mem贸ria revista nu #42 abril 2014 3,5 euros
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Abril 2014 ISSN 1645-3891
Morada Revista NU, Dep. de Arquitectura, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra, Colégio das Artes – Largo D. Dinis 3000 Coimbra Telefone/fax (darq) +351 239 851 350 +351 239 829 220 E-mail revista.nu@gmail.com Arquivo digital arquivonu.blogspot.com Impressão Nozzle Lda Distribuição Coimbra Editora Tiragem 300 exemplares
#1 encruzilhadas #2 lugares #3 cidades #4 mecanismos #5 áreas de contaminação #6 imagem #7 desvios #8 tempo #9 sexo #10 ismos #11 tecnologias #12 onde está coimbra? #13 pecado #14 oposições #15 viagens #16 oriente #17 revolução digital #18 revistas #19 colagens #20 onde está portugal? #21 marginalidades #22 game design #23 brasil
#24 espectáculo #25 utopia #26 identidade #27 habitar #28 velocidade #29 modus operandi #30 poder #31 chão #32 ocupa #33 consumo #34 feio #35 XXL #36 sul #37 mito #38 ideia #39 matéria #40 entrevistas - antologia crítica #41 gordura #42 memória
A Revista NU surge no ano lectivo de 2001/2002, integrada no programa de objectivos do NUDA, o Núcleo de Estudantes do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra (DARQ-FCTUC). O primeiro número, #1 Encruzilhadas, é lançado em Maio de 2002, e a NU torna-se aí uma revista periódica de reflexão e debate sobre temas relacionados com a arquitectura, que se propõe essencialmente como um pretexto de discussão e como uma ferramenta de aprendizagem para quem a faz e para quem a lê. Desde então, já foram publicados 40 números da Revista NU, assumindo-se como uma publicação de teoria e crítica focada em temas de interesse à produção arquitectónica mas também extradisciplinar. Assim, aos textos de crítica produzidos pelos estudantes, acrescentamse inúmeras colaborações de nomes nacionais e internacionais ao longo dos anos. Em 2003, surge o número #12 Onde está Coimbra? no âmbito de Coimbra Capital Nacional da Cultura comissariada por Jorge Figueira. No ano seguinte, a convite do Instituto das Artes, a Bienal Internacional de Arquitectura de Veneza conta com a presença da NU, com o número #20 Onde está Portugal?, integrado na representação portuguesa comissariada por Pedro Gadanho. Em 2007, o programa Gau:di, de apoio a publicações sobre arquitectura de vários países europeus, faz uma recolha a ser apresentada em feiras internacionais e inclusa numa antologia e distingue a NU para representar a crítica portuguesa de arquitectura. Em 2012, é lançado o número #40 Entrevistas – Antologia Crítica 2002-2012 em parceria com a Trienal de Arquitectura de Lisboa, como uma reflexão sobre os temas debatidos durante os primeiros dez anos da revista.
Memória revista nu #42 Abril 2014
editorial
entrevista
enviados nu
artigo gráfico
à conversa com
a nu
Capa Sem título #5, Série Tijolo
4
E agora? Lembra-me Pedro Treno e João Miranda
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O ADN da arquitectura Rui Agnelo
10
La Charcuterie Mécanique Mafalda Miranda
14
Fala atelier Joana Alarcão e Rui Agnelo
24
Eratosthenes Tânia Neves Correia
30
Chamem-me o que quiserem João Miranda
32
Toda a Europa à Proa Ana Gomes, Vicente Nequinha e Duarte Miranda
42
Vetor Diego Rayck
44
Vivência, Ausência e Confronto Pedro Caiado
50
Ruína, questões do Imaginário Miguel Mesquita
56
Daniel Blaufuks Pedro Caiado e Pedro Treno
68
Isto não é uma adega (é um templo) Pedro Treno
74
O passado (não) é um país distante Tiago Gil
80
20/03/2014
Director Luis Madeira Sub-director Pedro Treno Editores Pedro Treno e João Miranda Editor gráfico Duarte Pereira Redacção Ana Gomes, António Moreno, Duarte Miranda, Duarte Pereira, Henrique Pimentel, João Miranda, Joana Alarcão, José Almeida, Luis Madeira, Luis Macedo, Mafalda Miranda, Miguel Mesquita, Pedro Caiado, Pedro Lopes, Pedro Treno, Rui Agnelo, Tânia Neves Correia, Vicente Nequinha Colaborações Diego Rayck, Tiago Gil 3
editorial
E agora? Lembra-me1 Pedro Treno e João Miranda Alunos de dissertação e do 3.ºano do dARQ
‘O tempo não tem importância para o assunto. Surpreende-me sempre que os meus contemporâneos, que julgam haver conquistado e transformado o espaço, ignorem que se pode reduzir à vontade a distância dos séculos.’ 2
Por outro lado, a memória pode representar uma espécie de entrave, um desafio à continuidade. Quem conseguir trabalhar com o passado de forma pragmática, poderá estabelecer e possibilitar novas linguagens.
Este número é uma colecção das nossas memórias. Começa-se inevitavelmente pelo lado pessoal, havendo depois um seguimento para um determinado contexto e para a colectividade.
Contudo, memória é diferente de percepção. A construção de imagens e identidades está associada à criação e acumulação, ao baralhar da história e, consequentemente, da arquitectura. E assim, o arquitecto viaja, recolhe.
As primeiras leituras espaciais são particularmente marcantes. Essa experiência molda-nos, define-nos enquanto exploramos. Visão, audição, tacto, olfacto: todos os sentidos representam o primeiro contacto para a recepção de algo e desse despertar de sentidos. As primeiras recordações perseguem-nos, talvez até nos possam assombrar. 4
A concentração de memórias é um processo lento, e mais ainda a filtragem dessa recolha. A memória é uma sobreposição de layers, de história e de mudança, desta é possível obter diversos pontos de observação. A evolução está associada a ideias de transformação, de reminiscência, de períodos de perca e restituição, de crescimento e de reciclagem,
assim como a arquitectura. Presenciamos amnésia no quotidiano, sendo que a automatização das nossas acções originam um estranho reencontro com eventos passados. De como se esquece e como se lembra. Não há ordem nem consenso na memória porque também não os temos no mundo. E deste modo, o sonho e o imaginário acabam por confundir ainda mais e por fragmentar toda a lógica que se queira instaurar. Na mesma ideia de fragmentação, está também presente a idiossincrasia do indivíduo face à sua relação com espaço e lugar. Impreterivelmente dessas relações, a partir de algumas memórias embrionárias é possível caracterizar o ser humano. Mais tarde, esta espécie de herança poderá confrontar algumas decisões e escolhas do mesmo.
Correndo o perigo de se confundir com nostalgia, a ordem do presente deverá ser entendida enquanto uma progressão natural, onde nada poderá ficar comprometido. Aqui e agora, não há memória que nos salve inteiramente, podendo apenas fazer uso de alguns dos seus contornos. Com a inquietação e incerteza permanente em relação ao futuro, esta é essencial para a criação e para a tomada de decisões. A arquitectura dificilmente se transformará em língua morta enquanto houver pretensão de desafiar o tempo e o modus operandi.
