continentes por onde cada país membro se encontra. Como explorar esse espaço sem tirar os sinais particulares da escrita de cada país? Neste tema, o Acordo Ortográfico poderá ser abrangido, tratando-se de um instrumento que refere-se à língua que é o motivo dessa união dos países. Por outro lado, existe a SADC que une países pela região e não especificamente pela língua. A África do Sul por exemplo, é o país com que Moçambique mais se relaciona mas nas áreas económicas. E a literatura? Quem são os escritores da região consumidos em Moçambique? E quais são os moçambicanos que lá são consumidos? Como as nossas literaturas interagem, na escrita e na circulação? Porquê, por exemplo, muita influência do Brasil do que dos países vizinhos e da mesma região?

A Literatura infantil em Moçambique e a educação centrada no livro literário no ensino primário. . OBJECTIVO: Reflectir sobre a produção literária do género infantil no país e as razões de pouca afluência das crianças do ensino primário na leitura. Haverá em Moçambique uma qualificada literatura infantil? Como ela é feita? Quem são os autores? Quem é a criança que lê esses livros?

O escritor em si: Os eus convergentes e divergentes do escritor X conflitos sociais . OBJECTIVO: Quem é o escritor no meio social? O Ser e o Estar como são encarados por um criador de vidas? Como as dificuldades diárias são encaradas por esse ser que é o escritor? Que relação existe entre a barriga-o status-o papel-a caneta?

Da necessidade de ler à disponibilidade de o que se ler/ a profissão Escritor . OBJECTIVO: O escritor e as suas leituras. O escritor como um trabalhador da escrita? Qual é o seu salário? Até que ponto o prazer por escrever se deixa sofrer com os custos de vida?

Literatura, um exercício para loucos, ébrios e boémios? . OBJECTIVO: Como é visto o escritor na sociedade? Um louco? Um iluminado? Boémio? Um exemplo por se seguir ou por se destruir? Qual é a atitude da pessoa perante o escritor? Quem é ao final do dia, o autor de um livro?

Lília Momplé: uma homenagem à contadora de histórias

Moçambique e Angola: Duas literaturas cantadas/cantáveis?

O Curador Eduardo Quive

07 | 26 de Outubro de 2012


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Ideias

Africanidades

O passo certo no caminho errado

O desafio de descolonizar o saber Da inauguração Victor Eustáquio– Portugal Nelson Lineu - Moçambique

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T

odos moradores do bairro estavam lá, como chamariz haviam três motivos: o primeiro pelo facto de se tratar de uma inauguração, o segundo era por não se saber o que estava dentro do contentor – a infra-estrutura; o terceiro era por ter como proprietário um jovem – facto que raramente acontecia, quando se tratava de jovens por ali -, estava a fazer-se uma viragem naquela geração. - É de jovens assim que o país precisava e foi com jovens assim que se alcançou à independência, esses é quem tinham que aparecer nos órgãos de comunicação social a falar de auto estima - disse o secretário de bairro, entusiasmado -, era desses exemplos que necessitávamos, o pais só cresce ou regride com exemplos. Embora o jovem tenha feito a décima segunda classe há três anos atrás e não tenha conseguido entrar na universidade pública por não ter nota suficiente para tal - independentemente de ser positiva - e nas privadas pelas suas condições financeiras, não baixou nem os braços nem a cabeça. Algo que chamou atenção naquela inauguração embora tenha sido o jovem a tirar a ideia do empreendimento e feito empréstimo ao banco como garantia tendo dado os moveis da sua casa perante aos olhos dos seus pais, que não queriam mas não podiam fazer nada, se não veriam o seu filho desviar-se - o mérito era para a sua excelência que trouxe essa questão de empreendedorismo como saída para o desemprego, quando se falava o excelentíssimo nome havia mais ovação que ao falar-se do nome do jovem. A quando da chegada do contentor na noite passada, a maior parte das pessoas estava a dormir, depararam-se com ele nas primeiras horas do dia de cada um, a ansiedade era tanta. Chegada a hora da inauguração, depois das cerimonias chamadas tradicionais o secretario do bairro pegou na tesoura para cortar a fita conduzindo de cânticos e danças locais. Feito o corte, o interior do contentor continham pneus usados. O jovem tinha como propósito vender, mas não para carros. Como as coisas andavam no país o jovem prévia greves como as do cinco de Fevereiro e de, um e dois de Setembro; já que nessas greves usaram-se pneus - eram queimados nas estradas mostrando a insatisfação de quem procedia desse modo com a situação. Tendo em conta os acontecimentos e os lucros o jovem pretendia alastrar a empresa pelo país.

O

Ocidente continua a acumular conhecimento sobre África, enquanto os africanos continuam a trabalhar, na sua maioria, para os investigadores do Ocidente. Porque são “consultores” e investigam com o dinheiro das ONG e das agências da ONU e de outras organizações supranacionais, as que ditam os objectos de estudo, temas que são do interesse do «mundo ocidental». De resto, o uso de línguas europeias para a redacção de artigos, ensaios e dissertações académicas reforça este processo de alienação dos africanos, que, a jusante, não concorrem para o grupo de destinatários deste conhecimento. É o drama do «consultancy syndrome» e da chamada «dependência intelectual» da comunidade científica africana, consubstanciado no que poderíamos designar por «paradoxo do financiamento à investigação». É certo que também há intelectuais e investigadores africanos que querem “conhecer-se a si próprios para se transformarem”. É fruto de uma “tomada de consciência” – uma crescente racionalização teórica – da comunidade científica, quer ocidental, quer africana, dos novos desafios epistemológicos que África, como objecto de estudo, suscita (com o esvaziamento de poder do euromundo, num quadro pós-colonial, e o fenómeno da globalização e transnacionalização), processo que, aliás, tem estado a fragmentar progressivamente a unicidade da matriz teórica em que assentavam as problemáticas africanas. Contudo, não se pode deixar de ter em linha de conta os constrangimentos endógenos impostos pelas políticas desenvolvimentistas dos Estados pós-coloniais (que foram encaradas durante a fase inicial da autodeterminação anticolonial de inspiração nacionalista como a solução para todos os problemas). Com efeito, forçados pelo subdesenvolvimento à adopção de programas de ajustamento estrutural e aproveitando a ajuda ao financiamento por parte de várias agências da ONU e de outras organizações ocidentais, a par das ONG – e lá voltamos ao Ocidente – uma parte considerável dos Governos africanos concentrou-se num desenvolvimentismo de cima para baixo, devido ao seu alinhamento marxista. O fundamento deste movimento encontra justificação no princípio de que as transformações económicas determinam em cascata as alterações culturais nas estruturas sociais, uma perspectiva que conduz a uma imagem deformada da dinâmica da mudança social e cultural. Acresce o facto de que estas políticas desenvolvimentistas rapidamente assumiram características de manipulação e mistificação ideológica com vista à mobilização e ao alargamento da base de apoio aos respectivos regimes. Resultado: o «esforço desenvolvimentista» acabou por falir, uma vez que, por razões eminentemente políticas (considerando a natureza militarista e autoritária dos regimes que se instalaram nos territórios africanos descolonizados) não foi avaliado o paradigma territorialista e a emergência do conceito de desenvolvimento local. Percebe-se: se os constrangimentos perante os compromissos com o Ocidente enfraqueceram a relevância da produção de conhecimento feita por africanos, a mobilização desses mesmos investigadores para o «desenvolvimentismo» conduziu a um reposicionamento de interesses traduzido pelo esvaziamento de competências. Dir-se-ia, ainda assim, que vivemos num período de transição. Mas também com muitas indefinições. Com efeito, é incontornável uma ruptura epistemológica que conduza à distinção definitiva entre africanistas e africanos, bem como entre africanismo e Estudos Africanos com vista à descolonização do capitalismo global e à emergência das epistemologias descoloniais. Para isso, é necessário, porém, arredar de vez a tradição filosófica do pensamento etnocêntrico, sitiada por interesses epistemológicos de orientação colonial, mas também os próprios postulados epistemológicos impulsionados pelas diásporas africanas, sobretudo aqueles que foram idealizados fora do continente africano, igualmente reféns não do eurocentrismo hegemónico mas do afrocentrismo fundamentalista em tudo semelhante ao primeiro. Sem mudar este paradigma, falar de «consciência negra» será sempre um debate estéril. É o desafio que deixamos para voltarmos ao tema na próxima edição, dedicada precisamente à problemática da negritude e ao que resultou da “invenção” do africanismo.

08 | 26 de Outubro de 2012


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Ideias

Elogio do Erotismo(*) Carlos dos Santos - Moçambique

Sobre o Erotismo muito se pode dizer e, sobretudo… fazer. E sobre ele se tem escrito de tudo, desde Manuais a Tratados, passando por teses de graduação e de pós-graduação. Falar sobre erotismo é coisa que me deixa… altamente excitado. Ora, na matéria em debate, convém sempre dedicar algum tempo aos preliminares… Por isso, vamos começar por compreender o conceito. Erotismo é uma palavra que vem indissociavelmente ligada à ideia de prazer. Sigmund Freud disse mesmo que: “Todo o prazer é erótico”. Mesmo que se trate, portanto, de prazer sado-masoquista, onde o erotismo é encontrado nas pontas desgrenhadas de um chicote ou na privação de movimentos imposta pelo metal gélido de um par de algemas e o prazer é extraído da dor. Isto dá, logo à partida, a entender que o erotismo é algo de muito íntimo. E isso faz-me pensar na conveniência de, antes de prosseguirmos, tentarmos operacionalizar o conceito de erotismo, para que possamos estar todos, ainda que cada um à sua maneira, a sentir a mesma coisa.

aos saltos. E não só o coração… Apesar de incomparáveis, quase antípodas, estas formas estéticas produzem ambas o mesmo efeito em indivíduos distintos. Há quem encontre erotismo numa língua que espreita por um par de lábios húmidos entreabertos ou num olhar de soslaio; num pé calçado por uma sandália de salto alto ou nas unhas pintadas de uma mão; e numa pulseira num tornozelo bem torneado ou num fio de missangas à volta de uma anca bem talhada - para não falar no toque sensual sobre as cicatrizes macias de uma tatuagem makonde num ventre docemente arqueado ou no toque frio de um piercing em partes invisíveis. Há erotismo numa simples liga rendada que afaga uma coxa farta, como também na transparência de uma meia de vidro. Mas devo ser equitativo na minha definição. Dizem-me que também há erotismo num bíceps grosseiramente esculpido, ou numa barba mal amanhada. Ao que tudo indica, o erotismo tem, pois, também, género. Ainda que haja aqui, como em todas as esferas da vida, aqueles que transgridem e se travestem e encontram o erotismo nos traços feitos pelo mesmo lápis ou que utilizam a ponta de borracha do lápis para alterarem os traços do desenho original. Bastas vezes nesse renegar de fronteiras o erotismo ignora soberanamente as limitantes socialmente construídas, dando azo a relações interparentais e nos deixando gregos perante aquelas figuras psicológicas incestuosas bastante conhecidas que são o Complexo de Édipo e o Complexo de Electra, em que os graus de parentesco e as proibições sociais se vergam à atracção erótica indomável que estas pessoas, mutuamente proibidas, exercem umas sobre as outras. Como em tudo o mais na vida, quanta dessa atracção não será, senão causada, pelo menos profundamente excitada pela

