A FABULOSA ARTE DO RETRATO
a alma das personalidades revelada
O INCRÍVEL HOST o segurança mais popular de florianópolis
A FANTÁSTICA FÁBRICA DE CERVEJAS geladas feitas no quintal de casa
NIGHTS TCC DOGÃO CINECLUBES PARIS
foto|Daniel Ernst
BOMBASTIC | SUPER BASS HEAD PHONE
MAGRINHO de Ibiraquera|atleta Mormaii kite e Sup
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www.mormaii.com.br
ÍNDICE Night Dogão Cerveja Perfil
36 42 48 50
TCC Barroques Cineclubes Paris
11 17 20 28
EDITORIAL MENOS DO MESMO Caro leitor Você tem em mãos uma revista diferente. Sites, revistas e jornais resultam cada vez mais de pesquisas de mercado. As empresas de comunicação pesquisam o que o leitor anda querendo, contratam mão-de-obra e em breve lá está, na banca, um produto com tudo que foi indicado no cardápio. Assim surgem publicações engessadas, repetitivas, às vezes burocráticas como televisões de elevador. Não somos contra pesquisas de mercado, mas o jornalismo pede mais que elas. Pede uma percepção mais subjetiva, uma leitura mais apurada do mundo. Não fomos nós, mas ninguém menos que Steve Jobs, o big boss da Apple, que disse ser necessário dar às pessoas o que elas nem sabiam que precisavam. Muitos talvez nem saibam, ou esqueceram, que precisam de uma revista diferente em Santa Catarina. A Naipe é a primeira revista no Estado direcionada aos seus quase 250 mil alunos do ensino superior. A população universitária cresce quase 10% a cada ano no Brasil. Esse crescimento estimulou o costume de se usar o rótulo “universitário” para vender músicas, micaretas e afins. Na contramão desse oportunismo, a Naipe surge para ser uma empresa de comunicação de espírito universitário com tudo que o termo tem de positivo: a universidade como época de evoluir, rever ideias, conhecer o novo, querer menos do mesmo.
Boa leitura, abraços, Equipe Naipe
o de Marco para a fot ara o cervejeiro ep pr ipe Na e Equip
capa
Naipe é uma publicação da editora Naipe Comunicações Ltda. Redação, administração, publicidade e correspondência à rua Victor Meirelles, 600, Kobrasol, São José. Diretor executivo: Marlos Momm, marlosmomm@ revistanaipe.com; Diretor administrativo e de publicidade: Thiago Steiner, thiagosteiner@ revistanaipe.com; Editor-chefe: Thiago Momm, thiagomomm@ revistanaipe.com; Editor e repórter fotográfico: Jerônimo Rubim, jeronimo@revistanaipe.com; Direção de arte: Lobotomáticos, info@lobotomaticos.com; Foto da capa: Gabriel Rinaldi. Impressão: Coan. Jornalista responsável: Thiago Momm, MTB 45919/SP.
FALE REALMENTE CONOSCO: Para resmungos e sugestões, fale com nossos editores pelo tel. (48) 3035-4969 ou o e-mail naipe@ revistanaipe.com. Para anunciar, fale com nosso diretor de publicidade Thiago Steiner, (48) 9969-4473.
NAIPE? QUE NAIPE? Como o compositor experimentalista John Cage, a Naipe não consegue entender por que as pessoas se assustam com as ideias novas. Nos assustamos com as ideias antigas. Isso norteia todo nosso conteúdo.
Jerônimo Rubim apresenta a Naipe ao Elton John português, Roberto Leal
A Naipe é um projeto de comunicação com quatro frentes.
Revista Entregue direta e gratuitamente aos universitários, a Naipe circula em diversos campi da Grande Florianópolis, de Balneário Camboriú e de Itajaí
revistanaipe.com O ritmo cotidiano da vida universitária refletido no site da Naipe
Projetos especiais A Naipe envolvida com causas diversas, da prevenção do vírus HPV ao aproveitamento da sobra de papel utilizado na impressão da revista.
Naipe Promo Um canal direto entre os universitários e os produtos dos anunciantes da Naipe.
Concorra a óculos da Mormaii e a bolsa de estudo do Yázigi em revistanaipe.com 06 • N A I P E
Quem fez esta edição Gabriel Rinaldi, colaborador da Naipe, é fotógrafo freelancer em São Paulo. Já fez capas de revistas como Trip, Bravo! e TAM nas Nuvens. É dele a foto que estampa esta Naipe. Jerônimo Rubim, editor da Naipe, foi repórter no Brasil e de barman a entendido de bar em cinco anos morando pelo mundo. É o fotógrafo da revista e autor da matéria “A supremacia do dogão” (p.17). Thiago Momm, editor-chefe da Naipe, é ex-repórter de Turismo da Folha de S.Paulo e pós-graduado em jornalismo por curso do Estadão. Nesta Naipe assina, entre outras matérias, “O anjo da noite” (p.28). Damien Golbin é um engenheiro parisiense sempre em viagens pelo mundo. Nesta Naipe, escreveu e fotografou o conteúdo da sessão “Enquanto isso” (p.50). Emerson Gasperin é jornalista catarinense e foi editorchefe da revista Bizz por nove anos. Contribuiu com ideias sensacionais como a pauta da matéria de capa. A arte da Naipe cabe à Lobotomáticos, estúdio de criação dos irmãos Bruno e Diogo Rinaldi. Contato: ladodireito@lobotomaticos.com
Revista A versão on-line da Naipe e as melhores matérias da edição em destaque
Naipe na rua Um blog da redação com jornalistas onde eles devem estar: nas ruas
Na night A balada na visão Naipe, muito além da cobertura padrão
On the road O editor-chefe da revista fala de viagens pelo mundo real e o dos livros
Descomplicadas Blogueiras universitárias de Naipe descomplicam o universo feminino
Agenda Avaliação de filmes, shows, peças, stand-ups e outros eventos culturais
Na orelha Músicos, críticos e DJs remixam ideias a convite de um blogueiro Naipe
No campus Artes, festas, cervejas, calzones, opiniões e peripécias pelos campi
ACESSE O REVISTANAIPE.COM! Os botecos em volta do campus, as stand-ups hilárias em cartaz, as baladas eletrônicas de sábado, os novos sons sacolejantes, as boas trips mochileiras e posts que descomplicam o universo, apresentam o desconhecido e explicam os efeitos do dogão com farofa.
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Acompanhe a colaboradora Naipe na Copa
SOPÃO•FRASES & GEISYS
NA REDAÇÃO
Woody Allen
“Aqui jaz uma mulher exemplar” Um amigo da redação, elogiando
na
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a namorada viva ao seu lado
de
“O sexo sem amor é uma experiência vazia; mas, como experiência vazia, é uma das melhores”
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é ser traído, mas não aderir
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defendendo que a otarice não
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Aloísio Schmidt, sábio ruivo mané,
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“Otário é quem não tá na bagunça”
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Frases medonhas que lemos e ouvimos este mês
“Drogado era o Super Mario, que assassinava tartarugas, se imaginava voando acima das nuvens e tinha um amigo cogumelo” Na redação
16.07 SEXTA Floripa/SC
Abertura: Duelo de Djs Dj Betinho (Micareta Axé Band) Dj Daniel das Micaretas Ingressos promocionais limitados Comissários autorizados e
Rede Credenciada Blueticket
Lagoa da Conceição Ingleses Centro (Edifício Dias Velho) Baln. Camboriú
Abertura dos Portões: 21h Chegue cedo, evite filas. *Censura 16 anos
Informações
48 3028.9400
Local
Promoção
Realização
SOPÃO•NIGHT•VERBA
NÃO TEM PREÇO
Night custa até R$ 2075 por mês – sem ressaca moral “À noite?”, estranha o estudante da UFSC Bruno Haschel*, 26 anos, quando você pergunta se ele fica em casa alguma sexta-feira ou sábado. Bruno, que faz Ciências Contábeis, gastou r$ 2075, “fora gasolina”, com baladas em abril – mês em que, diz o site infomoney.com.br, o preço das baladas subiu o dobro da inflação. A pedido da Naipe, Bruno e outros dois universitários anotaram seus gastos de night durante 30 dias. Lúcia Ghizoni, 20, da Produção Civil da UFSC, é sócia do El Divino (“uns r$ 1500 por ano”) e entra com nome na lista em baladas como Posh ou Confraria (“raramente mulher paga entrada em Floripa”). Ainda assim, uma night-padrão, com energéticos, caipirinhas e gasolina, sai pelo menos r$ 80. Isso, mais jantares com amigas, soma quase r$ 2 mil/mês. “Sei que me passo, mas sou menina, né?” A Bruno, um final de semana com ida ao Warung custou r$ 605 – foram r$ 180 só com garrafas de vodca e r$ 90 com três “superenergéticos”. Um petit comité no motel lhe custou r$ 215. Uma ida ao Caldeirão do Negão, r$ 120. Uma breve manguaça na farra do boi, r$ 50. Seu final de Leia mais sobre nights
.com em revistanaipe.com
*Nome fictício
semana começa com o happy hour da sexta e termina com uma deprê no domingo à noite, passado o “after” entre amigos. O maior gasto é com a vodca. “Mas não compro pra chamar mulher. É pra ficar doido mesmo”, reflete.