A partir do filme de Joaquim Pinto, estreado em 2013 Marguerite Yourcenar. Memórias de Adriano: seguido de apontamentos sobre as Memórias de Adriano. Lisboa: Editora Ulisseia, 1986, p.257 1 2
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artigo
O ADN da arquitectura Rui Agnelo Aluno de dissertação do dARQ
Sabemos que alguns antepassados nossos comunicavam entre si muito à semelhança dos outros animais e que a evolução da fala para o que conhecemos hoje foi um processo bem moroso. Não o conseguimos apreender e sentir da mesma forma que uma memória trivial, como uma lembrança de festa, mas é difícil acreditar que este dado não esteja de alguma forma presente e activo no nosso ADN, como um antigo registo, porque mesmo apesar do processo de aprendizagem da fala pelo qual passamos na infância, conseguimos atingir em poucos anos o mesmo nível que em tempos precisou de milhares. Podemos assim encontrar na memória duas vertentes. A adquirida, porque parte do seu conteúdo resulta de uma selecção de informação que se provou útil, que desbloqueia e assegura a possibilidade de progresso e que se transmite inevitavelmente através da reprodução, e a construída, pela nossa capacidade de produção de conhecimento, de registo e recordação. Contudo, nenhuma das duas é controlável. Não podemos intervir na escolha da informação genética que adquirimos, diga-se antes herdamos, e também não seleccionamos que memórias conservar ou apagar, pelo menos conscientemente. Pode dizer-se, por exemplo, que os pilares de betão são descendentes das colunas dóricas. Separamse por milhares de anos e muitas mudanças de forma, técnica e gramática, mas essencialmente em nada se distinguem. A memória da coluna dórica existe no pilar de betão apenas no sentido em que o seu desígnio primário foi herdado e se mantém inalterado, embora esta observação seja uma consequência da pesquisa e construção da história,
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e não algo explicitamente visível ou palpável na matéria da coluna. Podemos imaginar e conceber variações infinitamente mas dificilmente poderemos reinventar a ideia de coluna, pelo que ela surge na arquitectura como os dados genéticos de base dos pais chegam aos filhos. E apesar de conservar os vestígios da sua evolução, a memória da arquitectura existe menos enquanto coisa autónoma e mais como desdobramento da própria memória humana. Mas há um factor que opera dos dois lados com o mesmo peso na moldagem da evolução, o contexto. O ambiente molda o Homem tal como molda a arquitectura. Só que os princípios de evolução da biologia são, por enquanto, exclusivamente condicionados pelo contexto, enquanto que os da arquitectura são sempre duplamente condicionados seja pelo contexto, enquanto ambiente físico, como pelo Homem e sua cultura. A gravura, que mostra o que parece ser um símio e um homem lado a lado, suscita curiosidade por representar um com características do outro e vice-versa, numa possível alusão ao processo de evolução, cuja direcção não consta que tenha sido escolha de um ou do outro. Por outro lado, observe-se como as quatro colunas de mármore na frente principal da Looshaus nada suportam, cabendo a um pórtico, que define o plano inferior da fachada, a função estrutural. Adolf Loos sujeita a linguagem clássica ao mero simbolismo, ainda que as colunas persistam, mas agora escondidas e em betão, formando o pórtico. Para o Homem, construir o espaço que torna possível habitar e vencer os fenómenos naturais não é suficiente, ele precisa de lhe dar interpretação e significado.
Este livre-arbítrio da cultura humana vai encontrar na engenharia genética um campo de experiências, que constitui uma mudança de paradigma, e que põe em causa a evolução biológica exclusivamente condicionada pelo contexto. A insulina ou os alimentos transgénicos, a título de exemplo, revelam como se tornou prática corrente e a opção de recorrer a este método está sempre, por norma, relacionada com a intenção de reproduzir sinteticamente determinados comportamentos biológicos, retardar a deterioração (ou resistir-lhe), e consequentemente aumentar as taxas de produção. Simplificadamente, poderá dizer-se que a engenharia genética procura aperfeiçoar os organismos objecto da sua acção por meio de um autêntico jogo de corte e colagem de atributos, transferências de genes de organismo A para B, ultrapassando - ignorando mesmo - desta forma, uma evolução natural que apesar de tudo existe sempre, mas em que cujas tendências, neste caso, conseguem ser mais ou menos previstas, seguidas de outras tantas completamente imprevistas, tornando possível condicioná-la e de alguma forma orientá-la por outros caminhos alternativos. A vontade de experimentar torna-se irresistível. Imagina-se um super-produto, um super-organismo, a ambição de criar algo que vai buscar o melhor de todos os lados, deixando naturalmente o pior pelo caminho. Num ensaio feito em Taiwan, genes de medusa foram introduzidos em embriões de porcos, cujas patas e focinhos nasceram amarelos, brilhando quando sob luz ultravioleta. A visão do resultado pode repugnar num primeiro instante, pela estranheza e pela aparência alienígena dos bichos, mas para além deste efeito também se pode sentir um certo fascínio, a imaginação desperta e começa a perceber a possibilidade das mais obscuras fantasias.
Pág. 7 (de cima para baixo) Autor desconhecido, An ape of Java / Ora=Ootan Adolf Loos, Looshaus (Viena) - sobreposição da malha estrutural em fotografia de época (montagem do autor); A experiência com os porcos de Taiwan
Não se poderá afirmar que aqui a memória adquirida desaparece ou que é violada mas certamente que se transfigura, que há um cruzamento de memórias e embora o processo natural, no sentido de ser livre de interferências terceiras, não deixe de o estar e passa também a ser, em parte, sintético. 7
artigo
La Charcuterie Mécanique Mafalda Miranda Aluna do 4.ºano do dARQ
Um dos assuntos que assombram a arquitectura é o entendimento do que distingue uma boa cidade. Para melhor analisar este paradigma, estabelecemse comparações entre as cidades que consideramos atractivas e as que consideramos disfuncionais, tendo em conta os factores inerentes à sua génese e desenvolvimento e os agentes externos que a restringem - casuística das cidades. No entanto, a resposta que se procura resulta numa arbitrariedade de preferências peculiares provenientes de vivências triviais. Ainda assim, esta demanda de definição ideal deve ser precedida por introspecções vigorosas. Veja-se a cidade personificada: ruas como artérias, parques como pulmões, esgotos como cólon, escritórios como cérebro e o centro como coração. Na verdade, é isto que Lynch afirma ao longo de “A Boa Forma da Cidade”1, não desfazendo a oponência entre cidade-organismo ou cidade-máquina: ‘As cidades não são organismos e ainda menos máquinas. Não se desenvolvem ou modificam por si próprias, nem se reparam ou reproduzem sozinhas. (...) Mas é mais difícil, e mais importante, analisar a inépcia fundamental da metáfora e como ela nos leva irreflectidamente a eliminar os bairros miseráveis para evitar a sua “disseminação sem forma”, e por aí adiante.’ 2 Ao longo da história, não há garantias que sustentem a veracidade das descrições existentes relativamente à forma e funcionamento das cidades antigas. Ainda que se tratem de relatos na primeira pessoa, a dimensão interpretativa varia em função do sujeito.