Segundo a Wikipédia,a palavra Erotismo “provém do latim “eroticus”, e esta do grego “erotikós”, que se referia ao amor sensual e à poesia de amor”. Portanto, já na antiguidade o erotismo e a poesia andavam de mãos dadas. Erotismo é, segundo a mesma fonte, “o conjunto de expressões culturais e artísticas humanas referentes ao sexo”. Como toda a definição Malangatana - Transcendências que se preze, nesta tanto cabe tudo aquilo que cada pessoa lá queira meter, como dela se pode excluir tudo aquilo que toda a gente lá queira impedir de entrar. Só depende da interpretação que dê jeito a cada um. Tentemos, então, ser algo mais concretos. O erotismo é, acima de tudo, uma interpretação, feita pela imaginação de cada indivíduo, de um conjunto de formas, sons, cores, sensações tácteis, odores e sabores, gestos e situações, reais ou imaginárias, babel dos sentidos por via dos quais o ego de cada um de nós faz disparar hormonas e outras secreções pelo próprio organismo, que resultam geralmente em reacções erécteis em vários locais da geografia corporal, bem como nessa coisa inexplicável e intangível que é a sensação de prazer. Ainda está muito vago, não é? Vamos lá tentar pôr este conceito um pouco mais a nu – o que também deve fazer com que fique mais erótico… O erotismo é aquilo que me faz ficar estonteado perante a sugestão dos prazeres que se antevêem num decote mais arrojado, ou que me deixa com vertigens perante as alucinantes possibilidades lúdicas que se insinuam nas linhas traçadas por um par de pernas cruzadas, que uma saia mais justa e curta deixa antever, mas que faz com que, por outro lado, eu permaneça impávido perante um corpo que se revele instantaneamente nu. É deste poder de auto-sugestão que vivem os espectáculos de striptease, por alguns considerados a pérola do erotismo e, por outros, considerados meras expressões de puro mau gosto. Eu acho que uma ou outra conclusão dependem acima de tudo da qualidade das stripers… O erotismo tem, pois, um cunho marcadamente individual: enquanto alguns de nós se perdem na circunferência rotunda que é esboçada no ar pela curvatura de uma bunda em movimento serpenteante e não enjoam, outros se perdem com o mesmo desnorte na planura tabular da mesma parte do corpo feminino, tão rectilínea que deixa até de merecer tal designação... mas o que é certo é que uma, tanto quanto a outra, nos deixam ambas igualmente de cara à banda e coração

proibição? Mas, o erotismo é também cultural. Se em certas culturas os seios são meras fontes de alimento infantil, usualmente desnudos e espremidos à saciedade, noutras são autênticos objectos de cultura erótica, criteriosamente mal tapados, sempre nutritivos, mas, desta feita alimentando as clínicas dessa nova ilusão óptica erótica que é o silicone, e alimentando o voyeurismo, essa conduta erótica parasitária que se mascara e disfarça no consumo dessoutra actividade de erotismo dúbio para muitos que é a pornografia. Há até quem pergunte: “Qual é a semelhança entre a Play Station e os seios da mulher?”. É que tendo ambos sido criados para os filhos, no fim, são os pais que com eles se divertem. Os devaneios eróticos parecem não ter fim. É também para sustentar esse universo infinito que são as fantasias eróticas, que servem esses templos do amor sexual que são as Sex Shop, onde se podem encontrar inimagináveis tipos de lingerie e todo um arsenal de instrumentos e bengalas eróticas. O que me faz, aliás, deixar uma pergunta no ar: será o coito com uma boneca insuflável um acto de adultério? Se for apanhada, poderá a boneca ser condenada a esvaziamento perpétuo? É a consumação do acto que constitui o “pecado”, ou é a sua imaginação? Se for esta última, receio bem que estejamos todos condenados por pelo menos três vidas consecutivas… Por essa razão, não me atrevo, aqui e agora, a aplicar o Evangelho de S. João (8:1-11) e dizer para que “Aquele que, de entre vós, esteja sem pecado, que seja o primeiro…” não a atirar uma pedra, mas a abandonar este local, pois não quero que, um a um, vos sintais obrigados a retirarem-se desta sala e… tenhamos de ir continuar este lançamento lá fora. Mas se este rol parece ser interminável, como disse Rémy de Gourmont, “De

09 | 26 de Outubro de 2012


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Ideias todas as aberrações sexuais, a mais singular talvez seja a castidade.” E aqui cabe outra questão a que se pode chamar “de fundo”: poderá o erotismo conviver, de forma saudável, com essa figura tão cara aos casados, que é a “fidelidade”? Eu quis dizer “que é tão cara” e não “que sai tão cara”… Ou serão as escapadelas, os “saltos de cerca”, o cimento indispensável a uma relação sólida e longeva, como alguns pretendem? Se alguns resolvem essa dúvida existencial com escapadelas intra-domésticas, através de “Ménages à Trois” ou do “Swing”, outros há que se evadem através da esquizofrenia do amantismo. E há aqueles que buscam simplesmente o alicerce nessa fonte inesgotável do erotismo cooperativo que é a compra e venda de sensações. Mas o rol continua e há até quem encontre erotismo nos músculos suados e felpudos de um equídeo ou nas garras bem limadas de um canídeo. Todo este arrazoado apela a outra questão de fundo: haverá ou não uma fronteira entre o erotismo e o sexo nu e cru, entre o erotismo e a aberração, a perversão, a absurdidade, o desatino, o delírio? Haverá erotismo na pornografia, na bestialidade, na coprofilia, ou serão estes conceitos antónimos, mutuamente excludentes? Quem tem autoridade para determinar isto? Quem está certo, e quem está errado? Quem detém a verdade?

Araújo - Erotismo na natureza margarida

Aqui se aplicará, julgo eu, como em tudo o mais na vida, a regra de ouro: tudo aquilo que mova pessoas adultas, de comum acordo, no pleno uso das suas faculdades psicológicas, sempre em diferentes estados de desequilíbrio, e não traga quaisquer prejuízos a terceiros, é legítimo e legal. A ninguém cabe autoridade estética ou moral para estabelecer e impor padrões de erotismo. Insisto: o erotismo é, acima de tudo, individual, tanto quanto o são os pontos erógenos escondidos e disfarçados pelos corpos incandescentes e pelas mentes sem correntes dos amantes. São, todas estas, relações que, desde que não sejam feitas a contra-gosto de um dos parceiros, por muito que haja quem as condene como moralmente degradantes ou repreensíveis, se tornam irreprimíveis e podem ser gozadas sem que aqueles que assim amam tenham de ser lavados de tamanhos pecados com o fogo e o enxofre da bíblica Sodoma. Porquê tão díspar variedade de opiniões e de opções? Porque é a imaginação o cerne do erotismo. Tanto assim que até se diz que o principal órgão sexual … é o cérebro. É a imaginação que faz toda a diferença. Como disse Óscar Wilde, “A ilusão é o primeiro de todos os prazeres.” Mas no império do erotismo não reinam só a beleza e o prazer. O erotismo pode degenerar num rol quase interminável de obsessões. É esse o reino onde habita essa outra costela do erotismo que é o fetichismo, que pode facilmente descambar em formas mal direccionadas de erotismo sado-masoquista como o assédio e o estupro e até mesmo em patologia criminosa como é o caso da pedofilia. Com todas estas diferenças individuais que o caracterizam, o erotismo é a maior das democracias. No seu palco contracenam como actores tanto analfabetos como doutores, tanto operários como proprietários, tanto as prostitutas como os seus frequentadores, bastas vezes violando sem pudor as fronteiras historicamente urdidas pela luta de classes. A democracia do erotismo está também patente nas múltiplas formas pelas quais o ele se expressa. O erotismo atinge o clímax e torna-se arte nas páginas repetidamente folheadas do Kama Sutra. Mas podemos encontrar erotismo também na forma de escultura, de fotografia, de música, de dança, na forma de romance e na forma de poesia. Disse Anais Nin que: “O erotismo é uma das bases do conhecimento de nós próprios, tão indispensável como a poesia”. Vemos que se repete aqui o namoro que é reconhecido desde a antiguidade entre o erotismo e a poesia.A poesia é, sem dúvida, uma forma preferencial de expressão do erotismo. Só que é uma forma que precisa de ser desnudada. Porque a poesia é uma arte que se veste com o uso e o abuso de artimanhas literárias, como os eufemismos e as alegorias, as metáforas e as ironias, e tantas outras…

Para a compreender é preciso despi-la. É por isso que me sinto tentado a dizer que a poesia é sempre erótica! É preciso escalpelizar os poemas, palavra a palavra, imagem por imagem, revelando-lhes as subtilezas e nuances até que a essência do poema se liberte como a essência de um perfume quando se tira do frasco a tampa que nos priva de lhe desfrutar o odor, e ele se liberta, ficando a bailar ao som do ar até que nos embota os sentidos, nos atrofia a razão e nos submerge na paixão. Mas nem só de sexo vive o erotismo. Por isso, e passo a citar: “Do texto de Cezerilo avulta um Craveirinha, em cuja obra, amor e sensibilidade estão irremediavelmente ligados a um solo mítico, de onde emana o Desejo maior, sedento pela Mãe Terra, que se confunde, na modernidade, com a Nação. Desse modo, o estudo aponta para o erotismo de Craveirinha como símbolo de uma convivência inextinguível com os símbolos da Nação, o que acaba por ampliar os significados do conceito em três direções: erotismo como arma de combate social, tendo em vista que permite violar o outro (leia-se, o dominador, o colonizador); erotismo como nostalgia, que permite a transmissão da memória por meio da tradição oral; e erotismo como estética, que funciona como mecanismo de produção de linguagem poética.” Profª Drª Maria L. O. Fernandes, da UNESP/Araraquara, no Prefácio à obra “Erotismo como linguagem na poesia de José Craveirinha”, por Luís Cezerilo. Mas é preciso saber procurar os prazeres do erotismo, para sermos capazes de encontrá-los, para nós próprios, e para os partilharmos com outrem. Partilharmos esses momentos e partilharmo-nos a nós mesmos. Porque o prazer é algo que se quer partilhado. Mesmo quando a sós, para se conseguir prazer temos de rebuscar parceiros no litoral da nossa memória. Para sermos capazes de o fazer é preciso libertarmos as nossas mentes das grilhetas dos tabus com que a educação familiar, estatal e religiosa nos castram, transformando o erotismo e o acto sexual, que é seu parceiro natural, em acto insípido e insonso, quando não mesmo em fruto proibido do qual nos devemos envergonhar. Soltemo-nos e deixemos as nossas mentes vogarem livremente por entre os prazeres do erotismo. Disse Einstein: “A mente que se abre a uma nova ideia, jamais volta ao seu tamanho original”. Eu aplico: “A relação que se abra ao erotismo, jamais sucumbirá à rotina fatal”. Desnudem-se de preconceitos. Experimentem. Inventem. Ousem. E aprendam a encontrar o erotismo, depois, em todo o lado onde ele existe. E ele existe em todo o lado. Façam-no sem terem medo de pecar. Mesmo porque o erotismo é divino. Já em Génesis 2:25 se diz: “E ambos estavam nus, o homem e a mulher, e não se envergonhavam”. Nenhuma cultura ficou alheia a tal divindade, desde os sumérios aos etruscos, passando pelos vedas. E em todos os panteões existem inúmeros deuses ocupados nesta matéria, que vão desde a grega Afrodite, a Vénus romana, deusa do amor, da beleza e da sexualidade, a quem devemos a palavra “Afrodisíaco”, até ao romano Cupido, deus do amor, o Eros na mitologia grega, ao qual devemos a palavra “Erotismo”. Apetece-me mesmo dizer, como vejo certas seitas fazerem nas televisões: “Irmão, olhe com volúpia para a pessoa ao seu lado e veja o erotismo que dela emana. E diga-lhe: você é erótica”. E, depois de tão libidinoso pensamento, façam como aquela senhora que, antes de se entregar aos pecaminosos prazeres carnais, rogou: “Nossa Senhora, Vós que haveis concebido sem pecar, ajudai-me a pecar sem conceber”. Deixem-se seduzir e soltem-se das algemas que vos amarram ao espaldar da vossa vergonha.

(*) Extracto adaptado da intervenção de apresentação da obra “O EROTISMO COMO LINGUAGEM NA OBRA DE JOSÉ CRAVEIRINHA”, por LUÍS CEZERILO, Hotel Cardoso, 27 de Janeiro de 2010

10 | 26 de Outubro de 2012


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Entrevista

“Jamais fui leitor pra aprender alguma coisa”

A

lberto Lins Caldas é Mestre em História (UFPE) e Doutor em Geografia Humana (USP). Escritor, ensaísta e professor do Departamento de História da Universidade Federal de Rondônia-UFRO. Publicou os livros Oralidade, Texto e História (Loyola, São Paulo, 1999) e Nas Águas do Texto (2001) sobre História Oral; Litera Mundi (Edufro, Porto Velho, 2002) e Oligarquia das Letras (Terceira Margem, São Paulo, 2005) sobre literatura e literatura brasileira; Babel (Revan, Rio de Janeiro, 2001) e Gorgonas (Companhia Editora de Pernambuco, 2008) que são livros de contos, e Senhor Krauze (Revan, Rio de Janeiro, 2009) que é um romance. Colabora em várias revistas literárias e blogs de literatura e arte. É editor da revista on line Zona de Impacto, especializada em Teoria da História, Literatura, Filosofia, Educação e Arte.

