Editorial O Rato saiu da toca e foi parar direto nos pontos de distribuição. Depois de um aprendizado suado de como criar uma revista, já estamos prontos para encarar o turbilhão de assuntos que o Rato transformará em matéria ao longo do ano. Nossa segunda edição culmina com o começo do ano, aquele ar de inovação, e ainda mais importante, com a nova gestão de Gustavo Fruet para prefeito e Marcos Cordiolli na presidência da Fundação Cultural de Curitiba. A promessa do repasse de 1% da renda total do município para a cultura e a esperança de uma nova política pública nesse setor. Falando em setor, o Setor Histórico de Curitiba guarda muitas pérolas, e nós fomos atrás delas. Folheando as páginas a seguir, você irá perceber que nessa edição o Rato optou por trazer assuntos que rondam o São Francisco. Afinal, é lá onde os malucos se reúnem. Enquanto isso, se o Rato não cair na ratoeira, estaremos percorrendo os becos da cidade. ANO 1 // JANEIRO 2013 // Nº 02
expediente Paulo Souza
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INDICE RATOEIRA 06 HUMOR DO RATO 09 PSICODELIA BRASILEIRA 10 ARRR! 12 ZOOM 14 TATIANA ALVES:
A CASA CONTINUA NO MEIO PAG 16
19 SÓTÃO 20 ENTREVISTA: BIXIGA 70 COVER VS AUTORAL PAG 24
DOMINGO NO LARGO PAG 30
32 CURITIBA DÁ SAMBA 34 PRETO COM UM BURACO NO MEIO 40 RATPHONE SOZINHO EM SUA PRÓPRIA JANGADA PAG 44
EMBAIXO DA POLTRONA 50 CLIPES 51 ME T AMOR FO SE 52 ROMÃ 53 FINALEIRA 54
boca do lixo Hélio Leites, o reciclador de conceitos.
Domingo, Largo da Ordem. Em toda parte, gente vendendo sua arte. Barracas e mais barracas de artigos de primeira e de última necessidade. Tem até gente que vende lixo. Mas é um lixo-luxo, reciclado em koan, transformado em poesia, transmutado em súbito satori, em gota de sabedoria bem humorada. E você nem precisa comprar nada pra ganhar de brinde uma das incontáveis histórias do Hélio Leites, mestre-zenartista-palhaço-filósofo-católico-até-a-cintura-só-não-sabe-se-da-cinturapra-baixo-ou-pra-cima. Segue uma tentativa de registrar um mínimo dessa figura que é a expressão máxima do espírito do São Francisco: O Rato: Hélio, você acaba de cair na ratoeira. Quero ver como se sai dessa. (O cara nem pestaneja. Em meio a uma maçaroca de objetos criados a partir de caixinha de fósforo, palito queimado, botina furada, lata de sardinha e sabe Deus mais o quê, ele consegue achar exatamente... uma ratoeira! Mas é uma ratoeira transformada em celular. Leva o objeto ao ouvido e liga pra um amigo imaginário.) Hélio : Olha, chegou um tal de Orato aqui. É, Orato. Acho que tem a ver com oratória, sei lá. Pois é, vou atrasar pro almoço, tá? (Os passantes não resistem e vão parando, imediatamente envolvidos pela espontaneidade com que ele se expressa. Cada frase sua termina em gargalhada geral.) O Rato: Então, Hélio. Tá escrito ali no seu estandarte. Você se define como um Contador de Histórias? Hélio: Sim senhor, é a profissão mais antiga do mundo. O Rato: Ué, mas não era a...: Hélio: Prostituta? Não, a primeira é o Contador de Histórias, porque pra transformar uma mulher em prostituta, sabe o que tem que fazer? Contar um / 6 - o rato /
monte de histórias pra ela... Então a profissão mais antiga e mais nova é a de Contador de Histórias. Contando história a vida se renova. O Rato: E essa coisa de transformar lixo em artesanato e vender na feira? Hélio: Às vezes as latinhas estão por aí, jogadas, juntando água, criando mosquito e virando lixo. Meu negócio mais é esse: mostrar outra possibilidade, entrar na vida das pessoas. Tem artesanato que é utilitário. Esses aqui não: são os inutensílios. O Leminski já dizia isso. Sabe o que é um inutensílio? É aquela coisa que não precisava existir, mas insiste em existir. E depois que é revelado, se não existir, faz falta. O Rato: E o que tem o Pilarzinho a ver com a história? Hélio: Pilarzinho é minha casa, onde eu moro. Eu sou do Pilarzinho, a Efigênia veio de Minas. Eu aprendi com o tempo, a Efigênia já veio sabida. Eu sou a azeitona do bolo, a Efigênia é a cereja da empadinha. Ela é a artista matriz, eu sou a sua capelinha. Como uma pessoa inventa um boneco que nem esse? (Hélio mostra um boneco feito com papel de bala, de autoria da Efigênia, artista famosa por seu trabalho com materiais recicláveis.)
Tudo dela vem carregado de história. Aí ela pega um conduíte e faz um instrumento musical.
O Rato: Hélio, como foi a sua exposição? Pretende fazer mais alguma?
Hélio: Claro que não. Fiquei tão decepcionado... A exposição era pra se chamar Como São Admiráveis as Pessoas que Conhecemos Pouco. Aí a curadora foi lá e mudou a palavra Admiráveis por Instigantes. Diz ela que ficou melhor. Melhor? Sabe de quem é este texto, minha senhora? Millôr Fernandes. Pô, vai querer melhorar O artista a gente o Millôr?! Isso é tarefa para reconhece pela medíocres.
(Mostra um cano flexível, todo enrolado, cheio de fitas coloridas, com algo que parece um apito na ponta. Sopra e obtém um som indefinível, primo distante de uma gaita de fole tocada por um escocês gripado. Tudo certo, o que vale é a ideia.)
O artista a gente reconhece pela generosidade. O artesão simplesmente te entrega um chinelo, só pra você pisar. O artista generosidade. é como a Efigênia: bota uma alça O Rato: Millôrar o Millôr é muita pra você carregar a sua obra. pretensão... Por conta disso, O artesão O meu negócio é esse. É pegar exposição nunca mais? simplesmente te uma coisa que ninguém dá valor e transformar. Uma caixinha de entrega um chinelo, Hélio: Desisti de fazer exposição com ela, com essa pessoa. Não fósforo molhada de chuva. Essa só pra você pisar. estou fazendo muita questão. é que eu quero. Levo pra casa, Minha exposição é aqui, todo enxugo e faço meu trabalho. Graças domingo. Lá na exposição você tem que ficar um a Deus, né? Chegar numa idade dessas com esse ano fazendo, segurando seu ego, louco pra mostrar cabelo... seu trabalho. Depois tem que convencer as pessoas (Hélio pendura o “instrumento” no ombro, fica em a sair de casa pra ver... Prefiro aqui. Eu não tenho pra pé, tira seu boné enfeitado de mil penduricalhos e onde correr, corro pra Feira. Minha barraca é uma passa a fazer esculturas com o próprio cabelo longo porta para o universo. Aqui na frente passa todo e grisalho. Surgem as torres gêmeas, o bigode do tipo de gente. Passa o burro, fica inteligente. Passa o Leminski, o do Salvador Dali. Dali daonde? Dali do doente, fica são. Passa o honesto, passa o ladrão. E a Pilarzinho. Cada tirada sua vem acompanhada das todos dou um dedinho da minha atenção. gargalhadas da claque que vai se formando. Pra fechar essa espécie de stand-up capilar, ele joga o cabelo todo pra frente, escondendo o rosto. Parece uma cascata.) Essa é Visite Foz do Iguaçu Antes que a Petrobrás Acabe com Ela. Sim, pois se acabaram com Sete Quedas, você acha que não vão acabar com mais uma? (Senta e põe seus óculos feitos com dois garfos.) Esse é pra você ver que tem dia que não é sopa. A vida é dura, minha gente!
Essa é a bailarina que perdeu a linha. Sabe o que acontece quando a bailarina perde a linha? Ela dança. Na vida cada um tem seu papel. Aquele que perde a linha fica só com o carretel. (Mais risadas. Mais inutensílios cuja utilidade é fazer o povo rir de si mesmo.)
Fotos: Isabela Fausto
(Tira os óculos. Mostra uma pequeníssima bailarina com um vestido de fuxico se equilibrando em cima de um carretel vazio.)
O Rato agradece a atenção dispensada. E convoca a todos, curitibanos e alienígenas, a fazer ao menos uma peregrinação anual até a barraca desse artista do povo, descendente direto do São Francisco. Sim, pois esse não era o santo que falava com os animais? O Hélio fala até com os ratos.... Valeu, Hélio Leites! Agora com licença, porque o Rato já está passando mal de tanto rir. / o rato - 7 /
O Rato no Condomínio.
Roteiro: MacGregor | Ilustração: Victor Harmatiuk
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OLIVIA BYINGTON
Corra o Risco (1978) Após participar, junto ao violoncelista Jacques Morelenbaum, da banda de rock Antena Coletiva, a então promissora cantora Olivia Byington estreava em carreira solo com este delicado trabalho, cheio de poesia e sofisticação harmônica. Acompanhada da Barca do Sol (uma das grandes bandas experimentais da música brasileira), a cantora soube dosar sua experiência na ópera e nos conjuntos de rock, conseguindo um resultado singular e até hoje muito agradável aos ouvidos. Basicamente, Corra o Risco é composto de canções da própria Barca do Sol, rearranjadas para o estilo da cantora. “Brilho da Noite” e “Jardim de Infância” são as músicas onde se comprova que é preciso dar os parabéns ao cara que juntou estes artistas, de estilos aparentemente incomunicáveis, para esta gravação histórica. Mas o hit que alcançou as paradas de sucesso foi mesmo “Lady Jane”. Hoje, casada com o produtor de televisão Daniel Filho, Olivia Byington provavelmente não pinta mais com o modus operandi psicodélico. Mas seu magnífico Corra o Risco não será esquecido.
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Lisa Simpson no Improviso da Costura Musical Tão engenhosa quanto a personagem dos Simpsons é a Lisa Simpson curitibana, nossa Agente Costura. Ela aprendeu a costurar aos 15 anos, numa disciplina obrigatória do colégio onde estudava no Canadá. Saiu do Brasil ainda criança com a família, , mas voltou pra cá cheia das ideias. Seu ateliê, a Garagem, é conhecido por reciclar roupas antigas e pelos desfiles performáticos que acontecem na calçada ali em frente. A trilha sonora é ao vivo e os músicos improvisam enquanto as modelos desfilam cheias de charme. A máquina de costura da Lisa também ganhou um microfone e, além de lidar com fios e agulhas, agora lida com cabos e caixas de som. Ou iés, ela virou instrumento musical!