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Ainda assim, somos habituados, desde cedo, a observar a tradição clássica, pelo legado que os antigos nos deixaram, comparandoos com as sociedades actuais, indagando frequentemente semelhanças a nós mesmos. Observamos o Parténon da Acrópole de Atenas e o Panteão de Roma e admiramos estes povos pioneiros, cometendo o lapso de converter estas aprendizagens em desejos pessoais. Consequentemente, esta ingenuidade ilude-nos e damos por nós a imaginar um reviver da cidade antiga nas leis da actualidade. Inconscientemente, filtram-se os valores positivos e os mais inconvenientes são ignorados. Ou seja, desprezamos as diferentes noções de liberdade de períodos bastante distintos, não entendendo (por)que as políticas outrora implementadas jamais poderão voltar a governar o Homem.3 Se as normas da antiguidade já não são as mesmas, a razão reside no progresso da “matrix” da inteligência humana. Território, na sua etimologia, refere-se a uma porção de área demarcada sob a posse de alguém/algo. O sujeito que a possui torna-se no personagem principal, temporariamente responsável pela linguagem que esta ostentará, até perder as competências necessárias para a dirigir. Pode optar por manter a sua préexistência ou simplesmente quebrar com ela. Kevin Lynch. A Boa Forma da Cidade. Porto: Edições 70, 1999 Kevin Lynch. Ibidem, pp.94-95 3 Italo Calvino. As Cidades Invisíveis. Lisboa: Editorial Teorema, 1999 4 Thomas Moore. A Utopia. Rio de Janeiro: Athena, 1937 1 2
Paralelamente, “cidade” define-se como zona urbana, caracterizada por critérios populacionais, densidade e estatuto legal, embora ainda em estado inconclusivo. No ponto de vista comum, a cidade é associada ao ritmo frenético automobilista e a uma grande complexidade edificada. Pela sua diversidade de recursos, mantém-se a expectativa de que responda às constantes carências que vão surgindo. No entanto, o construído não é efémero, deixando consecutivas cicatrizes no território, à mercê do responsável. Thomas Moore escreveu “Utopia”, descrevendo pioneiramente o conceito como algo que se desenvolve muito para além do seu significado. Definir geográfica e territorialmente a utopia era o seu propósito, tendo como base a condição autónoma da sociedade urbana, cuja transcendência espiritual dependia dessa autonomia.4 O caminho para o qual a sociedade iria tender implicaria, inevitavelmente, o discurso ideológico sobre como o poder se instala e a relevância que detém. No início do milénio, a massificação das produções exponenciou os níveis de consumo, obrigando a um aumento numérico de matéria substancial. No terceiro lugar do ranking de exportações agrícolas, a produção de carne suína na Holanda alcançou, em 2000, o valor singelo de 19 milhões de porcos por ano. No entanto, durante o processamento não foram previstos equívocos que reverteram em novas doenças, como a Gripe Suína e as Doenças das Mãos/Pés. Estes prejuízos salientaram a progressiva questão consumista, questionando
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entrevista
Fala Atelier Joana Alarcão e Rui Agnelo Alunos do 3.º ano e de dissertação do dARQ
Os Fala são o Filipe (Porto, 1987) e a Ana Luisa (Porto, 1988), arquitectos recémformados na FAUP, com breves paragens profissionais em Basileia e Tóquio, mas já com um extenso corpo de trabalho. Como apresentação, na sua página online, referem que “cada projecto é o produto de um processo de desenho aberto a novas formações. Sendo precisamente limitado por fronteiras específicas e provocações, mas sem medo de se tornar utopia, esta abordagem retórica procura produzir uma insinuação disciplinada” 1.
Parece haver uma influência japonesa que se
A descontração e informalidade que transparece da entrevista deixa a impressão de que podiam ter falado durante horas. Apesar de a certa altura surpreenderem dizendo que foi de memória que menos se falou, as respostas demonstram o contrário. Afinal, como eles próprios sugerem, quase no final da conversa, a memória é o combustível da imaginação.
um projecto, e podemos pegar no exemplo do
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manifesta sob a forma de uma aculturação, no vosso trabalho. O projecto de habitação social “Alvenaria” é um bom exemplo disto, e chamou a nossa atenção por conter referências bastante explícitas do trabalho recentemente feito neste país. Desta cultura e forma de fazer arquitectura, o que é que vos interessa e o que nos poderá interessar no contexto nacional? Filipe: Quando estive a escrever a minha tese, escrevi um capítulo inteiro sobre memória, e estive a ler vários autores, a ver o que eles diziam sobre isso, e falavam todos nesta espécie de roubo inconsciente constante. Nós estamos constantemente, quer queiramos quer não, desde o dia em que nascemos até ao dia em que falecemos, a tropeçar em imagens e a guardá-las, mas não guardamos as imagens pelo que elas de facto são, guardamos uma interpretação muito pessoal do que vamos vendo nestes sítios. Quando fazemos “Alvenaria”, o que estamos a tentar dar é uma espécie de magnificação, uma ampliação de um determinado sentimento e de uma memória, de uma imagem, uma sensação que nós queremos amplificar naquele lugar. No caso do “Alvenaria”, e o lado japonês que nele se reflecte - mas até nem seria o exemplo mais “japonês”, diria eu, embora seja um bom exemplo - passa muito por esta ideia de que quando falamos em habitação social em Portugal, começamos automaticamente a falar em áreas, em custos, em tudo aquilo que representa uma problemática social, mas a arquitectura em si propriamente dita não tem assim muito peso.
Mesmo no caso do projecto “Alvenaria”, nós não conseguimos consultar todos os projectos mas tivemos acesso ao critério que originou o primeiro lugar, e foi o que construíu a 300 euros/m2. Não sei se vocês têm noção do que é isto, é zero, é construir barracas. A: Achámos que tínhamos um preço por m2 extremamente baixo. F: O concurso define um regulamento de 600 euros por m2, é o valor máximo. Nós tínhamos 500 por m2. Partimos do princípio que temos quase 15% abaixo do preço de custo, pelo menos nesse requisito ninguém vai tocar, quando na realidade o critério de seriação foi apenas, e só, quanto mais barato melhor. Portanto a habitação social em Portugal está um pouco ligada à habitação barata. Mas para responder à vossa pergunta concretamente, o projecto é muito japonês, é muito metabolista acima de tudo, tem muito de gráfico, nas imagens inclusivamente somos muito directos na referência, mas mais do que isso, a construção do projecto é altamente metabolista, portanto aquilo que não se vê nessas imagens é
transformável, uma modelação que está em constante transformação, porque era isso que os metabolistas queriam... A: Um edifício que pudesse ser mutável. Todo o projecto tinha de ser mutável e nunca perderia a sua identidade. F: E tanto que poderiam reciclar o espaço, ou seja, num T3 há um idoso que falece e fica um quarto vazio durante 20 anos até os filhos ficarem idosos e falecerem também. E então, esse quarto passa rapidamente para o T2 do lado, que tem uma família jovem com um filho que precisa de crescer, portanto esta ideia é muito mais social do que arquitectónica. A sociedade tem X metros quadrados, o que dá uma média de X sobre tal m2 por pessoa, todos têm direito ao mesmo, e naquele casal que falecia, alguém ia ficar com o dobro e o que tem um filho ia ficar com metade, ou seja havia uma diferença de quatro vezes a área disponível. Socialmente, isso é altamente desequilibrado, só que isto é um valor não muito discutido. A referência japonesa aqui, para nós, vem em duas camadas, na camada objectiva,
o Kisho Kurokawa, é Nakagin, é o Kikutake, é
de ver, mas tem muito mais a ver com esta ideia
“each project is the product of a design process open to new formations. while precisely limited by specific boundaries and provocations, but not afraid of becoming utopia, this rhetoric approach aims to produce a disciplined innuendo”, www.falaatelier.com
de um espaço mínimo, adaptável, um espaço
Pág. 15 Bairro social Alvenaria, Lisboa, 2013
o Kenzo Tange, por trás desta geração nova que vem muito nas revistas e que todos gostamos
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artigo
Eratosthenes1 Tânia Neves Correia Aluna de dissertação do dARQ
A concepção de mapas vai ao encontro da
urbano, do habitat e da mobilidade. “Constant
necessidade do homem em orientar-se, em encontrar o seu rumo, mas também em expressar os seus desejos e estratégias, sendo consequentemente forçado a criar uma representação do território, seja para procurar um objectivo ou a expressar-se a outrem de forma rápida e eficiente. Até ao século passado, a representação científica dos mapas resultava numa obra de arte iconográfica, ainda que tal classificação não fosse imediata. Muito para além da reprodução espacial, estes documentos apresentam-se eficientes, de interpretação clara e hierarquizada, auxiliados pelos ornamentos que formam uma narrativa. Este tipo de imagens, que compõem o discurso urbano, sofreu um forte impacto tecnológico no século XX, com o surgimento das ferramentas informáticas, em consonância com as mudanças na sociedade e no pensar urbano. Hoje, os mapas de cariz geográfico continuam a ser produzidos, ainda que seja com outros meios, mas sempre com a mesma intenção: a interpretação pragmática do espaço. Mas como são encarados os mapas de agora?
