O Rato #4

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Editorial Há 10 anos, Curitiba abriga um dos maiores festivais de teatro da América Latina. Procurando acompanhar a cena, unimos alguns diretores de teatro, atores, atrizes e dramaturgos que curtimos, todos juntos, em um papo interresante: em que pé está o teatro atual? Na mesma onda: entrevista com Paulo Vinícius, figurinista premiado que se destaca pela mistura de cores nos looks. Também roemos o trabalho do fotógrafo Marco Novack. Garantimos muito sangue nas próximas páginas. Para fechar redondo, fique por dentro do universo da performance com Angelo Luz. Música: o rato foi pra Sampa e trouxe um queijo pra lá de requisitado: Luiz Calanca, da Baratos Afins, é o sebo da vez no Preto com um Buraco no Meio. Além das críticas e surpresas dos lançamentos, no Ratphone, preparamos uma entrevista batuta: nas escadarias da Santos Andrade, a banda Charme Chulo trocou figurinhas com o nosso roedor. Mais adiante, Babbur e Regina, proprietários do Lado B, nos contam como é a rotina de um dono de bar. ANO 1 // ABRIL 2013 // Nº 04

Basta! Queremos a revitalização do São Francisco. O que dizem os moradores? E os comerciantes? Fique por dentro do assunto. Na Ratoeira, Jaime Lerner. O urbanista diz ser a favor da ocupação das ruas desse nosso tão querido bairro, mas que é preciso criatividade, pois ocupar os espaços de sempre não é a solução mais adequada. Vamo que vamo! Boa leitura.

expediente Paulo Souza

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Colaboradores Carolina Goetten, Priscilla Scurupa. Comercial comercial@orato.com.br Anuncie n’O Rato anuncie@orato.com.br Agenda – Shows, festas e eventos contato@orato.com.br

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião desta revista. / 6 - o rato /

errato Apenas bons amigos Em nossa edição 2 cometemos um erro imperdoável: insinuamos que a Márcia e o Claudemir do Sebo Acervo formam um casal... Waall, faz só uns trinta anos que O Rato (e a torcida do Flamengo) tem essa ideia equivocada... Gente, eles são apenas sócios, OK? Foi mouse...

A revista O Rato é uma publicação de caráter informativo com circulação gratuita. Todos os direitos reservados.


INDICE RATOEIRA 06 HUMOR DO RATO 09 PSICODELIA BRASILEIRA 10 ARRR! 12 ZOOM 14 5 PERGUNTAS PARA CHARME CHULO PAG 16

19 SÓTÃO 20 ROÍDAS FOTOGRÁFICAS PALCO X PLATEIA

UM BONDE CHAMADO INOVAÇÃO PAG 22

PELA REVITALIZAÇÃO DO SÃO FRANCISCO PORQUE O BAIRRO É DELES, MAS SEU TAMBÉM PAG 26

30 NO ROLÊ 32 A PLURALIDADE DO CORPO EM SEUS MEIOS 34 PRETO COM UM BURACO NO MEIO 42 RATPHONE NÃO BUNDEIA, QUE AQUI A GALERA É DO ROCK! PAG 46

EMBAIXO DA POLTRONA 48 ROMÃ 53 FINALEIRA 54


Arquitetando a Cultura Jaime Lerner, o último dos urbanistas.

As polêmicas envolvendo manifestações culturais x espaços públicos são tantas que o Rato foi atrás de quem já demonstrou que entende do assunto pra tirar uma ideia. Nada como bater um papo com quem já “meteu a mão na massa” para obter uma opinião abalizada sobre esse tema que interessa a todos nós, cidadãos curitibanos. Permita-se concordar ou discordar com ele, com base tão somente na sua própria consciência. Nosso alcaide recebeu o Rato na maior paciência. Está bem conservado, continua bom de conversa e demonstrou preocupação com a conservação das nossas edificações históricas. Segue a rima.

OCUPAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS Jaime Lerner: A única maneira de abrir espaços para cultura é ocupar mais a cidade. Então, não adianta disputar sempre os mesmos lugares. Não se ocupa bem a Riachuelo, nem a São Francisco. O que acontecia em Curitiba era que todo o espaço de lazer criado era ocupado culturalmente. No momento em que isso não acontece mais, as chances de as atividades culturais ocorrerem obviamente diminuem. Sou favorável a que se ocupe mais o bairro São Francisco e o centro da cidade, e também o Passeio Público. Ele é um ponto de encontro importante, que deixou de existir. E não porque surgiram outros espaços, essa justificativa não é suficiente. Sempre surgem coisas novas na cidade, mas aqueles lugares que são tradicionais deveriam ser reativados. Se por uma razão ou outra o Passeio e o bar do Passeio passaram a ser de outros proprietários, caberia a / 8 - o rato /

um movimento, como este que já está acontecendo agora, fazer com que todos retornem. Veja: como você caracteriza um ponto de encontro? Ora, quando as pessoas se encontram! E, às vezes, esse encontro precisa ser provocado. “Nos vemos lá, tal hora”. Assim foram programados encontros entre poetas e músicos no Paiol, entre uma geração de artistas no Centro de Criatividade. Assim foi programado o encontro sobre discussão política no teatro Paiol durante os anos 80. E hoje em dia o Facebook faz isso brincando... Cabe à classe artística assumir uma posição mais proativa. Espaço é poder. Então, precisamos ocupá-lo. Não adianta deixar todos os outros lugares novos, que poderiam ser melhorados, de lado. O espaço para atividade cultural é infinito. Você cria o espaço. Talvez falte um pouco de imaginação de todo mundo. Tanto daqueles que se sentem preocupados com a falta de alternativas, quanto


daqueles que não programam. Quando surgiam espaços novos na cidade, eles imediatamente eram ocupados. O Paiol surgiu e imediatamente foi ocupado. A Casa Romário Martins surgiu e nós imediatamente ocupamos aquele espaço. O Conservatório de Música Brasileira, e assim outros exemplos. E a iniciativa pode vir também daqueles interessados em promover uma animação cultural da cidade. Às vezes tem um casarão abandonado ou um bar que poderia se “Sou favorável a transformar num que se ocupe mais o recanto de discussão, com acesso livre para bairro São Francisco todos. Uma casa e o centro da cidade, que não é do poder público, mas que leva e também o Passeio jeito. O movimento dos artistas pode Público. Ele é um provocar o poder ponto de encontro público a dar uma resposta ou importante, que desapropriar o lugar. deixou de existir.” Há como programar a Quadra Cultural sem prejudicar os moradores. Pensar em outro lugar próximo, talvez um lugar mais adequado. Sempre existe uma alternativa. O ponto de encontro é você quem faz. Assim como acontece a feira gastronômica, pode haver a Feira Cultural nas praças. Até num tubo do sistema de transporte! Então, é o que falta, ao meu entender: as coisas serem provocadas sempre. LEI DO POTENCIAL CONSTRUTIVO Os incentivos que foram criados no sentido de preservar edifícios históricos estão completamente desvirtuados. Está se fazendo disso uma moeda e nem sempre é a moeda adequada. Nem sempre ela é aplicada corretamente. Isso não é um benefício. Sempre foi uma compensação para aqueles que tinham e têm propriedades com valor histórico e sentimental para a cidade. Sempre foram colocadas compensações para que elas não fossem destruídas. Na mesma hora que isso acontece, a prefeitura permite que deixe de existir a Matte Leão, que poderia ser um magnífico espaço cultural. Sem nenhuma razão, sem justificativas...