O futuro Bebidas também são o principal gasto de Marcelo Xavier, 21, da Arquitetura na Federal. Frequentador de festas gratuitas e botecos remelentos na UFSC e entorno, ele gasta sua grana basicamente em cervejas e “gummies” (vodca com suco). A noite mais nababesca do mês foi a que incluiu um jantar com uma gata nas Rendeiras, r$ 40. Suas despesas totalizaram r$ 220 – “fora o mercado paralelo”, sorri. Esse dinheiro representou 50% da sua verba mensal. Os r$ 2075 gastos por Bruno, 65%. “A regra é 60-30-10, ou seja, 60% da renda para necessidades básicas, incluindo lazer, 30% para investimentos/financiamentos e 10% para a poupança, que vai lhe realizar os sonhos do futuro”, instrui o professor de finanças pessoais do Senac, Reni Sebben. Claro, claro. N A I P E • 11
SOPテグ 窶「 NIGHT 窶「 BOTECOS & BOCADAS
happy hour gringo Gaste suas lテュnguas, engorde seu Facebook e entorne caipirinhas em albergue de luxo com vista pra Lagoa
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O sol desce, desapressado, atrás do Morro da Lagoa. Sorte de quem estiver na varanda do Backpackers Sunset Sharehouse, albergue de luxo (r$ 53 a diária) no topo do Morro da Praia Mole. Além de ser um dos melhores mirantes da ilha, a varanda abriga pelo menos 30 gringos, entre 19h e 23h, nos seus 40m2. Espalhados nas mesas e nos sofás, eles bebem caipirinhas a r$ 5 e latinhas de cerveja a r$ 2,50.
“Além da vista linda, o legal daqui é que todos no albergue curtem ficar nesta área comum. Dá pra conhecer muita gente. É tão bom quanto os melhores albergues europeus.” Marie Therese, irlandesa
Os hóspedes estrangeiros são quase sempre mais de 90%. Saque as línguas estrangeiras que você tiver no coldre e dispare na direção dos gringos. O inglês é obviamente a mais recorrente nos balõezinhos das conversas, mas com um espanhol também se consegue alguma coisa – e logo você estará dando risadas, bebendo as ótimas caipirinhas (mesmo feitas por funcionários estrangeiros) do albergue e engordando o seu Facebook. “Em Perth [na Austrália] várias pessoas nos recomendaram vir para Florianópolis e ficar especificamente neste hostel, porque tinham adorado. É bem conhecido por lá”, diz Leha, uma australiana serelepe, entornando uma caipirinha de morango. Ficando até pouco depois das 22h, janta-se churrasco ou outros pratos pagando entre r$ 15 e r$ 18. Terminado o rango, por que não sair em bando para a night com os gringos? Júnior, o dono do Sharehouse, acumula a experiência de gerenciar o Backpackers da Barra da Lagoa. O Sunset já foi mencionado em matéria do New York Times como um dos melhores programas para turistas que vierem a Florianópolis. Mesmo não sendo turista, apareça por lá. Leia mais sobre botecos &
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3. C
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SOPÃO•CONSUMO•EU QUERO
SERVIÇO: 1. MBA na FGV, 25x de r$ 1214; 2. Cachorro maltês, r$ 1300, na Bicho de Luxo, (48) 3333-0122; 3. Eisenbahn Lust, a partir de r$ 68,90 a 750ml no Angeloni e r$ 58 a 375ml na Academia da Cerveja, R. Lauro Linhares, 624, Trindade, (48) 3207-8500; 4. Free – Grátis – O futuro dos preços, r$ 59,90 nas Livrarias Catarinense; 5. Hotel Costes vol.12, r$ 84,90 na Saraiva; 6. Dali – Obra pintada, 2 volumes, r$ 209 nas Livrarias Catarinense; 7. Massagem Shiatsu, r$ 120 a hora na Shiatsu MiMa, Beira-Mar Shopping, 3024-5707; 8. Mascara Effect Liner 82 Brun Artiste, r$ 69,98 em sepha.com.br.
Seu mundo FIAT é aqui.
SOPÃO•BAIXÍSSIMA GASTRONOMIA
A SUPREMACIA DO
Com farofa, ovo de codorna e molho de churrasco, o hot-dog é o novo xis, gerando filas de até 45 minutos na noite da ilha. por Jerônimo Rubim
Quatro colheres cheias de batatapalha, três de queijo, milho, vinagrete, ervilha, repolho, duas salsichas e uma melecada de maionese, ketchup e mostarda. Numa rua deserta do Kobrasol um dia de semana, 22h, uma fila de pessoas pensa que esse é o final perfeito pra noite escaldante de verão. “Tem dias que dobra a esquina, demora uns 45 minutos pra pegar um dog”, conta um cliente fiel, oito anos de estabelecimento.
SOPÃO•BAIXÍSSIMA GASTRONOMIA Acompanhe matérias de baixíssima
.com gastronomia em revistanaipe.com
Dando uma volta pela Grande Florianópolis é fácil notar que o outrora subestimado, quase-que-apenas-lanchinho-decriança cachorro-quente é uma febre gastronômica. Towners equipadas e carrinhos de latão se espalham, e em alguns bairros dá pra contar o exagero de três pontos a cada minuto caminhado. O podrão virou a melhor alternativa de lanche rápido e barato. O dogão é o novo xis. “O bom mesmo é um ‘morte lenta’ desses depois da night”, diz a gaúcha Bruna. Ela e duas amigas voltam do show da Beyoncé, e bem-vestidas devoram dogs completos, r$ 5, no Biliscão, Lagoa da Conceição. “Em Porto Alegre já colocam batata-frita dentro”, conta a amiga Fernanda, que achou isso soberbo: “Fica muito bom”. Nos bancos ao lado, Gabriel e Milton, calouros da UFSC, confessam que o dogão vai bem depois da bebedeira, da praia, ou como almoço. “Curto um do Rio Tavares. Um dia pesei, tinha 600 gramas”, anima-se o junkie Gabriel. “Peço sem prensar porque o bom é se sujar mesmo, ver a ervilha cair”.
Bizarro
Além do número de pontos de venda, o que confirma o dogão como a maior revelação da baixíssima gastronomia nacional é a suruba de ingredientes. Julgando repolhos, farofas e chocolate branco coisa pouca, um tiozinho do bairro de Coqueiros, em Floripa, borrifa molho shoyu e chega a 16 ingredientes no seu hot-dog tradicional. Oferece, também, dogões de sorvete prensado e de camarão. Mas ainda não é nada. Com ares de quem ameaça enriquecer seu dog, ele promete lançar, no inverno, uma nova linha de sabores do seu podrão.
Temaki? Que temaki? “Parece que nunca tá bom. Você coloca dez ingredientes e eles pedem mais, tipo ovo de codorna”, desabafa Maria Costa, dona do Dog da Tia, ao lado da Faculdade Estácio de Sá, em São José. A Naipe encontrou um dog com 16 ingredientes, inclusive molho shoyu. Mas o Dog da Tia tem um trunfo: uma farofa caseira, de receita secreta. Isso, mais o preço de r$ 3, rouba clientes dos calzones, sanduíches naturais e pasteis do entorno. “Um temaki custa r$ 14 e é mais difícil de achar. O dog é prático e tá sempre aberto”, se empolga Rafaela, matando um com-direito-a-tudomenos-cebola no seu Citroën. O McDonald’s do Kobrasol já teve problemas de vendas na madrugada. Agora quem tenta é o Subway, que acaba de abrir no bairro uma loja 24h. O Biliscão já vendeu 360 hot-dogs numa noite, e diz-se que a loja citada na abertura desta matéria tira r$ 25 mil limpos por mês. O dogão sempre cai bem, ou quase. Como diz Rafaela: “Às vezes dá pesadelo à noite”.