Nieuwenhuis” quebra fronteiras, num desenfreado optimismo, em que o Homo Ludens2 não vê limites espaciais, nem de meios, numa terra sem princípio, nem fim. Este Homo Ludens é o ser urbano, o homem que cria uma nova relação entre a sua individualidade e a comunidade e o espaço urbano.
Guerras, ditaduras, consequentes reorganizações económicas e conquistas políticas, de modo geral, alteraram a vida em sociedade, tornando-a mais flexível e facilmente adaptável a mudanças, inclusivamente às tecnológicas e mecânicas. As necessidades que estes factores evidenciam contribuíram para o desenvolvimento das redes de transportes, das tecnologias de comunicação e do pensamento cosmopolita e consumista, processos esses que mexeram com as massas e que provocaram um forte impacto nas últimas décadas, precisamente quando se começou a dar um novo sentido ao nomadismo. Os ciganos de Alba foram, involuntariamente, impulsionadores da Nova Babilónia, um plano que, embora utópico, entrelaça os temas do
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Neste contexto, as mentalidades abriram-se para uma perspectiva mais global, onde se pensa à escala planetária, com trajectos também eles espontâneos e instintivos. É a liberdade espacial, agora cronometrada, numa Babilónia de quantidades infinitas de redes e de cruzamentos de informações, que obrigam a uma organização sistemática e, inevitavelmente, a uma memória mais selectiva ou com carácter objectivo. A tecnologia e a inteligência artificial tornaramnos numa espécie de Homo Ludens, errantes virtuais e flâneurs pela imagética. Hoje, facilmente viajamos e conhecemos qualquer canto do mundo, através da variedade de mapas que nos são disponíveis hoje em dia, e pelos mais variados meios. O mapa deixou de ser desenrolável ou desdobrável mas sim descartável. Como orientação ou localização, o facto é que estes se tornaram virtuais e de acesso tão rápido quanto desfazer-se deles depois da sua utilização. A nova cartografia revolucionou a forma como as pessoas lidam com o território, mesmo sem nunca o terem percorrido; não têm limites nas distâncias, nem nas escalas. Os mais recentes gadgets como os smartphones, tablets, computadores ou GPS’s, com uma mera (276 a.C – 194 a.C.) Intelectual da Grécia Antiga, foi responsável pelos primeiros estudos sobre geografia e cartografia, tendo feito o primeiro mapa do mundo até então conhecido. 2 Expressão criada pelo professor e historiador holandês Johan Huizinga (1872 – 1945) em 1938. 1
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artigo
Chamem-me o que quiserem
4.43
3.28 7.71
0.22
João Miranda Aluno do 3ºano do dARQ
Tornam-se dois pisos completamente independentes.
15
18
17
16
Divididos por um grande armário e uma parede falsa. Desta forma, ficam duas casas. O tempo avança e um habitante sai, deixando uma livre. A outra continua ocupada. A sala não é suficiente e aparece então uma maior, num patamar superior. Ainda nesta, a lareira é refeita. Duas portas fazem a ligação para o exterior. As refeições de família passam a ser aqui. A colocação de uma porta, o aparecimento de uma salamandra e a recolocação do bar, ao fundo, transformam a primeira sala.
1.02
19
14 13
2.55
12 11 10 9 8 + 3'-6"
7
2.10
1.08 0.52
0.63
Por cima, ergue-se um espaço com uma grande vitrina. Havia servido enquanto lavandaria e sala de estar. Por enquanto, é apenas sala mas mais tarde não terá nada. No exterior, constrói-se uma escadaria para ligar o espaço do piso superior àquele onde está o banco e a mesa. O tempo avança, o frio instala-se e a criança já brinca no novo espaço, deixando para trás tudo isto.
O lote lá está, claramente definido. A forma aparenta estar resolvida. O tempo avança, nasce a criança e com ela, um recreio exterior. A criança cresce. A criança brinca. O recreio é destruído porque esta já não brinca. Novamente um espaço vazio. Como solução, coloca-se um banco e o espaço muda. É aí que a criança se senta sozinha. Junto ao banco, uma mesa apazigua o local, e as refeições de Verão passam a ser aqui.
2.84
4.11
2.84
2.38
2.02
1.84
3.81
2.29
1
5.69
2
0.87
3
Tijolo a tijolo, ergue-se. O fio-de-prumo e o nível organizam um espaço outrora vazio, delimitado por um murete incompleto. Entretanto, este é refeito. Os dias vão passando, os tijolos aumentam, a argamassa seca. O tempo avança. De fora, é pintado, coloca-se um rodapé com a pedra local. Começa por existir um alpendre, surgindo depois um churrasco. No fumeiro, há carne a secar. A horta deixa de fazer frente e desloca-se para um plano mais recuado. O galinheiro já tem cobertura. Os diospireiros, figueiras e pereiras são repostos depois do trilho construído.
0.42
4
0.32
3.09 10.70
5
0.85
0.60
0.73
2.88
0.22
0.27
4.19
4.76
0.69
0.46
2.53
3.8
6
4.35
30
3.28
2.96
1.85 3.18
3.13
0.80
0.16
3.81
19.78
4.62 0.30
5 6 7
2.36
8
11 12
3.67
9 10
13 14 15 16
0.66
1.68
3.16
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A construção avança. Os pilares são erguidos. A viga é retirada. A estrutura de madeira é retirada e opta-se por uma metálica. Algumas telhas são renovadas. Entre estas, constroem--se clarabóias com janelas rebatíveis. Há assim mais um espaço para ser utilizado que, para já, está estagnado. Os parafusos, os montantes, a lã de rocha, o polistireno extrudido e o gesso cartonado continuam espalhados. O espaço está a ser controlado arbitrariamente. As cartas em cima da mesa.
0.64
0.60
0.45
A entrada muda. Aqui surge um telheiro com frontão. A passagem passa a ser coberta. Graças ao pequeno avanço, a varanda teve que ser destruída. Refaz-se depois mas agora mais pequena. O tempo avança. Na sala, destrói-se a lareira e retirase o bar. A sala agora é quarto. O quarto muda (assim como o outro também), a sala muda, uma das casas de banho muda mas a cozinha permanece. As refeições continuam no mesmo sítio, agora que a criança nasceu, assim como as refeições de família. Mas desta vez com menos pessoas. O espaço restante vai-se tornar numa sala de costura para a roupa do recém-nascido.