Assim falou Jaime Lerner. E você, tem uma opinião a respeito? Está interessado no assunto e gostaria de contar o seu lado da história? Entre em contato com o Rato. O roedor é bem capaz de publicar seu parecer aqui ou no site www.orato.com.br, desde que você tenha o que dizer, e claro, de que tudo ocorra dentro das condições normais de temperatura, pressão e respeito, combinado? Então, fui. Valeu, prefeito! / o rato - 9 /



O Rato no Condomínio.

Roteiro: MacGregor | Ilustração: Victor Harmatiuk


A CHAVE (1972) Rockeiro curitibano que não conhece este disco tem que voltar pra escola. A Chave é a nossa primeira banda de rock’n’roll. Puro, sacana e divertido, o álbum nem existiria não fosse uma gravação antiga descoberta pelos donos da loja Vinyl Club, lá pelo ano 2000. Pra você ter uma ideia, os próprios integrantes da banda desconheciam a existência desta fita K7, contendo um ensaio inteirinho da Chave fervendo um som do caralho. Meu ofício é o Rock‘n’roll é o hino setentista: “toda noite quando eu chego em casa / depois de uma batalha danada / um bafo de birita.. o coroa me diz: garoto você é o fim da picada.” Luva de Pelica, das primeiras parcerias da galera com Paulo Leminski, é um lindo rock rural. Talvez a música brasileira que mais mereça este adjetivo. Belo prenúncio do que viria a ser o som do Blindagem. Tirando esta gravação pirata, A Chave lançou um compacto simples em 1977, mas nunca um disco completo – por isso esta gravação é tão fundamental. Por mais curioso que pareça, tiveram um programa na TV Paranaense em 1969, nos moldes da galera da Jovem Guarda. E isso, antes de entrar Ivo Rodrigues. Seria muito importante para a história da nossa música se pudéssemos saber um pouco mais sobre esta época. Infelizmente, os personagens tem certa resistência em abrir a caixa preta. Mas o Rato continuará tentando abrir esta porta. Afinal, é como eles mesmos dizem: deixe a Chave entrar!

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Figurino e Cena Quando as cortinas se abrem e o espetáculo começa, uma série de elementos implícitos surgem para o espectador entrar de cabeça no universo criado pelo diretor e os atores. Figurino, cenário, iluminação e sonoplastia são alguns deles. Todos responsáveis por nos transportar no tempo. O figurino em especial nos informa as características dos personagens: classe social, cultura, religião, sexo. Logo, exige criatividade, ousadia e muito trabalho. A escolha da cor, do material e do tecido varia de acordo com a intensão e a mensagem de cada peça. Então, O Rato procurou Paulo Vinícius, profissional na área há 23 anos e vencedor de 3 prêmios Gralha Azul como figurinista (2011, 2012 e 2013), para saber como é roer os panos por de trás das coxias. Afinal, a produção de um figurino é muito maior do que óculos para o vovô, vestido florido para dona de casa ou scarpan para executiva. Todas essas padronizações já estão prontas em nossas mentes, são de fácil leitura. E aí é que vem o barato do trabalho do Paulo: procurar caricaturar o universo dos personagens de um jeito mais divertido e menos convencional. O Rato: Trabalhar com figurino e cenografia parece ser um trabalho realizador. Você sempre sonhou em trabalhar com isso? Paulo: Sempre sonhei trabalhar com criação. O teatro para mim sempre foi a possibilidade de desenvolver mais de uma função criadora, impedindo que eu me limitasse dentro de uma linguagem artística apenas. Quando dirigi meu primeiro espetáculo, já criei também meu primeiro figurino e meu primeiro cenário. Tudo começou ao mesmo tempo. Antes disso só tinha trabalhado como ator. Para mim, viver de teatro é tudo o que eu sempre desejei.

Foto: Thiago Fernandes

O Rato: O que você desenha e idealiza é o que obtém como “100%” no resultado final? Ou às vezes falta um dindin e é preciso improvisar com materiais reciclados? Paulo: A limitação de verba é algo realmente comum / 14 - o rato /

Foto: Chico Nogueira

nas produções teatrais. Muitas vezes, os projetos são escritos por produtores que não sabem o quanto custa uma produção de figurino, por exemplo. Já tive que trabalhar muito para que um figurino tivesse um bom resultado, apesar da limitação orçamentária. Porém, a limitação de verba não é o único fator que pode impedir os 100% de satisfação com um trabalho. Outras razões podem limitar a execução de uma criação. A falta de tempo hábil para que o trabalho se desenvolva e a limitação de mão de obra qualificada com costura, disponível no mercado, por exemplo, são outros fatores que podem limitar o sucesso de um trabalho com figurino. Existem outras questões também, mas esta entrevista poderia virar um livro (risos). De qualquer forma, a perfeição não existe, não é? Por mais exigentes que possamos ser com o nosso trabalho, ter 100% de realização me parece utópico.


O Rato: Onde rola soltar mais a criatividade e mandar aquele look exótico: no teatro ou no cinema? Como é a relação com as duas áreas?

um figurinista na ficha técnica de cada trabalho. Na música, por exemplo, na maioria das vezes, os figurinistas não estão previstos nos projetos.

Paulo: Tudo depende de cada trabalho. Normalmente acabo preferindo trabalhar no teatro por uma questão de tempo, orçamento e estrutura. A criatividade pode fluir bem tanto no cinema quanto no teatro. No teatro acabo tendo um tempo maior para executar um número menor de figurinos, enquanto que o cinema, normalmente, pede um número maior de figurinos e menos tempo para desenvolvêlos. No cinema, também é mais difícil ter o ator à sua disposição como no teatro, onde os atores começam a ensaiar meses antes da estreia. Quando sou convocado já para as primeiras reuniões, acompanho todo o processo de desenvolvimento do espetáculo, dessa forma o teatro torna-se então uma possibilidade mais prazerosa de criação. Quanto ao cinema, até hoje só trabalhei em filmes de baixo orçamento; nunca tive muitos recursos à minha disposição para trabalhar. Poderia dizer que criatividade e agilidade com produção são duas condições necessárias a qualquer profissional que trabalhe com arte no cinema. Com figurino não é diferente.

Dei sorte de ter meu trabalho divulgado em produções de importantes companhias e diretores curitibanos. Já trabalhei com muita gente e ainda quero trabalhar muito mais. Alguns diretores são bem preocupados com a linguagem visual de um espetáculo. Outros, nem tanto; estão focados no discurso verbal e em outras questões conceituais apenas. Esquecem que a imagem é decisiva para a comunicação com a plateia.

O Rato: Você tem muitos trabalhos realizados aqui na cidade como figurinista, o que mostra que há um super cuidado com a apresentação visual disso por parte das companhias. O que é muito legal! O pessoal que está começando sempre tem dúvidas no assunto. Como é o mercado para quem trabalha nessa área?

Foto: Mariana Brandão

Existem diretores que estão interessados apenas em reproduzir fórmulas já realizadas. Estar numa produção como executor de uma ideia do diretor não me agrada nem um pouco. Infelizmente, por uma questão de responsabilidade, já realizei projetos assim, poucos, Foto: Ale Haro mas já aconteceu. Outras vezes não dei conta e saí bem à francesa, sem me despedir. É muito chato não poder criar. Existem também os diretores que sabem o que querem, mas que abrem espaço para o figurinista criar junto no espetáculo. Aí a parceria flui de maneira surpreendente. A meu ver, a criação é de responsabilidade dos dois, diretor e figurinista, porque ambos se colocaram e cederam, segundo os desejos e as necessidades do outro. A química entre os criadores é tão importante quanto os recursos e condições que devemos ter para realizar uma boa produção. Orgulho-me de muitos trabalhos que já realizei. Tenho sorte para encontrar grandes parcerias de trabalho.