11 | 17 de Agosto de 2012


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Entrevista Marcelo Ariel - Brasil

seus campos, onde qualquer “novidade” é apenas uma nova mentira.

(os inícios dos parágrafos foram mantidos em minúsculas como nas respostas e textos do autor)

1. O que significa para você ser um escritor em um país que vive em um abismo cultural e educacional, onde o analfabetismo total e o funcional são fatos consumados?

4. Qual é o centro para o qual converge seu trabalho literário? sempre parte de um enfrentamento do horror. e converge pra essa mesma ação. por isso não é mimética como toda a literatura brasileira.

absolutamente nada! não considero q ser analfabeto seja índice de nada negativo em si, mas sempre pro mundo do trabalho. ser alfabetizado sempre foi uma questão fundamental pros donos do trabalho, pros patrões, pra formação dos trabalhadores. quanto mais limpinhos (daí a medicina, a biologia), educadinhos (daí as pedagogias), alfabetizadinhos (todos os métodos do mundo), mais bem localizadinhos (daí todas as engenharias), mais dóceis, melhores trabalhadores. por isso essa não é uma questão minha, mas do estado, da nação, da indústria e suas funções.

é literatura contra a literatura brasileira e tudo q ela representa, contra todas as forças q sustentam ela e dela emanam. por isso é literatura sem centro e sem periferias. é jogo livre de forças contra o horror. um desmantelar as naturalizações e universalizações duma língua q não consegue soltar o colonizador, o patrão, o papa, o senhor das costas.

5. O que é a alma, para você?

também por isso não sou escritor. o escritor é mais um funcionário, mais um produtor de mercadoria fina pros letrados e pros senhores dos letrados (seja a igreja, seja o estado, seja o leitor). uma espécie de masturbação de luxo. não miro, não quero melhorar nenhum pais, nenhuma nação, nenhuma língua, nenhum povo: sou contra qualquer país, sou contra o brasil. também não vejo nenhum “abismo cultural”. esse abismo existe apenas para qualificar mais e melhor os servos pro trabalho. na vida as pontes são criadas e destruídas o tempo inteiro. não é o “abismo” q impede a leitura principalmente porq a leitura jamais foi “liberdadora”, mas tão somente mais um mecanismo de dominação, um agenciador de menores e um leão de chácara dos maiores. a literatura é uma arma provisória de enfrentamento do horror, desse horror da vida do trabalho.

2. Fale sobre seus livros e sobre a gênese de cada um deles? meus livros sempre foram o q denomino “enfrentamento do horror”. são armas de guerra contra a grande estrutura do horror (o país, a língua, o povo, o estado, a região, a religião, a escola...). e por ser uma mina múltipla, um vírus, uma arma contra algo eles nascem de um enfrentamento fora do tempo e do espaço: são vírus pra contaminarem fora desse momento e desse lugar: quem fica parado é poste. não me cabe fazer o papel de historiador, jornalista ou sociólogo. a literatura brasileira é perfeita nesse servilismo fundamental. quando é um enfrentamento não é jamais um documento, um índice, um sintoma, mas uma doença, uma insatisfação, um contra-lugar, um contra-tempo. como vão vivo nem viveria de literatura (capachos de poderes q camuflam sempre com uma escrita inocente), não preciso escrever pra leitores, pra editoras, pra livrarias. faço livros como quem cria contradições, cria nós, soltas bombras no meio da rua. qualquer coisa q pareça o contrário disso não é minha literatura. e em tudo o q exerço minha “visão de mundo” exerço como um deslocado, um ser estranho q vive pra minar o existente, o institucional, o estabelecido: jogo pra quebrar as regras, por não poder estar em outro lugar, outro tempo: aqui e agora é o campo e o momento da luta. por isso não pertenço a nenhum lugar, seja cidade, região, país ou mundo. escrevo como respiro: contra o horror.

Absolutamente nada! o corpo e seu momento é o que existe. O corpo e seus jogos de criação de si mesmo e do mundo. o corpo em suas forças, em seus afetos espinosianos, nietzschianos, deleuzianos. Alma é um dos conceitos metafísicos próprios dos valores estabelecidos. no meu campo de luta esse conceito é um dos meus inimigos.

6. E a vida? toda prática e toda teoria q tem a vida como princípio esconde um mecanismo simples: salvar vidas, conservar vidas, manter vidas, defender vidas: valorar a vida tem uma função estratégica e tática, serve pralguma coisa (antes de significar ele serve de algo, serve a algo: ele significa pra servir: é teórico pra ser prático): valorar positivamente e salvar pra trabalhar, se reproduzir, consumir, servir: a escravidão, a exploração, as produções: vida q não trabalha, não se reproduz, não consome, não serve, não é a vida defendida (ou é forçosamente defendida: por extrapolações forçadas: a significação, nesse momento, parece ser essencial: a teoria supera a prática, o sentimento supera o operacional) por medicinas, filosofias, morais, políticas, educações. toda vida perigosa pra manada não é respeitada, mas eliminada, torcida até servir, silenciada até aceitar. a máquina tribal (ocidentalidade) precisa apenas de vida dócil (ou vida indócil é gerada e insuflada por vários meios quando “necessário”, no mínimo pra ficar como “exército indócil de reserva”). a idéia vida é noção “nazista”, tipicamente cristãcapitalista: mantemos, cuidamos, protegemos, curamos, alimentamos, educamos – pra q isso produza as produções, produza os consumos, produza as reproduções, e sirva: a máquina tribal faz e “sempre” fez o elogio profundo da vida, a prática radical da vida, reflexão necessária da vida pra salvaguardar os poderes, as forças necessárias da máquina tribal.

3. O que você pensa a respeito dos prêmios literários e da política editorial? a literatura brasileira nasceu como “projeto imperial” e “projeto republicano”: é uma oligarquia de cento e cinqüenta anos, feita por letrados pra letrados, sempre dentro de cânones estatais, nacionalistas, regionais, localistas, mentindo sempre serem universais (q é o mesmo q ser europeu!). uma literatura capacho e mentirosa q nada enfrenta. não passa das letras dos agregados das casas grandes, dos comércios, das lojas do século xix. os “prêmios literários” são mentiras pra manter uma corrente de mentiras q faz parecer valer o valor, mas o q vale mesmo é a proximidade (com oligarcas, com grupos, com porções de poderes, com a norma, com as mercadorias). medem apenas os círculos de poder da oligarquia das letras (literatura brasileira, letrados). quanto a “política editorial” é o mesmo da literatura brasileira. a oligarquia das letras enquanto sistema q inclui todos os letrados como cães de guarda da língua, do estado, da história e da nação, só pode fazer uma “política” essencialmente anti-literária, isto é, a favor de uma literatura já estabelecida em todos os

7. Qual foi o primeiro livro lido por você que foi realmente decisivo ao ponto de modificar sua visão do mundo? não vejo nenhum livro com esse poder. o q pode é o enfrentamento contra os poderes e seus silenciamentos. os livros fazem parte do horror, são instrumentos do horror, repetições do horror. todos os livros q li faziam e fazem parte do meu enfrentamento contra o mundo, contra os outros, contra o horror. não sou nem jamais fui leitor pra aprender alguma coisa, mas pra discordar, discutir, avançar, ir sempre além do seu campo estacionário.

12 | 26 de Outubro 2012


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Entrevista

fragmentos sobre vida e morte alberto lins caldas

*

. não se nasce: nascer é discurso assumido por uma fala em busca de origem, de justificativa, sempre dentro de lógicas metafísicas, históricas, mitológicas, produtivas. nascer equivale ao “início do investimento”: a saco energético produtivo-reprodutivo “deu certo”: discurso q camufla os amarramentos q formam o saco de energias (o indivíduo, o sujeito, a besta de carga, o reprodutor, a pessoa, o eu, o produtor, o servo, o trabalhador) e suas funções, lugares, permissões, território, negações, participações e não participações, indentidades, sexos, cores, poderes, direitos, deveres, proibições, limites: a origem é a marca, a ferradura, o pertencimento. *. não se morre: o “ser-para-a-morte” de algumas filosofias, ou a morte como “conseqüência da vida”, a morte orgânica, morte cerebral, morte-em-vida, esconde q nenhum dos sacos de energia morre pra si: a morte não é jamais um “problema pessoal”: mas algo-tornado-pessoal, corporal. essa analogia com sacos de energia q apagam, morrem, ofusca q a morte não é “constitutiva” nem existente: pra existir o mundo (a máquina tribal universalizada e naturalizada) teria q “ser”, teria q ser natural, orgânico e, por extensão, histórico, temporal, social (et cetera), o q seria continuar transpondo as teoria, as interpretações, as justificativas, os mecanismos de poder, as camuflagens da máquina tribal, pra uma “existência”, tornando sua funcionalidade viciosa em “realidade”, em imediato: faz parte da máquina tribal criar e manter discursos sobre a morte não porq ela seja uma existência, um incômodo, uma lógica da vida, um fim da vida (estranhamente não é começo nem fim), mas porq assim se mantém a vida em sua operacionalidade (os imaginários da morte laboram ritualmente como verdades e realidades por serem úteis): o horror da morte garante a persistência de sacos de vida, a funcionalidade integrada e a realização das mais secretas coisas expostas da máquina tribal (típica “máquina de explosão”: não existe sem guerras, revoluções, revoltas, crises: o horror não é destacável ou superável): se vive apenas pra se produzir nas produções. morrer inter-fere as produções, a não ser q a morte seja requerida pra essas mesmas produções: não há liberdade nem pra se nascer nem pra morrer: não se escolhe nascer ou morrer: não há morte nem nascimento por acaso: ninguém faz falta nem falta. *. não se tem medo-de-morrer: se afastar da repetibilidade, dos rituais q criam o existente, o viver, o único viver, geram nos sacos de energia dores, terrores, depressões: não poderão mais continuar servindo, reproduzindo, formatando: temem q a fábrica feche, q o negócio desande (triste ilusão: o capital flui sem trabalhadores: sacos de energia murchos, secos, gastos, descartáveis, reciclados): mas a fábrica precisa desse medo, dessa angústia: tudo isso são energias necessárias: são seivas vitais da mesma maneira q todos os prazeres, felicidades, realizações. *. a formatação são forças ritualizadas, codificadas, em rede [q incidem profunda, minuciosa e laboriosamente sobre os devires q jorram em caos dos sacos de energia (filhotes)], q inscrevem o corpo [não sobre o corpo, q não nasce, não existe enquanto corpo, mas se fará entre esses poderes, essas forças formatadoras] e tornará esses devires caóticos em corpo, corpo orgânico, corpo social, corpo histórico, corpo político, corpo sexualizado, corpo protocolar: o corpo é o amarramento feliz das forças cruas dos devires caóticos por forças inscritivas, amarrativas, integrativas : criam o ser-social pras suas funções: como não há o corpo universal e natural, corpo é uma malha multidimensional de marcas, ferraduras, impressões, códigos, memórias q, depois de im-postas, se tornam autônomas, criam a autonomia re-querida, se auto-impondo enquanto máquina auto-regulada, q toma conta da sua vida (produz reproduz “sem ninguém mandar”): nascer e morrer faz parte das inscrições, discursos, marcas disso q é o corpo: ele é construído pra funcionar assim, pra crer no q deve crer: essas crenças são práticas, são forças integradas. *. toda prática e toda teoria q tem a vida como princípio esconde um mecanismo simples: salvar vidas, conservar vidas, manter vidas, defender vidas: valorar a vida tem uma função estratégica e tática, serve pralguma coisa (antes de significar ele serve de algo, serve a algo: ele significa pra servir: é teórico pra ser prático): valorar positivamente e salvar pra trabalhar, se reproduzir, consumir, servir: a escravidão, a exploração, as produções: vida q não trabalha, não se reproduz, não consome, não serve, não é a vida defendida (ou é forçosamente defendida: por extrapolações forçadas: a significação, nesse momento, parece ser essencial: a teoria supera a prática, o sentimento supera o operacional) por medicinas, filosofias, morais, políticas, educações. *. toda vida perigosa pra manada não é respeitada, mas eliminada, torcida até servir, silenciada até aceitar. a máquina tribal (ocidentalidade) precisa apenas de vida dócil (ou vida indócil é gerada e insuflada por vários meios quando “necessário”, no mínimo pra ficar como “exército indócil de reserva”). morrer, se matar, matar é um crime (mas profundamente re-querido e indispensável) por poder afetar, antes de tudo, as produções, os consumos, as servidões (mas jamais os afeta real e essencialmente): todas as razões religiosas, éticas, jurídicas, médicas, são apenas ofuscamentos da máquina tribal escondendo com filosofias, leis e religiões o inútil gasto, o desperdício (sempre assimilável, gerando depois sempre mais energia): a idéia vida é noção nazista, tipicamente cristã-capitalista: mantemos, cuidamos, protegemos, curamos, alimentamos, educamos – pra q isso produza as pro-