N A I P E • 19
1200 calorias
Mais ingredientes que um xis, duas vezes mais calórico que um Big Mac e com misturas que parecem o samba-do-cachorro-doido. Nós também curtimos um podrão, mas é claro: o consumo regular do canino pode ser medonho. “Além do excesso de gorduras e calorias, os produtos industrializados têm muito sódio”, alerta a nutricionista Rosane Rangel. “O ideal seria consumir apenas uma vez ao mês. Se não conseguir resistir, já agende a vaga na academia de ginástica”, ameaça a também nutricionista Aline Colzani. Ela analisou o dogão da abertura desta matéria:
O famoso Biliscão, na Lagoa
Valor calórico : 1198 cal Carboidratos : 23% Proteínas : 12% Gordura : 65% Colesterol : 164,7 mg/dL¹ Gordura saturada : 21,2%²
1 – o nível diário recomendado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia é de 200 mg/dL 2 – o nível diário recomendado pela SBC é de menos de 7% do valor energético total.
A FANTÁSTICA FÁBRICA DE CERVEJAS
Produzir gelada é mais fácil e barato que você imagina – e ainda inclui a moral de se degustar a própria bebida. por Thiago Momm, com fotos de Gabriel Rinaldi e Jerônimo Rubim “Você pensa que o homem precisa de regras; ele precisa é de cerveja”, disse uma vez o escritor norte-americano Henry Miller. Você talvez pense que o homem precise sempre comprar cerveja, mas ele também pode fabricar a sua, lembra o cervejeiro de panela Marco Zimmermann, presidente da Acerva, a Associação dos Cervejeiros Artesanais de Santa Catarina. No Campeche, no fundo da casa de Marco, faz-se cerveja ao som de Bob Dylan. Faz-se cerveja em um quintal com dois freezers, uma geladeira, duas bicicletas, vários engradados, um sofá rasgado, um amigo cervejeiro chamado Murilo, uma coleção de long necks importadas, um pernil na churrasqueira, uma máquina de lavar roupa, um laptop, alguns visitantes, cinco copos, quatro mesas de plástico, 25 garrafas abertas espalhadas e uma cadela chamada Nóia circulando com seus filhos, Sirius e Pivo. A Naipe passou um dia bebendo na fantástica fábrica de cervejas de Marco e Murilo para tentar entender o orgulho de fabricarem a “Opus Beer”, que eles degustam tirada do barril em plena praia; que bebem, em long necks com rótulo personalizado, na frente do estádio de futebol; que abrem, dia de semana à noite, para apreciar com comida alemã. Mas como explicar para esses jornalistas que nunca mexeram um caldo de cevada no panelão, nunca dosaram o amargor da própria cerveja, nunca produziram várias receitas diferentes, nunca as ofereceram aos amigos – como explicar o orgulho? Marco sorri, o olhar fica vago, ele nem gasta o português. No máximo, os jornalistas insistindo, brinca que fazer cerveja tem o seu custo, mas é melhor, sei lá, “que colecionar selos”. O custo de fazer cerveja não é absurdo. O equipamento inicial, dependendo do gosto por improviso (como moer cevada com uma furadeira encaixada em um funil) ou por kits completos, novinhos na caixa, encomendados pela internet, fica entre r$ 500 e r$ 1000. Boa parte dessa grana pode ser abatida:
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é política comum, no universo cervejeiro caseiro, emprestar e pegar emprestado os meios de produção. Outra opção é alugar o equipamento, mas trata-se de um serviço ainda não muito difundido no Brasil. Arranjado o aparato, o que você mais vai precisar é interesse. A internet ajudou no ressurgimento dos cervejeiros caseiros, e é nela que você encontrará, mais que receitas, gente disposta a servir de torre de comando enquanto você pilota as panelas. Sem qualquer má vontade. O objetivo da galera da Acerva é ampliar o número de encarnados em produzir geladas artesanalmente. Indo a acervacatarinense.com.br e integrando a boiada, não será difícil encontrar uma ajuda virtual para a sua primeira produção. Mas vale o aviso de que para fazer cerveja, independente da quantidade, você precisará de seis a dez horas e não vai entorná-la em seguida (a Naipe bebeu as do acervo). “Tem um pessoal que faz pela primeira vez e pergunta ‘tá, e aí, que horas a gente vai tomar?’”, conta Marco. Essa hora, que depende do tempo de fermentação e maturação, chega no mínimo 15 dias depois. “O tempo não respeita o que se faz sem ele”, bem lembra uma inscrição entalhada em madeira e pendurada no Gueuze Museum, localizado em uma fábrica de cerveja artesanal em Bruxelas. 22 • C E R V E J A
Raspas de coentro A fábrica tem ares anárquicos, mas de lá saem cervejas com receitas na linha da Hoegaarden e da Duvel, para citar apenas duas pérolas belgas. E fica a mesma coisa? “Dá pra fazer o mesmo tipo de cerveja. Mas ninguém consegue reproduzir o mesmo buquê. Uma cerveja é feita com vários ingredientes próprios daquela marca, daquele lugar”, diz a mestranda em Engenharia de Alimentos pela UFSC Amanda Reitenbach. Suas pesquisas são todas ligadas à bebida e ela já estagiou em duas grandes fábricas no Paraná. Não sendo possível reproduzir exatamente a mesma gelada, faça como Marco: seja excêntrico e acrescente raspas de coentro ou laranja a uma receita consagrada. “Certamente, pode ser menos caro fazer a própria cerveja, e é por isso que muitos começam”, escreve o especialista Charlie Papazian no livro gringo “The complete joy of home brewing”. “Mas se você embarcar na viagem de fazer cerveja em casa porque gosta de cerveja, logo descobrirá que qualidade, independência e variedade são as razões para continuar”. Marco começou meio por economia, meio pelo tesão de reproduzir
cervejas estrangeiras no seu quintal. Voltando de uma viagem pela Alemanha, se descobriu com saudade do que bebera por lá e sem dinheiro para bancar essa finesse. Para fabricar um litro de uma cerveja na linha da witbier Hoegaarden, despende entre r$ 4 e r$ 5, aí diluído o custo do equipamento e incluída uma simbólica mão-de-obra. No supermercado, paga-se r$ 4,50 por uma Hoegaarden de 330 ml. Sem raspas de laranja. Marco e seu amigo Murilo Foltran já fizeram 75 levas de Opus e, já na segunda, levaram o vice-campeonato no concurso Mestre Cervejeiro da Eisenbahn. Até hoje,
foram 2 mil litros em dois anos de produção – o que a “artesanal automatizada” Eisenbahn leva um dia e a Imbev, maior grupo cervejeiro do mundo, 3 segundos para produzir. Apegados à ideia da variedade, os campechanos já desovaram 35 receitas de cerveja de variados estilos, pale ale, witbier, extra special bitter, stout, pilsen e outras. As cervejas que fazem chegam a 12% de teor alcoólico, e o grau de amargor, a 42 IBU (Unidades de Amargor Internacional, na sigla em inglês), comparado com 4,5% de teor alcoólico e menos de 10 IBU da maioria das que consumimos no país.
A fábrica: Marco, Nóia e Pivo degustam uma pale ale
A volta da panela As cervejas nasceram caseiras – no mínimo em 3400 a.C., por registros que se tem da cidade grega de Tebas. Mas a bebida tinha pouco a ver com a que consumimos hoje e não devia andar lá essas coisas, já que o famoso Código de Hamurabi, de 1730 a.C., previa o afogamento do cervejeiro na própria bebida no caso de ela ficar intragável. A produção de cerveja caseira seguiu ao longo da História, na Idade Média paralela à dos mosteiros e, de dois séculos e meio pra cá, à da indústria. Quando essa indústria se massificou, muitas panelas deixaram de ferver a cevada em casa. Pelo mesmo motivo, as pequenas cervejarias sumiram: em 1883, Blumenau tinha oito delas, e todas acabaram fechando. “Durante décadas a vocação cervejeira dos catarinenses ficou restrita às cozinhas dos descendentes de alemães. Fusões e aquisições tinham derrubadoas na segunda metade do século 20”, escreve João Alexandre Lombardo no livro “Santa Catarina à mesa”. Hoje, embora as quatro maiores cervejarias brasileiras detenham 99% do mercado, há uma demanda do consumidor por sabores mais específicos, às vezes só oferecidos por marcas importadas. Isso estimulou o surgimento de pequenas cervejarias pelo país. Em Santa Catarina, em 1996 foi aberta a cervejaria artesanal Borck, em Timbó, e a ela seguiram-se o bem conhecido exemplo da Eisenbahn (agora pertencente à Schincariol) e outros. Esse estímulo se estendeu à produção caseira: a Acerva catarinense surgiu em Florianópolis em 2007, a partir do encontro de amigos que se reuniam para tomar cervejas especializadas em uma padaria da Trindade. A associação contava com menos de 10 pessoas, e hoje tem mais de 60. São promovidos workshops (às vezes chamados workchopes), festivais e encontros com cervejeiros de outros estados – que também têm a sua Acerva. Para Murilo, fazer cerveja em casa não deveria causar estranhamento. Além da ajuda da internet, os tempos são propícios porque os ingredientes estão mais acessíveis, e o processo, muito evoluído: “A indústria aperfeiçoou os métodos de fabricação, e a gente usa esse aperfeiçoamento”, diz, enquanto a Opus 75 ferve à sua frente. A pesquisadora Amanda diz ser mais fácil fazer uma cerveja ruim do que uma cerveja boa. O cervejeiro de panela Marco, pelo contrário, anima os novatos: “Em alguns momentos é preciso concentração, mas no geral é mais fácil acertar do que errar”.