Paulo: O teatro tem o lado bom de ter sempre

Serviço: Figurino e Cena http://figurinoecena.ato.br (41) 3024-0919 / o rato - 15 /



Foto: Isabela Fausto


5 perguntas para o

Charme Chulo Eles sumiram por um tempo e deixaram os fãs com a pulga atrás da orelha: será que o Charme Chulo vai acabar? Mas de jeito manera! Os caipirockers voltaram com um clipe debulhando as coisas mais que desesperantes do nosso rock’n’roll. E prometem disco novo!

Foto: Divulgação

Por Gabriel Fausto

O Rato: Vamos começar pelo novo trabalho do Charme Chulo: o clipe de Coisas Desesperadoras do Rock’n’roll. Vocês sempre foram uma banda de certa maneira bem humorada, mesclando isso com momentos de melancolia. Mas nesta música vocês resolveram dar um passo a mais na direção do deboche. Não só o vocal engraçadão do Leandro, mas o verso “você pinta com o meu pinto” escancara isso. Quem foi o incentivador dessa zoação? Igor Filus: Foi o nosso tempo! Não há momento mais dramático pra quem gosta de verdade de rock and roll do que o nosso tempo. A geração Strokes, que já era fraca, também já se foi, e a sensação é de que temos um imenso deserto à vista. Esse é o sentimento compartilhado hoje em dia pra quem ainda parece ter alguma sanidade. No future! Ou melhor, como ainda diz o Leonard Cohen: “I’ve seen the future, brother: it’s murder”. Então, não havia forma da gente voltar se não fosse com uma música que falasse desse momento desesperador, das frustrações do Charme Chulo, e de todas as outras bandas nacionais, em tentar levar o rock a sério no mercado musical brasileiro, dos colegas roqueiros debandando pros mercados / 18 - o rato /

mais rentáveis como o sertanejo pop adolescente. E, principalmente, dos roqueiros de antigamente, que já se foram, e que hoje em dia soam quase surreais, a exemplo do paranaense Ivo Rodrigues, da Blindagem, que é na verdade a maior inspiração pra letra e pro vocal grosso do Leandro presente nesta música. Leandro Delmonico: Podemos adiantar que o disco novo (com previsão para o fim de 2013 ou começo de 2014) será mais ousado. E ousadia, neste caso, não significa necessariamente deboche. A música nova deu um passo além, pois o Charme Chulo sempre prezou por ser uma banda de rock no sentido de experimentar novas estéticas e sons. Em Coisas desesperadoras do rock ‘n’ roll a gente brinca com a melancolia da letra, portanto, tudo que soa engraçado serve para destacar o que estamos pensando. Independente disso, acho que o público pode esperar algumas músicas mais bizarras no próximo trabalho e isso vai acabar acarretando em boas risadas. Mas é importante destacar que o terceiro disco do Charme Chulo não abandonará o rock caipira, apenas iremos agregar outros elementos.


Igor Filus: É exatamente esse papo de “Coisas desesperadoras...” tem muito haver com músicas de tiozinhos, pois somos nós que estamos virando tiozinhos agora, e a sensação não está sendo nada agradável. O vazio que a gente sente na música atualmente é mortal. As mudanças de valores dos últimos anos foram muito grandes e muito rápidas. Diria até que por esse motivo somos tiozinhos precoces. O nosso lema sempre foi “foda-se as leis e todas as regras”. Meter uma viola caipira no rock como nós fazemos é extremamente isso. Então agora que nós não devemos mais nada a ninguém, pretendemos chutar mais ainda o pau da barraca, mesmo que fiquemos taxados de nostálgicos, que seja papo de velho, tipo que vive dizendo que antigamente as coisas eram melhores, blá, blá, blá.. Leandro Delmonico: Apesar de bem humorada, esta música carrega uma carga muito forte pro Charme Chulo, posso dizer que ela é um pequeno desabafo - com a nossa ironia de sempre - mas é. Somos uma banda independente há 10 anos, já moramos em São Paulo, já abrimos para banda grande e também já tocamos para 1 pessoa. No entanto, acreditamos no que fazemos e fazemos com muita seriedade. Esta letra fala de pessoas que mesmo sujeitas a um gênero musical maltratado em um país onde até o próprio Rock ‘n’ Rio não é mais rock, conseguem se agarrar e não vendem sua ideologia pelo simples fato de ficar famoso e ganhar dinheiro. Ela também lembra que o ambiente do rock é meio melancólico e marginalizado, mas que mesmo assim é

melhor ficar do lado “dos camisa preta” hehe. O Rato: Tirando os gêneros musicais muito populares, que dominam as baladas e telenovelas, a música ainda não se adaptou comercialmente à internet. São vários modelos conflitantes sendo testados a cada momento, e o público não entende mais porque deveria pagar para escutar música no seu computador. Como vocês vêem o futuro desse mercado? Ele deve ser encarado como “mercado” pelas bandas ou está cada vez mais restrito a uma carreira em segundo plano? Igor Filus: Pro roqueiro que se dedica exclusivamente ao trabalho autoral, que sempre foi o nosso caso (e tirando os dinossauros que construíram seu público em outras épocas), é uma carreira condicionada inevitavelmente a segundo plano na sua vida. Depois de uma boa experiência na área, sentimos realmente isso. Pois praticamente não existe mercado pra essa praia no Brasil. Se não existe mercado, não rola grana, nem pra pagar as contas. Por outro lado, as coisas estão se tornando parecidas com antigamente, se você consegue um hit de internet, aumenta consideravelmente suas chances, daí é mais questão de saber dar sequência ao trabalho com o público conquistado, acreditamos. Leandro Delmonico: A internet é o mercado e o jeito de fazer as coisas acontecerem hoje em dia. Em resumo, uma banda precisa se divulgar e trabalhar seriamente, não só na internet, mas na rádio e na TV, para que no fim das contas possa vender o seu show por um valor minimamente sustentável. Eu acho que está mais difícil baixar música na rede hoje em dia. Sou totalmente partidário da democracia e da liberdade de divulgação das bandas, no entanto, acho que seria bacana encontrar um meio termo com o tempo, sabe? Não tem como a gente ir neste pique toda a vida, a maior prova disso é que o vinil está em alta e as pessoas estão conseguindo misturar o que é bom do passado com o que é bom do futuro. O Charme Chulo recebe alguma coisa de direito autoral e dá muito orgulho saber que você está ganhando pelo que você criou.

Foto: Divulgação

O Rato: Estamos em 2013 e o rock’n’roll sofre de falta de impacto em todas as frentes. Não representa mais uma atitude social contestadora. Muito pelo contrário, virou música de tiozinhos. Entendo que explicar uma música nem sempre é o melhor negócio, mas seria legal ver a visão de vocês sobre esta letra (veja no quadro em destaque). O Charme Chulo esta reafirmando a sua identidade caipira-punk e dizendo “foda-se as leis e todas as regras”? Explanem, por obséquio.


O Rato: Como muitas bandas curitibanas, vocês se mudaram pra São Paulo durante um tempo para facilitar o acesso ao grande público. Lembro que vocês fizeram vários shows, inclusive no interior, mas hoje estão de volta. Qual o aprendizado que vocês trazem às jovens bandas da nossa humirde capital?