duções, produza os consumos, produza as reproduções, e sirva: a máquina tribal faz e “sempre” fez o elogio profundo da vida, a prática radical da vida, reflexão necessária da vida pra salvaguardar os poderes, as forças necessárias da máquina tribal: mesmo as mitologias da morte, os exemplos de sacrifício, o sofrimento, as punições são elementos da noção operativa de vida. *. até a morte, sendo sempre dominada, controlada, hierarquizada, disciplinada (assim como a vida, q não passa de formas de controle: e as formas de controle são as formas), faz parte da máquina tribal como mecanismo de controle, metabolismo, revigoramento, potência. e tudo q ronda a morte (como guerras, suicídios, misérias, explorações, genocídios, segregações), são partes constitutivas, imprescindíveis, da máquina tribal: é regendo a morte q a vida servil se torna o principal eixo de preocupação de práticas, de procedimentos, de produções, de teorizações: a vida é o saco de energia (individualizado) q possibilita todo o grande saco de energia (a máquina tribal) produzir as produções. *. o suporte fantasmático das idéias de natureza, deus, sociedade, homem, humanidade, educação, felicidade, prazer, liberdade, amor, desejo, relacionamentos, diálogo, justiça, consumo, história – é a vida como saco de forças protegido por tudo pra produzir, reproduzir e servir. tudo gira pra proteger, justificar, reproduzir, e esconder (numa repetibilidade nauseante e circular), as razões operacionais desse saco de energias pra esse grande saco de energias, q pode inclusive dispor de muitos desses pequenos sacos, sem afetar nada desse grande saco (o grande saco pode dispor eliminar, excluir, abandona, desviar, despojar, expulsar sem q isso inter-fira no seu funcionamento: esse funcionamento precisa, inclusive, de todas essas formas perversas, esquizóides, histéricas, narcísicas, anais, tornadas disfunções, desvios monstruosos: a máquina tribal secreta a normalidade). *. sobre a idéia de vida se construíram e se constroem, e se mantém todos os ofuscamentos (religiões, filosofias, ciências, sensos comuns): e dar “vida aos mortos” (o equivalente ao dar-vida, formando trabalhadores-reprodutores) também é re-querido pela máquina tribal: pra isso foram criados discursos, disciplinas, ciências de todos os tipos (memória, História, arquivo, tradição). *. os discursos pra manter a vida na “servidão medieval” eram insuficientes pro “mundo do capital”. os novos discursos, as novas práticas fundaram a vida em outros princípios, razões, interpretações e leis, mas a função continuou a mesma: garantir a atividade produtiva do saco de energia, agora saco orgânico, saco econômico, saco histórico, saco de força: interpretar é esconder, é pôr na ordem-doexistente (o imediato) o q se encontra apenas na ordem da teoria, e esconder isso: o teórico parece prático, mas só parece. *. os predadores fazem parte das manadas: não são espécies distintas e autônomas: o leão é uma forma de zebra, a anta é uma forma de onça, o capitalista é uma forma de operário, um latifundiário é uma forma de camponês: a máquina tribal gera o jogo perverso das várias formas como se fossem formas diferentes e faz a diferença se tornar tão diferente q além de parecer parece se tornar: e as dicotomias se aliam a outras forças q fazem a máquina tribal funcional. sem esses atritos parte das forças seriam comprometidas. *. a máquina tribal – sem dicotomias, colisões, embates, contestações, resistências, oposições, contradições múltiplas, crises, revoltas, revoluções, guerras, sem inimigos, sem alteridades internas e externas, sem marxismos, anarquismos, terrorismos, revoltas, discordâncias, emperramentos, exigências de todos os tipos, lutas diuturnas “contra o sistema” (sem uma tectônica dos elementos) – não “funciona bem” nem “evolui”, não desenferruja nem se azeita. todas as “alteridades ameaçadoras” são energias pra máquina tribal nesses últimos séculos: elas são criadas, reproduzidas, alimentadas, fortalecidas e incorporadas o tempo inteiro. *. o saco de energias q jorra dos corpos (saco de devires crus) é formatado por rituais, disciplinamentos, imaginários – quando essas forças disciplinares, esses poderes q dão sentido porq criaram o corpo e mantém o existente, desaparecem, deixam de significar, de poder, - ?q resta: sem um substrato natural, social, humano (metafísicas), existente sem essas forças formativas, sem esses poderes de crença e poder, sem essas forças criadoras do existente – !nada: antes, depois, dentro – se não somos mais do q o ser das forças q faz esse ser – as idéias forças q forçam isso a ser e continuar-sendo: essas funcionalidades tribais, esses jogos – sem origens e metas, sem razões – saco de energia formatado operacionalmente pra produzir produções, servir – onde toda liberdade, toda autonomia, toda vontade, toda consciência, todo saber, não passa de condições de operacionalidade, de organograma, pra máquina tribal – onde e quando nem se matar deixa de fazer parte – viver ou morrer, estar vivo ou morto, ter vivido ou não nascido – o imediato torna tudo um criar, descriar, profusão sem profundidade: onde qualquer “transvaloração de todos os valores”, qualquer “revolução social”, qualquer “comoção”, só consegue impor novos valores, novos arranjos, novos q são os mesmos (tudo muda pra continuar o mesmo) pra máquina tribal: qualquer revolução é apenas um ritual da máquina tribal: ilusão de devires.

13 | 26 de Outubro de 2012


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Poesia | RESTOS

Sabedoria Bukowskiana

Mathiyele da terra mãe Ana Maria de Mello - Moçambique

Xiguiana da Luz – Moçambique

Não me reconheço aqui deitado mergulhado em sangue seco entre pés e mãos! Rãs vibram por este manto é tudo um entulho de vidas escombros sobrados do vento que soprou e uma grande cova fez em mim levou homens e mulheres levou vidas e mortes ficaram lágrimas e dores angústias e outros desassossegos e eu, o sofredor merecido

Sid Summers - Brasil

Quando acordo Em quarto de motel barato Me dando conta Que gastei as economias do mês Em parcas horas De companhia comprada Percebo o quão é mais vantajoso financeiramente Ter uma boceta entre as penas Do que um caralho Por maior que ele seja.

- será ! Nas noites serenas Estava sentada sobre a lua Que em torno da escuridão E, no escutador emito o toar das ondas da minha “ZALALA” E eu, me estendo Sonho na sombra este coqueiro Que não dá mas sombreiras de dia e/ou de noite. La onde outros assíduos emigrantes Para o norte do país e não mais te lembram, Oh, minha “ZAMbZALAla”, Que me lembro, nos escrotos Num som e sorrisos e abraços! De viva vida (…)

Oração carnal

Poema Premiado na Itália (Prémio Nosside-2012 In “Noites e Ventos ou Inversos eus de mim” - Inédito

OLHO O CÉU Em que língua escrever

Odete Semedo - Guiné Bissau

Em que língua escrever. As declarações de amor? Em que língua cantar As histórias que ouvi contar? Em que língua escrever Contando os feitos das mulheres E dos homens do meu chão? Como falar dos velhos Das passadas e cantigas? Falarei em crioulo? Falarei em crioulo! Mas que sinais deixar Aos netos deste século? Ou terei que falar Nesta língua lusa E eu sem arte nem musa Mas assim terei palavras para deixar Aos herdeiros do nosso século Em crioulo gritarei A minha mensagem Que de boca em boca Fará a sua viagem Deixarei o recado Num pergaminho Nesta língua lusa Que mal entendo E ao longo dos séculos No caminho da vida Os netos e herdeiros Saberão quem fomos

Hirondina Joshua - Moçambique

Fátima Porto - Portugal

Aguardo serena Com saudades no coração Que a lua brilhe E traga a estrela mais linda Aquecer meu coração De desgosto Meu semblante triste Olha o céu Que te traga de regresso Até meus braços vazios Quero ver em ti Teu esplendor Que me faz viver E adormecer em sonhos Tua presença em mim Como o coração bate Na angústia da minh‟alma Nesta lonjura que aparta Todo um desejo que é nosso Mas será nas pequenas coisas da Vida Que encontraremos a Felicidade…

A partir de já vou rezar a tua religião. Vou me despir do meu mundo. Entregar-te freneticamente os meus instintos racionalmente irracionais. Não penses que farei de ti o meu deus. Não. Não penses. Vou rezar-te carnalmente. Selvaticamente. Jamais rezarei divinamente. Porque coisas divinas são coisas puras. E eu não... Não. Não quero pureza. Quero naufragar nos desejos mais ímpios , mais sórdidos , mais severos. Não me perder nem me encontrar no inconsciente do teu corpo. Quero me desesperar na fome sensual de te possuir , E desfalecer na tua alma explorada até a exaustão dos sentidos. Quero sim, rezar a tua religião. Contemplar-te eroticamente. Rogar os desejos nossos, mais infecundos e mais distantes, Expulsar todos os fantasmas do meu mundo desalmado E quase que infernal. Quero rezar-te. Rezar-te. Rezar-te.

14 | 26 de Outubro de 2012


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Poesia | Poema dos sóis laranjas

Monangamba

POEGRAFIAS Tesão Amosse Mucavele - Moçambique

À Suraya Tamele António Jacinto - Angola

Filinto Elísio - Cabo Verde

(Pôr do sol é um poema que se evade de quem o pensa) Em certas horas, o poema evade-se de quem o pensa e percorre-lhe poentes. Mau grado por espaços, vem ele metafórico (seu fonema) para os tempos. De a palavra ter-se ali, pela clausura dos versos, textual, mas incontido recluso, no só soletrar-se em fuga... Dela, mais que à coisa, o pousar, mesmo calada, seu vôo inteiro pelo vão seu tudo ladrilhado de mim em tanto espelho... Dela, que nem ao corpo, sua sintaxe, tanto que arde como que parte ou regressa, ultrapassa o sol de gatear semântica em gota de água... (Os poentes, seus cambares...ó cidade) Desgovernado, o poema é mais que procura, alucina pensá-lo em seu transbordar e sua loucura ensina poentes sem ambares azuis, nem sóis laranjas de certas horas...

Naquela roça grande não tem chuva é o suor do meu rosto que rega as plantações: Naquela roca grande tem café maduro e aquele vermelho-cereja são gotas do meu sangue feitas seiva.

Faço de mim um depósito de orgasmos sem idades, uma cidade que se ergue no átrio do tempo, traço na parede de um sentimento por uma mulher. Uma linha horizontal que se alonga até ao rio do meu prazer. Encontro nos afluentes do poço que cresce em posição vertical, o túnel para a minha bem adocicada ejaculação.

O café vai ser torrado pisado, torturado, vai ficar negro, negro da cor do contratado. Negro da cor do contratado!