3.36
3.25
0.71
3.48
0.83
1.11 22
23 24 25
26 27 28 29 30 31 32
21
20 19 18
17 16 15 14 13 12
UP
+ 3'-6"
DN
0.28 4.33
1.19
2.22
Duas paredes vão formar mais quatro espaços: dois quartos, uma casa de banho e uma pequena sala de brincar (pena que a criança já não viva aqui). Os novos elementos já não se distinguem. A paisagem muda. A vivência é adaptada. O tempo avançou e os elementos integraramse. Já não são novos e submeteram-se ao espaço apenas definido pelo murete, que entretanto se tornou portão. O Sol raia quente. Volta o calor e a criança vem com ele. A criança senta-se no banco, observa.
1.03
0.91
2.42
4
À primeira sala, anexa-se mais um quarto. Cá fora, num patamar, recoloca-se a mesa e o banco. O espaço volta a ficar vazio. Destrói-se o pavimento ao lado do quarto. Aparece uma cave. Mais tarde será garrafeira e um espaço de arrumos - para já, nada. Uma escada interior liga a cave ao piso do novo quarto e da nova sala.
3.43
3 4
1.09
0.84
1 2
2.57
2.45 1.75 0.91
2.87
1.15
0.35
0.35
3.53
4.96
1.09 0.56
0.30
12.39
3.87
3.58
2.32
1.68
0.79
Forma-se um percurso no anterior vazio. O fumeiro aumentou. Acrescenta-se mais uma pequena divisão para armazenar os enchidos. O poço é restaurado e junto dele aparece a garagem. Mais acima, está o depósito de lenha. A laranjeira fica. A frente ornamentase com um pequeno lago, rodeado de ajardinados com um banco de baloiço. No murete, a porta é coberta com um floreado em coroa. Plantam-se roseiras. Aparecem patamares, onde os canteiros ganham forma e dão cor.
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Quem sou eu?
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Toda a Europa à Proa ‘Não vale a pena andar de bloco na mão e lápis afiado se o coração não vê o que lhe pertence em qualquer lugar do mundo.’ 1 A viagem sempre esteve presente no percurso dos arquitectos de forma ininterrupta. De Le Corbusier a Fernando Távora, a aprendizagem e descoberta de novos caminhos e a desmitificação de academismos é prova viva de que este handicap é fundamental para a evolução de pensamento crítico do arquitecto. Para o estudante de arquitectura, esta evolução tem vindo a iniciar-se cada vez mais cedo graças aos protocolos entre universidades. Dentro dos cursos de arquitectura na Europa, o Programa Erasmus torna possível a deslocação de um grande número de estudantes em cada ano lectivo. Assim, é inevitável que a mudança de panorama dê origem a um confronto para a pessoa que embarca na viagem, alterando rotinas e proporcionando oportunidades de conhecer (e reconhecer) uma cidade e o espaço, lugar e história que nele subsistem. Desta forma, foi dada aos três membros da redacção que prosseguiram no programa Erasmus a tarefa - algo arriscada - de relatar uma memória recente da cidade-destino e, de certa forma, confiar num instinto e perspicácia necessários para conseguir comunicar uma observação que é simultaneamente tão rigorosa quanto naif.
Agustina Bessa-Luís. Breviário do Brasil. Porto: ASA, 1991, pag.38 in Ana Raquel da Costa Mesquita. O melhor de dois mundos: a viagem do arquitecto Távora aos EUA e Japão - Diário 1960. Coimbra, 2007, p.7
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artigo grรกfico
Diego Rayck, Vetor 42
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artigo
Vivência, Ausência e Confronto Pedro Caiado Aluno do 4.ºano do dARQ
No que diz respeito à memória, interesso-me particularmente pelo seu processo de formação e selecção. Embora o cérebro humano tenha a possibilidade de registar todos os acontecimentos de uma vida, para a esmagadora maioria de nós, as recordações de um determinado acontecimento são agrupadas em pontos de convergência e divergência. Isto é, a nossa memória capta vários fragmentos sensoriais dispersos no tempo que são mais tarde assemblados, reconstituindo parcialmente o momento1. Neste aspecto, a memória é oposta à fotografia, uma vez que esta última capta com o mesmo rigor numa única imagem o que a primeira capta em várias e com intensidades diferentes. São antagónicas na sua génese mas extremamente próximas no resultado: se tomarmos cada fracção de segundo como uma unidade, nada se aproxima mais do registo visual humano do que o registo fotográfico, apenas o medium é diferente. Assim, poderemos dizer que a vivência encontra o seu equivalente no registo fotográfico que pretende apenas gravar uma imagem, sem qualquer interpretação implícita ou explícita. A título de exemplo, a obra de Bernd e Hilla Becher vive da imagem pela imagem. Em cada fotografia dos seus painéis de torres de arrefecimento, maquinaria de indústria mineira ou depósitos de água, vemos uma imagem inflexível a associações ou segundas interpretações, a imagem diz-nos tudo o que há para se dizer sobre ela, se estivermos dispostos a escutar em silêncio. Todas as suas obras deixam bem claro que não há mais nada inscrito nas fotografias senão a pura documentação para que se possa apreender claramente a forma e função, como se fossem material de estudo científico. O mesmo se poderá dizer da obra de Karl Blossfeldt. Destinado ao ensino das artes, o “Urformen der Kunst” é um livro com um objectivo extremamente
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claro: mostrar a pintores, escultores e arquitectos as formas geométricas (expressão visual das regras matemáticas) por detrás dos organismos naturais para que, por sua vez e da mesma forma, a arte possa ser uma extensão da natureza. Para o conseguir é preciso estar limpo de qualquer referência que não advenha de fontes directas, não pode existir nada que nos perturbe na apreensão de um conhecimento em primeira mão. Da mesma forma que os Becher, Blossfeldt fotografa com o fim de criar documentos que mostrem claramente e sem conotações o objecto em questão. Se este conjunto de obras se aproxima da memória humana no sentido em que são compostas por vários momentos que criam uma continuidade sem perturbações, Henri Cartier-Bresson aproxima-se pelo pólo oposto: se a obra dos primeiros constitui uma base homogénea para a memória, a do segundo é o que sobressai. A sua obra prende-se igualmente pelo registo de momentos singulares e que, à partida nada contêm de extraordinário mas que revelam o seu verdadeiro poder enquanto imagem de gestos simples e despreocupados como uma ligeira torção do braço ou um pequeno salto. Bresson capta estes fragmentos de forma exímia e o seu próprio método incita à fugacidade: a escolha do local certo, a espera de que algo aconteça, investidas e hesitações. E, no final do dia, o que interessa é se obtivemos uma boa imagem para depois se passar à próxima fotografia. Assim, não há narrativa, não deve haver tempo para nos debruçarmos demasiadamente sobre as imagens, devemos apenas observar, apreciar a composição e virar a página. António Damásio. How MemoryWorks [ficheiro em vídeo], Big Think: 2010 1
(esquerda para a direita) Bernd & Hilla Becher, Coal Mines, 1976-87; Karl Blossfeldt, Dipsacus Laciniatus, 1929 (baixo) Henri Carter-Bresson, Madrid 1933
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artigo
Ruína, questões do Imaginário Miguel Mesquita Aluno de dissertação do dARQ