Murilo relaxa as pernas em 200 kg de malte
Entre separar os ingredientes, jogá-los na panela...
Beba sua gelada Fazer cerveja, acredite, não é tão difícil quanto se pode pensar. Mesmo assim, a lista de equipamentos e a receita não cabem aqui – envolvem no mínimo 15 utensílios e 20 passos. Para começar, vá ao site obiercevando.com.br. Todo caso, já ficam recomendações do cervejeiro Marco Zimmermann: “O erro mais comum é não limpar fermentador, sifão, mangueira, garrafa, galões – tudo que entra em contato com a bebida”, diz. Usar fermento estragado é outra roubada usual. Se quiser reduzir o tempo de espera para beber, vale comprar um post-mix, aquele barril de metal que armazena a cerveja, mistura-a e despeja-a sob pressão. Como os bares os substituíram por equipamentos mais novos, você pode encontrar o post-mix nos ferros-velhos – se um cervejeiro caseiro ainda não passou por lá. De resto, no começo você tende a ficar tenso, mas pode acertar mesmo sem um cervejeiro experiente por perto: “Já ajudei um cara por e-mail enquanto ele fazia, e depois ele me disse que deu tudo certo”, sorri Marco.
...e beber o resultado existem, no mínimo, 15 dias de espera
Para manjar um pouco “Larousse da cerveja”, de Ronaldo Morado; “O livro da cerveja”, de Tim Hampson; “Santa Catarina à mesa”, de João Alexandre Lombardo; “The complete joy of home brewing”, de Charlie Papazian.
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As donas do barril
A mestranda de Engenharia de Alimentos da UFSC Amanda Reitenbach em seu fantástico laboratório de cervejas
Chamada de “pão líquido”, a cerveja sempre foi produzida por donas-decasa porque por muito tempo fez parte da alimentação familiar, principalmente o café da manhã. Documentos mostram que no século 13, em uma pequena cidade inglesa, apenas 8% dos cervejeiros eram homens. Até o século 16, na região norte da Alemanha, os utensílios para produzir cerveja faziam parte do enxoval das noivas. Entre os vikings, uma lei previa que apenas a mulher poderia fazer a bebida. Elas perderam espaço na fabricação cervejeira com a Revolução Industrial. No Brasil, com a industrialização atrasada, a importância da produção feminina teve uma sobrevida. Escreveu a dona-de-casa bumenauense Maria Luiza Renaux, em 1883: “Aqui eu sou padeiro, cervejeiro, açougueiro, cozinheiro. Fabrico por semana um barrilzinho de cerveja de aproximadamente 20, 30 garrafas de lúpulo e açúcar bruto, uma bebida deliciosa”. Hoje as mulheres são minoria. A mestranda de Engenharia de Alimentos da UFSC Amanda Reitenbach, que pesquisa cerveja e quer fazer disso sua profissão, desconhece outras no ramo em Santa Catarina. Pena. Às vezes ela leva uma cerveja sua à Academia da Cerveja, reduto de amantes da bebida em Florianópolis. Um dia, um barril de 20 litros de witbier não durou 40 minutos.
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O ANJO DA NOITE Mais à base de carisma que carranca, o segurança e host André se tornou a alma das principais casas noturnas de Florianópolis. Tem quem suba de vida quando põe a gravata. André subiu depois que tirou a sua. Em Florianópolis, há mais de uma década é bom saber quem é André. Há mais de uma década é fácil saber quem é André. Ficou ainda mais fácil agora que ele tirou a gravata. Ao longo de quase toda sua vida de night, André foi o segurança que separou o joio do trigo – colocando o trigo na fila dos VIPs e deixando o joio a resmungar sua falta de privilégios. Assim foi nas mais de 2 mil noites em que cuidou da portaria do El Divino, antes Café Cancun. E assim é hoje diante das famosas cerejas iluminadas da Pacha, portaria a cargo, muitas vezes, da empresa de recepção que André abriu em 2009. Lá está ele de camiseta, tênis bacana e calça jeans, o único com a moral de se vestir assim entre toda a equipe de seguranças. Também é informal assim, claro, que André fala com a Naipe. São 16h e estamos na frente do próprio El Divino – fechado e sob faxina, de cadeiras viradas. Na tarde abafada, de céu chumbo na ilha, um aguaceiro despenca. André chega com o sócio Márcio. Debaixo do guarda-sol de uma casa de lanches naturais, pede um suco de açaí com
morango. André tem hoje um corpanzil de 128kg, contra 99 mantidos por muitos anos. Bastante, para alguém de 1,76 m. Dá respeito às portarias que ele capitaneia. Mas também o deixou trancado na catraca madrugada dessas. Ia conter um cliente desordeiro que queria brigar. Indo atrás do folgado, entalou. Ficou irritado, fez força. Coisa de desenho animado. Pouco depois conseguiu sair. “O cimento ao lado da catraca ficou rachado”, conta Márcio. Mas perder a paciência é exceção. André já foi chamado de anjo da guarda da noite. Embora o porte de Obelix sugira o contrário, seu trabalho é basicamente intelectual. Mais à base de carisma que carranca, de bom papo que sopapos. Uma vez identificadas as “laranjas podres”, os clientes predispostos a pancadarias, André conversa macio para evitar problemas. Não dando resultado, a tarefa de conter brigas na pista cabe mais aos engravatados. A área de André é principalmente a portaria. Tanto quando segurança, ele é host. Está ali pra receber. Pra sorrir, dar boas-vindas, boa festa, boa noite. Pra pedir pro amigo cliente dar uma forcinha, não fazer rolo, a gente tá aqui ganhando pouco pra ficar a noite inteira em pé. “O mala é o que tem que tratar melhor”, ensina André. Além dos briguentos, também existem malas reclamando da fila. No El Divino, eles silenciavam passando à fila menor, ou entrando de vez. Mas não só eles. Também pegavam atalho os sócios. Os amigos dos sócios. Os conhecidos desses amigos, eventualmente. E as mulheres, quase sempre, sócias ou não, amigas de alguém ou nem: André as contabilizava com um aparelho e comparava o número com a contagem geral, feita em outro aparelho por outro funcionário. A partir disso seguia uma missão – manter a casa florida. Certa vez, misto de mérito dele e doce sopro do acaso, o El Divino teve uma madrugada com mais de 500 mulheres e menos de 100 homens.
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Marolas Nos tempos de Café Cancun, com o nadador Xuxa, e, à direita, com olhar fatal
“Segurança tem que ser paciente, malandro, observador, aberto ao diálogo. E saber engolir sapos”, lista Nelson Monteiro, 36 anos, natural de Cabo Verde, quatro línguas e doze anos como segurança de baladas no currículo. “É muito tenso trabalhar na noite. Muita responsabilidade e exposição – e economicamente não é tão compensador”, acrescenta. Um segurança da night ganha de r$ 50 a r$ 80 por noite. Descansando uma vez por semana, ao final do mês chega a algo entre r$ 1300 e r$ 2080. Muitos trabalham nisso como segundo emprego, uma maneira de engordar a renda, e não como serviço único. Para entrar na profissão, é obrigatório um curso de vigilante: em 16 dias aprende-se sobre imobilização, defesa pessoal, armas de fogo, primeiros socorros, incêndio. O exposto André, 40 anos, aos 35 não queria mais saber da madrugada. Largou o El Divino, quando a fila privilegiada já superava a dos comuns. “Com certeza ele parou por causa da pressão. Falamos várias vezes sobre isso”, conta Jurandir Soares, gerente geral de operações do El Divino, da Pacha e da Posh. “Todo mundo quer ser VIP ou é amigo do amigo do cara, sabe? A rotina cansa a mente das pessoas. Eu jamais conseguiria trabalhar em uma função como a do André”, reflete. André, manezinho da ilha, mora em Governador Celso Ramos, a 40 km do centro da capital. Foi lá que se refugiou, entre as praias com faixas de areia curta e marolas sempre audíveis. “Não sou da night, trabalho na night”, avalia, sobre a pausa de cinco anos da vida noturna. Ele estava cansado. Sua extensa lista de conhecidos o tornava requisitado para festas particulares, e lá se ia a folga semanal. Nos mais de 20 anos como segurança, foram pelo menos 4 mil madrugadas de trabalho.