O Rato: Vocês costumam ter arranjos instrumentais bastante cativantes. Por exemplo, o riff de guitarra da música nova é um verdadeiro achado. Vocês estudaram muita música na vida ou aprenderam com os discos, no lance autodidata? Igor Filus: Aprendemos tudo com os discos, com os mestres. Pra gente não existe aula pra rock e pra arte. Geralmente tudo que você aprende numa escola de música só serve pra dar aula, ou apenas como base do que você vai fazer. Se você não tem nada a dizer, a técnica fica vazia, não se sustenta. Somos muito criteriosos na hora de compor. Só aceitamos gravar as músicas que gostaríamos de ouvir como fãs. Por isso buscamos as melhores músicas e os melhores riffs, porque compor

Foto: Divulgação

Igor Filus: Só vão pra São Paulo se vocês tiverem no mínimo feito uns 30 shows pela cidade e aberto bons contatos, porque no mundo “underground” a dificuldade que existe lá é a mesma de qualquer outra cidade. A gente só se arriscou porque já tínhamos uma certa visibilidade nacional, não por causa de SP especificamente, então a gente aproveitou um pouco mais a experiência. Voltamos porque cansamos da autoprodução, não foi por causa da banda, nem da cidade. Preferimos assim pra poder continuar a história da banda e voltamos a ter prazer em acreditar somente na própria música, não mais no mercado musical.

visitem São Paulo constantemente, mas não vejo mais a necessidade de mudar pra lá, acho que o Brasil está mais regionalizado, graças a Deus!

Leandro Delmonico: Antes de morarmos na capital paulista por quase um ano, nós já havíamos tocado lá no mínimo umas 30 vezes. Acho que não há mais a necessidade aguda de se mudar para a grande metrópole. No caso do Charme Chulo, nós usamos esta temporada em São Paulo para encerrar uma fase da banda, em que ainda estávamos estudando se seria possível viver da nossa arte. Tentamos fechar alguns contratos de produção e recebemos até sugestão para migrar para o sertanejo universitário, no entanto preferimos voltar para Curitiba e continuar sendo o Charme Chulo de sempre. Eu já havia percebido que havia um status muito maior por ser uma banda de fora, inclusive, as bandas de São Paulo sofrem um pouco com isso, pois a cidade é tomada por bandas de todos os cantos, pois a cidade dispõe de muita verba pra cultura. Acho que Curitiba vive um bom momento neste sentido, a nossa Fundação Cultural acabou de apresentar uma gestão mais voltada para as bandas. Meu conselho é que os artistas cresçam aqui e / 20 - o rato /

e criar é o nosso principal trabalho, depois que a gente morrer é o que vai ficar. Leandro Delmonico: Somos autodidatas, mas o Charme Chulo tem um trabalho de pesquisa muito forte, acho que é por isso que nossos discos demoram tanto para sair. Por exemplo, no riff de Coisas Desesperadoras eu quis lembrar música caipira, Creedence, south rock, AC/DC e ainda acho que ele acabou ficando meio doce, tipo Belle and Sebastian (risos). O Igor sempre fala que as bandas não precisam ter vergonha de usarem as referências, desde que isso não vire uma cópia, afinal, é da mistura de referências que surge algo novo. Eu aprendi a tocar viola caipira para fundar o Charme Chulo e muita gente acha que eu era um violeiro maluco que aprendeu a tocar guitarra, mas pra gente este é o grande barato da coisa, confundir tudo!


Meus Cases de Sucesso Gente que brilha, segundo Simon Taylor

Com este codinome que parece misturar Paul Simon e James Taylor, numa tentativa de cortar caminho até o seu próprio case de sucesso, o curitibano Simon Taylor escolheu não a música, mas o desenho e o humor para dizer ao mundo a que veio.

E ele não veio a passeio, como provam os personagens reunidos em seu livro. Sem medo de causar mal estar entre os leitores desses tempos politicamente corretos, o autor carrega nas tintas na hora de delinear o perfil de seus tipos “bem sucedidos”. Exagera estereótipos, ressalta características e traços de personalidade associados a determinadas celebridades e personas que vemos por aí, critica abertamente posturas e atitudes arrogantes e artificiais, enfim, deita e rola em cima de retumbantes fracassos existenciais que insistem em posar de sucesso absoluto.

Meus Cases de Sucesso Gente que brilha, segundo Simon Taylor Ctrl S Comunicação 38 pags.

Ainda que muitas vezes o resultado de suas hilárias criações chegue às raias do bizarro, não há como negar que sua veia crítica pulsa em sintonia com a chamada pós-modernidade. A cada página você vai se deparar com o retrato pronto e acabado de algum conhecido. Se não for seu vizinho ou colega de trabalho, com certeza é alguma dessas nulidades que ocupam espaço diariamente na mídia. Espécie de vingança bem humorada dos bem pensantes contra os poseurs que encontramos a cada passo, Meus Cases de Sucesso assina embaixo da velha máxima de que rir é o melhor remédio. Excelente ideia de presente para aquele seu amigo meio sem noção... / o rato - 21 /


ROÍDAS FOTOGRÁFICAS Marco Novack é curitibano, fotógrafo autodidata, ator e produtor. Formado em artes cênicas, começou a fotografar shows e peças de teatro pela intimidade que tinha com a área. Para aqueles que acreditam que fotos só são boas quando feitas com uma câmera profissional, não sabem que para Marco, tudo começou com uma cyber-shot. Ele chamou a atenção d’O Rato pelas suas fotos sanguinárias e bem produzidas. Por Isabela Fausto

COMO COMEÇOU: “Eu fazia fotos na minha imaginação. E como o meu universo é o teatro, sempre me deparei com imagens fantásticas. As expressões dos atores congelavam na minha cabeça. Era automático! Eu estava no palco ou produzindo e sentia uma vontade de registrar aquilo tudo que é único e não volta mais. Comecei a andar com uma cyber-shot na mala. Fotografava tudo e postava no Flickr. As pessoas começaram a gostar, as fotos tinham um grande número de views e isso me estimulou a continuar. Mas a ideia de ter aquilo como um trabalho não existia ainda. Certa vez me chamaram para fazer as fotos de divulgação de uma banda. Achei aquilo sem sentido. Eu não era fotógrafo, não tinha equipamento, recusei. Mas na insistência, acabei indo com uma cyber-shot. Ridículo! Estava morrendo de medo de fotografar. A foto virou cartaz e aquilo me deu uma satisfação grande. No mês seguinte eu já estava com uma pilha de livros e uma câmera semiprofissional nas mãos”. DIGITAL OU ANALÓGICA? QUEM SÃO SEUS “GURUS” NA FOTOGRAFIA? Digital. Na escola de fotografia eu fazia fotos com analógica. Aprendi o processo de revelação, é lindo! Mas hoje em dia é inviável. Eu preciso do Delete All. Agora, os fotógrafos que mais gosto são Bresson e Robert Mapplethorpe. / 22 - o rato /


NO ATO! Sempre acho difícil fotografar teatro. A luz muda a todo momento, o ator se movimenta... Acontecem coisas que, se você piscar, pode perder o instante DA FOTO. E poderia ser a melhor foto do dia. Não penso muito. Sinto e clico. O meu olho escolhe.

MERCADO: A fotografia e tudo que a envolve cresce, e não é diferente com as possibilidades de trabalho. Cada vez mais percebo as cias de teatro e as bandas se preocupando em ter uma boa imagem para divulgar o seu trabalho.

DICA: Eu acompanho o processo de ensaios e produzo os espetáculos, e isso certamente facilita o trabalho na fotografia. Gosto do retrato. Busco fazer e trazer algum elemento especial em cada um deles.