O Rato: Você tem uma veia artística, gosta de atitudes performáticas na moda. Une música e outros elementos a ela. Qual é a história da Agente Costura, conta aí pro Rato... Lisa S: Bom, vim pra Curitiba em 2005. Antes de vir pra cá eu já tinha uma marca de roupas dupla-face no Canadá com 18 anos. Eu trabalhava numa loja de tecidos na época... O Rato: Foi costurando com a base que tirou na escola? Lisa: Isso. Desde o primeiro momento que sentei na máquina me apaixoneeei! Como assim eu podia fazer a minha própria roupa?! Sempre tive essa pira de customizar, ainda mais porque as canadenses eram todas altas, grandes e eu era menorzinha. Aí vi que eu podia pegar as peças que não estavam cabendo e transformar para mim. E sempre fui muito curiosa, do tipo que pega as peças e rasga pra ver como é a modelagem. Nunca tive medo de estragar a roupa. Pegava e cortava mesmo! Estraguei muita coisa, ainda mais quando ganhei a Overlock. A roupa vai ficando pequeninha, sabe?! O Rato: Ih, sei! Já me aventurei muito na Overlock da minha avó! Roía uns retalhos, mas dava tudo errado. Ficava tudo miúdo... Lisa: Mas, ah! Foi a partir desses erros que comecei / 12 - o rato /
a acertar. Errava aqui, ali, costurava de outro jeito, tentava concertar. Não tem muito como não dar certo, na verdade. Tudo se costura, uma coisa na outra... A gente acaba dando um jeito. E eu gosto dessa coisa do desafio. A pessoa traz uma peça que não usa mais querendo modificar e eu tenho que traduzir o gosto dela, o que ela quer, com o meu olhar. Tenho serviços desde crianças até senhoras. Tenho uma cliente de 80 anos... O Rato: Olha só! A alfaiataria era algo requisitado antigamente, vestidos sob medida, modelos únicos... Lisa: Sim, as senhorinhas super se identificam! Tem essa coisa de nostalgia mesmo. O Rato: Acho legal que você meio que mantém esse estilo... Lisa: Então, é uma referência incrível e que eu amo, mas gosto de ressignificar e trazer para o contemporâneo. Até porque a gente não vive mais naquela época. O Rato: O seu trabalho está nas ruas, nos bares... Quando começou isso, de se infiltrar num ambiente diferente, como uma intervenção? Lisa: Comecei com o Ateliê Ambulante. Eu levava a máquina de costura dentro de um café, por exemplo, e montava uma exposição em processo. Pendurava
as peças em seu estado original e dentro de um tempo estabelecido, eu estaria ali transformando elas. Tinha um processo criativo muito legal! Eu deixava o próprio ambiente, com toda aquela energia, me inspirar. E eu via que as pessoas se interessavam. Tipo: Como assim tem uma menina costurando aqui?! Aí continuei itinerante por mais um tempo até conhecer o pessoal da música. Foi nessa que comecei a levar a máquina de costura pros botecos. Era muito divertido, porque daí a galera já começava a beber. Ficava aquele clima descontraído, um ou outro já começava a tirar a camisa. Teve um cara que tirou as calças, ficou só de meia e cueca no bar... A namorada pediu “Ai, deixa bem skin a calça dele, bem justinha.” (risos). Nossa... Rolava escambo disso por cerveja! E aí o pessoal começou a se ligar, pô, tá rolando uma mina estranha fazendo uma movimentação com a costura. O Rato: E os desfiles na rua com música ao vivo? Lisa: Os experimentos começaram na Hacienda Café. Eu dividia um cantinho no segundo andar com a Ale. A gente fez muita bagunça lá! Então a ideia de trazer o lance pra rua surgiu ali, por já terem bandinhas tocando no café a abertura pra tudo acontecer foi bem grande. Isso foi 2007/ 2008 acho... Daí um dia tava passando aqui na frente e vi uma plaquinha “Aluga-se”. Aí pensei, “Ah, mew. Quer saber?! Vou ver qualé!”. O Rato: E a máquina de costura como instrumento musical? Lisa: Aconteceu aqui no Ateliê, num dos primeiros bazares que fiz. Tava o Astronauta Pinguim em Curitiba, e ele é conhecido de uns conhecidos meus. Chamamos o cara pra fazer um som aqui na rua e ele topou. Na época o ateliê era bem vazio, tinha uma ou outra coisa pendurada... Aí o Pinguim falou “Ow, vamos colocar um som nessa tua máquina aí!”. E isso faz uns três anos e meio... Passou um tempo e uma das meninas que desfilou no primeiro aniversário da Garagem (2010) tinha a ideia de montar um show com o Cassiano, que estava lançando o disco Catastrofismo. Ele não queria fazer uma coisa que fosse só ele lá, sozinho... Daí a Karen juntou nós dois. Eles vinham aqui no ateliê e a gente pegava cada música e criava um roteiro com várias situações do que se fazer com roupa dentro do show. O Rato: E uma dúvida intrigante que rolou quando vi sua apresentação no Sesc da Esquina junto da banda Uh La La! era se você ensaiava pra fazer aquilo de cortar, rasgar as roupas, costurar logo em seguida e ficar tudo bonito... Lisa: Então, não tem como ensaiar... Se eu for cortar a roupa pra ensaiar, pronto, cortei. Não tem o que fazer. Então a roupa tem que estar em seu estado original pra ser trabalhada. Eu ensaio bastante na minha cabeça e obviamente, ensaio com outras roupas. Porque a ideia que surge ali na hora vem dessa minha vivencia aqui no ateliê, de estar sempre costurando, sempre buscando novos desafios. No caso dos vestidos do Uh La La! foi uma doação de umas senhorinhas de Santa Catarina. Elas me acharam na internet e mandaram duas caixas com vestidos brancos. Gosto das bandas virem me procurar pra criarmos uma identidade visual pra música, e o show não ser só uma coisa sonora... O Rato: Taí! O Rato já, já aparece com a turma pra dar uma reciclada no visual sonoricamente. Valeu!
Material extra no site do O Rato Serviço: Agente Costura – Reciclando Guarda Roupas www.agentecostura.blogspot.com Av. Jaime Reis, 278 – São Francisco (41) 3085-1586 / o rato - 13 /
Foto: Isabela Fausto
Tatiana Alves: A Casa continua No Meio Tatiana Alves é pesquisadora no campo das artes. Atua como curadora e foi uma das criadoras da A Casa, galeria de arte contemporânea voltada à street arte situada no bairro do São Francisco. Ajudou a estreitar a discussão sobre o que é graffiti na cidade junto com outras figuras importantes. Hoje, A Casa não existe mais, deu lugar a um novo projeto, a No Meio. Por Matheus Dumsch Fotos: Isabela Fausto
O Rato: Como foi a criação da A Casa e qual era a proposta do espaço ? Tatiana Alves: Eu tinha um espaço e queria ocupalo com algum tipo de negócio, o que depois veio a se tornar uma galeria. Conheci um grupo interessado em arte mural, que recentemente havia se juntado para trabalhar no projeto da pintura do Viaduto do Xaxim. Eles se interessavam em pesquisar mais sobre arte, e foi aí que nós criamos A Casa em Junho ou Julho de 2008. O grupo inicial era formado por Valdecimples, Thiago Syen, Paulo Auma, David Heal e pessoas próximas a eles. Nossa ideia era comercializar artigos de arte contemporânea. E nós acabamos montando uma galeria que tinha interesse não só em comercializar obras de arte, mas também ampliar o debate sobre o que é graffiti. Porque os artistas que ocuparam o espaço conheceram as artes visuais através do graffiti. Querendo ou não, esse era o nosso carro-chefe.
Infelizmente, não conseguimos atingir muita gente como realmente queríamos, mas para alguns deu resultado e eu espero que isso possa se multiplicar de alguma forma. O Rato: E como foi a sua participação na revista DESTroi ? Tatiana Alves: Foi através de um convite do Valdecimples, criador e editor da revista. Ele me pediu para escrever um artigo, mesmo com o meu olhar estrangeiro, sobre o que é graffiti. Porque eu não sou graffiteira, mas sempre estive muito junto dos escritores de graffiti. Sempre procurei entender realmente o que é esse movimento e isso me proporcionou uma visão geral sobre o tema. O Cimples achou interessante e resolveu me convidar para que eu pudesse partilhar esse meu olhar.
O Rato: Quais foram as maiores dificuldades do projeto? Tatiana Alves: Viver de arte no Brasil ainda é uma atividade muito complexa. Em Curitiba o mercado de arte contemporânea ainda é voltado para fora. As pessoas não costumam comprar obras dos artistas locais, preferem adquirir artigos de artistas já consagrados. E como trabalhávamos com artistas iniciantes, nossa situação financeira ficou um pouco complicada. Logo o grupo teve que se dividir e atuar em outras áreas, como educação e design. O Rato: Como você vê a importância de um espaço como A Casa dentro do cenário de artes em Curitiba ? Tatiana Alves: Eu acredito que a gente teve um papel importante. Alguns artistas que participaram comigo da exposição Monstros de Curitiba, no Portão Cultural (Muma), da qual sou curadora, me deram um retorno de que foi positivo para eles passarem por essa experiência. Eles me contaram que A Casa transformou o percurso deles nas artes.
É bom ressaltar que a DESTroi já existia muito antes de eu ter me envolvido com o graffiti. O fanzine foi criado em 1998 e na época era o recurso que existia para estudo de estéticas e estilos entre os graffiteiros. Com a ascensão da internet, essa comunicação ficou mais fácil. Mesmo assim o pessoal continuava a pedir a revista impressa. Foi aí que eu sinalizei para o Cimples que a revista ainda tinha uma importância, que era marcar os momentos históricos do que aconteceu esse ano, ano passado... Ele aceitou a ideia e se propôs a lançar uma revista por ano juntando aquilo que marcou o ano.
As inscrições para a publicação de 2013 já estão abertas. Quem quiser participar é só enviar seu material para lixocontinuo@gmail.com / o rato - 17 /
O Rato: Infelizmente A Casa teve seu fim na virada de 2011 para 2012, mas você mantém aberto o espaço, mudou o conceito e o nome para No Meio. Qual é a sua proposta agora? Tatiana Alves: Estou buscando uma proposta mais colaborativa, pretendo trabalhar com mais de um coletivo. Estou esvaziando os cômodos de cima para criar ateliês e abrigar grupos que se interessem pelo campo artístico. Eu continuo achando importante manter um espaço mais independente e mais livre para trabalhar, e acredito que os artistas curitibanos podem manter um espaço como esse. Quem tiver alguma proposta pode entrar em contato comigo pelo e-mail nomeio@gmail.com. O Rato: Em 2010, Elisabeth Prosser lançou o livro Graffiti em Curitiba, fruto de sua pesquisa de doutorado pela Faculdade de Belas Artes. Como vê o interesse dos acadêmicos pela arte de rua? Tatiana Alves: Tem algumas pessoas que estão pesquisando graffiti em Curitiba, o que é muito positivo. Inclusive, nós estamos tentando no mecenato captar recursos para fazer a publicação de um livro que contará a história do graffiti em Curitba. Faremos isso através do olhar do Valdecimples, que atua desde 1994 e é um dos precursores desse movimento na cidade. A Beth Prosser, autora do livro, também está no projeto. O Rato: O graffiti tem uma função social pra você? Tatiana Alves: Claro! Ele é uma forma de expressão. O que me preocupa é o fato de agora ser contra a lei. Quando a lei juridicamente determina que uma pintura na rua sem autorização é uma pichação e com autorização é um graffiti, ela deixa de lado o que acontece na prática. O Rato: Pode crê, certeza... Tatiana Alves: Antigamente nós chamávamos de graffiti aquilo que era desenho, as letras nós chamávamos de pichação. Uma coisa interessante dentro dessa separação na arte é que o graffiti é mais visto como ilustração. Já a letra, patrimônio brasileiro, para ser mais específica, desenvolvida em São Paulo, onde é popularmente chamada de Tag Reto, é muito mais próxima da arte contemporânea, porque as pessoas desenvolvem desenhos próprios. Hoje, para nós o graffiti e a pichação são uma coisa só. É um movimento de pessoas afim de se expressar, seja com letras ou desenhos. Aqui em Curitiba, no geral, nós temos a compreensão de que esse movimento utiliza várias expressões juntas: o stencil, o cartaz, o adesivo, o rolinho, as canetas o spray, tudo isso é graffiti. Serviço: No Meio nomeio@gmail.com Rua Des. Benvindo Valente, 312 – São Francisco / 18 - o rato /
“EM CURITIBA O MERCADO DE ARTE CONTEMPORÂNEA AINDA É VOLTADO PARA FORA. AS PESSOAS NÃO COSTUMAM COMPRAR OBRAS DOS ARTISTAS LOCAIS, PREFEREM ADQUIRIR ARTIGOS DE ARTISTAS JÁ CONSAGRADOS.”