Uma coluna aparece no ecrã. Talvez não fosse uma coluna, mas é. Sabemos que o é pelo conhecimento prévio que adquirimos sobre este tipo de objecto. Primeiro as estrias, depois um plano sem base nem capitel e logo se confirma: aparece o templo. Coluna e templo, pedras e montanha. O filme desenrola-se e o objecto não perdura, é o fantasma do que foi que nos consome, que nos envolve. Aqui a ruína é protagonista, é ela que nos intriga e nos puxa a imaginação, é a personagem principal. Em “Bassae”1, Jean-Daniel Pollet filma o Templo de Apolo. Contudo, o facto de o objecto caracterizado ser este templo em particular, é de tal maneira secundário para o desenrolar da acção que o discurso não se preocupa em contextualizar a imagem que acompanha. O assunto que se pretende expor nada tem que ver com as origens do objecto, já vastamente estudado e devidamente catalogado. Este templo poderia ter sido qualquer outro templo que acolhesse em si a mesma característica predominante que concede ao objecto a razão de ser cenário. A Pollet, interessalhe a ruína. A ruína enquanto sujeito e o tempo enquanto verbo. O Dieu Temps2 que impõe a acção desta enquanto estado incontornável sobre o objecto criado. Reconheço a ruína como estágio primitivo da memória. Reconheço-o, em primeiro lugar, por ser coisa que não era, por existir enquanto resquício do que foi, enquanto algo que não tinha como propósito desempenhar a função a que se cinge. A ruína evoca, ela própria, não só a nostalgia e a curiosidade da história por detrás do estado 50
ruinoso e do processo de decadência, mas também da natureza da construção do objecto original. Em segundo, porque a qualquer ruína se associa o medo da ignorância do facto3 que, de acordo com a noção de valores de história e de antiguidade instaurados por Alois Riegl4, a eleva ao estatuto de monumento. A relação entre ruína e memória é preciosa pela sua simbiose de forças onde o objecto depende necessariamente do seu estado dormente para sobreviver, quer enquanto objecto, quer enquanto memória. Entendo, portanto, a ruína como este catalisador da memória à qual, pela presença histórica e cognitiva, é atribuído um carácter monumental. Mas, acima de tudo, reconheço na ruína o valor primário da memória por se ligar instintivamente ao principio mais básico da mesma, o Imaginário. Refiro esta noção enquanto base da memória consciente de que está, em grande parte, dependente de conhecimentos adquiridos. Isto é, só conseguimos imaginar porque subvertemos
Documentário (1964) realizado por Jean-Daniel Pollet e escrito por Alexandre Astruc 2 Dieu Temps - tradução francês para “Deus Tempo.” Expressão utilizada no filme “Bassae” e mencionada no artigo para enfatizar a característica imperativa do tempo, que se impõe com o peso de uma divindade. 3 Riegl defende em “O Culto Moderno dos Monumentos” que um objecto que é o único do seu tipo assume estatuto de monumento pela eminência do desaparecimento do conhecimento que dele advém. Neste sentido, o termo “ignorância do facto” é empregue para enfatizar esse estado que promove um objecto histórico a monumento. 4 Alois Riegl. O Culto Moderno dos Monumentos. Lisboa: Edições 70, 2013 1
e recontextualizamos informação, previamente arquivada e catalogada, na criação de uma imagem. Estas imagens são elas mesmas razão da formatação de pensamento e responsáveis pela construção de novos dados. A propósito do termo memória-imaginação avançado por Gaston Bachelard, em “A poética do Devaneio”, escreve Gonçalo M. Tavares o seguinte: ‘Esta memória-imaginação põe de lado a História, mesmo que pessoal, enquanto conjunto de factos fixos e incontestáveis. (...) O que se fala aqui é do louvor a uma memória baralhada, a uma memória imprevisível. (...) Na memória que trabalha directamente com o imaginário o que importa não é tanto a veracidade, mas a intensidade.’ 5 Se o Imaginário corresponde a um conjunto de imagens derivadas de um grupo especifico de conhecimentos, podemos então afirmar que, determinada ruína nos leva a um conjunto de assunções. Podemos encontrar paralelo a este pensamento em Freud6, no que diz respeito aos seus estudos sobre a natureza do inconsciente e suas manifestações. Segundo o filósofo alemão,
a origem do sonho (e as suas interpretações) reflecte pois o efeito da percepção de um conjunto de experiências a que determinado individuo se expõe. Essas percepções são manipuladas para determinar um cenário que é o “ideal” sobre esses acontecimentos. Assim, tal como o sonho corresponde a uma representação de vários estímulos sobre um episódio específico, também o Imaginário existe mediante um misto de referências perante determinada matéria. Entenda-se, ainda assim, que estes fenómenos não têm que ser necessariamente fantásticos, mas são claramente sempre de natureza fantasiosa - a qualquer experiência prática ou cognitiva a que o Homem é exposto, segue-se uma reprodução fictícia da realidade que corresponde à sua interpretação individual. Assim o explica M. Tavares, ainda no mesmo livro, a propósito de “escutar, ver, criar”:
Gonçalo M. Tavares. Atlas do Corpo e da Imaginação. Lisboa: Caminho, 2013, p.375 6 Sigmund Freud. A interpretação dos Sonhos. Lisboa : Relógio d’Água, 2009 5
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à conversa com
Daniel Blaufuks Pedro Caiado e Pedro Treno Alunos do 4.ºano e de dissertação do dARQ
A conversa com Daniel Blaufuks teve lugar no café Flor das Avenidas em Lisboa. Falou-se do processo e técnicas dentro da sua obra, abrindo caminho para uma discussão em torno da memória. Tendo esta enquanto fio condutor para percorrer os trabalhos do fotógrafo, falou-se de montagem, arquivo, revolução e da complexidade que se estabelece quando se associam vários aspectos desta temática. Encarando a fotografia enquanto poesia e o passado como uma peça fundamental para a compreensão de muitas das questões que o ocupam, Daniel Blaufuks trabalha com e para a memória. Para si, o processo analógico é essencial para a compreensão de cada projecto, para facilitar a associação das memórias dentro deste? Não, porque grande parte do meu trabalho é digital. Acho que cada processo tem, de certa forma, a sua linguagem e a fotografia é uma das artes que está bastante ligada ao processo tecnológico. A fotografia e o cinema estão muito mais ligados, de certa forma, à indústria do que a pintura, por exemplo: a evolução das tintas tem menos influência do que a evolução tecnológica na fotografia (digo eu mas se calhar algum pintor o dirá de outra forma). E dessa maneira, a apreensão da fotografia é diferente hoje do que era há vinte anos atrás quando era
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exclusivamente analógica e por isso interessa-me às vezes trabalhar com esses processos mas, em grande parte, o meu trabalho é em suporte digital. Também penso que corremos muito o risco de, ao usar um método tecnicamente ultrapassado, cairmos logo numa determinada nostalgia muito óbvia. É um pouco como: se eu receber uma carta escrita à mão, a minha apreensão será sempre diferente de uma carta escrita no computador, no entanto as palavras se calhar são exactamente as mesmas. Portanto, acho que há essa importância: de pensar no processo que se está a utilizar e porque é que se está a utilizá-lo. Muitas das vezes, os fotógrafos dizem que o digital não tem a capacidade que o analógico tinha e sim, até certo ponto é verdade mas acho que também é perigoso ficarmos a bater nestas questões que estão felizmente ultrapassadas. Visto que o seu trabalho percorre vários formatos (p. ex. filme, slide, polaroid, cianótipo na fotografia e super 8mm e 8 mm no vídeo), o processo que os reúne é a montagem cinematográfica? Uma exposição é um grupo de trabalhos que têm de ter uma coerência entre eles e esta consegue-se através da montagem. Quer dizer que trabalhos muito diferentes podem ser, no entanto, coerentes. Uma fotografia a cores pode ser coerente com uma fotografia a preto e branco, uma fotografia de uma paisagem com a fotografia de uma pessoa, está tudo relacionado com essa estrutura de montagem. Uma pessoa tem de pensar e depois criar, se isso tem que ver com a montagem cinematográfica já tenho mais dúvidas porque esta tem muito que ver com a cronologia, precisa de ter um tempo atrás do tempo, determinada acção vem depois de outra acção. E na fotografia, isso não existe e posso baralhar completamente as coisas: ao mostrar o campo, também estou a assumir que está muita coisa fora de campo e isso num
trabalho fotográfico é muito importante. Há uma
tempos que, no fundo, é a memória: utilizar vários