Marco Novack www.marconovack.com.br / o rato - 23 /


PALCO X PLATEIA

Um bonde chamado inovação Por Isabela Fausto

Por que o público do teatro tem diminuído? Quais os valores atuais atribuídos ao fazer teatral? Por que ocupamos cada vez mais espaços menores? A transformação gradativa do modelo tradicional palco-plateia acontece desde antes dos anos 70. Eram tempos difíceis, censura e repressão caindo em cima dos autores. Estendia-se uma rebeldia generalizada, principalmente entre os jovens. A classe artística como um todo se unia em coletivos, à procura de um novo posicionamento não só na cultura, mas também na sociedade e, principalmente, na política. Foi uma época efervescente. Surgiam coisas muito loucas e desaforadas na perspectiva do que estava acontecendo no momento. O antídoto era inovar. Desestruturar um modelo antigo, se necessário. Talvez por isso, atualmente, temos visto teatro em todos os tipos de lugares, interpretações sem limites no espaço: apartamentos, cafés, lojas, metrôs, casas culturais, terminais de ônibus, banheiros. Outra fórmula é vivenciada: o teatro vai até o seu público, e não mais o contrário. Atores e dramaturgos misturam suas linguagens, criações coletivas se multiplicam, assim como as pesquisas, em busca de plataformas distintas para manter o teatro vivo e ousado. Procurando respostas e também conhecimento de como é estar no palco diante dessas preocupações, conversamos com quem entende do assunto. O que eles têm para nos contar? Quebra a perna e vem com a gente! / 24 - o rato /


Até que ponto essa “modernidade” é significativa - vocês a utilizam? E até que ponto ela pode, se é que pode, prejudicar a forma tradicional do teatro? PAULO BISCAIA (Dramaturgo e diretor da Vigor Mortis) A segunda metade do século XX foi marcada pelo consumo de obras não presenciais. Com a internet e a pirataria, alguns analistas dizem que a única obra que terá valor será a presencial. Aí entra o teatro, mas não existe uma fórmula para trazer o público de volta. Mantemos sua essência, ainda com um novo olhar do público, com o qual devemos nos comunicar e buscar outros caminhos. Modernidade é uma palavra velha! O teatro é tão efêmero quanto esses termos. Por isso mesmo, não trabalho com eles nem com paradigmas. Trabalho com a verdade do meu discurso. Não pauto minhas escolhas estéticas por tendências artísticas, mas por meus desejos de expressão.

EDSON BUENO (Dramaturgo, diretor e ator da Delirious Cia de Teatro) Faço teatro há 30 anos. Já vi, já experimentei de tudo e adoro! Seja com propostas clássicas ou novas. O importante é que o público e o teatro se encontrem. Minha preocupação é que o cinema tem cada vez mais público, a literatura cada vez mais leitores, a televisão mais espectadores... e o teatro cada vez menos. Os artistas até já incluem em suas propostas uma plateia entre 20 e 40 pessoas. Por que o público está se afastando do teatro e ampliando sua “conversa” com outras artes? Não estaria o teatro se distanciando do público?

FÁTIMA ORTIZ (Dramaturga, diretora e atriz do Pé no Palco Atividades Artísticas) Eu comecei a fazer teatro em Curitiba na década de 70 e já se faziam muitas experiências ditas alternativas. A cidade cresceu, os grupos proliferaram e por isso aparecem muito mais as estratégias de encontro com o público de forma “não tradicional”. O que de maneira alguma desvaloriza o palco convencional.

RICARDO NOLASCO (Diretor, ator, performer e co-fundador da Selvática Ações Artísticas) A maneira tradicional de se fazer qualquer coisa deve ser sempre “prejudicada”, tensionada ou ao menos questionada. O que provocou o que os artistas “reclamões” chamam de evasão dos teatros foi o desgaste da linguagem. Algumas questões foram muito melhor resolvidas pelo cinema, como a ilusão do naturalismo. Há muito mais dinheiro sendo ejetado aí do que no teatro. Mas o cinema independente nacional e o experimental também sofrem das mesmas dificuldades de público. As salas lotadas são as das grandes produções, assim como nos teatros. Cabe ao artista saber qual público ele deseja atingir. O teatro processual, realizado em contato direto com o público, sendo transformado nesse encontro, é o que acredito. Um espaço membranoso, modificável e processual.

REGINA VOGUE (Diretora e atriz do Teatro Regina Vogue) Shakespeare já fazia teatro improvisado em cima de um tablado, perto do público e autêntico. Dizia: “Quem quer fazer teatro, suba aqui!” (risos). Isso para mim é teatro. Precisamos aprender a respeitar todas as formas e dar credibilidade para o novo, sem esquecer e deixar à margem quem já vem trabalhando há mais tempo. É preciso lembrar que todos somos artistas, e cada qual tem e faz sua escolha estética e ideológica. / o rato - 25 /


Para quem desde muito tempo pisa nos palcos, como é fazer teatro em Curitiba hoje? O que mudou (público-espaço). O que é ou já foi melhor, e como é estar sujeito às Leis de Incentivo a Cultura?

Paulo Biscaia

Ao contrário dos anos 90, quando me tornei profissional, hoje é possível trabalhar frequentemente com teatro. As leis e os editais possibilitam vários trabalhos. Isso é ótimo. Esse patrocínio contínuo, porém, parece desobrigar muitos de buscar público. Os benefícios estatais não podem jamais sugerir um trabalho que nos desconecte da plateia. Isso não significa que devemos fazer teatro comercial com dinheiro público. Sou contra esse tipo de prática. Mas os proponentes e realizadores devem ter o bom senso de equilibrar as duas coisas.

Fazer teatro em Curitiba é matar um leão a cada dia, caso contrário ele te engole sem piedade. Não adianta olhar para trás procurando o que deu certo ou não deu... Importante é olhar o presente e fazer uma leitura deste momento. A Lei de Incentivo à Cultura é uma faca de muitos gumes. É estranhíssimo que o Estado delegue ao marketing das empresas privadas a escolha do que vai ser encenado ou não, uma vez que elas não colocam um centavo sequer do seu dinheiro nos projetos. Edson Bueno Isso é um verdadeiro “Frankenstein” em termos de política cultural. As leis de incentivo têm sido fundamentais para a vida teatral do País, mas deveriam ser repensadas e incluir em suas propostas o compromisso do artista com o público. Alguns artistas recebem para suas encenações feitas para 20 ou 40 pessoas, e por ter entrada gratuita, não se importam com a repercussão, se o público vai gostar ou não. E não estou falando de políticas de alcance, e sim de teatro que realmente dialogue com o público.

Hoje não podemos mais ocupar os grandes teatros, isso é verdade. O teatro tornou-se um encontro raro. A média de público nos espetáculos, seja em teatros convencionais ou não, é muito pequena. Em compensação ou paradoxalmente, não só aumentaram os coletivos com suas linguagens específicas como aumentou o número de pessoas desejosas de fazer teatro. Ele tornou-se algo mais próximo da comunidade. Esta é a grande mudança! Não é só aqui, o Fátima Ortiz teatro há muito deixou de ser uma expressão hegemônica. As leis nos favorecem, viabilizam projetos, colaboram com a manutenção de grupos. Mas o exercício com os editais é algo extremamente desgastante, os processos administrativos embarrigados, os excessos burocráticos e a escassez de recursos financeiros tencionam a relação entre os artistas e os órgãos governamentais. O que deveria ser uma parceria muitas vezes vira confronto.

Creio que a questão dos editais é central. Historicamente, o investimento já foi responsabilidade da igreja, dos mecenas, nobres, burgueses em ascensão. O mito romântico do artista independente é recente. É o início de um pensamento onde a arte deve ser livre e não depender ideologicamente de nada, colocando em questão principalmente o mercado da arte. Os editais não abrangem todos os artistas nem a continuidade de pesquisa. Hoje as empresas só apoiam via Mecenato ou a lei Rouanet (dedução fiscal). O que me preocupa é a submissão do desenvolvimento de uma pesquisa Ricardo Nolasco ao Estado. Se o estado não me ama, viro as costas para ele e faço o meu carnaval.