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Na pausa, André também foi segurança – mas de um colégio infantil. Virou o tio André. “Ele era bem legal”, diz Yago de Carvalho Steiner, 9 anos, um quarto do tamanho do tio. “Sempre falava com
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a gente quando a gente chegava e quando a gente ia embora”. Em 2009, o hodômetro das madrugadas voltou a girar. Abriu a Reis & Thiesen Serviços Especializados com um sócio. Foi a volta para a night, mas com equipe própria. Ao recrutar, prefere seguranças com mais traquejo de relacionamento que habilidades de porrada. “A recepção é a alma de uma casa noturna”, filosofa. “O melhor segurança é o que nunca precisa imobilizar alguém”, diz o cabo-verdiano Nelson. “É claro que ninguém vai pro trabalho apanhar. Não havendo saída, tem que cair dentro. Mas existem seguranças que não gostam de noites tranquilas”.
Azeitona Nos áureos tempos do Café Cancun/ El Divino, Deus não observava André. Depois, André passou a frequentar a Igreja do Evangelho Quadrangular. “Agora Deus está olhando”, refletiu. E não só Ele. André começou a namorar uma frequentadora da igreja e casou. Antes solteiro, André aproveitava. Reincidindo no pecado da carne. Caseiro, ele não bebe, não fuma e quase não sai – além de raramente folgar, também não gosta de música em geral, não se importando com o som da noite. Outro dia, achou agradável escutar um pouco de jazz.
das mulheres que o frequentam. Dez segundos contemplando os murais com as habitués da casa quase fazem lacrimejar os marmanjos mais brutos. E essas delícias choviam onde, senão no quintal do tio André?
Mas os pecados da carne eram inevitáveis. Saindo do trabalho às 6h André já viu de tudo, inclusive três meninas se pegando dentro de um carro na Avenida Beira-Mar. O El Divino é conhecido pelo naipe
Corpo rotundo e cabeça pelada, André sabe não ser nenhum galã (não se incomodou o dia em que o apelidaram, espirituosamente, de Azeitona). Tem muita menina, afirma, que faz de tudo para obter regalias na night. Malandro, ele também tirou o seu proveito. Empolgado, não acreditou quão farta andava a coisa toda. “Até me olhei no espelho pra ver se aquele negão se dando tão bem era eu mesmo”, sorri.
Guga no Moçambique, Floripa – revista TAM nas nuvens “Achei bom que o dia estava nublado, porque isso dá leveza pra imagem. Não é uma cena Taiti, o céu não é perfeito. Tem areia mexida, tocos de árvore, uma coisa bem Florianópolis. A cena é um pouco idílica por causa do jipe vintage, da prancha, da praia só pra você. Isso dá um sentimento meio sonhador, mas você sabe que essa cena pode existir.”
VISÕES
OLHAR ORGÂNICO Na contramaré das egotrips, Gabriel Rinaldi prefere retratos mais crus.
Depois de sacar 600 fotos, Gabriel Rinaldi não aproveita nem 15. Não por ruindade ou modéstia. Não por ser um turista com uma digitalzinha ou um olhar sofrível. Faz parte do seu trampo de fotografar personalidades como Giba, Gustavo Kuerten, Luís Fabiano e Eike Batista para capas de revistas como Trip, Gol, Bravo!, Exame. Formado em 2007, Rinaldi sempre foi free-lancer, primeiro por dois anos em Nova York e agora em São Paulo. Foi premiado 15 vezes dentro do International Photography Awards e, mais recentemente, no Prêmio de Jornalismo Abril 2010. Ele deixou o Jornalismo
na UFSC para estudar nos EUA em 2003. Com uma bolsa não-integral no RIT (Rochester Institute of Technology), renomada faculdade de fotografia em Rochester, estado de Nova York, lavou chão e louça, jogou hambúrguer na chapa, foi juiz de futebol, voluntário, diretor acadêmico, fotógrafo de estúdio. Colaborador da Naipe, Gabriel comenta aqui imagens de suas obras. Há cinco meses, ele estampou a capa da Bravo! com um ensaio fotográfico de Maria Bethânia e ganhou bem mais que uma estrelinha no currículo: pediu que ela assinasse um dos retratos – e Bethânia, atendido o pedido, também quis a assinatura dele.
Erick Jaquin, SP - matéria da Playboy ganhadora do Prêmio Abril de Jornalismo 2010 Esta foto fez parte da matéria premiada coletivamente na categoria “Gastronomia”. Jacquin foi uma das pessoas que influenciou diretamente a carreira do chef Alex Atala. A Playboy escolheu fotografá-lo em preto e branco, eu nunca havia estado naquele lugar e é complicado inovar em fotos de cozinhas. Foi difícil. Procurei por texturas que diferenciassem a imagem e briguei com os caras pra mudar mesas e objetos de lugar – e conseguir montar o cenário ideal.
Vik Muniz, artista plástico, Nova York – matéria da revista Dufry World “Pedi pra ele colocar o terno, e a parte interna me deu o clique: o laranja, de longe, pode parecer uma folha caindo. E não pedi pra ele olhar pra câmera porque não queria nada de ‘estou bem, sucesso na vida’. Assim você não questiona a expressão dele, mas sua relação com o espaço – o jardim do seu estúdio. O Muniz é sutil na arte e eu queria sutileza.”
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Maria Bethânia, Rio de Janeiro – capa da revista Bravo! “Ela recusou maquiagem e produtor de moda, o que achei animal. Mas é preciso achar um certo lirismo, e a echarpe contribui pra isso. Esses ensaios são difíceis, você tira 600 fotos em meia hora. Tirei várias óbvias, pra garantir material, mas também consegui ir além. Essa foi a preferida dela. Se você perceber, a cor da echarpe segue sutilmente nas flores ao lado.”
Itamar em São Paulo – revista Poder “Além de fotos pra matéria, todo profissional deveria fazer fotos pra si mesmo, pro seu portfólio. Foi o caso dessa. Eu não estava atrás da câmera, e isso dá uma ideia de que ela não está ligada, a pessoa relaxa. Você tem que pesquisar pontos de intimidade com o fotografado. Falei algo sobre um sorvete de Roma, ele riu e eu disparei via controle.”
O INCRÍVEL TCC • FERNANDA DUTRA , JORNALISTA
ATÉ QUE A IGREJA OS
SEPARE
Em 1969, gays, lésbicas e travestis revidaram à violência policial no bar nova-iorquino Stonewall Inn. O incidente impulsionou a criação do grupo Frente de Liberação Gay. Nos protestos, gritava-se “Abaixo a Igreja! Abaixo o Estado!”, instituições consideradas opressoras e machistas. Hoje, a Rebelião de Stonewall é lembrada nas paradas do mundo todo. O movimento homossexual nos EUA, no entanto, seguiu rumos conservadores: se antes queria derrubar a Igreja e o Estado, hoje quer casar e entrar no exército. Em 2009, a formanda da UFSC Fernanda Dutra fez dessa história o seu Trabalho de Conclusão de Curso no Jornalismo da UFSC. Para suas pesquisas ela viveu três meses em São Francisco, epicentro gay norte-americano. A Naipe publica aqui uma versão resumida do trabalho.
O programa de TV Quinta Dimensão nunca tivera tanta audiência como no dia 8 de outubro de 1974. Os debatedores daquela noite eram ativistas da Aliança Gay e da Aliança Lésbica. No interior de Iowa, estado no centro-norte dos EUA, muita gente nunca tinha visto um gay assumido. Betty Lou Varnum, a apresentadora, pedia aos telespectadores que mandassem perguntas. A linha telefônica do programa congestionou. Desconfortável em um terninho listrado rosa, Betty Lou precisou juntar coragem por quase meia hora para fazer uma pergunta que lhe incomodava. – Nossos telespectadores querem saber se vocês estão sugerindo que a homossexualidade é normal. – Completamente normal. – Todos vocês concordam? Vamos deixar claro: vocês acreditam que não há nada errado em ser homossexual? – Não há nada errado. A homossexualidade é uma opção saudável de vida.