margem da fotografia, uma limitação, no fundo é a presença que chama a atenção para a ausência: o que está lembra o que não está. E tudo isso entra nessa montagem. Por exemplo, na exposição “Utz” (2012), os cianótipos são cianótipos de origem mas para os fazer daquela forma e daquele tamanho, tive de recorrer ao digital. Trata-se de uma transmissão de tecnologias: combino uma tecnologia bastante ultrapassada – o cianótipo não tem qualquer utilização prática, é uma técnica básica do início da fotografia – onde a luz faz sombra sobre um objecto e se consegue gravar essa sombra noutro nível, utilizando depois a alta digitalização com grandes scanners e com papel fotográfico contemporâneo. No fundo, é isso que me interessa, a transmissão ao longo dos
métodos fotográficos para combinar a memória de todos esses tempos. Na mesma exposição, havia aquele zeppelin representado em várias polaroids que já tinha tirado há muitos anos, algumas fotografias que o meu avô tinha tirado e outras eram estereografias compradas. E portanto foram vários métodos que formaram essa ideia de transmissão. No fundo, a montagem para mim é mais isso, uma ideia de transmissão: de mim para quem vai ver e também geracional. Começou o seu trabalho com uma forte ligação à literatura, citando como exemplo o trabalho com o escritor Paul Bowles no livro “My Tangier” (1991) e também a recente participação na edição portuguesa da revista
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artigo
Isto não é uma adega (é um templo) Pedro Treno Aluno de dissertação
Esta é a história de um homem marcado por uma imagem de infância.1 Assim começa “La Jetée”, filme pré-futurista, pioneiro de uma ficção científica, tão frenética quanto intimista, apocalipse desafiado pela relação impossível entre um homem e uma mulher, mulher essa que está presente na dita imagem perdida na memória do primeiro. A noção de passado representada por essa relação que presumivelmente nunca existiu vai sendo distorcida à medida que a figura masculina avança em direcção a várias fases do futuro, acabando por recusar a eventual permanência num mundo seguro, pacífico, onde os problemas são inexistentes, para poder voltar à sua imagem enigmática, onde nada é certo mas o impulso de ficar é altamente desejável. Insurgindo neste hipotético regresso ao passado, numa aproximação à regressão, pode-se entender a arquitectura - numa determinada percepção espacial - de outra forma, fazendo uso das memórias e dos vestígios que o tempo foi deixando, possivelmente à espera que alguém lhes pegue de novo, para que não seja em vão a sua passagem por este mundo. Qual é a dimensão temporal da memória? E como se desdobra a mesma memória na arquitectura? Sendo perguntas que podem ser tão complexas como triviais, não se pode chegar perto de uma resposta ou ensaio ultra-rigoroso sobre tal neste artigo, correndo talvez o risco de se perder na timeline (La Jetée dixit), à procura de metáforas e analogias que nem sempre são consequentes. Contudo, é tangível afirmar que a percepção do arquitecto em relação à memória vai mudando frequentemente ao longo dos séculos, década após década, revolução após revolução, com ou sem vanguardas. 68
A interiorização da arquitectura dentro de um território muitas das vezes pressupõe um olhar benevolente e optimista em relação ao significado e à importância de determinadas obras dentro da cultura onde estão inseridas. É por isto que, quando se entra em Paris, eis a Torre Eiffel que passou de escultura aberrante odiada por metade da cidade (incluindo artistas e arquitectos) a ícone amado por habitantes e turistas. Quando se fala em ícones, associa-se automaticamente o turismo e a carga simbólica presente nos ditos edifícios. Mas os acontecimentos que aí tomaram lugar, registados e adaptados pela literatura, pela arte, pela historiografia e por toda uma cultura popular desenvolvida no século XX, são frequentemente reduzidos a meia dúzia de factos e dificilmente sobrevivem da melhor forma, tornandose associados a histórias e não a memórias. A arquitectura enquanto ruína (e depois enquanto monumento) é a prova física de um passado, onde a história está presente por intermédio da percepção que, aliada ao conhecimento, origina assim uma experiência muito mais profunda de significado que acontece entre visitante e lugar. Pegando nesta lógica de visita e de contemplação em jeito de uma homenagem instituída, tenta-se compreender o fascínio dentro da noção recente de memória e da sua expressão construída. É então pertinente procurar o pensamento por detrás desta consciência através de alguns exemplos do século passado e de alguns registos de perdão e lembrança assentes na moral contemporânea - a piedade colectiva que tarda sempre a chegar sendo que, na maioria dos casos, é instaurada depois de uma catástrofe ou episódio traumático. Depois, para não cair no esquecimento, as estratégias são várias.
‘(...) porque todas as coisas estão constantemente a cair no esquecimento a cada vida que se extingue, o quanto o mundo como que se esvazia por a história de incontáveis lugares e objectos, em si incapazes de memória, nunca ser ouvida, nunca ser mostrada ou transmitida.’ 2 Em 1926, Mies van der Rohe desenha o memorial para os militantes defuntos Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht, fundadores do grupo Spartakusbund (que originou depois o Partido Comunista Alemão) destinado a travar a permanência da Alemanha na Primeira Guerra Mundial. Construído no Cemitério Central Friedrichsfelde em Berlim, era um grande bloco rectangular de betão armado com revestimento de tijolo em toda a volta - tijolos esses que foram fabricados a partir de vestígios sólidos de balas provenientes de edifícios danificados ou destruídos durante as revoltas do Spartakusbund.3 Tendo sido demolido em 1933 pelo partido Nazi que havia ascendido recentemente ao poder, o simbolismo implícito no edifício acabou por ser derrubado pelo mesmo poder contra qual o grupo havia lutado. A Casa de Tijolo (1923), projecto não construído, é um dos exemplos mais explícitos da exploração formal e tectónica do arquitecto nesta altura, experimentando conceitos provenientes da pintura De Stijl aliados à construção em assemblagem. As paredes de tijolo são então o suporte para desenvolver a complexidade entre cheios e vazios, entre espaços assimétricos e divisões. Esta ideia de vários planos com paredes fixas teria sido explorada anteriormente pelo arquitecto Hendrick Berlage ‘Antes que ninguna otra cosa, la pared debe mostrarse desnuda en toda su sentida belleza.’ 4 E assim, as paredes rígidas do memorial são já uma confirmação das experiências de Mies que culminam mais tarde no projecto que será tido como um
exemplo máximo de clareza entre espaço e forma, o Pavilhão de Barcelona (1929). Porém, não se pode associar apenas argumentos de ordem técnica a este objecto quando existem razões que a própria arquitectura desconhece. Mies, numa entrevista feita em 1926 pelo comentador comunista Eduard Fuchs, explica o porquê de ter utilizado a parede de tijolo enquanto solução digna para o projecto: ‘As most of these people [Rosa Luxemburg, Karl Liebknecht, other fallen heroes of the revolution] were shot in front of a brick wall, a brick wall would be what I would build as a monument.’ 5 Aqui, a arquitectura cumpriu o papel de homenagear uma dupla de revolucionários através de um memorial que eleva a relevância política destes a partir da sua escala e magnitude, associado-se também ao simbolismo de resistência implícito na mensagem deixada pelos mártires. É também curioso observar que, três décadas mais tarde, na mesma cidade de Berlim, a ideia de muro a partir de um plano único de tijolo acabaria por se expandir para proporções grotescas, originando assim o muro que separou a cidade em duas partes, desde 1961 até 1989, quando foi deitado abaixo.