Maria Batalhão – Memórias póstumas de uma cafetina - Cidade que não tem porto, tem quartel!
Irma pegou um navio na Ucrânia com destino a Buenos Aires no lugar da sua irmã mais nova. Acabou se entrosando com um russo e desembarcou no Brasil como Maria Bogoloff. Mas foi num bordel daqui de Curitiba, a Vila Paradiso, que o destino transformou a polaca em Maria Batalhão. Para quem não sabia ou ainda pegou uma amnésia da brava e se esqueceu, Curitiba foi calorosamente animada no século passado por prostíbulos. Seus frequentadores?! A maioria políticos, soldados e generais que tinham nos braços de francesas, holandesas, italianas, ucranianas e outras branquelas, o seu momento de prazer. Dante Mendonça narra, a partir de personagens de Lima Barreto e Dalton Trevisan, a história real do tráfico de mulheres para a América Latina. Engorda o livro com acontecimentos históricos, como a Guerra do Contestado e outras pérolas curitibanas que nenhum jovem hoje em dia saberia. O Beco do Mijo, o Beco do Inferno e a Rua da Merda, ambos situados próximos à Catedral, foram apresentados pela primeira vez ao Rato que aqui vos fala nessa leitura bem humorada. Maria Batalhão: memórias póstumas de uma cafetina Dante Mendonça Editora Esplendor, 2012, 288 pags.
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Filhos do boêmio bairro do Bixiga, em São Paulo, a banda Bixiga 70 se inspirou na música africana de Fela Kuti e de sua banda de apoio, a Afrika 70, para uma linguagem abrasileirada. Eles unem os tambores do samba com a música malinké, acrescentam uma pitada de latinidade e garantem o remelexo da moçada. A banda se apresentou em Curitiba pelo Projeto Radar no finalzinho de 2012, no Teatro Paiol. Nós, ratos, não poderíamos deixar de roer essa... Por Gabriel Fausto e Isabela Fausto Fotos: Isabela Fausto
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O Rato: Vocês são uma banda grande pra caramba. Mesmo fazendo várias apresentações, sei como é difícil dividir o cachê e sair no lucro. Como é isso pra vocês, tem um retorno bacana, vocês conseguem “viver” só com a grana da música? Daniel Gralha (TROMPETE): Então, todos não tocam só no Bixiga. E na verdade, mesmo falando só do Bixiga, tivemos um número bom de shows nesse ano. Eu não costumo reclamar... Claro que o cenário não é fácil, mas acho que não é fácil pra nenhum ramo. Cris Scabello (GUITARRA): Tem rolado tocar pra caramba. A gente contou e até o final do ano rolou uns 40 shows. A gente foi pra Europa. É difícil, mas é como ele falou. A gente não tem do que reclamar. Acontece de ter lugares em que as condições pra tocar não são as mais adequadas. E o tempo de passagem de som é bem grande. A dificuldade de levar 10 pessoas é difícil, pelo transporte e pela agenda. Mas, acho que isso se reflete também na maneira como o público vê a gente. Porque todo mundo sabe que não é fácil trabalhar em grupo. O Rato: E a formação de vocês se deu em um estúdio, é isso? Cris Scabello: É, então, eu e o Décio (baterista) somos parceiros no estúdio Traquitana, na Treze de Maio, nº 70 no bairro do Bixiga. Antes do Bixiga 70 a gente se conhecia por diversos trabalhos paralelos, por se ver tocando... Todo mundo é fã de todo mundo e em algum momento esses trabalhos se cruzaram ali no estúdio, que foi o centro potencializador dessa história. O Rato: E vocês já imaginavam no começo, mesmo com som instrumental, que a banda chegaria nessa dimensão de hoje? Cris Scabello: É, então.. Daniel Gralha: A gente não imaginava, mas a gente sabia que o som estava acontecendo. Que estava gostoso de tocar, gostoso de ouvir. No nosso primeiro show o público dançou do começo ao fim, sem parar. Deu pra ver que o projeto daria certo, mas as proporções a gente só tomou quando começou a viver.
viagem e se tornou uma questão conceitual mesmo. Vimos que o resultado disso é muito positivo. Traduz muito o que a gente é. De não ter um vocalista, de ele ser o bandleader, o centro das atenções. Nós somos 10 cabeças pensando juntas, com todos os benefícios e malefícios disso... O Rato: Uma parada em que prestei atenção é no jeito que vocês se vestem no palco. Não rola um figurino estilizado, do tipo todo mundo de terninho... Vocês são bem de boa, cada um é cada um. Daniel Gralha: Pô, não fala isso, comprei essa camisa só por causa do show de hoje... (risos) Cris Scabello: Cara. já conversamos sobre isso, mas não tem essa de todo mundo de azul ou de amarelo... E a vez que tentamos criar essa unidade foi no show do Gil. Pô, década de 70, psicodélico, então vamos aí! Todo mundo psicodélico. Daí meu, cara perguntando “que é psicodélico?!”, outro ligando “Ô, tô aqui no shopping, não tem nada psicodélico aqui, pô!” (risos). A gente tentou até... O Rato: Eu li sobre a conexão que vocês têm com o graffiti e a arte de rua. Vocês são só admiradores ou alguém na banda desenha? Cris Scabello: Tem pessoas da banda que desenham, sim... Ninguém é graffiteiro de atuação, de ser um street arteiro. Mas, a grande parte é admiradora da arte de rua e tem uma ligação bem íntima com o Dia do Graffiti, que é no dia 27 de Março. É uma festa que rola lá no Bixiga, antes da banda. É uma iniciativa do Traquitana, da TGT, que é uma produtora de vídeo localizada no mesmo prédio. E essa festa já ta aí na 5ª edição... Tem um blog também pra documentar essa ação, que não é só uma ação de arte de rua, mas é um símbolo, e acho que o graffiti é um símbolo muito propicio pra ser utilizado nesse movimento de ocupação das ruas com a arte e a cultura.
O Rato: Alguém na banda escreve? Assim, letra não vai ter nunca? Cris Scabello: Não, não... O Rato: Não tem nenhum poeta? Daniel Gralha: Olha, tem músicas que até nasceram com letra, mas acabaram ficando só na versão instrumental mesmo. O Rato: Hmmm... A letra não era muito boa... Cris Scabello: (risos) É que a gente entrou nessa / o rato - 21 /
São Paulo é uma cidade super carente nesse sentido. De ter atrações de graça, espaços nos quais você pode ouvir um som, andar de skate, ver uma arte de rua bem cuidada, com iluminação apropriada. A última gestão do Kassab foi terrível nesse sentido, de proibir e coibir, sabe... O Rato: Bom, mas também a Virada Cultural, que é um marco. Cris Scabello: É, mas também é a única coisa. O maior orçamento da cultura é usado na Virada, que acontece em um dia e no centro da cidade. Mas, isso aí é uma opinião pessoal. Não vou falar mal da virada porque é um evento fantástico e a gente já tocou... Mas eu sinceramente preferiria que fossem 12 eventos menores ao longo do ano. E sabe, na periferia também, pô, sair do centro... Enfim, são pesos da mesma balança. E essa relação com o graffiti que você citou vem meio daí. Desse projeto que talvez venha a ser o nome do nosso próximo disco, o Ocupai. O Rato: Opa! Então tem Cd novo vindo por aí... Pra quando isso? Cris Scabello: 2013... No primeiro semestre deste ano já vamos entrar no estúdio. O Rato: Outra coisa que percebi no disco, nas primeiras músicas, é que normalmente uma ou duas pessoas estão creditadas como compositoras. Vocês são mais jam band ou alguém costuma trazer os riffs? / 22 - o rato /
Daniel Gralha: Se costuma trazer melodias e ideias, às vezes bastante completas. A gente vai tocando e sacando, as pessoas vão contribuindo... Cara, fiz uma abertura ali que ficou melhor, aqui cabe um breque, alterei um riff... Cris Scabello: E com uma liberdade e respeito super grande. Todo mundo mete o dedo mesmo. Às vezes o autor fica meio puto... Mas, é uma dinâmica super gostosa. O Rato: O que vocês estão escutando ultimamente de música brasileira?! Pode ser véia também, não tem problema. Daniel Gralha: Pô, então, a grande maioria se conheceu atuando na cena ali de São Paulo. Eu, principalmente, bebo muito do que está acontecendo ali. Realmente sou um cara curioso, continuo indo aos shows... Gosto de pescar alguma coisa dos artistas de outras cidades que passam pela cidade. Cris Scabello: A gente troca muito som... O Rato: Algum exemplo? Daniel Gralha: Então, tenho ouvido muito Lucas Santanna, Curumim, a Tulipa, a Anelise... O pessoal vai lançando coisa nova e eu pego pra ouvir. Cris Scabello: E pra fazer um contraponto, sei que falando por mim, mas grande parte da banda tem reflexo disso que são os clássicos. Gilberto Gil, Caetano, Hermeto Pascoal, Roberto Carlos, Reginaldo, Alceu Valença... Acho que no geral é meio que isso, escutamos nossos amigos e os medalhões!
Curitiba tem nos reservado acontecimentos estranhos na hora de marcar shows: a predileção pelos tributos está trazendo dificuldades que até pouco tempo não tínhamos. Então, percebendo que o assunto está na boca de muitos músicos da cidade, colhemos alguns (muitos) depoimentos com a seguinte pauta: Por Gabriel Fausto Curitiba. Depois de um período promissor para as bandas autorais da cidade, que invadiram os bares e conquistaram o público entre 2009 e 2011 (culminando com o sucesso nacional d’A Banda Mais Bonita da Cidade), voltamos a ser reféns das bandas tributo. Se antes tínhamos uma convivência pacífica, com perspectiva de público para ambas as vertentes, hoje os donos de bares voltam a fechar a porta para as bandas autorais, dificultando datas e cachês, requentando velhas desculpas. Sabemos que as bandas cover são uma ótima fonte de renda para muitos músicos, além de prover diversão para todos. Não há quem não goste de sair à noite, e escutar um cover bem executado da sua banda preferida. O problema está na falta de manutenção de um modelo que vinha dando certo, e fez a cena crescer como um todo: bandas ganharam público, bares ganharam dinheiro, jornalistas começaram a finalmente prestar atenção nas bandas daqui. Talvez o número de bandas autorais tenha crescido em quantidade, mas não em qualidade. E aí, músicos curitibanos, quais suas opiniões a respeito?
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Todos os depoimentos a seguir foram reduzidos para alcançarmos maior objetividade na matéria. Você pode conferir todas as declarações, na íntegra, no site da revista.
Igor Filus, músico na banda Charme Chulo A minha geração da década de 2000 pegou exatamente o bum da internet, que criou admiráveis possibilidades ao mesmo tempo em que arrasou a indústria cultural existente. Levou embora, contraditoriamente, as chances desta mesma geração acontecer, deixando o espaço quase totalmente para as insuportáveis músicas de massa dos dias atuais. Se isto basta como consolo, no mundo inteiro o rock parece estar de volta ao underground, o lugar onde ele realmente se encontra à vontade e de onde nunca deveria ter saído.