A apresentadora insistia. Os oito debatedores, entre 20 e 25 anos, adotaram um tom presunçoso. Se as perguntas soavam preconceituosas, retrucavam. “E você acha que é normal ser hétero?”. Betty Lou esboçou um sorriso sem graça. Os ativistas baixavam a defesa diante de questões sobre a vida pessoal. “Você procura um relacionamento de longo prazo?” ou “Você quer casar e ter filhos?” eram perguntas de difícil resposta para quem começara a vida sexual há dois, três anos. Casamento parecia algo distante, mais relacionado à infelicidade dos pais que ao futuro de cada um. Ter filhos, quase impossível. Um telespectador perguntou aos homossexuais se imaginavam criar uma família. Jim Osler respondeu: “Adoro meu curso de graduação que lida com crianças. Não vejo
razões que me impeçam de ter um filho”. Betty Lou buscou a resposta objetiva. “Você fala em adotar?”. “Sim”, sustentou Jim, mesmo sabendo que, aos 20 e poucos anos e no Iowa, isso seria impraticável. As leis impediam que Jim constituísse uma família parecida com a de seus pais, e ele mesmo ansiava por outras coisas. Queria criar o próprio espaço, baseado na revolução sexual e na liberdade de escolha. Queria, como seus colegas, derrubar padrões de comportamento definidos por gênero. As imagens de mulher-mãe ou de homem forte que sustenta a casa, exemplos desses padrões, tinham de ser descartadas, pois delas surgia a discriminação contra gays e lésbicas. Acreditando que a Igreja e o Estado reforçavam esse comportamento, militantes criticavam as duas instituições.
Sementes gays Quatro décadas depois, as lutas do movimento gay são outras. A mobilização da comunidade gay ganhou outro nome: movimento LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). Jovens vão às ruas exigindo que o governo reconheça famílias formadas por casais LGBTs. Leis e tecnologia tornam possível adotar, fazer inseminação com doador conhecido ou desconhecido e até contratar uma barriga de aluguel. Segundo o Censo de 2000 dos EUA, mais de 1/3 dos casais lésbicos criam filhos.
Calcula-se que há de 1 a 12 milhões de crianças na guarda de casais gays – o número é incerto porque não existem mecanismos de pesquisa específicos para essas famílias. A explosão demográfica das “sementes gays” (queer spawn), como brincam os filhos criados por homossexuais, foi apelidada de baby boom gay. 38 • O INCRÍVEL TCC
O surgimento de novas famílias incentivou a luta pela legalização do casamento gay nos EUA. A estratégia mais difundida entre os grupos ativistas consiste em conquistar o direito por referendo, de estado em estado (a Constituição norte-americana permite modificar aspectos da legislação estadual em referendos, se há apelo popular). Em 2008, cinco deles aprovaram o casamento, inclusive Iowa. A reação foi mais forte: 30 estados negaram o direito a gays e lésbicas. O reconhecimento estadual facilita o acesso ao plano de saúde familiar e à adoção conjunta, por exemplo. Sem a aprovação federal, no entanto, casais de gays e lésbicas são alienados de mais de mil direitos administrados pela nação, como a previdência social. Na última eleição, a comunidade gay apoiou Obama na esperança de enterrar o conservadorismo da era Bush. Mas logo em junho o Departamento Federal de Justiça reforçou o Ato de Defesa ao Casamento (ADC), lançado no governo Clinton como instrumento legal para impedir o casamento gay.
Ópera italiana Em um discurso recente Obama, com elogios a ativistas e promessas de mudança, prestou implícita homenagem ao primeiro gay assumido eleito para um cargo político no país, Harvey Milk (retratado no filme Milk – A voz da Igualdade, de 2008). Na San Francisco de Milk, onde o natural é ser esquerdista, Tommi Avicolli Mecca – que se considera anarcossocialista – se incomoda com o desaparecimento de uma perspectiva radical no movimento gay. Para trazer de volta à discussão ideias dos primeiros anos da liberação gay, ele editou uma coletânea de artigos sobre o assunto. O nome do livro homenageia gritos de guerra: “Smash the Church, smash the State!”. Ele fez questão de promover a antologia só em livrarias independentes, como a Books, Inc., no Castro, notório bairro gay de San Francisco. Em uma sexta à noite na Books, o Tommi que apresenta a leitura parece pouco com o da imagem que ilustra a introdução do livro. Na foto ele traz uma flor no cabelo, usa os fios na altura dos ombros e veste um cardigã curto que deixa o umbigo à vista. Sério, mantém os músculos do rosto rígidos. Hoje, tem os cabelos curtos e o abdome coberto. Ele deixou
as roupas femininas. Tommi sobe no banco alto com dificuldade – não porque amanhã completa 58 anos, mas porque mede menos de 1,60m. Ele lê trechos da introdução. “Saí do armário com todos os elementos de uma dramática ópera italiana. Bem apropriado, considerando que vim de família operária, imigrante, do sul da Itália”. A plateia ri. O tom muda quando Tommi narra um episódio em que a administração da faculdade questionou as atividades do seu grupo militante. – Você atrapalha a causa fazendo coisas radicais assim, disse um funcionário na época. – Que causa é essa? – Ser aceito como normal. “Nós não queríamos ser normais! E, 40 anos depois, eu vejo que ser normal é mais popular do que nunca”, diz Tommi. Ele discorda dos rumos do movimento e rejeita a ideia de que a legalização do casamento trará melhorias: “De muitas formas, o movimento gay do novo milênio é a antítese da liberação gay dos anos 70”. Para ele, o movimento antes apontava o que havia de errado com a sociedade. Agora, quer ser parte dela. “Acho que a luta pelo casamento tem a ver com normalização. As pessoas querem ser aceitas como qualquer um. Nós éramos diferentes. Não queríamos ser normais”.
Bicha, sapatão, veado Os conflitos no bar nova-iorquino Stonewall Inn em 28 de junho de 1969 impulsionaram a criação da Frente de Liberação Gay (FLG). Um monte de gente gosta de dizer que estava lá no dia. Cerca de 2 mil pessoas estiveram. Mas a ordem dos acontecimentos ainda é confusa. No meio da noite, policiais chegaram, fecharam o bar e levaram os clientes para fora. A chuva de moedinhas em direção aos policiais foi a primeira demonstração de revolta. “Será que isso serve como propina?”, os clientes provocavam. Um grupo de travestis manteve o humor: elas cantavam e dançavam cancã. Duas semanas antes, algo parecido ocorrera. Continuando assim, talvez o Stonewall Inn fechasse de vez. Dizem que a situação fugiu do controle quando uma mulher latina resistiu à prisão. Talvez tenha sido quando alguém quebrou uma garrafa no chão. De repente, os clientes do Stonewall – a maioria jovens sem-teto, prostitutas, travestis, imigrantes – atacaram enfurecidos. A vizinhança ficou do lado da clientela do bar e foi à rua. Os policiais se embarricaram dentro do estabelecimento. Ouviram explosões de bombas caseiras. Sentiram o baque dos parquímetros, arrancados do chão, forçando a porta. Houve reforço policial e o conflito durou horas. Nos dias seguintes, centenas de pessoas voltariam, em protesto, ao Stonewall Inn, hoje tombado como marco histórico nacional. Em 1970, a primeira parada gay marcou um ano do conflito e logo se tornou uma tradição em inúmeras cidades. A FLG, criada pelos ativistas que organizaram o primeiro protesto após o conflito de Stonewall, seguia a linha radical. Anárquica, a organização facilitou a formação
de unidades ativistas em várias cidades do país. Os FLGistas pediam carona, dormiam no sofá e passavam horas discutindo o movimento gay. Tommi era um deles. As discussões ganharam método, ainda que com poucas regras, e nome próprio: grupos de expansão de consciência. Nas reuniões, as pessoas se sentavam no chão em círculo e conversavam sobre um assunto específico – relação com família, amigos, amantes, sexo, infância, religião etc. Aos poucos desfizeram mitos criados pela Igreja ou por especialistas sobre a homossexualidade. Ao contrário do que Freud sugerira, a maioria não tivera mães dominadoras e pais ausentes. Também destoavam do estereótipo de amargurados e suicidas. Gostar de alguém do mesmo sexo não causava depressão. Esconder a preferência, sim. A revolução cultural proposta pelos gays idealizava o fim dos padrões de comportamento para cada sexo, como, por exemplo, que o homem precisava ir atrás da mulher, gostar de esportes ou ser insensível. Os FLGistas acreditavam que a Igreja e o Estado reforçavam esses padrões – sem eles, não haveria mecanismos para distinguir as pessoas pela orientação sexual. A ideia parecia atraente aos jovens em um contexto de guerra, ameaça nuclear, crescimento da taxa de divórcios e corrupção no governo Nixon. A FLG queria recriar rótulos, a começar pelo vocabulário: ativistas usavam, tanto nos nomes dos grupos quanto em manifestos, palavras originalmente negativas – equivalentes, em português, a termos como “bicha”, “sapatão”, “veado”. Queriam, com isso, reverter os seus sentidos.