Regina Vogue

O que faço é não ficar na mesmice. Trabalho sempre com jovens e procuro ouvir e abrir espaço para que eles tragam o frescor da novidade, permitindo a eles participarem de todo o processo da criação coletivamente até a execução. Acredito nas Leis de Incentivo e acho que elas nos dão certa segurança pagando salários, sem ficar na dependência de bilheteria. Também possibilita o acesso ao teatro por pessoas menos favorecidas e com sessões especiais para crianças que normalmente não iriam ao teatro. Falo de crianças porque no meu teatro é esse o foco maior. Portanto a Lei de Incentivo é necessária e bem vinda.

O Rato precisou resumir a resposta de cada um dos entrevistados. Você poderá acessar o conteúdo na íntegra acessando o site da revista na sessão “EXTRAS”. / 26 - o rato /


Você que começou há relativamente pouco tempo e investe em alternativas dentro do teatro, como sente o retorno do público a essas novas propostas? Não consigo pensar no público como uma massa uniforme. Quando pensamos em um teatro feito na tensão do processo com o encontro com o público, a resposta só pode ser positiva, ainda mais quando assumimos o risco desse encontro como território de construção. O público é ávido por vivências que só as artes presenciais podem suprir. Ricardo Nolasco

O crescimento do Festival de Teatro de Curitiba também traz benefícios para vocês ($)? Como é a relação da organização do Festival com as companhias da cidade?

Paulo Biscaia

Desde 2010, decidimos não mais apresentar peças no festival. Nossas montagens exigem um nível técnico que as estruturas do Fringe não suportam e a pressão de estar na mostra oficial desvirtua os verdadeiros objetivos de montar um espetáculo. Por que concentrar 500 espetáculos em 10 dias? Uma boa parte deles é de Curitiba. Onde eles estão no resto do ano? É estranho. Prefiro me concentrar em manter uma programação nos outros 355 dias do ano, onde posso fazer teatro e não gincana. Em 2005, o Fringe ajudou na carreira do Morgue Story. Estreamos na mostra oficial com DCVXVI e Hitchcock Blonde. Temos boas lembranças do evento, mantenho uma boa relação com a organização, mas hoje ele não vale mais a pena para nosso padrão de produção.

Os benefícios do Festival de Teatro de Curitiba são de caráter artístico e de visibilidade, nem é tanto financeira. Os artistas entram em contato com linguagens de diversos artistas e regiões do Brasil, e os artistas de Curitiba com jornalistas e críticos de todo o País. Passamos a ser conhecidos e observados de perto e isso é muito bom! Edson Bueno

relação geralmente se esgota nas questões operacionais. Às vezes rolam parcerias interessantes ou a valorização do que se faz aqui. Mas o hábito de não nos incluírem em decisões importantes sempre acontece. Por exemplo, a Mostra Guritiba define-se sem nenhuma participação dos grupos ou entidades ligadas ao fazer teatral para infância da cidade. Fátima Ortiz

A mostra Fringe do Festival de Curitiba é um massacre com os artistas (principalmente de outras cidades), beirando o desrespeito. Existem mostras como a Novos Repertórios e o Coletivo de Pequenos Conteúdos (da qual participo frequentemente) que buscam amenizar estas falhas da organização. O festival cobra muitas taxas e porcentagens. Há a cultura nesse período de liberar a entrada para aqueles que dizem não ter como pagar... Enfim, o legal é o movimento que gera na cidade, pessoas de outros lugares que assistem nossos trabalhos, contatos, intercâmbios. Mas, financeiramente não compensa.

Regina Vogue

Ricardo Nolasco

Um festival sempre traz benefícios fomentando cultura de um modo mais intenso, estimulando o público a consumir teatro. Quanto à organização do festival, eles poderiam ser um pouco mais próximos das companhias locais. O teatro na cidade acontece durante todo o ano, e ele acaba se transformando em uma grande maratona. O Fringe deveria ter uma curadoria, para evitar o inchaço e primar mais pela qualidade.Incentivo é necessária e bem vinda. / o rato - 27 /


Pela revitalização do São Francisco Porque o bairro é deles, mas seu também Por Priscilla Scurupa Fotos Isabela Fausto

Sugiro ao leitor que sente, pois lá vem história. É impossível tratar do tema sem traçar uma linha temporal a fim de aprofundá-lo. O Rato aqui promete que o mergulho vale a pena. Até o começo do século XX, quem morava na região do Largo da Ordem eram os senhores da erva-mate, ou seja, a elite dominante da cidade. A partir de 1970, a área foi considerada de interesse de preservação por ser onde se iniciou a formação de Curitiba, e ganhou a alcunha de “Setor Histórico”, o que previa que o Estado seria responsável por controlar o crescimento e desenvolvimento desse espaço urbano. A decisão, então, foi a de transformar a região em um polo de cultura. Isso quer dizer que houve um planejamento urbano (o chamado Plano Agache) e investimentos pra que isso rolasse. Ruas foram calçadas pra incentivar a circulação de pessoas, bares e restaurantes foram convidados a se instalar na região. E aí a briga com os moradores começou. Afinal, quem era aquela gente que tava invadindo o território deles? No arquivo da imprensa local, é possível encontrar matérias de 1979 e 1991 sobre o tema. A especulação imobiliária, que estaria destruindo “antigos exemplares da velha Curitiba” e o descontentamento de alguns moradores com o fechamento de ruas para o comércio e os problemas provocados pelos bares e danceterias eram criticados. Mas tudo bem, até aí, o uso e a ocupação do lugar estavam sob controle. O nível de convivência ainda era tolerável. Só que Curitiba cresceu, muito mais do que o previsto, e a coisa tomou uma proporção inesperada. O projeto da Prefeitura teria sido perfeito se a população tivesse se mantido dócil e nunca tivesse acrescentado significados ao espaço. Mas por falta de opções nos outros bairros da cidade ou simplesmente porque a região é mesmo propícia, as pessoas passaram a considerar o São Francisco e seu Largo da Ordem palco de encontro de diferentes, e de interação social. Munidas de um desejo por diversão e entretenimento, invadiram sem pedir licença. Hoje, trocando ideia com alguns moradores e comerciantes do da região, é possível ter uma dimensão das dificuldades pelas quais passam. / 28 - o rato /


“Os problemas enfrentados no São Francisco são as pichações, o lixo deixado nas calçadas no período noturno (copos, latas, garrafas, bitucas de cigarro), o acúmulo de pessoas nas portas dos bares e prédios, falta de policiamento noturno, consumo de drogas e o barulho que enlouquece qualquer pessoa”, lista Carla Regina, moradora e proprietária de um ponto comercial no bairro há 13 anos. Para Paulo Roberto Andrade, que vive há 46 anos na Paula Gomes, o maior problema é a ausência de poder público no bairro. “Aparentemente, como obras públicas na região não renderiam verbas para campanhas eleitorais, nossos políticos estão mais ocupados em aparecer na mídia e aperfeiçoarem seus discursos demagógicos. Das autoridades da Segurança Pública apenas a omissão. Dia desses um delegado de polícia (homicídios), falando sobre o assassinato de um jovem na Rua Trajano Reis, afirmou, na TV, ‘que a região se tornou uma arena tal como nos tempos da Roma antiga, com adversários se digladiando’. Seria uma recomendação para que nos armemos com espadas, escudos, etc.?”, questiona. “Os órgãos públicos dão atenção só quando é para punir, mas na hora de cuidar ninguém se manifesta. Você não vê nenhum policial na rua, durante toda a semana, um lugar que é frequentado por milhares de pessoas do mundo inteiro. Só tem guardinha dando multa de estacionamento”, conta Daniel Carvalho, proprietário do Brooklyn Coffee Shop, cafeteria localizada na Trajano Reis. Esses relatos lembram também o 29 de outubro de 2012, dia seguinte à confirmação de Gustavo Fruet como o novo prefeito de Curitiba. Cidadãos até então anônimos haviam espalhado pela Rua Trajano Reis faixas que pediam melhorias para a região. Iluminação pública para “afastar práticas ilícitas”, policiamento “constante, firme e gentil”, instalação de bicicletários e redutores de velocidade estavam entre as solicitações. O São Francisco parecia ter ganhado vida e seus problemas, finalmente, ganhavam voz que não poderia mais ser ignorada.