Giovanni Caruso, músico na banda Giovanni Caruso e o Escambau Sempre tivemos não mais que alguns poucos lugares para apresentar nossas novas canções. Esses são os lugares que frequento e que acredito que devemos valorizar, como o 92Graus, o Blues Velvet, Lado B, TUC, Paiol, Sesc da Esquina, enfim, espaços onde possamos nos deparar, possivelmente, com alguma espécie de novidade artística. O artista, em si, sempre vai se preocupar em criar, sendo assim, jamais vai poder limitar a si próprio a um trabalho de “cover” apenas.
Cristiano Castilho, colunista do jornal Gazeta do Povo Historicamente, ter uma banda cover sempre foi um passo inicial e aceitável para começar uma carreira. Não acho que exista nada de errado nisso. Mas imagino que tocar cover a vida inteira seja meio broxante. Outro aspecto, bem mais profundo, são os bares da cidade e sua relação com as bandas autorais. As casas noturnas da cidade acertadamente exigem um profissionalismo, mesmo em início de carreira. E aí, nesse ponto, vemos que realmente a quantidade de bandas ditas autorais não corresponde à qualidade delas.
Rodrigo Lemos, músico na Banda Mais Bonita da Cidade e Lemoskine Acho a discussão um tanto antiga. Depende muito do nicho que estamos falando. Eu particularmente não vi essa “invasão de bares” acontecer de forma tão plena... Mas há bares que têm predisposição para música autoral, e há bares que não têm. De modo geral, as bandas que vão ganhando destaque com repertório próprio passam a depender menos do bar local, ficando mais preocupadas em expandir seu público, atingir outras regiões, etc. Gosto de pensar que as coisas têm seu espaço garantido o tempo todo; de forma que essa relação de competição entre o cover e o autoral fica obsoleta. São mercados (e públicos) diferentes.
Vlad, músico na banda Sick Sick Sinners e organizador do Psycho Carnival Tudo passa por uma cena que consiga dialogar melhor com os meios de comunicação, tanto as rádios, que eu acho o mais importante, como as revistas, jornais, zines e Tvs. Acho que é muito mais interessante gerar essa demanda do que criar uma competição entre artistas. Até porque a grande maioria de músicos que tocam cover tem a sua banda autoral.
Kleber Santos, músico na banda Macedônia Concordo que talvez o que tenha ocorrido é o numero de bandas que cresceu, mas que são deficitárias em qualidade. Mesmo assim acredito que o som próprio está ganhando cada vez mais espaço, e como nunca, o público tem vindo aos shows. O Macedônia também faz tributos (Nirvana Cover), mas é algo que nós mesmos temos o planejamento de diminuir, pois estigmatiza a banda como “cover x” e ofusca o som autoral, que é o “verdadeiro trabalho”. / o rato - 25 /
Ivan Santos, músico na banda Imof e jornalista no Jornal do Estado Na verdade a música pop no Brasil sofreu um processo de “coverização” desde os anos 90, com a moda dos “acústicos” e shows de “greatest hits”, que colaborou para que o cenário chegasse ao impasse de hoje. Me lembro de um executivo de gravadora admitindo que essa política de trabalhar standards sem gerar repertório novo estava matando a indústria. No caso de Curitiba, a situação é ainda mais complicada, porque a cidade não tem uma tradição consolidada de valorizar a produção local. Os donos de casas de shows tem uma visão imediatista e comodista, que se reflete também no próprio público. O grande problema continua sendo a falta de espaço nos meios de comunicação de massa. Porque quando isso acontece, como na Virada Cultural, a gente percebe claramente que o público curte, tem interesse.
Ivan Rodrigues, músico nas bandas Magaivers, Mordida e Giovanni Caruso e o Escambau Como músico que transita pelos dois meios (autoral e cover), posso dizer que as pessoas, na maioria das vezes, querem ouvir bandas tocando músicas que elas sabem ao menos assobiar o refrão. É fácil dizer que falta espaço pra música autoral, mas é preciso emplacar um hit. Talvez estejamos num momento de baixa produção autoral de qualidade em Curitiba. Se eu pudesse, não faria cover, mas ainda prefiro tocar um cover de vez em quando e aprender alguns truques com outros bateristas do que abrir mão da minha vocação. Tem uma frase que costumo usar sobre esse assunto: Existe uma linha tênue entre fazer um cover pra viver e viver pra fazer cover. Para um músico e compositor, erguer a bandeira do cover é sim um tiro no pé.
Jan Kossobudzki, músico na banda Confraria da Costa O problema das bandas autorais é que geralmente não conseguem aumentar o repertório (com qualidade) tão rapidamente. Muitas pessoas querem ver e escutar coisas novas e que estão sendo produzidas no lugar onde elas estão. Fazer parte de um movimento, de algo que está crescendo. Por isso os festivais, como o Psicodália, são tão importantes, pois fazem o elo entre as bandas autorais e as pessoas que se tornarão seu publico fiel.
Gil Eanes, proprietário do Blues Velvet Bar As bandas autorais não têm crescido em quantidade e nem em qualidade porque, além de não terem quase mais espaço para se apresentarem, quase todos os integrantes também participam de bandas covers e ganham nesses shows muito mais do que quando tocam suas próprias músicas. E principalmente, o público só quer ouvir o que já conhece. Isso mostra a falta que faz no mercado uma gravadora só de músicas autorais curitibanas.
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Jardel Macedo, músico na banda Garagemoderna Atualmente tenho quatro projetos: um autoral e três covers. O que paga as minhas contas todo o mês já há algum tempo, são com toda certeza os três covers. Não acredito na ideia de que faltou a manutenção de um modelo que vinha dando certo. Nunca existiu modelo e tampouco deu certo. O que deve haver é a qualidade musical independentemente de som autoral ou cover. Também não compartilho a ideia de que possa ter aumentado em muito o numero de bandas autorais em detrimento da qualidade. É cada um na sua, meu amigo! O problema é apenas dos donos de bares que “rejeitam” o projeto autoral? Mais uma vez a resposta é não. Por trás do velho problema da falta de espaço para o som autoral, temos que lembrar a falta de profissionalismo das próprias bandas que exigem demais dos bares e muitas vezes fazem de menos para dar algo em troca.
Luiz Claudio Oliveira, jornalista e editor de capa do Jornal Gazeta do Povo Eu milito no jornalismo cultural (e principalmente musical) de Curitiba desde a década de 80 e tenho vivido boas e más fases da música curitibana autoral no decorrer desses 30 anos. Em termos de espaço, garanto que nunca teve tanto em Curitiba quanto tem agora. Mas os bares em geral pensam apenas num atrativo de fundo para o consumo dos clientes, já que o negócio do bar é vender bebida, e não produzir shows para promover a música local.
Luiz Bodachne, músico nas bandas Mordida e Artic Hollers Lembro de uma vez, na época em que tocava com a Audac, de dividir o palco com uma banda cover em um bar do Batel. Subimos ao palco primeiro, e lá pela quarta música, o público gritava o nome da banda cover, o que deixa qualquer pessoa que compõe sua própria música numa situação desanimadora. Você está ali, apresentando o trabalho que você criou, e o público clama pela banda que só tem o trabalho de tirar umas músicas, ou pior, pegar a tablatura na internet.
Fabio Elias, músico da banda Relespública Curitiba é autofágica e provinciana em sua essência. Lembro quando gravamos “O Circo Está Armado” (2000) pela Universal Music. Não vendemos Cd’s nas lojas daqui. Os fãs chamavam a gente de ‘vendido’, a imprensa desceu a lenha na crítica, mas fizemos shows pelo país todo, inclusive no Rock in Rio 3. Mesmo assim, na nossa cidade ainda éramos uma ‘bandinha local’. Depois disso veio o MTV Apresenta e fizemos muito sucesso com uma música cover do Jorge Benjor, “A Minha Menina” e eu pensei: Pra que compor, porra?! Poucos dão valor aos verdadeiros mentores do Rock feito na nossa terra. O Ivo Rodrigues virou ícone depois de morto. Antes tocava em botecos pra sustentar a família. Ninguém faz tributo a ele, uma pena...
Bruno Sguissardi, músico na banda Anacrônica Eu tenho certeza que Curitiba não é o cerne dessa questão. Entre 2010 e 2012 tive a experiência de tocar em todo Paraná, além de Santa Catarina, interior de São Paulo e morei em São Paulo capital nesses últimos dois anos. Tá tudo a mesma coisa em todo lugar... Só tem tributo, a tudo que se imaginar, de Nando Reis com Cássia Eller a Creed... E em Sampa é a mesmíssima coisa, evento de música própria é sempre imprevisível, muitas vezes o show “daquela banda” que outrora passava todo dia na MTV entre os 10 mais, esta vazio, naquele bar que nem é tão grande... E daí pra poder ter grana fazendo música ou o cara faz “bico” (cover, tributo) ou arranja um emprego em alguma outra coisa.
JR Ferreira, músico e proprietário do 92Graus As agendas equivocadas e shows sem motivações maiores que o dinheiro tomaram conta de Curitiba. Os lugares, que como o 92Graus, davam espaço exclusivo para as bandas autorais, perderam o lastro e o entusiasmo. Gradativamente, começaram a abrir seus palcos para bandas de intérpretes como forma de equilibrar as contas e atrair um publico diferente. Creio que cada lado tem suas motivações pessoais e de sobrevivência, e isto deve ser respeitado. Afinal, como músicos ainda pertencentes à mesma classe, deve-se o respeito a cada opção, sem pestanejar!
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Mark Cleverson, músico da banda Hillbilly Rawhide Eu não sou contra o músico cover, porque sempre que se inicia um estudo de um instrumento musical toca-se música dos outros. Ninguém começa compondo desde o seu primeiro dia de estudo! E é isso que molda o artista, suas referências, suas influências. Porém, se quiser crescer como músico e ser reconhecido como artista será preciso deixar de lado o repertório cover tributo, e seguir em frente com composições próprias. Acredito que todos os músicos cover são como crianças em seu desenvolvimento. Mas sempre chega o dia que é preciso largar a “chupeta”. Tem criança que chora e chega a passar mal, mas consegue!
Rayman Juk, músico na banda Trem Fantasma Respeito quem faz música cover, afinal somos músicos e precisamos nos sustentar. Mas, ela enfraquece a cena autoral, visto que realmente é muito mais fácil escutar uma banda tocando músicas que o público já escutou várias vezes em casa. Pelos lugares em que já toquei fora do Paraná e por conversas entre amigos de fora do nosso estado, a cena de Curitiba é vista com muito respeito. Acho legal que conseguimos, de certa forma, criar uma cena até certo ponto unida, mas com bandas de estilos realmente diferentes.
Davi Henn, músico solo É difícil colher os frutos de um trabalho independente e autoral em um lugar onde as leis de incentivo a cultura liberam 2 milhões de reais pra turnê de dupla sertaneja, que já é milionária! Os bares realmente boicotam o som autoral, já querem que o público venha formado de casa. Só pensam em vender cerveja às custas do bom e velho rock, enquanto a casa não tem nem microfone disponível, nem mesmo um cantinho pro músico se preparar pro show. Enquanto discutimos esse papo pela milésima vez, seguimos também fazendo covers em bares pra poder sobreviver...