Outra atitude: sair do armário, um rito de passagem entre gays. O pensamento seguia a linha “Antes que alguém me acuse de ser gay, como se isso fosse ruim, assumo e mostro que me orgulho disso. Assim ninguém terá razão para me discriminar”. Nas manifestações, os FLGistas gritavam “fora dos armários, já para as ruas”.
Sex and the city Um foda-se na cara das pessoas – assim Tommi define o estilo “genderfuck”, do qual era adepto nos anos 70. O “genderfuck” misturava roupas extremamente masculinas com femininas. Por exemplo, botas militares com blusa rosa, maquiagem e black power com gravata. No caso de Tommi, o resultado – nariz proeminente, magreza extrema, cabelo encaracolado cheio e visual ousado – lembra a atriz Sarah Jessica Parker, de “Sex and the City”: “Sei lá por que comecei [a me vestir assim] ou por que parei. Acho que por razões políticas. Eu andava por aí, pegava ônibus e todo mundo olhava. Eu achava que mudaria o mundo assim, com as nossas ideias, músicas, poemas. E mudou! Só não o suficiente”. Aos poucos, Tommi se afasta do movimento gay. Ele não esteve na Marcha da Igualdade Nacional em Washington D.C.. Em 11 de outubro de 2009, mais de 200 mil pessoas – principalmente jovens – marcharam pela capital. Estavam lá estrelas pop, como a cantora de visual andrógino Lady Gaga, e líderes da nova geração ativista, apelidada pela mídia de “Stonewall 2.0”. Ao saber da marcha, Tommi franze o rosto. De cara, discorda do nome “Marcha da Igualdade Nacional”. Sendo da geração Stonewall 1.0, acredita que os gays estão se enquadrando nas regras heterossexuais e de classe média. Querendo casar, ter filhos e morar em uma bela casa com uma cerca pintada nas cores do arco-íris, ironiza. A energia dos mais jovens é inegável, no entanto. A descrença nos grandes grupos aumenta a cada dia, mas eles criam grupos menores via internet. O improviso lembra um pouco os primeiros anos da liberação gay. Mas, para seguir as ideias propostas em 1969 pela FLG, a nova geração tem não só que vencer uma batalha legislativa – precisa mudar a sociedade. Tommi tem um conselho. Ele mesmo o segue todos os dias, quando lê uma mensagem na mesa do seu escritório: “Questione tudo.” O INCRÍVEL TCC • 41
QUITUTES•PANCADÃO
O PRÓXIMO METEORO UNIVERSITÁRIO Fadas, borboletas e raios serão coisa pouca perto do pancadão que vem aí Sim, a maré do sertanejo universitário ainda não baixou. Mas como tudo que é Luan Santana dura pouco, a Naipe acalma os incansáveis baladeiros com o próximo samba-lelê das pistas. Para alívio dessas almas inquietas, antecipamos tendências apresentando o barroco universitário. Uma levada meio música Bachiana e baião, uma pegada meio Vivaldi e vanerão com atitude indie-rock minimalista e lascas de psy-jungle. Essa é a banda Barroques. “Sentimos que o nosso trabalho amadureceu depois de um ano sabático num sítio em Belmiro Braga (MG) trocando ideias, rabiscando papeis”, diz para a Naipe a vocalista Candy. O primeiro trabalho da banda, “Barroquinho Bom”, vem com o hit “Te peguei na camerata!” Leia mais sobre os Barroques
.com em revistanaipe.com
42• N A I P E
Os Barroques: batidão com influências operístico-eletrônicas
QUITUTES•LIVROS
Como diretores ripongas salvaram Hollywood nos anos 70 – até se afundarem na própria maluquice
BASTARDOS INGLÓRIOS Os estúdios sentiam que estavam lidando com uma garotada na qual eles não confiavam e de quem não gostavam, não suportavam a arrogância deles, seu modo de vestir, não queriam ver rabos de cavalo e sandálias no restaurante executivo enquanto comiam. Eram vistos com repulsa. (...) Mas o estúdio os deixava em paz porque sabia que ia dar tudo errado se interferisse, e de qualquer forma os filmes deles não custavam nada. [Ned Tanen, ex-presidente da Universal, no livro]
Em meados da década de 60, os Estados Unidos ardiam, mas Hollywood não. Havia uma grande disparidade entre o que se via nas ruas e nas telas. Direitos civis, Beatles, a pílula, Vietnã e drogas passavam longe dos estúdios, lembra Peter Biskind em “Como a geração sexo, drogas e rock’n’roll salvou Hollywood”, que chega antes tarde que nunca ao Brasil: recém-lançado aqui pela editora Intrínseca, o livro saiu nos EUA em 1998. “Os Hells Angels desfilavam em suas motos pelo Sunset Boulevard e garotas dançavam na rua de peitos de fora ao som da música do The Doors”, descreve Biskind. Os filmes tinham produção cara e demorada, e muitas equipes eram sexagenárias. Hollywood andava “pelo menos cinco anos atrás” das outras artes populares, dominada por sessões vazias de filmes estereotipados. Se em 1946 a venda de ingressos chegara ao recorde de us$ 78,2 milhões semanais, em 1971 esse valor caiu para us$ 15,8 milhões. 44 • N A I P E
Nesse contexto, Hollywood precisou de diretores hippies para ganhar dinheiro. Diretores, até então, estavam no set “apenas para garantir que os atores ficassem nos lugares certos quando a câmera começasse a rodar”. Mas de repente eles desafiaram produtores, dominaram estúdios, montaram seus próprios negócios e responderam pela versão final dos filmes dirigidos. “Os anos 70 foram a primeira vez em que as restrições de idade foram abolidas, e jovens tiveram permissão para tomar tudo de assalto com toda a sua ingenuidade e toda sua sabedoria e todos os privilégios da juventude. Foi uma avalanche de ideias novas e ousadas e, por isso, os anos 70 se tornaram um marco”, diz Steven Spielberg para Biskind.
Nevasca “Bonnie & Clyde”, de 1967, marca o começo da Nova Hollywood. O filme conta a história de uma dupla que assalta bancos. Mas era uma dupla formada por um homem e uma mulher, e com quem o espectador simpatizava. Bonnie e Clyde atiravam nos outros, mas pareciam legais. Um toque cabeça na história, Clyde era impotente.
Dez filmes que marcaram a Nova Hollywood “Bonnie & Clyde”, de Arthur Penn (1967) “A primeira noite de um homem”, de Mike Nichols (1967) “Sem destino”, de Dennis Hopper (1969) “M*A*S*H*”, de Robert Altman (1970) “A última sessão de cinema”, de Peter Bogdanovich (1971) “O exorcista”, de William Friedkin (1973)
O filme não teve muito público no início, mas cativou alguns críticos e, relançado, deu lucro. Daí em diante, filmes com sexo, violência, digressões, cocaína e moral pouco clara renderam incrivelmente. “Sem Destino”, road movie porralouca de us$ 501 mil, gerou us$ 19,1 milhões e deixou a contracultura “estatelada com o choque do reconhecimento”. Ao longo da década,
“Tubarão”, de Steven Spielberg (1975)
“O poderoso chefão” somou us$ 86 milhões; “Tubarão”, us$ 129 milhões. Em 1974, a bilheteria total foi a maior desde aquele recorde de 1946.
Ford Coppola produziu um longa-metragem que rendeu apenas 5% do seu custo total.