POSTURA

Perguntem às aves que cantam, aos regatos de alegre serpentear e ao vento forte do sertão: Quem se levanta cedo? quem vai à tonga? Quem traz pela estrada longa a tipóia ou o cacho de dendém? Quem capina e em paga recebe desdém fuba podre, peixe podre, panos ruins, cinqüenta angolares "porrada se refilares"? Quem? Quem faz o milho crescer e os laranjais florescer - Quem? Quem dá dinheiro para o patrão comprar maquinas, carros, senhoras e cabeças de pretos para os motores? Quem faz o branco prosperar, ter barriga grande - ter dinheiro? - Quem? E as aves que cantam, os regatos de alegre serpentear e o vento forte do sertão responderão: - "Monangambééé..." Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras Deixem-me beber maruvo, maruvo e esquecer diluído nas minhas bebedeiras - "Monangambééé..."

Lopito Feijóo - Angola

Disseram-me que não mais são Desérticas as entranhas do vosso Kalahari que as belezas das dunas Namibenses haviam sido desvirginadas. Sobre… Tudo em razão do fluviométrico porvir. Tarde e Nunca sobram intensos motivos de poeira inoxidável. Disseram e dizem ser doirada a caneta com que se (d)escreve a rota nómada, do entardecer adulto, a costado entre a seca e o desespero mulher pífaro apurado que Deus seja contigo pois hora avante serás louvada!

15 | 26 de Outubro de 2012


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Conto CARTEIRA DE TRABALHO

E

ste conto trata de biopirataria e da relação do capitalismo com os povos indígenas que habitam os subúrbios operários de Manaus. A carteira de trabalho sintetiza esta relação no Brasil. Relata a história de um empresário da indústria farmacêutica querendo contratar um indígena Ticuna-Maguta para servir de informante sobre as plantas medicinais da Amazônia. Depois, seu objetivo era contrabandear, roubar sementes e lucrar com isto no mercado internacional. É um conto construído em diálogo direto, sem a presença do escritor. Apenas as personagens falam. Algumas palavras, como Japonês, são escritas para expressar o sotaque, o modo dos indígenas falarem a língua portuguesa. Ribemar Mitoso* - Brasil

(MAGUTA LENDO SEU CONTRATO NA CARTEIRA DE TRABALHO E COMENTANDO COM O PATRÃO)

MUJapunês !!!??? (Rindo) Não. Japunês não, patrão. Maguta. O resto tá certo, idade, tudo certo. Mas sou Maguta. PR-

O senhor lê português?

MUO português eu não leio não. Leio a língua do português e aqui ta escrito que eu sou japunês.

língua do inglês. É difícil um parente falar só uma língua... PR - (irônico e duvidando) Quer dizer que todos os seus parente , de Miami nos Estados Unidos à terra do fogo na Argentina , todos são poliglotas? MU – ( sem entender a palavra poliglota) Isso aí eu não sei não, patrão. Talvez... PR - Poliglota, seu Maguta, é a pessoa que entende várias línguas... UM - Então sim...

PRNão é a mesma coisa ? Vocês não vieram das ilhas Polinésias, entraram pelo Canadá, desceram pela costa atlântica das Américas e se instalaram na Amazônia?

PR- O senhor fala quantas línguas seu Maguta ?

MU-

O senhor falou muito rápido... não ouvi tudo...

PR - Uma o que ?

PR-

Deixe pra lá...

MU - Cambada, várias... Maguta, Nheengatu, a língua do português, do inglês, do francês ...uma cambada

MU- Se o patrão falar mais lento... PR-

Independente de ser japonês ou Maguta, o senhor sabe andar na mata?

MU- Nasci dentro dela né patrão, se não souber andar dentro de casa PR- O senhor consegue identificar cada árvore da sua floresta e saber a utilidade de cada uma delas? MU -

Árvore ?

PR -

Árvores . Árvores, seu Maguta, muitas árvores...

MU - Que que tem ? PR - Na minha casa sei onde está a comida e sei onde está o remédio. O senhor sabe, na floresta que diz ser sua casa, sabe qual árvore lhe alimenta e qual árvore lhe cura? MU – O patrão quer saber é ? PR - É

MU – Uma cambada

PR - Então o senhor entendeu o que eu disse ?! MU - O que que o senhor disse? PR-

( Aliviado) Deixe pra lá...

MU – Se eu sei qual árvore serve para alimento e qual árvore serve para remédio ? PR – Isso... ( aliviado ) MU- Açaí Foods e Andiroba Inc. Corporation ? PR- ( Assustado novamente com a possibilidade do Maguta ter lido nas entrelinhas os seus interesses econômicos ) Então o senhor entendeu ? MU- ( cara de leso e se fingindo de desentendido ) Ou entendi errado ou o senhor falou errada a língua do inglês. Açaí é comida sim, foods, mas Andiroba não é empresa, não é corporação. É uma resina , um mel medicinal, antinflamatório natural. Andiroba is honey.

MU - Como ?

PR- ( Desconfiado que o Maguta estava fingindo não ter percebido seus interesses econômicos nas plantas alimentícias e medicinais da floresta ) O senhor ta me sacaneando !!!

PR- Uma de cada uma. Uma, pelo menos uma, uma árvore com fruta que sirva para comer e outra árvore com fruta, casca, resina, folha ou raiz que sirva para curar...

MU – Muito obrigado, patrão.

MU - Açaí e Andiroba. Açaí para alimentar e andiroba para curar, serve ? PR- Açaí Foods and Andiroba INC. Corporation… hu! hu! MU - ( Irônico e desconfiado ) Entendo a língua do inglês também, patrão... PR - ( Assustado por imaginar que o Maguta tenha percebido seus interesses econômicos ) o senhor sabe ler inglês? MU - ( Responde afirmativamente com a cabeça ) PR – Aprendeu onde? MU - O inglês eu não sei ler não, patrão. Sei ler e ouvir very bad a língua do inglês. Quando o senhor falou sobre a minha origem, eu disse que não havia escutado, que o senhor falou rápido, mas o senhor quis deixar pra lá e não quis ouvir o que eu ia dizer. Não ouvi do Canadá para baixo. Do Canadá para cima, voltando até a Polinésia, eu entendi. Daí... PR -

E daí?

PR - Isso não é um elogio ! MU – Patrão, o senhor não está dizendo que estou lhe agradando? PR - Não, seu Maguta. Falei sacaneando, mas também deixe isso para lá... O senhor é mateiro, né? Sabe andar na mata e identificar o valor das árvores. Isso é o que importa para nossa empresa de medicamentos, é para isso que o senhor está sendo contratado... MU - Mas como Maguta, amazonense do rio Solimões, né ? PR- Seu Maguta, embora o senhor só tenha escutado a metade, o senhor disse que ouviu eu falar que seu povo veio da Ásia, da terra dos japoneses, chineses, filipinos... MU- Eles sabem andar na mata? Identificar árvores? PR – Aqui na Amazônia não... Devem saber lá na terra deles... MU - Mas então eles não são Maguta, nem eu Japunês... PR- Por que ?

MU - ( irônico ) Daí que deve ter sido com os parentes do Canadá que aprendi a

16| 26 de Outubro de 2012


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Conto

Conto contigo

MU- Porque eu não sei navegar no mar como os parentes de lá sabem. Mas eles não sabem andar na mata, pescar, caçar, moquear. A planta que cura, a raiz que alimenta, o sol que chove, a fruta da época, o ciclo das águas, nosso calendário vegetal. A Amazônia não é pra principiantes.

…puta da morte!

PR- Mas isso não é motivo para o senhor achar que é diferente do japonês e por isso é o dono da floresta MU- Eu nunca disse isso para o senhor. Até do igarapé Évore, onde Joí nos pescou, não disse que éramos os donos. Mas que lá Maguta nasceu e lá produz e lá mora, isso é o que é PR - Mas o senhor não mora mais lá. Mora na cidade, quer salário, luz, água encanada, roupa de branco ... o senhor não é mais índio, é caboclo... MU- O senhor que ta dizendo. O senhor deixaria que eu trabalhasse de tanga? PR- As moças vão querer namorar com o senhor, seu Maguta, mas é só por isso UM – Elas também podem vir sem roupa, nós moramos em Manaus, é muito calor. Mas por que é tão importante para o senhor que eu seja japonês ? PR – Importante ? MU- É. PR- Não, não..... MU- ... PR- Sou empresário, farmacêutico e botânico. Estou apenas lhe revelando os dados sobre a origem do homem, dados que a ciência comprova. MU- Por saber mais que eu minha própria verdade né ? PR – O senhor não sabe sua origem, não sabe de onde veio ? MU - O senhor... sabe de onde o senhor veio ? Mesmo sendo brasileiro, o senhor sabe de onde sua família veio? PR - Com esta pele branca e com estes olhos azuis, só pode ter vindo da europa...

Japone Arijuane - Moçambique

D

ez da noite, nada me ocorre, minha mente dorme, como trabalhador comum de tanto trabalhar!, dorme no turbilhão dos mesmos problemas. No exterior de mim o silêncio aguça-me a epiderme, e trilha o equilíbrio de uma agonia melancólica em ambos mundos. A vontade é de chorar, lamuriar, mas não é esse o caminho certo, aliás, não existe beatitude nestas condições!, ninguém e nada podeme ser tão útil, além de mim mesmo. O tempo passa e quando passa a vida é fútil. Olho o telefone, o maldito telefone. E lembro-me no que me disse a trinta minutos: filho… a avó morreu! – Avó mãe da minha mãe, como é hábito, as mães encarnamse nos filhos. A voz foi tenebrosa, já imagino em quais condições essa puta da morte deixou a velha, e como também sei no que deve estar a passar-se na mente da minha mãe! “A velha tinha de morrer mesmo hoje?, porá!”, – disse eu, sem usar a palavra. O curioso é que, quarenta minutos eu já há havia dito a mãe que a mãe dela, – a avó, já agora falecida avó, estava muito bem. - O que será de mim… quando a questão que não encontro a resposta minha mãe fazer? O que direi?, porá! … puta da morta! No maldito dia, dia três de Fevereiro, – lembro-me muito bem e satisfeito por uma lado; aceitei fazer uma visita médica à velha. O que me via a cabeça? Lamentava tanto, minha mãe, quando conversávamos. – Sua avó esta doente… peço para que vais faze-la uma visita e participa-nos no que podemos. Aceitei, envio-me os três mil meticais, os malditos três mil meticais. Pois, dói ver uma mãe triste, pior ainda quando uma parte desta tristeza um filho pode evitar. O dia era terça, dia de marcar no calendário, o dia em que o sol faz-nos um daqueles eloquente convite a cevada. E quando a cevada entra em jogo, elas jogam na linha da frente, e nesse jogo é mesmo sem regras; jogam com tudo e sem nada. Elas como estrelas, aparecem sempre que a noite dá azo a luz artificial, vem terrestres com asas para voar ao bolso. Umas, mais outra, logo depois inundações carnudas tomaram conta das ruas; contemplava-se a imundice carnal nas artérias, tantas e tantas cavidades corporais impostas a repetir o sim que o cifrão diz; dispostas a servirem-se aos carentes da noite. No meio destes convexos carnudos oiço em mim o eco da carência animal. Elas aí… mascaradas a mesmo carnaval, semi-nuas, bailando a música que toca a todos. Pois, as coisas mudaram, hoje não é só na tal rua Araújo, como dizia um tio meu, Rua delas. Hoje não só na actual rua do Bagamoio, elas voam em tudo que é esquina, abutres rapinando o metical; e os meus três mil não fugiram a regra!

MU- Não. Tanto o seu povo como o meu viemos todos da África. Todos, brancos, negros, indígenas, amarelos, pardos, mestiços, todos da África, todos descendentes dos cinco mil boxímores que saíram da África atrás de comida em outros lugares. É que o patrão só contou a metade da história. Das ilhas polinésias até a Argentina. Faltou contar o antes, da África até as ilhas polinésias, a parte da pré-história quando éramos todos iguais.

Quando a terceira carica foi a baixo, elas apareceram feitas moscas em fezes, grifos em carne fresca. A imagem da avó ficou embaciada; as carnes exibidas e servidas ao ar livre, criarão um efeito perfeito comum em homens feito eu. Quando uma delas disse: - não queres comer…? A voz da minha mãe ainda teimava em trilhar-me o tímpano, “Sua Avó esta doente… peço para que vais faze-la uma visita, e participamos no que podemos”. Para orgulho macho não pensei, nem uma e nem nunca, antes mesmo que morresse da tal fome!