Debbie, música na banda AUDAC Na verdade eu não gosto de ir a um bar para ouvir bandas que fazem “cover”. Simplesmente não acho graça nenhuma. O problema é que talvez a maioria das pessoas prefira mesmo ouvir algo “garantido”, o “mais do mesmo” e tenha preguiça de procurar coisas novas. Acho isso tão estranho, principalmente no público mais jovem. Quando era novinha a graça era conhecer justamente o “desconhecido”, saber da banda mais tosca da garagem do vizinho de alguém. Uma saída é não precisarmos necessariamente de bares para tocar, mas tentar usar o espaço público, criar festivais, etc.
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Glauco Sölter, músico solo e acompanhante de artistas como Naína, Murillo da Rós, entre outros Não vejo a situação como ‘sermos reféns das bandas tributo’, nem divido estes períodos de tal forma: não vejo o sucesso da Banda Mais Bonita da Cidade como símbolo de determinada época de uma campanha em bares da cidade. Ao meu entender, foi um fenômeno de internet. Em 27 anos de profissão, nunca vi nenhuma situação pacífica com donos de bares. Esses são os lugares onde o músico ganha menos e trabalha mais. Vamos parar de querer culpar algo ou alguém pelo insucesso de um trabalho. Os talentos musicais estão presentes e a época é de efervescência em Curitiba. Participei do Festival da Kaiser durante três anos seguidos e assisti vários grupos autorais curitibanos que fazem uma sonzeira.
Um projeto para revalorizar a Feirinha e nos aproximar da cidade onde vivemos. Por Priscilla Scurupa www.domingonolargo.com.br A Feira do Largo da Ordem sobrevive e acontece todos os Domingos nessa região há mais ou menos 40 anos. É a praia dos curitibanos, como bem definiu um dos feirantes. Famílias, amigos, turistas, e até os notívagos que emendam os agitos de Sábado à larica de Domingo se encontram ali. Circular pelas mais de duas mil barracas que comercializam uma diversidade imensa de produtos é vivenciar a diversidade local. Se Curitiba tem uma cara, a Feirinha é seu retrato. E deveríamos nos orgulhar, porque além de um evento dominical ao ar livre que nos convida a ocupar as ruas, ela representa um lugar de memória, um laço invisível que nos une à cidade onde vivemos. Curitiba, até meados de 1965, era uma cidade sem identidade própria, nada parecida com uma capital, onde uma população recolhida e apática muito pouco tinha a dizer a seu respeito. A relação dos cidadãos com a cidade era frágil e distante. Isso porque, até então, todos os planos urbanísticos elaborados pelo governo municipal eram inspirados em diretrizes que pouco se diferenciavam de modelos prontos de outras cidades. O aumento da população se duplicava a cada 10 anos e exigia a elaboração de um novo plano que levasse em conta os conceitos mais recentes do urbanismo moderno. Surgiu, assim, o Plano Serete/ Ippuc de Curitiba, que tinha uma preocupação inédita com a revitalização de áreas tradicionais de Curitiba e com a criação de novos locais de encontro para os habitantes. Este seria o documento fundamental para o início das grandes transformações que iriam ocorrer na cidade. Inovador e ousado, o Plano Serete permitia reerguer / 30 - o rato /
os prédios localizados na região do Setor Histórico de Curitiba, proporcionando à cidade a remodelação da sua face cultural e patrimonial. O Setor Histórico (onde está inserido o Largo da Ordem), apesar de já existir nessa época, não possuía edificações marcantes ou mesmo detentoras de algum fato histórico da cidade. Além disso, estava bastante descuidado e deteriorado. Foi
somente em 1970 que a Prefeitura resolveu tomar uma atitude. Criaram o Plano de Revitalização do Setor Histórico e assumiram a responsabilidade de preservar o local. As medidas estabelecidas pelo Plano previam, além da preservação, uma nova funcionalidade para o espaço: o turismo cultural. Em sua implementação foram incorporados outros atrativos para o local, como o Relógio das Flores em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário, bancas de flores e de revistas, iluminação especial, despoluição visual, além da restauração e uso dos edifícios históricos para fins culturais.
O Largo Coronel Enéas ou Largo da Ordem, que antigamente foi um dos pontos de encontro dos colonos com suas carroças para comercialização de produtos, foi então preparado para receber atividades culturais, exposições, espetáculos, entre outros empreendimentos, todos ao ar livre. Foi nesse mesmo período que a feira de artesanato que existia na Praça Zacarias, foi transferida para este novo local. Nascia, assim, a Feira do Largo da Ordem, a nossa Feirinha. A ação de transferir a Feira servia como um incentivo aos novos usos do espaço pelos moradores de Curitiba e, principalmente, pelos turistas. Para os artesãos, a contribuição seria uma forma de melhor divulgar seus trabalhos. Quando foi transferida, a feira previa ocupar unicamente o espaço do Largo Cel. Enéas. Seu crescimento inesperado, no entanto, obrigou que se estendesse por todas as ruas do Setor Histórico. Hoje, a Feirinha do Largo da Ordem, como ficou conhecida, recebe semanalmente o fluxo de 15 mil pessoas que visitam as duas mil barracas, distribuídas em oito quadras no centro de Curitiba. É um exemplo de diferentes identidades que se pretendeu dar à cidade em diferentes momentos. Marca de uma experiência coletiva, contribui para a
vivência de um passado que podemos experimentar a cada Domingo. E, levando em conta as novas necessidades de mundo, cada vez mais marcadas pelas experiências da simultaneidade, da interatividade e da conectividade, resolvemos propor uma nova estratégia para apropriação desse espaço urbano. Entendemos que o ambiente precisa ser vivenciado, pois somente desta forma a união entre pessoas e a construção de uma noção de pertencimento, que contribui tanto para a preservação de antigas tradições, como para a produção de novas significações e relações de afetividade, se faz possível. Nasce, assim, o Domingo no Largo, uma tentativa de usar a internet para produzir algo mais significativo e duradouro, permitindo que a Feirinha seja vista com outros olhos por todos que a visitam. No site, história dos feirantes, informações sobre os produtos vendidos, receitas dos quitutes que nos enchem a boca d’água e aqueles serviços de utilidade pública, como onde estacionar seu carro ou bike quando aparecer por lá. Aqui, um aperitivo disso tudo. Sejam bem vindos!
Luis do Pão “Bom dia, amigo! Olha o pão, vizinha!” - Quem passa pela barraca de Luis Cesar Pinheiro em frente à mesquita Imam Ali ibn Abi Tálib, é sempre recebido pelo vendedor carregando um enorme sorriso no rosto. Com tanta simpatia, é difícil imaginar que Luis do Pão, como é conhecido, começa a preparar os pães ainda no Sábado. Acorda Domingo às 4h da manhã para assá-los e, às 7h, chega à Feira do Largo da Ordem para comercializá-los fresquinhos. Há 25 anos no ponto, começou vendendo pães por volta de 1982, em Pinhais. Produzia cerca de 10 pães caseiros que entregava de bicicleta a seus clientes. O pessoal gostou tanto de receber o produto na porta de casa, que Luis teve que aumentar a produção, e abandonar a bicicleta para montar uma barraca na Feirinha. Hoje, ele exibe com orgulho os diversos tipos de pães que aprendeu a preparar e explica detalhadamente cada ingrediente. Tem integral, com banana, com amendoim, trançado, sovado, de aipim, “e até sem glúten, que o pessoal anda exigente”, brinca. E a julgar pelo movimento intenso na barraca do Sr. Luis, que não parou um minuto sequer enquanto concedia a entrevista, seus pães são mesmo de dar água na boca.
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Por Lucas Cabaña Foto: Carlé Cadu
À grande e eterna maestria do samba curitibano:
Maé da Cuíca
(1927-2012)
Irreverente e precursor do carnaval curitibano, Seu Maé da Cuíca deixou a capital paranaense e o reduto do samba carente de sua poesia, no dia 22 de dezembro de 2012, aos 85 anos de pura cadência. O Rato presta aqui uma breve homenagem e relembra alguns fatos notórios da passagem desse mestre da “Princesa dos Campos”, que estabeleceu seus grandes sucessos em Curitiba. O samba é quase uma entidade onipresente no Brasil. Não apenas pela diversidade do gênero que balança entre a bossa nova, rock, jazz e tantos outros estilos. Mas também por sua necessária e rica contribuição cultural, já incorporada na identidade dos povos brasileiros. Seria ingênuo não confirmar o fortalecimento e a referência do samba no eixo Bahia-Rio-São Paulo, o que ocorre pela divulgação massificada e a incorporação do gênero como cartão de visita destes estados. Mas outras regiões também produzem samba de qualidade, apenas ainda não foram assimiladas pelo chamado mainstream. / 32 - o rato /
Há muitos bambas a frente de seus microfones, pandeiros e cavaquinhos. Artistas ainda desconhecidos nesse nicho da música brasileira. Quem diria, por exemplo, que em Curitiba - uma capital conhecida pelo sotaque fortemente marcado em algumas consoantes, pelas peculiaridades de Dalton Trevisan e Leminski e, acima de tudo, por manter o bom e velho rock and roll como carro chefe de inúmeras gerações - o samba teria o seu espaço para brilhar!? O fato é: Curitiba dá samba há mais de 80 anos. E me arrisco a afirmar, ululante, que nunca houve tanto rebuliço, tantas manifestações do samba na terra do leitê quentê quanto nos últimos anos. A total falta de registro impede afirmar e comprovar como a coisa toda se deu em nossas bandas. E rotular uma idade exata para a nossa cadência rítmica é impossível. Ainda assim, sabemos que desde a década de 1920, mais precisamente em 1927, o estopim do samba em Curitiba começava
a ganhar forma. Ismael Cordeiro, popularmente conhecido como Maé da Cuíca, foi e sempre será o patrono do samba curitibano, embora não tenha nascido na cidade. Foram os ares pontagrossenses que o trouxeram para cá aos cinco anos de idade. Assim que seu pai foi transferido para a capital, a família Cordeiro estabeleceu residência na extinta Vila Tassi, o berço do samba da Vila Capanema. “Meu pai e minha mãe eram evangélicos, mas eu dava minha fugidinha. Toda a tarde tinha umas rodas de samba embaixo de uns pés de eucalipto. Ali, onde as senhoras lavavam roupa pros bacanas da cidade, embaixo dessa sombra do eucalipto, era onde os crioulos faziam o samba. Quando dava 17h, começavam a bater bumbo, tocar violão, e eu aparecia ali. Ficava olhando aquilo, não sabia de nada. Mas com o passar do tempo eu fui me infiltrando no meio. Fui gostando e aprendendo, e acabei fazendo parte do esquema da Vila Tassi”, relembra saudosamente.
Você saía com um pandeiro na rua, era preso e levava umas cacetadas dos guardas que tinha. Lá da Vila Tassi, quando a gente ia pra cidade, chegava na praça e os guardas tocavam a gente de volta. O sucesso das rodas foi tanto que a Escola de Samba Colorado foi fundada, em 1946, por Maé e outros parceiros. Não demorou muito para que a primeira escola de samba de Curitiba se tornasse referência como o berço do samba da cidade. Por mais de três décadas, Maé foi campeão de bateria nos desfiles de escolas de samba na capital curitibana. Em decorrência dessa ascensão, a cidade passou a atrair diversos sambistas de outros cantos do nosso país tropical, como Cartola, Grande Otelo, Leci Brandão, entre outras figuras do samba carioca. Por tamanho feito, Maé recebeu o título “Cidadão Samba do Paraná para a Eternidade”. Uma justa homenagem à sua imensurável contribuição. Sempre precursor, também participou do primeiro grupo de samba da capital, o Partido Alto Colorado, durante a década de 1960, e ainda nos grupos Maé Samba Show e Maé & Seus Batuqueiros. O carnaval da cidade deve todo o seu mérito ao Seu Maé. Uma figura emblemática, de extrema simpatia e humildade. Ícone da velha e da nova guarda do samba de Curitiba. Durante o ano de 2012, por mais
que a idade e sua aparente fraqueza acenassem com a possibilidade dele se afastar das rodas dos bambas da cidade, ele esbravejou e sua cuíca animou calorosas tardes de samba durante os dias gélidos de Curitiba, até o dia 22 de dezembro.