No entanto, “uma nevasca pesada caiu sobre Hollywood”. Nevasca, em inglês, é também gíria para cocaína, “uma droga perfeita para o estilo de vida megalomaníaco, obsessivo e machão de Hollywood”, diz Biskind. As pessoas usavam colheres de ouro no pescoço e davam cocaína como gorjeta a garçonetes. Além do pó, afetava os diretores a megalomania. Eles faziam filmaços autorais, traíam as esposas comendo atrizes maravilhosas, sacaneavam amigos, destratavam equipes – mas davam muito lucro. Até o dia em que Martin Scorsese estava “drogado demais para resolver os problemas de estrutura” de um filme seu, e o dia em que Francis
“Taxi Driver”, de Martin Scorsese (1976) “Star Wars – episódio IV”, de George Lucas (1977) “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola (1979)
Mas se esses diretores iriam para o limbo nos anos 80, dois outros, também geniais porém nerds, despontariam. Eles gostavam de TV e eram perfeitos para o final dos anos 70, época em que a chama da contracultura abaixou. George Lucas fez um tal de “Star Wars”, e Spielberg, “Tubarão”. Ambos foram lançados em mais salas, lucraram mais e vieram em pacotes com brinquedos ou séries para TV. Hollwood desistiu de ser cabeça. Foi disneyficada, e o resultado está, todos os dias, no Telecine Pipoca mais próximo de você.
“Como a geração sexo-drogas-e-rock’n’roll salvou Hollywood”, de Peter Biskind. Ed. Intrínseca, 520 pgs., r$44,90
QUITUTES•LIVROS
BOKARRA É CULT Clube mantém sessão de literatura no site
Xico Sá: o olhar do macho-jurubeba
O MACHO SEM GPS
O que acontece se você estiver com tesão e ao mesmo tempo vontade de ler um livro? Aí você acessa bokarra. com.br, site do renomado clube erótico de Florianópolis. Refinando seu jardim virtual, o Bokarra acrescentou às seções “vídeos eróticos”, “arte sensual”, “piadas”, “strippers” e “trabalhe conosco” a de “literatura”.
Para Xico Sá, homens andam perdidos
Xico Sá é o que há. Xico Sá é a favor do macho-jurubeba, que é pela volta do cafuné e da carta de amor. É pelo bifão roots. Pela mulher Comfort – aquela com o “confortável amaciante das carnes, e para a qual fomos sentimentalmente educados” – e pelo destravecamento das fêmeas musculosas da mídia. Xico Sá é contra o metrossexual, aquele que se lambuza de potes da Lancôme, mora num loft e em todas as comidas inventa molhinhos de frutas, molhos cítricos, tâmaras, figos, berinjelas, lichias. “Chega de nouvelle cuisine, chega de gororoba pós-tudo, esse fetiche da classe média por qualquer coisa de grife. Qualquer canto que a gente chega, nego vem com nove-horas, até nos piores botecos já temos molhinho de fruta sobre nosso pobre bifão roots. Por favor, devolvam meu pé-sujo”. É o que ele pede em “Chabadabadá”, seu novo livro. Xico Sá, colunista da Folha de S.Paulo, há tempos perambula pelos botecos da Vila Madalena, na cidade. Lá, troca ideias com outros bons escritores nacionais e ouve mulheres desamparadas. Suas crônicas misturam essas conversas à sua cultura de leitor de Flaubert e sua criação de cearense-jurubeba. O resultado são textos com o gosto delicioso da raspinha da chapa. Como um bom bifão roots. “Chabadabadá – aventuras e desventuras do macho perdido e da fêmea que se acha” (Ed. Record, 184 p., r$ 37,90).
Apelando bastante a um semvergonha recortar e colar (nos delata o Google), a página oferece do e-book “Contos eróticos Ilustrados 1 – Sabrina e Suzana” a resenha de um livro de Rubem Fonseca e um poema de Carlos Drummond de Andrade, que diz em um trecho: Um gozo de fusão difusa transfusão o lamber o chupar o ser chupado no mesmo espasmo é tudo boca boca boca boca sessenta e nove vezes boquilíngua. A seção “strippers” acaba de ganhar concorrência. N A I P E • 47
QUITUTES•CINEMA
CINÉFILOS E SALGADINHOS A Naipe visitou quatro cineclubes em 24h e se empaturrou de curtasmetragens e bolinhas de queijo. É quarta-feira, faltam três horas para Avaí x Figueirense e os editores da Naipe se molham com uma chuva no centro de Florianópolis. Querem escrever sobre cineclubes. Segundo a enciclopédia Britânica, cineclube é um “grupo formado para estudar a arte do cinema com discussões” após a exibição de filmes “censurados, estrangeiros ou experimentais”. Na vida real, cineclubes são pequenas salas que quase ninguém sabe onde ficam, mesmo mencionadas em guias ao lado de cinemas de shoppings. Os editores da Naipe chegam ao Badesc. O estudante de Cinema João está saindo da sala. Não gostou dos curtas-metragens espanhois? “Entrei no lugar errado. Minha professora disse para virmos num cineclube do centro, mas não é esse.”
Acompanhe a programação dos
.com cineclubes em revistanaipe.com
No sentido horário, alunos de cinema aprovam iguarias pós-sessão, cena de “Espírito de porco” e plateias assistem curtas no Badesc e na FCC.
A sala do Badesc está com 21 dos 48 lugares ocupados. Na tela, um caminhoneiro dá uma longa carona a uma mulher. Um espectador hipersensível gargalha no meio das frases. Os diálogos são bons mas o filme acaba subitamente. O espectador hipersensível diz a um amigo que gostou do final. O amigo protesta que não houve final.
Muito lógico Na Fundação Catarinense de Cultura (FCC) a sala está cheia, com cerca de 50 pessoas – João inclusive, agora no cineclube certo. As cadeiras acabaram e 15 dos espectadores estão em pé. O clima é de comemoração porque filmes premiados pela Funcine, o Fundo Municipal de Cinema de Florianópolis, estreiam. O curta mais esperado é “E.T., o Emissário da Terra”. Um emissário chega “a um mundo muito lógico, onde as pessoas se comportam de forma maquínica [sic], e acaba no hospital. Lá, ele passa a pregar o Evangelho”. Essa é a sinopse na internet. Sem consultála, talvez disséssemos “emissário com sotaque gaúcho vai parar em lugar
futurista esquisito e faz coisas inexplicáveis”. Quando o filme termina, a Fundação brinda a todos com vinho, refrigerante, espetinhos de frango, mini-pizzas calabresa, bolinhas de queijo, quibes, pasteis de carne, salgadinhos de camarão. A Naipe logo garante os seus. Algum dos filmes estava melhor que as bolinhas de queijo? “Que o espetinho de frango não”, garante Bruno, estudante de Cinema e amigo de João. Vocês frequentam cineclubes? “O último filme do Scorsese é anódino”, diz Bruno. “Anódino”, repete. “A Coca tá numa jarra, vai perder o gás”, lamenta Thiago, colega dele. As sessões só lotam com comédias, explica um dos organizadores do Cinecélula, cineclube que promove um filme todas quartas às 21h no bairro João Paulo. Faltam 20 minutos para Avaí x Figueirense e a Naipe chegou com o filme começado para conferir o público de “Blow Up”, o clássico de Antonioni. Há 13 cadeiras. Seis estão ocupadas. No dia seguinte, o cineclube visitado é o Victor Meirelles, no centro, que exibe o excelente documentário “Espírito de porco”, de 50 minutos. Após a sessão, um dos diretores conversa com a plateia. Como nos outros casos, tudo gratuito. Ótima noite, melhor que qualquer bolinha de queijo ou espetinho de frango. E sem emissário nenhum.
ENQUANTO ISSO•EM PARIS
PEQUENA RAINHA Perca-se de bicicleta por Paris texto e foto por Damien Golbin Você será o rei de Paris se decidir partir para a aventura com a sua pequena rainha [apelido das bicicletas na França] pela cidade das luzes em uma tarde do mês de maio. O método é simples: ajeite-se no selim e parta sem nenhum objetivo que não o de se perder e se deixar levar pelos cheiros, as melodias e a simples intuição pelas artérias da capital. A sua bicicleta se transformará então em um tapete voador, e sem esforço cada par de pedaladas o conduzirá, na linha de ziguezagues incessantes, por um labirinto de ruas sem fim.
O passeio pode se transformar numa prova do Tour de France se você decidir atacar a colina Montmartre. Claro, você estará um pouco cansado, uma vez atingido o topo, mas é o preço para admirar uma vista panorâmica única. No entanto, o melhor está por vir. Na descida você sente o prazer de disparar sem barulho e de transformar o passeio em uma verdadeira corrida desenfreada. Mas cuidado com a distração de virar a cabeça para contemplar uma dessas criaturas fascinantes que povoam o bairro. A prefeitura calcula serem aproximadamente mil os acidentes causados pela capacidade delas de magnetizarem os olhares dos condutores... Mas quem poderia se lamentar?
Damien Golbin é um engenheiro parisiense que faz questão de não ter carro. Todo mês a Naipe publica, neste espaço, a experiência de um colaborador pelo mundo.