Por telefone, a proprietária do Wonka Bar, Ieda Godoy, conta a’O Rato que a iniciativa foi dela. “Preparei as faixas com a ajuda de amigos e coloquei em toda a extensão da rua. Depois bati de porta em porta pedindo contribuições”. Outros estabelecimentos apoiaram a ideia e colaboraram com uma grana. Se a nova administração prometia mudanças, que ouvisse, então, a comunidade do São Francisco e honrasse o compromisso.

O fato é que o bairro tem uma vida cultural complexa e multifacetada, e é um ponto turístico também. Qualquer pessoa que desembarque em Curitiba em busca de boa música, comida e diversão, é imediatamente levada ao São Francisco. Mas a degradação e a falta de iluminação adequada em diversos pontos tornam o bairro cada vez mais perigoso. O direcionamento do uso do espaço público feito pela Prefeitura perdeu a validade e ignora a ordem inata e funcional que a região possui. Onde deveria haver revitalização, há descaso. E, cada vez mais, os moradores desacreditam das promessas feitas pela administração pública. Como diz Carvalho, é preciso um trabalho coletivo para salvar o São Francisco e certa dose de protagonismo que deve ser adotada por todos: moradores, frequentadores e empresários. “Os comerciantes, especialmente os bares, podem se unir aos moradores e ajudá-los a viver melhor no bairro, instruindo seus clientes a respeitar a vizinhança em vários aspectos. Assim, todos estaríamos lutando JUNTOS para um São Francisco melhor”. “Não sou a favor do fechamento de nenhum estabelecimento da região. Os bares são o ganha pão de inúmeras pessoas. O que falta para a grande maioria dos comerciantes e frequentadores noturnos é o respeito ao próximo (seu vizinho). Conviver em harmonia seria muito simples se todos utilizassem apenas o espaço interno de seu comércio e não calçadas, se cada um pegar o seu lixo no fim do expediente, observar ‘puxa, o pessoal tá falando alto, vou pedir pra falar mais baixo’”, pondera Carla Regina.

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Considerando o próximo, como sugere ela, construímos uma cidade-cidadã, feita por empresários solidários que promovem a boa educação em prol dos moradores; por frequentadores que ocupam a rua com respeito, entendendo que é local público (portanto de todos) e exigem do amigo ao lado o mesmo; e por moradores que estejam abertos à troca de ideias e compreendam a função cultural do bairro onde vivem. Afinal, somos todos responsáveis pelos lugares que frequentamos e o bom senso é gratuito, basta aplicar. Nada como assumir a responsabilidade para si: deixar para fazer xixi no lugar certo, jogar lixo no lixo e evitar a balbúrdia em prol de um espaço que todos gostamos de frequentar. Caso contrário, nunca deixaremos de ser uma província de egoístas e o tão promissor São Francisco ficará entregue ao abandono, à barbárie dos interesses privados, aniquilando de uma só vez nosso passado e futuro, fechando um ciclo nada virtuoso para Curitiba.


Um universo não muito Cimples Por Matheus Dumsch

Estamos dentro do Cemitério Municipal. Até então não tinha entendido porque Cimples tinha marcado nossa entrevista naquele lugar, e não ali, na Praça do Gaúcho. Começamos a conversar e logo o cara abriu o jogo: “Eu gosto do cemitério, é um lugar neutro, onde ninguém incomoda”. Não é tarefa fácil decifrar o universo de Valdecimples – pode chamá-lo só de Cimples afinal, ele é um dos precursores do graffiti na cidade de Curitiba. Poderíamos escrever um livro sobre o cara e ainda não seria suficiente. Imagine que quando Roberto Baggio perdeu o pênalti em 1994 e o Brasil se consagrou tetracampeão mundial, Cimples já espalhava seus tags por aí. Integrante de torcida organizada, conheceu a arte urbana através da pixação. A cada novo trampo, mais três pontos na tabela.

Numa disputa acirrada e perigosa, Cimples sempre driblava as paredes em branco, deixando estampados os seus gols de placa. Foi no bairro do Xaxim, onde cresceu soltando pipa e frequentando o Rio Iguaçu que Cimples conheceu o graffiti . Até então, seu universo costumava ser apenas o seu bairro. “Minha mãe costumava dizer que onde nós morávamos era a vila e o centro era a cidade. Hoje eu vejo a cidade com um corpo integrado. Não tem essa de separar as coisas. Até então, não via essa diferença”.


Deixo aqui um alerta Recentemente, algumas integrantes da Wake up Colab estavam no meio de uma intervenção, cobrindo um tapume de madeira com algumas colagens no São Francisco, quando foram abordadas por uma moradora da rua Trajano Reis. Ela não só chamou a polícia - a qual reconheceu o engano, afinal as meninas não estavam pixando - como também as agrediu verbalmente. O ocorrido só nos lembra de como nossa liberdade, nossas mais variadas formas de expressão humana estão sendo castradas e, claro, obrigatoriamente padronizadas para não causar “riscos ao meio coletivo” – ou meia dúzia de xaropes. A arte na rua está sendo perseguida e algo deve ser feito.

O graffiti possibilitou ao Cimples interagir com tudo que ainda não conhecia. Dentro desse tempo de rolê, o cara fez grandes amigos que o acompanham até hoje.

DESTroi

- Continuamos sentados em frente a uma capela, embaixo de uma árvore, ao som dos pássaros e do vento forte. Ao entrar no universo de Cimples, percebo que a imagem dos artistas de rua na cidade está um pouco distorcida. Para a maioria, esses caras não passam de vagabundos sem ter o que fazer. Mas se pegarmos como exemplo o Cimples, vemos que não é bem assim. Ele está no terceiro ano de escultura na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Lê, estuda e pesquisa. Tudo isso reflete diretamente naquilo que tem produzido. O melhor é que Cimples não é o único artista de rua que busca informação para fazer um bom trabalho. Muitos graffiteiros buscam

referências para desenvolver seus trampos na rua, provando que esse “vandalismo“ não tem um discurso vazio. Sobre as suas pretensões, Cimples me surpreende. Mesmo trabalhando firme na DESTroi 2013 e em alguns outros projetos, o cara não vê grandes perspectivas para o futuro. “Eu não vejo pensamento na sociedade atual, não vejo as pessoas refletindo sobre a sua existência. O que a sociedade tem buscado? Ser mais humana, ou mais violenta? Quem não pensa na sua própria existência caminha para a decadência. E o que é cultura ? Hoje não se vê manifestações juvenis. Vivemos em uma época em que a cultura é podada pela sociedade. E educar pra quê? Pra deixar as pessoas quadradas?”. Continue No Rolê...