Carnaval, Curitiba & Maé Não é segredo para ninguém que o carnaval em Curitiba, a cada ano que passa, vem perdendo seu prestígio. Principalmente por parte dos órgãos públicos. Tanto pelo valor irrisório da verba destinada às escolas - que muitas vezes é repassada apenas um mês antes da festa - quanto pela falta de estrutura adequada para o desfile em si. Um retrocesso indireto ao incentivo fiscal no campo do turismo da cidade. Não é à toa que o próprio Maé costumava dizer que o samba em Curitiba era tido como marginal, assim como quando teve início. “Quando começou, você saía com um pandeiro na rua, era preso e levava umas cacetadas dos guardas que tinha. Lá da Vila Tassi, quando a gente ia pra cidade, chegava na praça e os guardas tocavam a gente de volta. ‘Bóra, volta pra Vila, vão roubar’, era isso que eles diziam. E continuou essa mentalidade. Em Curitiba, chega o carnaval, viajam. Depois, quando voltam, dizem que Curitiba não tem carnaval. Curitiba o carnaval é isso, metem o pau. Eu digo: em Curitiba o samba evoluiu, o carnaval é que caiu”, ressalta. Nos períodos áureos do carnaval na cidade, o festerê não se restringia apenas a um dia. Eram quatro dias de muita serpentina e animação. “Querem acabar com o carnaval. Ainda tiraram da Rua Marechal Deodoro, que dava 20 mil pessoas por noite, e levaram para o Centro Cívico. (...) Então, é o fim. Todo mundo batalhando para derrubar e acabar com o carnaval. Já não ajudam monetariamente, é difícil. Ajudaram escola de samba do Rio, e a nossa aqui?”, indaga sabiamente. Coetâneo e agitador do seu próprio tempo, Seu Maé defendeu seu samba com cuícas, gingados e plena consciência política cultural em Curitiba. O que vai acontecer daqui até os próximos carnavais, com o auxílio dos diversos movimentos de fortalecimento do gênero na cidade, é uma incógnita. Mas uma coisa é certa: “Curitiba dá samba. Curitiba tem samba bom pra caramba aí, pô! Só precisa de alguém que não toque, que não mande prender, que não bote a polícia em cima e que faça alguma coisa pelo samba, pô!”, ensina o gentil e eterno grande mestre do nosso samba, Maé da Cuíca. Os depoimentos de Maé da Cuíca foram extraídos do documentário Curitiba dá Samba, que será lançado no segundo semestre deste ano. / o rato - 33 /
ENTREVISTA DO ALÉM
Raul Seixas O entrevistado fantasma da vez é um cabra da peste retado por demais... O Rato tava num pé sujo da São Francisco, traçando uma caninha pra aquecer a goela... Naquela falta de um navio de cruzar deserto, saca? Não mais que de repente, adivinha só quem fez contato imediato pelo rádio do boteco? Ele mesmo: o cara, a lenda, o mais original dos roqueiros que já pisou o solo desta nossa Pindorama. Foi uma beleza! O maluco respondendo na lata às mais angustiantes perguntas que brotavam da alma torturada (e meio embriagada) deste roedor que vos fala, enquanto a chuva caía lá fora... Com vocês, Raul Seixas:
O Rato: Tô sabendo que Sua Majestade Satânica nasceu há dez mil anos atrás sob o signo do rock com ascendente no baião, mas tinha que ser justamente na Bahia? Raul: Meu nome é Raul Santos Seixas, sou baiano de Quenguenhém. Oito horas de mula e duas de trem. O Rato: Hein?! Raul: Raul Seixas e Raulzito sempre foram o mermo hôme. Mas pra aprendê o jogo dos rato transou com Deus e com lobisomem. O Rato: Tô ligado, mas esse negócio de Novo Aeon, Golden Dawn e Aleister Crowley não era só um charme esotérico que você e o Paulo Coelho usavam pra pegar as minas? Ou você levava a sério mesmo esse papo de alta magia, rituais e tudo o mais? Raul: A letra A tem meu nome. Dos sonhos eu sou o Amor. O Rato: Poético, mas meio hermético. Dá pra ser mais específico? Curtias deveras um satanismozinho, ainda que light? Raul: O Diabo é o pai do rock. Foi ele mêrmo quem me deu o toque. O Rato: Se você tá falando, eu acredito. E a Sociedade Alternativa? Ainda tem espaço neste mundo pragmático pra viver fora da caixa? Raul: Faz o que tu queres, há de ser tudo da lei. O Rato: Sendo assim, só me resta intimar na cara dura: acaso não terias uma préza pra fazer a um cristão?
O Rato: Pena. Então vamos mudar o cardápio. Garçom, bota uma aqui pro meu camarada Raulzito. Vai dizer que parou de beber também? Raul: Tenho que entrar com a garrafa de bebida enrustida porque minha mulher não pode ver. O Rato: Mulher é foda... Olha, a chuva tá passando, e eu também já perdi o medo dela. Que vamos fazer agora? Raul: Eu vou fazer o que eu gosto. O Rato: Fechou. Então, estás solenemente convidado a me acompanhar até o Blues Velvet, onde o Trem Fantasma vai esmerilhar umas guitarras daqui a pouco. Tamo junto? Raul: Onde você vai eu também vou. O Rato: Assim é que se fala. Só não te convido pra uma sopa por motivos óbvios... Simbóra! Raul: Eu vou entrar também nessa jogada, quero ver quem é que vai guentá...
Raul: Não, não, não, não. Eu já parei de fumar, cansei de acordar pelo chão.... Não quero mais andar na contramão.
“De todas as taras sexuais, não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência” Millôr Fernandes
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O RATO NO SEBO Por MacGregor Fotos: Isabela Fausto
Tá ligado no casal 20 dos sebos de Curitiba? Este mês O Rato tem a grata satisfação de transcrever em suas páginas um resumo do bate-papo agradabilíssimo que travou com o Claudemir e a Márcia, donos do Acervo, um sebo que se destaca pelo espaço amplo (três andares repletos de LPs, CDs, Livros e Gibis) e pela alta concentração de peças colecionáveis. O Rato roeu pra você as ideias, o astral e o know-how dessa dupla do barulho. Segue a rima:
O Rato: Gente boa, contaí pro nosso distinto leitor: como surgiu o Acervo?
até por obrigação profissional. Mas qual tipo de música vocês curtem, na real?
Márcia: Foi em 98, nessa mesma rua. A lojinha tinha uns 30 m². Nosso foco era vinil e CD. Um ano depois, mudamos para uma loja maior, em frente à Secretaria de Cultura. Ficamos lá uns seis anos. Quando ficou cheia demais, mudamos pra cá, onde estamos há sete anos. Sempre na mesma rua...
Claudemir: Sempre ouvi de tudo, mas gostava mais de música clássica. Estudei violino e até tocava na orquestra da UFPR. Uma das amizades que fiz na orquestra me convidou pra cuidar da área de clássicos em um sebo e mudei de ramo. Eu era bancário.
O Rato: Puxa! Vocês se abraçaram mesmo com a Saldanha, hein?! Eu curto demais essa rua. Maior astral.
O Rato: Aleluia! Por falar em clássicos, apesar da “volta do vinil”, os bolachões de música clássica continuam baratos. E geralmente são muito bem conservados, impecáveis mesmo. Por que o clássico não é valorizado? Falta público?
Márcia: É. E tem uma história bacana, ligada à cultura. Muita gente só conhece a Saldanha por causa dos sebos. O Rato: Diz uma coisa: sebo também é vocação? Ou é possível ter um sebo sem gostar de música, sem gostar de ler? Vocês gostam? Márcia: Eu acho que é um trabalho como qualquer outro. Mas tem que gostar. Principalmente de atender bem as pessoas. O Rato: Vocês com certeza conhecem de tudo,
Claudemir: Quem curte os clássicos migrou para o CD e ficou. Ao contrário dos fãs de outros gêneros, que voltaram para o vinil. Quando a Sony desenvolveu o sistema digital, os discos clássicos foram os primeiros a ser remasterizados. E o público aderiu, porque é muito exigente e ligado em sutilezas sonoras. Márcia: O fá de clássico é o único público que prefere o CD ao vinil.
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O Rato: Engraçado isso, porque eu percebo uma valorização crescente do vinil. Coisas que eu comprei há algum tempo, por um preço bem acessível, alcançam hoje quantias exorbitantes. Márcia: É verdade. O mesmo vinil que antes vendíamos por R$ 15,00, agora custa R$ 80,00. A oferta está diminuindo e a procura está aumentando. A meninada compra direto. Pra eles é normal. Eles não têm essa nostalgia do vinil barato porque não viveram essa fase. Claudemir: E o público mais velho, especialmente o que curte rock e MPB, está comprando vinil para os filhos. Toda uma nova geração de consumidores de vinil está surgindo. Márcia: Temos clientes de vinil com oito anos de idade. Meninas que curtem ABBA, Bee Gees, Beatles, Elvis, Michael Jackson. Entram aqui vestidas com o uniforme do colégio. Pedem para os pais de aniversário, no Dia das Crianças, e ganham! O Rato: Sério?! Criançada comprando vinil! Essa pra mim é nova. Márcia: Tem uma garotinha que tá brigando comigo por causa daqueles Picture Discs do Michael Jackson ali. Fica barganhando. Essa meninada está puxando os preços pra cima.
(Nesse ponto, interrompemos para o atendimento a um cliente que procurava um vinil do AC/DC. A loja só tinha o título em CD. O cliente declinou e foi embora). O Rato: Agora, a pergunta que não quer calar: o mercado de sebo tem futuro? Vinil acabando, e-Book chegando... o mercado não tende a ficar meio punk, tipo “no future”? Claudemir: As editoras continuam fazendo livros. É um mercado que tem futuro ainda. Márcia: Acho que leva muito tempo pro pessoal pensar em trocar o livro pelo e-Book. Agora, para o CD a gente prevê uma morte muito rápida. O Rato: Caramba! Então o CD tá na UTI, respirando por aparelhos. E o vinil? Claudemir: O vinil continua firme, embora a oferta esteja diminuindo. Tem gente que brinca: “olha, quando aquele colecionador morrer, você me avisa”... heheh. O Rato: Que macabro! O jeito é ficar de olho nos obituários, então. Mas não contem com a coleção do Rato tão cedo. Como diz o Alceu Valença: Eu Sou Muito Vivo! Heheh... Abraços. Valeu a prosa!
II A PRÉZA A entrevista rendeu um belo disco para a coleção do Rato. Coincidência ou não, o presente do casal de proprietários do Acervo é bem romântico. Será que eles ouvem o Rei no aconchego do lar? Parece que sim! Este bolachão do Roberto Carlos é um clássico absoluto. Lançado em 1974, representa sua transição da adolescente Jovem Guarda - marcada pelas guitarras e a temática menina-carro-festa – para sua fase adulta, na qual surgem os arranjos orquestrados e as preocupações com casamento-filhos-separação. Detalhes, primeira faixa do lado A, tem até hoje presença garantida nos seus shows. Não adianta nem tentar fazer de conta que você não conhece.