PR – Quantas plantas você acha que podem me ser úteis ?

Ela era tudo, aparentemente paisagem virgem; com todo atractivo erótico, uma das sete maravilhas da baixa, ostentava frutos e curvas, nas quais perde-me e achei-me mais eu, mas eu… explorador nato! Eu de mãos nas duas bípedes papaias, descasquei-as e… com a mesma fome de soldado perdido no deserto devorei-as. Vasculhei o sítio todo, a melodia suave de gemidos aos chilreios, embalavam-me ao princípio da vida. Explorei tanto que me fartei logo no terceiro round, as forças, essas pareciam-me algo emprestado e que tive de devolve-las de imediato a um dono casmurro. Feito as contas, uma boa parte do guito, ela, levaria. Paguei sem reclamações, aliás, - o serviço quando é bem feito dói não pagar.

MU- ... PR – Quantas ?

(*)Escritor,Dramaturgo,Professor

da Universidade Federal do Amazonas, PósGraduado em Projetos Culturais (FGV), Especialista em Estética e Filosofia da Arte (USP) e Mestre MSC em Literatura Amazônica (UFAM). Como dramaturgo ganhou seis prêmios nacionais FUNARTE – MINISTÉRIO DA CULTURA DE TEATRO e é autor de cinco peças do teatro do indígena na cidade e no presente.São elas: Poronominari (prêmio FUNART- centenário do Teatro Amazonas -1996 e Prêmio FUNART-MINC de Circulação -2005) , A Saga Munduruku (Prêmio FUNART- MINC de circulação 2007), As Filhas de Yepá (2006), Furo de Olho (2006), além da parceria, como roteirista e diretor, artístico da peça A Casa dos Cinco Tempos, do Kumu Séribhi, Gabriel Gentil, sobre a história do povo Dasxé do alto Rio Negro. Como escritor, escreveu os livros de contos Contos Vagabundos (1990), Povo de Manaus , o camelô (1991) e o inédito Manaus INC. - Contos Amazônicos na Desglobalização. Escreveu ainda três livros de ensaios sobre o movimento artístico-cultural no Amazonas. São eles: Vozes da Lenda (1990), A Carta Doida (1996) e Os Artistas de Março (2006). Ex-Presidente do Sindicato dos Escritores(AM).

Não me arrependi como hoje também não me arrependo de ter feito tudo que fiz!, afinal o que nos é o dinheiro quando não usamos para nossa própria felicidade?, por mais que seja efémera, desde que estejamos felizes… o que o dinheiro a final? Nada! É essa mesmo nada de culpas que não sinto, se a velha morreu, morreu!, isto é curso lógico da vida. Mas mesmo assim, não se diz isso a uma mãe; essa não é justificação para uma mulher, muito menos ainda quando essa mulher é nossa mãe. O que faço… desligo o telelé?, ou desligo-me eu dele? - trim trim trim trim… - sim, mãe… -Sou sua mãe eu! -Sorry lá bro, que tal… como vai isso? É que estou apensar na velha. -Que tal?, vamos sair…? -Tenho infelicidades… -Qual é a cena? -Estas a ver minha avo que eu deveria visita-la… -Ya! - Morreu. -Caga-la para isso, onde é que entras?! Tchau. Onde que eu entro? Ele se soubesse… mas espera ai, onde que eu entro? E se eu morresse sem viver isto? …puta da morte!

17 | 26 de Outubro de 2012


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Debates e Reflexões

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE ______ MINISTÉRIO DA CULTURA Gabinete do Ministro

Comunicado de Imprensa INFORMAÇÃO SOBRE A REUNIÃO DOS MINISTROS DA CULTURA DO GRUPO DOS PAISES DE ÁFRICA, CARAÍBAS E PACÍFICO –ACP Realizou-se de 15 a 18 de Outubro de 2012, a 3ª Reunião dos Ministros da Cultura do Grupo dos países de África, Caraíbas e Pacifico – ACP, em Bruxelas Bélgica, sob lema "Não há Futuro sem Cultura". Moçambique fez-se representar por Ministro da Cultura, Armando Artur João. De 17 a 18 de Outubro, a reunião dos Ministros da Cultura foi antecedida por dois encontros técnicos dos países membros e reunião dos Embaixadores nos dias 15 e 16 de Outubro respectivamente. Assuntos abordados: Discussão sobre as necessidades culturais e prioridades dos Estados da ACP e perspectivas para a cooperação com a União Europeia; Balanço dos progressos realizados na implementação da Declaração e Plano de Acção de Dakar de (2003) e a Resolução de Santo Domingo (2006); Análise do impacto e avaliação de resultados do programa de apoio ao sector cultural nos países ACP (ACP filmes e outras actividades); Novas propostas de programas e suportes financeiros culturais dos países membros da ACP. A reunião produziu a seguinte resolução Necessidade dos estados membros ratificar e assinarem a Convenção da UNESCO de (2005) sobre a Promoção e Protecção da diversidade e expressões culturais, a Convenção de (2003) sobre a Salvaguarda do património imaterial ou intangível, Convenção de (2001) sobre o património sub aquático, Convenção de (1972) sobre a Protecção do Património mundial cultural e natural, Convenção de (1990) sobre a proibição e prevenção da importação e exportação ilícita de bens culturais, convenção (1952) sobre a protecção dos direitos autorais, entre outras convenções; Estabelecer um calendário regular de encontros dos Ministros da Cultura da ACP. Em relação a este assunto, a reunião decidiu que os encontros dos Ministros da Cultura, passarão a realizar-se de dois em dois anos; Manter a cooperação entre ACP e a União Europeia e outros organismos internacionais, tais como a UNESCO para a materialização e continuidade dos projectos da Cultura, rumo ao desenvolvimento do milénio (agenda 2015); Desenvolver políticas nacionais, regionais para promover a diversidade cultural dos países da ACP; Envidar esforços junto das autoridades governamentais de cada país, sobre a necessidade de financiar e potenciar o sector da Cultura, tendo em conta que este contribui para o desenvolvimento do país e da sociedade; Encorajar as iniciativas empreendedoras e criativas dos artistas e fazedores da cultura; Disseminar e publicar estudos sobre a contribuição económica do sector da cultura; Encorajar os governos sobre a necessidade de facilitação de vistos aos fazedores da cultura que participam nos grandes eventos da ACP e redução de taxas de importação e exportação de bens culturais; Encorajar os governos na luta contra a pirataria e direitos do autor; Recomendou-se que os festivais culturais da ACP, realizar-se-ão de dois em dois anos. E o próximo decorrera em Cabo-Verde, em Dezembro de 2013, com suporte financeiro da ACP; A ACP financiará aos Ministérios da Cultura, projectos de impacto para o desenvolvimento das indústrias culturais, desde que sejam bem elaborados; Por último a reunião terminou com uma monção de censura pela destruição do património mundial da UNESCO no Mali. Maputo, aos 23 de Outubro de 2012

18 | 26 de Outubro de 2012


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Outras artes | Cinema

Ganga Bruta: A Obra-Prima de Humberto Mauro Guido Bilharinho - Brasil

S

construções artísticas ficcionais e estar-se-á enunciando verdade axiomática. Todavia, em poucas obras consegue-se imantar, articular

e de filme para filme amplia-se e

e conduzir seus componentes

solidifica-se o domínio de Humberto

com a argúcia e a pragmática

Mauro (Volta Grande/MG, 1897-1983) sobre o

demonstradas

entender e o fazer cinematográfico, em Ganga

Bruta, mormente a partir de

Bruta (1932) esse aprimoramento atinge sua

elementos triviais, dos quais

plenitude, revelando cineasta perfeitamente

se extrai a natureza íntima,

consciente do fenômeno cinematográfico.

imprimindo-lhe

À semelhança de Machado de Assis, não é só

concomitantemente

sob o aspecto técnico-formal - e nem poderia

estética, que a transmuda,

sê-lo sob pena de não se perfazer - que abarca

valoriza e universaliza.

os

Tirante

recursos

mecânicos

da

câmera,

a

em

Ganga

beleza

algumas

cenas

elaboração estética da imagem e a percepção

cinematograficamente

das possibilidades oferecidas pela montagem,

expressivas, o filme é um

que

continuum

Mauro

constante

apresenta

até

alcançar

aperfeiçoamento o

clímax

desse

de

pouco

sofisticadas

construções imagéticas,

em

processo.

que se fundem o olhar (as

Essa trajetória ascensional também ocorre na

possibilidades fotográficas e

compreensão da natureza humana e na

angulares da câmera) e a

filigranagem

imagem dele resultante.

significativa

de

suas

manifestações e no conteúdo e modos do inter-

Esse olhar ultrapassa a direta

relacionamento entre os indivíduos.

(e

Como sua temática essencial (e única) centra-

visualização da matéria que

se até então em torno do relacionamento

enfoca

amoroso de personagens na faixa etária de sua

simultaneamente

eclosão

(e

apresenta em sua solidez e

especial) modo de união entre as pessoas é

concretude e também - e, no

não só revelado em algumas de suas variações

caso, principalmente - em sua

como, principalmente, mais aprofundado e até

beleza,

mesmo tragicizado.

imperceptível

A linha evolutiva do conhecimento e das

meramente

concepções

orgânica.

e

resolução,

de

caracteriza-se,

esse

Mauro

pois,

por

específico

sobre

o

enfeixar

mundo todo

o complexo

altamente para

quase à

complexa) mostrá-la como

se

sempre verificação

mecânica

e/ou

fílmico-ficcional,

Ganga Bruta é, pois, resultante da observação e percepção de estético e

conquanto, como acontece com qualquer outro criador, balizada e

dialético olhar do artista no processamento da transfusão de matéria e ideia,

condicionada pelos elementos culturais (em seu amplo e abrangente sentido),

ação e contemplação, visão e beleza.

temporais e espaciais, que informam e moldam seu entendimento das coisas

Suas imagens mais elaboradas e a sutileza relacional que estabelece entre os

e do mundo.

protagonistas, notadamente na série (e variabilidade) expressional da heroína,

Em Ganga Bruta, como nos filmes que o antecedem, também surgem

antecedem os grandes cineastas europeus dos anos cinquenta que dilataram

obstáculos ao comércio sentimental,

seu alcance e profundidade.

interrompendo sua espontânea

manifestação. Contudo, a diferença é não só de natureza como de

As cenas iniciais do filme transcorridas no âmbito do palacete residencial, palco

intensidade e gravidade. Por primeiro, esse óbice é íntimo num dos parceiros,

da tragédia, por sua vez antecipam (e são de igual nível) às de Orson Welles

traumatizado por anterior comoção.

nove anos depois, em Soberba (The Magnificent Ambersons, EE.UU., 1942).

Essa tecla é trabalhada pelo cineasta tanto ao nível do significante quanto do significado, do conteúdo e sua exteriorização, quanto do modo de conduzi-los

(do livro Seis Cineastas Brasileiros editado pelo Instituto

narrativa e imageticamente.

Triangulino

As notas, soantes e dissonantes, e a tessitura relacional daí decorrentes

www.institutotriangulino.wordpress.com)

constroem-se e fluem sob condução segura e visualmente requintada.

Foto da capa do livro em anexo.