“La Jetée”, realizado por Chris Marker (1963) Winfried Georg Sebald. Austerlitz. Lisboa : Teorema, 2004, p.24 3 Ross Wolfe. Mies’ Memorial to Rosa Luxemburg and Karl Liebknecht (1926). Blogue “The Charnel House” (http:// rosswolfe.wordpress.com/) 4 Allan Greenberg, Ricardo Guasch Ceballos, Txatxo Sabater. Espacio fluido versus espacio sistemático: Lutyens,Wright, Loos, Mies, Le Corbusier. Sant Cugat: Escola Tècnica Superior d’Arquitectura del Vallès: UPC, 1995, p.56 5 Ross Wolfe. Ibidem
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Pág. 69 Mies van der Rohe - Memorial para Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht (foto e alçados) 69
artigo
O passado (não) é um país distante Tiago Gil Aluno do Mestrado em Arqueologia e Território da FLUC
‘The past is everywhere. All around us lie features which, like ourselves and our thoughts, have more or less recognizable antecedents. Relics, histories, memories suffuse human experience… Whether it is celebrated or rejected, attended to or ignored, the past is omnipresent.’ 1 A arqueologia é uma ciência multivocal e multitemporal, humana e social. Ultrapassa por isso o seu âmbito etimológico (do grego ‘Archaiologia’, referente ao discurso sobre as coisas antigas, ao estudo da memória material do passado que escapa à consciência da História2) ocupando-se de todo o passado, e não apenas do mais “antigo” ou “monumental”. Não se trata de um passado único e imutável, mas de múltiplos passados, variadas perspectivas que podem ser igualmente válidas. Desta forma, o arqueólogo lida directamente com a memória e com a arquitectura, na medida em que através dos vestígios materiais da última (na amplitude máxima do termo) procura recuperar a primeira, numa constante interacção entre o que resta das sociedades pretéritas e os desígnios existenciais das sociedades do presente. ‘(...) that Architecture is to be regarded by us with the most serious thought.We may live without her, and worship whitout her, but we cannot remember without her.’ 3 O passado é, por isso, omnipresente e permeia as nossas relações quotidianas. Uma das formas de evocação e até mesmo de eternização do mesmo é a arquitectura, uma vez que os edifícios e mais concretamente aqueles que pelo seu carácter rememorativo e valor histórico4, funcionam como mediadores entre o presente, o passado e o futuro, instrumentos de salvaguarda que prolongam e
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preservam a memória social das comunidades, bem como constituem ferramentas fulcrais na organização social das nossas experiências5. Os monumentos assumem-se, neste sentido, como estruturas duráveis, vestígios palpáveis de eventos passados, marcas identitárias de uma comunidade que transcendem o tempo da sua concepção e que, por alguma razão, funcionam como poderosos símbolos emotivos e evocativos. Mas toda a arquitectura, na sua transversalidade intrínseca e pluralidade formal, apresenta um carácter rememorativo. Ao estruturar o nosso espaço vivencial, molda a natureza à necessidade humana transformando a matéria em significado6 e intervindo de maneira decisiva na nossa relação com o meio e com os outros. A temporalidade da arquitectura é fundamental à preservação da memória pois constitui a consubstanciação do passado, a sua projecção no presente e a sua salvaguarda futura. Garante a perpetuação e transmissão de valores culturais e identitários, de memórias vividas, assumindo-se
David Lowenthal. The past is a foreign country. Cambridge: Cambridge University Press, 1985, p.XV 2 Laurent Olivier. Le sombre abîme du temps. Mémoire et archéologie. Paris: Seuil, 2008 3 John Ruskin. The seven lamps of Architecture. New York: John Willey & Sons, 1849, p.147 4 Aloïs Riegl. El Culto moderno a los monumentos : caracteres y origen. Madrid: Editorial Visor Distribuciones S.A., 1999 5 Maurice Halbwachs. The Collective Memory. New York: Harper & Row Colophon Books, 1980 6 Robert Pogue Harrison. The Dominion of the Dead. Chicago: University of Chicago Press, 2003 7 David Turnbull. “Performance and Narrative, Bodies and Movement in the Construction of Places and Objects, Spaces and Knowledges: the Case of the Maltese Megaliths”. Theory, Culture and Society vol.19, December 2002, p.125-143 1
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Abril 2014 ISSN 1645-3891
Morada Revista NU, Dep. de Arquitectura, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra, Colégio das Artes – Largo D. Dinis 3000 Coimbra Telefone/fax (darq) +351 239 851 350 +351 239 829 220 E-mail revista.nu@gmail.com Arquivo digital arquivonu.blogspot.com Impressão Nozzle Lda Distribuição Coimbra Editora Tiragem 300 exemplares
#1 encruzilhadas #2 lugares #3 cidades #4 mecanismos #5 áreas de contaminação #6 imagem #7 desvios #8 tempo #9 sexo #10 ismos #11 tecnologias #12 onde está coimbra? #13 pecado #14 oposições #15 viagens #16 oriente #17 revolução digital #18 revistas #19 colagens #20 onde está portugal? #21 marginalidades #22 game design #23 brasil
#24 espectáculo #25 utopia #26 identidade #27 habitar #28 velocidade #29 modus operandi #30 poder #31 chão #32 ocupa #33 consumo #34 feio #35 XXL #36 sul #37 mito #38 ideia #39 matéria #40 entrevistas - antologia crítica #41 gordura #42 memória
A Revista NU surge no ano lectivo de 2001/2002, integrada no programa de objectivos do NUDA, o Núcleo de Estudantes do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra (DARQ-FCTUC). O primeiro número, #1 Encruzilhadas, é lançado em Maio de 2002, e a NU torna-se aí uma revista periódica de reflexão e debate sobre temas relacionados com a arquitectura, que se propõe essencialmente como um pretexto de discussão e como uma ferramenta de aprendizagem para quem a faz e para quem a lê. Desde então, já foram publicados 40 números da Revista NU, assumindo-se como uma publicação de teoria e crítica focada em temas de interesse à produção arquitectónica mas também extradisciplinar. Assim, aos textos de crítica produzidos pelos estudantes, acrescentamse inúmeras colaborações de nomes nacionais e internacionais ao longo dos anos. Em 2003, surge o número #12 Onde está Coimbra? no âmbito de Coimbra Capital Nacional da Cultura comissariada por Jorge Figueira. No ano seguinte, a convite do Instituto das Artes, a Bienal Internacional de Arquitectura de Veneza conta com a presença da NU, com o número #20 Onde está Portugal?, integrado na representação portuguesa comissariada por Pedro Gadanho. Em 2007, o programa Gau:di, de apoio a publicações sobre arquitectura de vários países europeus, faz uma recolha a ser apresentada em feiras internacionais e inclusa numa antologia e distingue a NU para representar a crítica portuguesa de arquitectura. Em 2012, é lançado o número #40 Entrevistas – Antologia Crítica 2002-2012 em parceria com a Trienal de Arquitectura de Lisboa, como uma reflexão sobre os temas debatidos durante os primeiros dez anos da revista.
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