Minha preferida é Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos, composta para consolar Caetano. Exilado, o baiano chorou no ombro do Rei, quando este o visitou em Londres. Ganhou dele essa canção imortal. Belo prêmio de consolação, você não acha? Não por coincidência, Roberto ainda canta neste disco uma cover de Dois e Dois, música de Caetano que faz um retrato amargo e irônico daqueles anos de chumbo: tudo certo como dois e dois são cinco, bicho! A Jovem Guarda ainda marca presença, com I Love You, Você Não sabe o que Vai Perder e Eu Só Tenho Um Caminho. Mas a desilusão com a dura realidade do mundo adulto fica evidente em Traumas. Este disco mostra Roberto e Erasmo caindo na real, enfim. E seguem romantizando, com tristeza indisfarçável, em baladas como A Namorada, Se Eu Partir, De tanto Amor. E dizer o que da Amada Amante? O cara entrega o jogo todo, e depois se pergunta por que seus casamentos não dão certo... Pra fechar a transição radical, o pseudo-rebelde que antes queria que tudo o mais vá pro inferno, revela afinal seu lado bom moço, que o acompanha até hoje, nessa espécie de hino cristão intitulado Todos Estão Surdos. Quem está surdo, caro Roberto? O Rato segue ouvindo muito bem, obrigado...
Serviço:
Sebo Acervo | www.acervoalmon.com.br Rua Saldanha Marinho, 459 – Centro - Curitiba contato@acervoalmon.com.br | 41 – 3324-1360 / o rato - 39 /
Música para seus ouvidos
Pallets, Independência ou Sorte? Pra quem gosta do rock puro osso, tipo AC/DC e Velhas Virgens, o primeiro disco desta banda de São José dos Pinhais é um presentão. Com um dos shows mais divertidos do Paraná, a estreia tem seus altos e baixos. Enquanto na faixa “Generoso” a banda escorrega numa crítica mal colocada, em “Freguês do Diabo” a Pallets mostra a receita perfeita para um rock envenenado: ”Estava procurando emprego, arrumei um que ganhava uns 420, no começo era bom, conseguia beber e fumaaaar”. Não perca o show por nada!
2012 / SÃO JOSÉ DOS PINHAIS / ROCK
Lucas Santtana, O Deus que Devasta Mas Também Cura Apontado como um dos melhores trabalhos de 2012 em tantas listas, este novo disco do compositor baiano é de uma pretensão controlada, a começar pelo título. Apostando numa variedade de estilos que abraça desde samplers eletrônicos até arranjos orquestrais, é nas composições simples que o músico se destaca, como “Pra onde irá essa noite” ou a instrumental “Vamos andar pela cidade”. Destaque também para os ótimos versos de “Se pá ska SP”. A parte sintomática, como diz Lucas Santtana, é o fato do disco não ter formato físico, acessível, oficialmente, só pela internet. 2012 / BAHIA / MPB
Romulo Fróes e Arnaldo Antunes Rap em Latim
Loteria da Babilônia (Raul Seixas)
Blues Pills Little Sun soundcloud.com/bluespills
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Foto: Juan Luis Guerra/Divulgação
soundcloud.com/ romulofroes
O enxadrista Raul canta pra si mesmo aqui. Angustiado por pagar o aluguel, vive indeciso entre ganhar dinheiro ou simplesmente gritar ao mundo o quanto está certo, defeito este que ele sabe ser incurável.
Holger, Ilhabela Muitos rótulos já couberam ao Holger, todos bem extremos. Alguns preferem “micareta indie”, outros juram que é “vanguarda”. Se você acredita nesta última, é porque provavelmente escuta os discos da TV Colosso como se fosse uma obra-prima. Como definir um som que une Xuxa, afrobeat, Timão & Pumba, e letras que fazem do Cumpadre Washington uma referência? Tudo bem, os rapazes só querem curtir uma festa tropical, tomando melância atômica e requebrando ao som do Asa de Águia. E, se você pensar bem, esse caldeirão pode ser divertido, não é? Não.
Uh La La!, Volume 10 A música dançante do Uh La La! tem um quê de festinha revival anos 80, mas guarda nas entrelinhas o espírito de bagunças mais pesadas. Não à toa, a banda vem tocando em diversas praças pelo Brasil, com certeza conquistando público a cabo de sua performance imbatível. Talvez a obsessão por vocais agudinhos (ex. Menina Má) deva ser repensada. Já em hits certeiros como “Meias Azuis” e “Hey Hey”, a banda curitibana mostra que tem o sangue pra fazer de sua carreira algo duradouro e, principalmente, divertido.
2012 / SÃO PAULO / AXÉ UNIVERSITÁRIO
2012 / CURITIBA / INDIE ROCK
Shoplifters of the World Unite (The Smiths) A dupla “Morrissey-Marr” se inspirou até demais em Children of the Revolution, do T. Rex, e escancararam o fato, convocando os “trombadinhas de todo o mundo” a se unir e fazer o mesmo.
Captain Sensible Glad it’s all over
Cultura Snack Pin Up Eletrônica
myspace.com/ thecaptainsensible
soundcloud.com/ raphaelgorny
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Tame Impala , Lonerism Se Innerspeaker, de 2010, foi um festejado disco de acid rock e melodias cativantes, Lonerism é ainda mais chapado. O deslumbramento com a massa sonora de teclados, synths e recursos de estúdio não para. Em especial, agora temos várias dobras vocais, como em “Mind Mischief”, onde a influência Beatles é suave e muito bem vinda. Porém, assim como no disco de estreia, a bolacha começa viciante, e a gente escuta tanto, que depois não pode mais com tantos efeitos e experimentação nas orelhas. Parece que os discos do Tame Impala, infelizmente, tem esse prazo de validade. Mesmo assim, os australianos continuam entre as bandas mais inventivas do cenário atual. 2012 / AUSTRÁLIA / ACID ROCK
Maxixe Machine Ordem Unida Do Coronel Adelio Conti www.youtube.com/biduda
Curtis Mayfield Back to the world Tags: #1973 #curtismayfield #soul #funk #jazz
One in a Million (Guns’n’Roses) A tal canção racista, homofóbica e xenófoba de AXL Rose. Sempre com o rei na barriga, o cantor vestiu o seu shortinho branco, colocou uma meia no saco e se achou no direito de celebrar tamanha boçalidade.
Aerosmith, Music From Another Dimension Depois de 11 anos sem lançar um disco de inéditas, mais preocupados em se acusar mutuamente pela imprensa, o Aerosmith volta sem novidades pra contar. Nem as baladas conseguiram salvar a banda desta vez. Já nas primeiras faixas podemos sentir a falta de energia. As guitarras não estão vivas, e a bateria parece estar apenas cumprindo tabela. Difícil saber se a fonte de riffs de Joe Perry secou, ou é o estilo que não empolga mais. Se tratando de uma banda que foi capaz de renascer das cinzas tantas vezes, este disco é uma grande decepção. 2012 / EUA / HARD ROCK / 42 - o rato /
Foto: Anderson Yagami/Divulgação
Tropicalea Jacta Est (Tom Zé) Para quem quer saber a história da tropicália na visão de um de seus mais inquietos fundadores, essa nova música de Tom Zé é certamente melhor que um livro. Tire o lixo lógico de dentro de você!
Psilosamples, Mental Surf Interessantíssimo trabalho instrumental do mineiro Zé Rolê. Levado por bateria eletrônica, violas e um swingue mais que batuta, a verdade é que esse disco só esta aqui porque a capa é muito legal. Dá uma olhada. Não tô dizendo?! Mental Surf é como tomar cachaça numa festa junina com tenda eletrônica. Às vezes você ficará perdido olhando o céu do interior a espera de algum alienígena, mas rapidamente vem uma moda de viola pra dizer: “Deixa de bestagem, home!” Vai bem acompanhado de bala ou paçoca. Pegue a prenda e se arrebente! 2011 | EUA | ROCK ALTERNATIVO
Ednardo Subterrânea Canção Azul
Branco Favela Favela Central (Vila das Torres - Capanema)
lastfm.com.br/music/ Ednardo
soundcloud.com/ rapperbrancofavela
B Fachada, Um fim-de-semana no pónei dourado O lusitano B Fachada é um figurão. Imagine então pra nós, brasileiros. Escutar um portuguêx cantando é piada pronta. Mas apesar das letras bem humoradas, é tudo muito sentimental, e rapidinho você vê que se trata de boa música. Ele vem gravando 2 discos por ano desde 2007: um no verão, outro no inverno. Então, se servir pra você ir atrás do cara, se ligue nos títulos que o bonachão dá à suas músicas: “Não pratico habilidades”, “Sozinho no Róque”, “Zappa Português” e o sensacional convite “Quem quer fumar com o B Fachada”. 2009/ PORTUGAL / FOLK PORTUGA / o rato - 43 /
O Rato foi à oficina do homem-banda Davi Henn, por ocasião do lançamento do seu novo disco, Despacho. Dos tempos de vagabundagem à atual vida de paizão de família, fizemos um apanhado geral da sua carreira até aqui, e o cara já foi logo se apresentando: Por Gabriel Fausto
Foto: Gabriel AraĂşjo
Davi Henn: Eu nasci em Curitiba, em 86. Aí os meus velhos se mudaram pro Sul, em Santa Catarina, e eles acabaram se separando. Isso me levou ao Rio Grande, em Erexim, quando fui morar com a minha vó. Comecei a tocar lá, molecão. Com 11, 12 anos, já arranhava uma viola. Conheci o Ronan, e com ele cheguei a tocar até em banda de bailão. Até que ele veio pra Curitiba com a família, conheceu o Leandro e me ligou com a seguinte conversa: “Então cara, vem pra cá, tá rolando uma cena aí, a gente sabe que você quer tocar... E aí você não tá ganhando nada”. Isso foi Domingo. Terça-feira eu já tava em Curitiba. Larguei trampo, namorada. Eu tinha 19 anos. O Rato: Aí você começou a sua carreira musical aqui em Curitiba. Com o Ronan no baixo e o Leandro na bateria, vocês formaram a Vitrola Velha. Naqueles tempos você tocava de cueca e as músicas falavam sobre calcinha. Foi bom pra você? Davi Henn: (Risos) Foi uma fase de moleque, né. A maioria daquelas composições eram de quando a gente tinha 15, 16 anos. Era de festa, de rock‘n’roll, e era o que a gente vivia mesmo. Lá no Rio Grande tinha uma coisa forte de juntar a piazada na rua pra jogar bola, bets e tocar uma viola. Começou tudo por aí, saca? Bebedeira, mulherada, festas... A gente curtia as noitadas. Se tivesse que ficar de cueca pra fazer valer a noite...(risos). O Rato: Então veio a música “Fumaça”, e o som da Vitrola foi tomando uma direção mais reflexiva. Vocês estavam ficando afiados, conquistando um certo público, mas a banda acabou. Por que? Davi Henn: Foi quando eu comecei a ouvir mais psicodelia. Principalmente a brasileira, que era uns caras tipo Marconi Notaro, o Peabiru (disco de Lula Cortês e Zé Ramalho), e comecei a me focar muito naquele tipo de poesia, que conta uma história. E “Fumaça” fala sobre um cara que tem um mal súbito e morre no meio da rua, entendeu? E é uma mudança sonora também, né. Daí aconteceu que quis entrar de cabeça nesse som. Apresentamos a música no Festival Psicodália e pirei com aquela coisa toda de comunidade, de festival, de música... Pensei: “Pô, eu quero isso aí pra mim.” Tentei colocar isso na banda e não deu muito certo, sabe, a galera queria continuar naquele rockão mais noitada. Aí a gente foi se afastando, briga aqui, briga lá...