A imagem cinematográfica e sua montagem atingem sofisticada elaboração estética e perfeita concatenação dialética, em que a ação provoca não simples reações, mas, consequências que se articulam num encadeamento

de

Cultura

em

2012-

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba/Brasil e editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000, sendo ainda autor de livros de literatura, cinema e história regional e nacional.

ininterrupto. Pode-se afirmar que isso é o que normal e naturalmente deve ocorrer nas

(Publicação autorizada pelo autor) 19 | 26 de Outubro de 2012


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Ensaio

“Minuete do senhor de meia idade”: um “Apontamento”, ou o que já estava escrito¹ Maria Elvira Brito Campos - UFPI2

Para Benilde Justo Caniato [...] existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa. W. Benjamin3

C

ompreendendo o Existencialismo como corrente que conflui nas limitações do homem no excesso de si mesmo, como nascer e morrer, e que penetra os sentimentos, angústias, preocupações e descobertas desse mesmo homem, este estudo se ocupa em delimitar o caráter Existencialista na crônica “Minuete do senhor de meia-idade”, de António Lobo Antunes, e no poema “Apontamento”, de Fernando Pessoa, 4 escritores não contemporâneos entre si, mas que, embora afastados fisicamente por um largo período dentro de um mesmo século, dialogam tematicamente e apresentam proposições existenciais que dão visibilidade ao encontro do narrador e/ou do eu lírico consigo mesmos, delineando questões ontológicas e possibilitando reflexões acerca da densidade das paisagens psicológicas que a corrente existencialista nos permite observar. Enternece-nos, sobremaneira, a escrita labiríntica do escritor português António Lobo Antunes, principalmente quando esta nos permite circunscrever a substância existencialista na sua narrativa em meio às várias camadas que a estrutura espácio -temporal nos permite conhecer: e é nessa viagem pelo tempo e espaço que desvendamos o que há-de ser considerado como a condição humana. Da mesma maneira também nos enternece e assombra a poesia de Fernando Pessoa, e neste caso a concebida pelo heterônimo Álvaro de Campos, em seu pendor pela subjetividade e desvendamento da existência humana. Se o termo Existencialismo se consubstanciou após a morte de Fernando Pessoa, imaginemo-lo ontologicamente ensaiado pelo poeta num período de transição na Literatura Portuguesa, como o foi a passagem do séc. XIX para o XX, quando o termo ainda não havia sido definido. E se dissemos que a poesia pessoana nos “assombra”, é que aqui tentamos referir o estrondoso e indefinido sentimento que nos acolhe a nós mesmos, traduzidos pela sua escrita. O diálogo entre os textos “Minuete do senhor de meia idade” e “Apontamento” 5 nos surpreende por sua evidente confluência temática; no primeiro, temos como início a expressão alegórica “a vida é uma pilha de pratos a caírem no chão” (200?, p. 85), o que já havia sido anunciado em “Apontamento”, no início do século XX, pelo heterónimo pessoano (190?, p. ?): A minha alma partiu-se como um vaso vazio. Caiu pela escada excessivamente abaixo. Caiu das mãos da criada descuidada. Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Tema recorrente na Literatura e Filosofia, a fragmentação do ser e o que dele sobra, nos angustia desde a antiguidade. Lembremo-nos da admoestação socrática de que “uma vida sem exame não merece ser vivida”6, convite tão contemporâneo porquanto marca a necessidade de se encontrar um sentido para a própria vida, ou mesmo no cogito cartesiano e em seu contemporâneo, Pascal. No cogito - “penso, logo existo” - a precedência da essência sobre a existência abre as portas para uma reflexão que leva o homem a reconhecer todo o peso de sua subjetividade e as consequências que disto advêm. Como corolário desta afirmação, ratifica-se a angústia do viver atordoado por expectativas sobre a vida e o que dela pode ser feito. Contudo, o peso ontológico que recairá sobre a existência, com a densidade que a filosofia contemporânea aportarlhe-á, marcadamente a partir de Kierkegaard, torna ainda mais evidentes essas inquietações que marcam de modo especialmente expressivo a obra dos autores em questão. Segundo Massaud Moisés, em seu Dicionário de Termos Literários (2004), na perspectiva filosófica, e de modo genérico, a filosofia da existência, ou seja, a especulação voltada para a determinação do ser, remonta à Antiguidade grego-latina: vem-se constituindo desde Aristóteles, uma tradição de pensamento ontológico, dirigido para a essência do indivíduo (p.178).

Dessa forma, materializada em “louça”, vemos nos dois textos uma alegoria7 da fragilidade e efemeridade que a vida nos propõe. Aqui determinamos o cerne do nosso estudo, em cujo título estendemos ao “que já estava escrito”, apontando para questões filosóficas acerca da finitude e da fragmentação do ser, cuja continuidade reflexiva é ilustrada na epígrafe: “[...] existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa”, usada por Benjamin em suas Teses para definição do conceito de História, e que aqui nos apropriamos para enfatizar o moto continuum, o eterno retorno, os movimentos temporais e espaciais que nas obras nos conduzem ao ontológico: a existência que precede a essência expressa numa figurativa louça que se estilhaça. Com absurda lucidez, os dois textos revelam um “eu” que está à espreita, confor-

mado na consciência de um narrador que se desdobra em duas instâncias narrativas (crônica e poema), quando ambos revelam o que veem dentro e fora de si, e que têm absoluta consciência do nada que os espera. Se a psicanálise freudiana revelou que a personalidade tem um duplo, o consciente e o inconsciente, estes são vistos aqui sem adentrar tal ciência, mas apenas com um olhar de relance sobre um narrador que se desdobra e um “eu lírico” que viaja por si mesmo, em digressões temporais e espaciais. Nas duas obras estudadas, a alegoria simbolizada pelo objeto - prato, louça -, reforça a representação do passado, do que se foi, do tempo perdido, ou mesmo da saudade de um “eu” que fora o que não sabe ao certo se o quisera. Um “eu” guardado e resumido em pires ou em caco, mas que reside na consciência do narrador, sabedor de que há um tu que também está à espreita. A crônica “Minuete do senhor de meia idade” apresenta um resgate da vida, em flash-backs. Uma constante simetria entre a vida que é e a vida que foi, a vida em mão dupla, as reminiscências do passado e a consciência da morte, - a louça partida. A existência é marcada temporalmente: “O único pires completo sou eu de bicicleta a voltar para casa/ mas não me lembro da casa”[...] “o único pires completo é ter cinquenta anos e tanta coisa quebrada à volta” (p. 86). Cruzam-se existência e essência. O deslocamento do foco narrativo permite-nos captar uma realidade em camadas forjadas pela representação espácio-temporal. Maria Alzira Barahona8 (1968, p. 13), numa reflexão acerca do romance contemporâneo, há de nos permitir aqui o empréstimo do que para nós também conforma o gênero crônica: Essas „várias espessuras‟ só se definem em função da temporalidade intrínseca do ser humano que, existindo no presente, se manifesta dialecticamente entre a significação de um passado e a aquisição de um devir. (...) por isso, a duração romanesca aparece-nos, no romance moderno, não instalada, feita de incidências entre os vários planos temporais experimentados pela consciência da personagem, com uma dimensão múltipla e um carácter essencialmente aberto.

Ao considerarmos a expressão do tempo na crônica em estudo, faz-se importante elucidar as pistas que o “eu” que espreita o narrador/personagem nos aponta, nos remetendo, por vezes, a um dèja vu proustiano, seguindo o exemplo do conhecido episódio da madeleine: a rememoração de um fato aparentemente isolado no passado serve de mote para uma reflexão acerca do presente. Buscar o “tempo perdido” significa também reelaborar conteúdos mentais à luz de uma nova visada daquilo que se escolheu e daquilo com que se tem de lidar a partir dessas eleições. Assim, constrói-se/reconstrói-se toda uma história de vida que passa a ter sentido em si mesma a partir de uma ressignificação de seus conteúdos, tanto os imediatamente aparentes quanto os mediatamente pensados. Apontando para os três pilares ontológicos postulados por Sartre, “o ser em-si”, “o ser para-si” e o “ser para-o-outro”9, detectamos nos dois textos um enfrentamento do “eu” como conseqüência das escolhas feitas por esse mesmo “eu”. Ambos intoduzem um “tu” que aparentemente os desresponsabiliza pelos seus atos. O narrador “antuniano” anuncia a sua “angústia” por meio da intrusão desse “tu” que, pelo simples fato de existir, revela ao narrador a sua existência, por terse (o narrador) como espelhar. E esse narrador ensimesmado parece não ter a

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Ensaio percepção das suas escolhas, da liberdade que a todos é dada. O processo de responsabilidade advindo das escolhas faz com que o “eu” lance ao “outro” o “si que deixo”: (...) o único pires completo és tu -E agora? Aposto que de mãos na cintura à entrada da porta a abanares a cabeça para a minha vida no chão, a designares-me com a biqueira um pedaço de casca que não vi, a empurrares-me com o cabo da vassoura -Chega-te para lá E a despejares o meu passado inteiro no lixo(...) (p. 86)

Em “Minuete do senhor de meia idade” Lobo Antunes nos apresenta uma crónica jorrada sob fluxo de consciência, cujo percurso são os dias passados, dias perdidos, dias presentes, e onde se lê memória e reflexão. O narrador nos conta a história da qual participa enquanto personagem, narrativa marcada pela sua proximidade com o mundo narrado em primeira pessoa, o que revela fatos e situações que um narrador de fora não poderia conhecer. Ao mesmo tempo essa mesma proximidade faz com que a narrativa seja parcial, impregnada pelo ponto de vista do narrador. Assim, em “Apontamento”, o “outro” é o “eu” sartreanamente pensando no emsipara-si, quando este se torna uma existência capaz de pensar-se a si mesmo. A responsabilidade, embora jogada no partir-se pela mão da criada, apresenta o momento do desabrochar da consciência, da percepção da finitude: Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu. Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir (...) Não se zanguem com ela. São tolerantes com ela. O que era eu um vaso vazio? (...) Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada. (...) Olham os cacos absurdamente conscientes, Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles. (...) Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros. A minha obra? A minha alma principal? A minha vida? Um caco. E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

Em O Existencialismo é um humanismo (1970), Sartre afirma que “o homem é, antes de mais nada, algo que se projeta em direção ao futuro e ciente que está fazendo isso” (p. 28), e se, como assinala o mesmo autor, o homem está condenado à liberdade10, temos nas obras citadas um exercício da consciência, em meio às turbulências que os desvios podem trazer. Em “Apontamento”, a sinceridade confessa impõe, todavia, a consciência do duplo no sujeito lírico, determinando a perda de si mesmo, já antecipada pelos “cacos absurdamente conscientes”. O sujeito lírico reconhece o seu duplo perdido: sua alma que morreu antes do corpo. O embate entre a liberdade possível e a escolha em ser livre está refletido nos dois textos, onde encontramos o que Sartre circunscreve como o estágio do para -si, numa reflexão sobre o que ele considerou como aquilo que é livre. Assim, “o para-si é essencialmente livre e é uma condição necessária de sua existência o fato de não ser livre para deixar de ser livre” (COX, 2007, p. 90). Ou seja, como Sartre o disse, o homem está condenado a ser livre, mas isso impele esse mesmo homem a ser responsável por suas escolhas, até mesmo a não-escolha uma vez que é também uma forma de liberdade. Essa reflexão nos aponta ao que vemos nos textos, por tratarem de rememorações do que não foi feito, saudade do não vivido, exemplos de escolhas e não escolhas: “Não escolher é, na realidade, escolher não escolher” (COX, p. 90). Seria, a priori, redutor, sujeitar o homem às suas vontades e escolhas, em detrimento do factível, do enfrentamento do outro, do mundo que cerca esse ser-emsi, vendo o factível também como o imponderável, o inexorável. Para Sartre, em O Existencialismo é um humanismo (1970), a facticidade é o coeficiente da adversidade das coisas, ou seja, os extravios, embaraços, obstáculos. Em “Minuete a um senhor de meia-idade” o narrador/protagonista nos apresenta relevante número de situações que sugerem o embate entre o factível e o para-si, o que gerou escolhas e transcendência dos obstáculos. Em “Apontamento”, entretanto, o eu-poético fez “barulho na queda como um vaso que se partia”, e questiona a sua existência: “O que era eu um vaso vazio?” Heterônimo engenheiro que emerge sensacionista, futurista e interseccionista, Álvaro de Campos é a ficção que nos exemplifica o “ser lançado no mundo sem que o tivesse escolhido”, conceito disposto por Heidegger acerca do homem, numa de suas teses que viriam a constituir o existencialismo. Se toda consciência é consciência de alguma coisa, o poeta nos apresenta o seu “eu à espreita” sob forma de deuses que o observam, num encontro entre o fenômeno e a consciência, a louça e a sua vida, a sua obra e um caco: “E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali”. A imagem alegórica dos cacos nos remete à falta de unidade, ao não reconhecimento em si de uma essência do ser-em-si. Aqueles, os cacos, apesar de conscientes de si mesmos, categoria do para-si, não mostram a consciência de um

conjunto, categoria do para-o-outro, noções que circunscrevem a dimensão do humano. Para expressar o sem-sentido de sua existência, o poeta finaliza o poema registrando a indiferença dos deuses mediante o caco no tapete, uma pobre representação de uma obra, de uma alma, de uma vida. A circunscrição do existencialismo a partir da visada da fragmentação do ser, inicialmente citado, nos apresenta o processo de multiplicação do eu que narra, na crônica “Minuete do senhor de meia-idade”, cujo narrador se desdobra não somente no tempo e no espaço, como também enquanto louça partida, assim como no pessoano Apontamento, quando o eu-lírico se despedaça como um vaso que cai das mãos da criada, porém sendo observado por deuses. O minuete, enquanto dança executada em compasso três por quatro, permite o movimento do senhor de meia idade que perpassa os estágios ontológicos existencialistas, aportando na angústia gerada por suas escolhas. Do mesmo modo, o eu-lírico pessoano, despedaçado, procura-se a si mesmo num caco brilhante, ou num “apontamento”.

NOTAS Texto originalmente apresentado no XXII Congresso da ABRAPLIP 2010 e publicado na Revista Via Atlântica n° 15, referente ao ano de 2009, FFLCH – USP – ISSN 15165159. 2 Professora Adjunta da Universidade Federal do Piauí. 3 Reflexão feita por BENJAMIN, na obra. "Sobre o conceito da História". In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Obras escolhidas,1). 4 O presente artigo constitui um desdobramento do nosso projeto de pesquisa intitulado Do Existencialismo na Literatura Portuguesa contemporânea: uma leitura inicial, cadastrado no CNPq pelo Grupo de Estudos de Literatura Portuguesa Contemporânea – GELPC - UFPI. A referida pesquisa trata da investigação acerca do que ficou como resquício do Existencialismo como o disse Sartre e seus pares, na escrita de alguns autores surgidos nas últimas décadas do século XX e início do XXI, os quais retratam a problematização do homem e do estar-no-mundo, tema que emerge desde sempre e que, no caso da Literatura Portuguesa, se consubstanciou na produção romanesca de autores como Vergílio Ferreira e José Cardoso Pires. 5 O poema "Apontamento", da autoria do heterónimo Álvaro de Campos, é um poema sem data, mas que foi publicado em vida por Fernando Pessoa, mais precisamente no n.º 20 da revista Presença, em 1929. 6 Cf. Platão. Apologia, 38ª 7 Etimologicamente, a alegoria consiste num discurso que faz entender outro, numa linguagem que oculta outra(...) Podemos considerar alegoria toda concretização, por meio de imagens, figuras e de pessoas, de idéias ou entidades abstratas. O aspecto material funcionaria como disfarce, dissimulação ou revestimento do aspecto moral, real ou ficional. (MOISÉS, 1895, p. 15) 8 Publicações do Centro de Estudos Filológicos – Para um Estudos da Expressão do Tempo no Romance Português Contemporâneo. Lisboa, 1968. 9 Sartre distingue, em L’Être ET Le Néant, três níveis de existência que balizam seu “itinerário ontológico”: o em-si, o para-si e o para-outrem. Existir, para Sartre, é ter consciência dessa “existência”, de um ser “existente”. Sem consciência, não há existência propriamente dita. O “para-si” designa ao mesmo tempo a consciência de si, a consciência pura e a consciência de alguma coisa. (...) “O para-si” se opõe ao “em-si” como o homem às coisas, o ser aos objetos, a reflexão à materialidade. Existir “em-si”, para o homem, é viver privado de consciência, sem interioridade (...), como puro objeto. O “para-si” é um sujeito; o “em-si” não o é. Desta elaboração inicial, tem-se a expansão desta consciência em-si-para-si para a exterioridade de si mesma, no encontro com o outro. Alcança-se o momento em que surge a terceira categoria: para-outrem. É nela que se estabelecem as possibilidades infinitas de uma compreensão de que todos os atos humanos, embora individualmente dados como fatos, são, na verdade, atos de toda a humanidade. HUISMAN, Denis. História do existencialismo. Bauru/SP: EDUSC, 2001, p.129 e 130). 10 A existência humana se confunde para Sartre com a liberdade: “Estou condenado a ser livre”. Essa liberdade é total, sem limite, sem condição (...). O engajamento ao qual Sartre se apegava tanto, a escolha que se impõe a todo momento em nossa vida fazem da liberdade o próprio critério da existência”. HUISMAN, Denis. História do existencialismo. Bauru/SP: EDUSC, 2001. 1

REFERÊNCIAS ANTUNES, António Lobo. Segundo livro de crônicas. Lisboa: Dom Quixote, 2002. BENJAMIN, Walter. "Sobre o conceito da História". In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Obras escolhidas, 1). COX, Gary. Compreender Sartre. Petrópolis: Editora Vozes, 2006. HUISMAN, Denis. História do existencialismo. Bauru/SP: EDUSC, 2001. JOLIVET, Régis. As Doutrinas Existencialistas. Porto: Livraria Tavares, 1961. LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo (ou A polêmica em torno da ilusão). São Paulo: ática, 1985. Série Princípios. (p. 25-70) MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Cultrix,2004, p. 15. PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986. SARTRE, Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. Tradução e notas de Vergílio Ferreira. Lisboa: Editorial Presença, 1970.

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Ideias Finais

Retalhos

Croniconto O curandeiro sensato

A morte de Eu

Dany Wambire - Moçambique

A

ntes de aqui, em Fim-de-Mundo, fixarem o hospital periférico local e pequenos centros de saúde, os curandeiros dominavam tudo e todos. Grande parte das doenças era nossa. Entre nós circulavam enfermidades e calamidades. Cada feiticeiro edificava obras de feitiçaria em pessoas desprotegidas tradicionalmente. Mas havia outros feiticeiros, que destruíam tais obras, devolvendo a normalidade às coisas. No entanto, houve antes, curandeiros – pessoas que estavam preocupadas com o bem-estar dos molestados. Umas andavam a desactivar feitiços, bem como aplicar certas raízes de plantas aos doentes. E eram esses nyangas que elevavam o nome de Fim-de-Mundo além fronteira. Convidavam implicitamente doentes doutras margens para aqui serem curados. Aliás, eram os próprios doentes que propagandeavam, depois de livrados dos infortúnios. ― Em Fim-de-Mundo, há bons curandeiros. ― Há curandeiros ou feiticeiros? ― Há feiticeiros, mas curam verdadeiramente, são os curandeiros. Ultimamente, havia grande acorrência de infortunados. Todos vinham de todos pontos de orientação: Norte, Sul, Este e Oeste. Um deles chamava-se Coraújo Edmundo. Esse Coraújo e os seus detestavam hospitais e enfermeiros. Todas doenças eram eliminadas nos curandeiros. Até que isso bem acontecia e bem era recomendado no passado, antes de existirem nyangas falsos. Mas no actual momento, a intenção era extemporânea. Até já dizia-se: ― Aqui em Fim-de-Mundo existem nyangas empreendedores. Os fim-de-mundenses chamavam nyangas empreendedores a todos aqueles que não tinham sido dados o dom de curar pessoas. E eram esses, na sua minoria, que iam colocando panfletos por todos cantos de Fim-de-Mundo, anunciando os seus serviços, nos locais de chegada. ― Aqui vive um curandeiro proveniente de Fim-de-Mundo. Trata de doenças intratáveis e cura as incuráveis. E lá fora, Coraújo já tinha passado por todos estes medíocres nyangas. Agora estava em Fim-de-Mundo a tentar outra sorte. Como antes aconselharam-no. Os familiares disseram-no que em Fim-de-Mundo residiam os melhores curandeiros do País. Chegaram a casa do primeiro. Este, mal viu seu quintal povoado de carros de luxo, acelerou atendimento. Provavelmente endinheirados eram os ocupantes daquelas mais de duas duras viaturas. Pôs-se em transe para ludibriar os coitados, sem antes se informar da apoquentação dos presentes. E depois aplicou os seus intratamentos. Com efeito, a doente registou pioras. De mais um charlatão se tratava. Tiveram que abandoná-lo, procurando por outro que melhor pudesse mediar conflitos espirituais ou aplicar quaisquer poções de raízes de plantas com poder de cura. Foram à casa de mais um. Este era menos astucioso que o primeiro. Até fingia fazer bem algumas coisas. Só foi abandonado porque não se queria curandeiro de menor ou maior proporção. Se era astucioso, então, tinha direito a abandono. Astúcia não se quer muita: basta ter pouca para haver adjectivação de alguém. Foi-se à casa do terceiro, enquanto o doente estava mais à beira da morte. Mas foi esse nyanga que alertou-os do perigo, quando ele atentamente observou a manifestação da doença do infeliz. E concluiu que a doença podia ser tratada, e melhor, no hospital. Então, aconselhou-os, não querendo tirar partido do sofrimento.

Eduardo Quive - Moçambique

E

u era forte e cheio de esperança em cada passo da sua vida. Limpo de cabelos crespos, Eu, era aquele que movia-se sem destino de cabeça erguida sem questionar as circunstâncias, sem medo do tempo, olhava a vida como única.

Espírito pluramente positivo, descia ao baixo para mais alto se elevar. Eu era aquele que era criança adulta na rua até as altas horas na procura de esgotar do produto de patrão Suzete, para ter quinhenta de comida em casa. Eu, era ele sem si quando anoitecesse sem que pudesse fazer algo para esquivar-se da vida medíocre que vivia no Xiphamanine. Lavrou a terra no Mambone, pescou na barra de Limpompo e sobreviveu os mais de sete afogamentos quando enfeitiçado pela velha M‟Tente. Este menino Eu é mesmo esperto mesmo na pequeneza, conseguia enganar a vida como se engana um estômago faminto ao meio dia no Maputo onde se encontrava antes de morrer.

Treze dias antes da sua morte, Eu, passava pelo cemitério de M‟Xitsena e bicava a sua única avó conhecida que morreu nas últimas cheias. As bocas sem silêncio contam que a velha morreu depois de lutar com a água na boca que teimava a entrar. Entrou-lhe por todo o sítio, pela boca, olhos, nariz, orelha, até pelos cabelos. O precioso líquido li valera alguma pena, pelo menos agora, morta a doze anos, Eu quando chega no Maputo na sua primeira vez, quis conhecer M‟Xitsena para dar filori à vovó. De seguida, como um passo para a frente, Eu, saiu para a rua e tentou fazer negócio. Fazia parte do seu eterno juramento que Maputo seria o espaço da sua subida e melhoria de vida. Ainda a pouco, lembrara-se da avó.

“Meu neto, quando você crescer vai ser grande, gente como aqueles que estão no Maputo. Viverás em casas sobrepostas, cartarás água pelo copo e não pelo bidom. Sairás em todos noticiários e viajarás pelo mundo como se tudo fosse teu.”

Incrédulo, Eu só volta a replicar a resposta que deu à avó na altura “Eu!?”. E assim ficou Eu. Eu morreu de susto como sua mãe que engoliu a terra na indecisão dos tempos futuros. Eu era mulato sem bandeira e sem país, filho de um candongueiro monhé cujo nome ainda se procura pelo mundo. Eu estava tão apátrida que nem em si tinha lugar para viver. Eu era só, sem ninguém, repartido pelas divisões do mundo transcendental das flores que beijam o dia e o sol que assa as costas pretas da sua avó, única garante da sua sobrevivência. Mas Eu, mesmo temendo-se no meio dessa nada, cumpriu a sua meta, viveu e morreu ou vice-versa.

― Melhor é irem ao hospital se não, vai acontecer o pior. Estranho! Os acompanhantes do doente boquiabertos ficaram. Afinal, ainda havia curandeiros nesse mundo com igual característica? Melhor era acatar à admoestação. Foram ao hospital e, passados dias, incapazes de constituírem pelo menos uma semana, o doente melhorou.

22 | 26 de Outubro de 2012


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