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Foto: Isabela Fausto
O Rato: De se até você começar a tocar sozinho demorou um tempo. Que você ficou fazendo nesse intervalo?
Davi Henn: Então, toquei com o Conto, conheci o Newmar (hoje formador da banda Velho Bandido). Uma noite, no Bosque do Papa eu tava tocando violão e tinha um cara em cima da Araucária tocando flauta. Daí eu parei lá embaixo e a gente foi fazendo uma sonzera. Eu tava precisando muito de grana, tocando sabe, porque eu sempre mandei os empregos pras favas. Conseguia comprar a guita, o amp, o pedalzinho e já mandava o emprego pra fora. Daí consegui arrastar o New pra tocar na rua. Ele tocava escaleta. Foi aí que começou a centelha do Conto. Tocava na Rua XV, todo dia, pra ganhar dinheiro. Pra salvar o do careta, o da bera, o da passagem, e pra conseguir comer e voltar no outro dia. Foi na época em que eu morei em barraca na casa de uns amigos no Água Verde. Fiquei 3 meses nas barracas (risos). E se não tocasse na rua o bagulho apertava mesmo. Ali eu conheci o Klauss, e junto com o New, tocamos por 3 anos no Conto. O Rato: E acabaram também. Davi Henn: Acabamos também. Nasceu minha filha, a vida começou a tomar outro rumo... Precisava de uma correria mais firmeza, então dei um tempo. Daí que apareceu a coisa do blues. Um dia eu tava pintando uma
Foto: Isabela Fausto
O Rato: Ele também marca outra virada no seu estilo de compor, com letras mais diretas, mas sempre questionadoras.
“Tocava na Rua XV, todo dia, pra ganhar dinheiro. Pra salvar o do careta, o da bera, o da passagem, e pra conseguir comer e voltar no outro dia. Foi na época em que eu morei em barraca na casa de uns amigos no Água Verde.” parede de tarde na casa da minha vó, pensando: “O que eu vou fazer como músico, cara?”. E veio um blues na orelha. Eu já tocava viola, que usei no “Música pra soltar pipas”, um disco instrumental onde eu gravei todos os instrumentos, e lancei enquanto estava com o Conto. Aliás, a viola foi um presente de aniversário da minha mãe e da minha mulher. Eu tava meio de saco cheio e elas falaram: “Vai lá e escolhe um instrumento novo pra você tocar”. Entrei na loja, testei uns bandolins, mas daí vi essa coisa pendurada na parede (olha para sua viola no colo), só com 10 cordas. “Cara, que porra é essa aí?!”. Dei um toque nela e já mandei embrulhar (risos). Gravei o “Pipas” em menos de um mês, cara. Só que pirei bastante na acústica. Eu ia gravar as violas no banheiro, de frente pros azulejos. Gravei os passarinhos no quintal de madrugada, uns trovões. Gravei até uma chuvarada. O Rato: É só aí que vem o Ep “As coisas que acontecem por aí”, na época em que você começou a tocar sozinho mesmo e voltou a fazer shows... Davi Henn: Eu tava a uns 5 meses sem tocar, sem compor, sem fazer show. Eu tava injuriadão. Daí o Xande Pagliosa me convidou pra tocar numa festa: “Vamos lançar uma demo tua lá!”. Eu nem tinha nada, faltava duas semanas pra festa, sentei em casa e em 3 dias gravei o negócio, com minha filha pequenininha junto na cadeirinha, dormindo de tarde. E deu certo. Desse disco eu vendi 450 cópias, só no boca a boca.
Davi Henn: Exatamente isso. Acho que, de muitos anos ouvindo Raul, sempre quis fazer alguma coisa naquela qualidade, talvez não tão filosófica. A partir das coisas que a gente observa por aí, fazer piada disso, entendeu? Do que a gente vive mesmo. Tirando as letras da Vitrola, que era coisa de moleque e falava de putaria mesmo, hoje em dia não vejo nenhuma letra minha que fale de banalidades. Ah, o amor e tal. O Rato: Já que você citou o Raul, como compositor, quais são as suas referências? Davi Henn: De prima foi o Raul, desde moleque. Também Secos & Molhados, que é outra vertente, aquela coisa da composição poética. Eu acho que foi bastante esse som brasileiro dos anos 70 que me influenciou. Alguma coisa de Bob Dylan também, que hoje em dia eu vejo estar fazendo um trabalho mais parecido, nesse sentido de falar das coisas que você esta vivendo mesmo. O Rato: Por curiosidade: quanto tempo você passa tocando por dia? Davi Henn: Cara, eu vou ser bem sincero. Eu não sento assim de ficar passando, mas eu perco umas 3 horinhas indo e voltando. De tarde toco um pouquinho, quando acordo...
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Foto: Isabela Fausto
“Gravei o Pipas em menos de um mês, cara. Só que pirei bastante na acústica. Eu ia gravar as violas no banheiro, de frente pros azulejos. Gravei os passarinhos no quintal de madrugada, uns trovões. Gravei até uma chuvarada.” O Rato: É porque eu percebi, nesse último show que você fez de lançamento do CD Despacho, ao vivo no Psicodália, que você tá mandando na viola muito bem. Principalmente na técnica. Acredito que você seja autodidata, certo? Davi Henn: Ah, sim. É que também, acho que não tem quem toque viola e mande esse repertório de blues que eu faço. (Pausa para demonstração) Os caras usam normalmente pra música caipira mesmo. Um dia, por exemplo, eu peguei o slide e vi que se encaixava perfeitamente. Não parei até hoje, hahaha. O Rato: No show, você fez metade sozinho, metade acompanhado por uma banda, que é a gurizada do Velho Bandido e do Cabeçote. Essa ideia vai continuar?
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Davi Henn: Sim, vai continuar. Mas o homembanda não para, por causa do blues. A banda completa é uma coisa nova pra gente poder tocar uns fervo. Às vezes o homem-banda ferve também, porque eu dou o máximo ali, mas queria estar mais susse hahahah. Dar uma curtida também, e expandir um pouco o som, prum lado mais jazz, sabe. Colocar instrumentos mais acústicos, como tábua de lavar, baixo acústico. A gente vai, a partir do ano que vem, construir todos os instrumentos pra banda! O Rato: Inclusive estamos fazendo esta entrevista dentro da sua oficina. O que você já conseguiu construir aqui?
Davi Henn: Então, já fiz um theremin e estou fazendo uns pedais. Me empenhei bastante nessa coisa de construção. Eu passei um tempo morando com meu avô, e ele fabricava espingardas. Pegava um pedaço de ferro, madeira, e fazia ela inteira. E nisso fui me ligando que eu podia pegar uma madeira e transformar numa obra de arte. E tem aquela coisa, manutenção de instrumento é caro. Daí fui, fiz um curso de eletrônica, e esse ano prestei vestibular pra Lutheria na UFPR. Vamos ver se dá certo. Mas a minha ideia não é ficar fazendo um monte de violão não, e sim fazer a partir de caixa de charutos, de matérias reaproveitáveis. Slides de garrafa de vinho, enfim, procurar um mercado diferente.
Papo de Cinema
TRABALHAR CANSA
Direção: Marco Dutra e Juliana Rojas, Brasil, 2011. Passeando por uma espécie de hiper-realidade que trafega com fluidez pelos gêneros de drama e horror, Trabalhar Cansa, longa de estreia dos curta-metragistas Marco Dutra e Juliana Rojas, é uma surpresa mais do que bem vinda nesse cenário ambíguo que é o cinema nacional hoje em dia. Pra longe de ser um filme sobre as mazelas da classe média, como tanto foi dito por aí, Trabalhar Cansa é um drama cheio de significados, que é ao mesmo tempo, familiar, social e político - com toques sobrenaturais – aonde os diretores captam o espírito de um tempo que pouca gente do cinema brasileiro parece preocupado em registrar. O filme fez parte da seleção do Un Certain Regard no Festival de Cannes de 2011 e teve seu DVD lançado em meados de outubro passado aqui no país.
JOHNNY GUITAR
Direção: Nicholas Ray, Estados Unidos, 1954. Truffaut não estava errado quando dizia que Johnny Guitar, western clássico do americano Nicholas Ray, era um filme que beirava o surrealismo. Espécie de afronta às especificações do seu gênero e do cinema clássico, característica sobre a qual Ray construiu boa parte da sua cinematografia, Johnny Guitar aparenta a cada nova revisão ser um tipo de anti-western, registro onírico desse espaço mítico do velho oeste, pontuado desde a subversão da fragilidade feminina das personagens de Joan Crawford e Mercedes McCambridge, até o flerte com o cinema de vanguarda dentro de uma produção industrial.
HOLY MOTORS
Direção: Leos Carax, França/Alemanha, 2012. Cronenberg esmiuçou no seu recente Cosmópolis a condição e o lugar do homem nesse mundo de smartphones e facebook. O francês Leos Carax desenvolve seu Holy Motors numa analogia muito próxima a do filme do diretor canadense, mas felizmente não enxerga a vida como uma patologia. Abraçando sem medo vícios e gêneros cinematográficos, para então subvertê-los, Carax realiza um filme de espírito livre, manifesto contra a lógica batida da narrativa clássica, que grita a todo o momento a necessidade que existe em se reinventar. Reencenar. Da posição do cinema enquanto um sagrado motor da vida.
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Já viu?! Ah, não?! Joga no youtubis! KILO - BONDE DO ROLÊ
http://youtu.be/wPqGoeLUZ_w
LOBISOMEN – OS PENITENTES
http://youtu.be/kG_2R8ow1RM
NESSA MULHER – LEMOSKINE
http://youtu.be/TZ55yMt2WSA
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ME T AMOR FO SE
Escrever é um sono mais profundo do que a morte. Definição bem adequada, se considerarmos que o escritor em questão passava os dias a imaginar para si próprio os mais estapafúrdios tipos de morte: ora era fatiado por enorme faca de açougueiro, ora era arrastado com uma corda presa ao pescoço, desde a janela térrea de uma casa até o telhado, ao qual seu corpo chegava já aos pedaços. Fixações desse tipo, registradas no diário de Kafka, foram muito bem aproveitadas pelo mestre das histórias em quadrinhos, Robert Crumb, para compor este livro maneiríssimo. Plásticas ao extremo, as obsessões kafkianas são um banquete para um ilustrador do seu quilate. E Mr. Crumb não deixa por menos: flagra, ao seu estilo, todas as principais encucações e terrores internos desse escritor único e original. Desde sua complexa relação com o pai, para quem Kafka afirma ter escrito todos os seus livros, até seu vegetarianismo, que parece ser uma rejeição ao avô açougueiro. Tudo está no livro. Alta literatura metamorfoseada em quadrinho underground. É como se Franz Kafka acordasse certa manhã e descobrisse ter se transformado em... Robert Crumb. Bela metamorfose, você não acha? KAFKA DE CRUMB Desenhos de Robert Crumb Textos de David Zane Mairowitz Ed. Relume Dumará 176 pags.
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www.romatiras.blogspot.com.br
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Essas sĂŁo algumas das belezuras que vocĂŞ tambĂŠm encontra em nosso site ...
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