A revista zine DESTroi é uma publicação de graffiti explícito publicada desde 1998. Cimples mistura fotos e textos para mostrar seu pensamento sobre aquilo que é a arte urbana para ele. A edição nº 13 foi recémlançada. Quem tiver interesse pode entrar em contato com Cimples pelo e-mail: lixocontinuo@gmail.com / o rato - 33 /


A pluralidade do corpo em seus meios “A performance não é uma arte que se cria em um ateliê fechado. É preciso se relacionar com o contexto e com o corpo.” Por Lucas Cabaña

Angelo Luz faz da arte a válvula de escape para a sua própria necessidade de vivenciar o caos, e consegue visualmente reconfigurar o seu cotidiano através da corporalidade filosófica. Com um ar despretensioso, ele remete às ideias da época do Desbunde, no Brasil, lá da década de 1970, em meio ao movimento tropicalista. Não é à toa que Luz existe na fresta e na comissura, como ele mesmo o define sobre seu trabalho. Em meio a um turbilhão de linguagens por onde têm se arriscado na última década, atualmente, Angelo atua diretamente em uma plataforma itinerante de mostras, performances, debates e ações públicas: Descontrole Remoto. Neste intercâmbio cultural entre artistas da arte performática entre a região sul e nordeste do Brasil, a ferramenta de trabalho da vez é o vídeo. “Ainda trabalho com cênicas, mas fiz essa migração para visuais. Trabalho com audiovisual, performance, exposições, instalações. Não sei como colocar tudo isso em uma única plataforma”. A compreensão do meio onde ele está inserido é a base de construção do seu trabalho. O Rato: A sua relação com a performance se dá quando você entra no curso de Educação Física em um grupo de dança. É por aí o início da sua história artística, certo? Angelo Luz: Então, é engraçado. A maioria das pessoas estuda outras linguagens antes da performance. Eu comecei por ela. Nunca tinha feito nada com arte e tinha 19 anos. Eu tinha uma orientadora filósofa muito boa. A proposta dela era que a gente estudasse os textos filosóficos e trouxéssemos elementos da corporalidade. E outro professor do projeto era o Ricardo Marinelli, um performer de Curitiba. Nós fizemos a mesma faculdade naquela época. Nós começamos a ler os textos e tentar encontrar referências de cultura corporal que tivessem a ver com aquelas propostas filosóficas. Assim nós chegamos à

Foto: Eliana Borges

performance. Gostei muito e comecei a criar esquetes. Eu pegava os textos e colocava uma ação em cima para ilustrar para as pessoas, e poder iniciar uma discussão de filosofia. Fui me aprofundando até chegar à dança. O Rato: A performance em nível nacional teve um destaque maior nestes últimos cinco anos. A própria imprensa colaborou para isso. Por outro lado, fora do eixo Rio-São Paulo, aqui na cidade, eu sinto uma limitação. Não dos artistas, mas de uma integração da própria divulgação desse processo todo. Você, sendo performer, como observa o cenário?


Angelo Luz: Concordo plenamente com você sobre essa questão da performance ter esse momento crescente no Brasil. Em Curitiba, nos anos 1980, principalmente, eles tinham essa característica de sair do meio da pintura. Os artistas não se sentiam mais dentro dessa atmosfera e precisavam buscar algo relacionado com as questões da época. E houve esse momento. Mas muito localizado, porque agora Curitiba tem muita coisa de performance rolando. Não diretamente das artes visuais, mas das cênicas. Só que ainda há esse enraizamento da arte tradicional: o que se espera da arte e a recepção do público. E a performance nunca se propôs como algo tradicionalista, ela sempre foi o rompimento. O Rato: Me soa um tanto impactante a performance quando apresentada na cidade, porque ela é marginal. E justamente por isso, gera um choque visual. Como é teu processo de criação em relação ao público? Angelo Luz: Não tem como você ponderar isso, mas de uma forma ou outra você acaba criando. A performance não é uma arte que se cria em um ateliê fechado. É preciso se relacionar com o contexto e com o corpo. É essencial! Então, nesse processo você já esta ponderando a relação. Porque performance é a relação entre o artista e público e as especificidades do espaço. Eu não tenho levado o meu trabalho pronto para os lugares. Eu tenho uma ideia no geral e passo três dias estudando a cidade, o contexto, as pessoas, a história do lugar... Por exemplo: fui para um festival em Minas, e me apresentei em um galpão que é uma galeria. Eu tive de entender aquele galpão, quem frequenta a galeria, quais são as problemáticas daquela microrregião, porque isso irá mexer diretamente com aquele público. E a performance existe para haver uma relação. O Rato: Como você caracteriza uma performance? Angelo Luz: Você pode olhar para várias coisas e classificar como performance. Mas é preciso que se tenha a intensão de ser uma, ou então não poderá ser encarada como tal. Não por uma questão de hierarquização, mas por ser tão sutil enquanto obra, que precisa dessa intenção. Se não, poderá ser qualquer coisa e você perde a barreira do que é, ou não, performance. Depois vem a inserção do corpo na obra. É difícil. Você não pode conceituar muito a performance senão você está traindo a própria ideia do que ela representa. Mas eu tento ir por aí. A intencionalidade é fundamental.

Angelo Luz: Levou um bom tempo para eu

Foto: Yara Barros

O Rato: A partir da sua questão plástica e da performance, como você se expressa e direciona as linguagens onde você atua?

perceber que não precisava fazer performance para falar das minhas necessidades. Eu poderia fazer outras coisas... E por isso fiz faculdade e fui buscar outros suportes. Lógico, eu tive de estudar todas as coisas tradicionais na pintura, gravura, desenho e depois de velho, né nêgo?! Quer dizer, eu já tinha uma estrada e não era mais aquele menininho aprendendo a desenhar. Como eu já tenho muito mais tempo de prática, a performance surge mais naturalmente como uma linguagem. Tudo depende do que você quer falar. Eu não gosto de me limitar. Escolhi ir para as artes visuais porque a linguagem não é o topo mais importante, e sim a questão. Dancei por muito tempo, sou coreógrafo, tenho uma história com a dança. Isso é fantástico para certas questões, mas é dança a priori. Porque se você vai fazer dança, você a faz antes. Ela é dança já como ideia, anterior ao próprio trabalho. Nas artes visuais eu tenho a liberdade de levar a questão até o limite da materialização, ou não. Mas até o limite da obra. Hoje em dia eu posso lidar com fotografia, escultura, instalação e diversas mídias. Tento fazer arte. Penso nela como uma coisa bem aberta e aí isso vai pra algum lugar. O Rato: Além de Nova Iorque, você passou uma temporada na Alemanha estudando também, né? Angelo Luz: Sim, em 2009 passei um tempo por lá. Eu estudei parte da minha graduação. Eu fazia parte de uma pasta de filme do Douglas Gordon [cineasta americano] e fiz alguns experimentos com videoarte, mas todo o material é muito tosco. Eu nem sei se posso me dizer um artista de audiovisual, porque os caras são tão fodas hoje em dia... Conheça a pluralidade de Angelo Luz: http://plataformadescontrole.wordpress.com/ http://angeloluz.wordpress.com/ http://vimeo.com/thirdeyeluz +Extras no site


ENTREVISTA DO ALÉM

Cássia Eller Sabe aquele dia meio cinza, meio frio... meio assim, meio assado? Pois então. O Rato tava nessa. Numas, sabe como? Tipo com saudade de não sei o quê. Pra espantar a tristeza, nosso roedor saiu por aí chutando lata, pisando em poça d’água, assoviando baixinho, sem nenhum lugar pra ir em particular. Lá pelas tantas, teve a sensação de que estava sendo seguido. Alguém pisava em suas pegadas assim que ele tirava o pé do chão. Desconfiado, virou-se rapidamente e lá estava ela, sorrindo aqueles dentes marotos, com o boné virado pra trás feito um moleque. Que susto, gente boa! Felizmente, o fantasminha da vez é camarada. E canta demais. Com vocês, a mulher que deu voz a tantas vozes da nossa música: a linda e louca Cássia Eller.

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O Rato: Cássia, sua doida! Deu pra me seguir, agora?! Quase caí de susto. Cássia: Pra aprender tem que cair. O Rato: Se for pra cair, que seja em cima de você... Diz uma coisa: se você ainda estivesse por aí, o Rato tinha chance? Cássia: Eu não quero briga, eu não quero choro, não me leve a mal não... O Rato: De boa. Só testando... heheh. Cássia: Quem sabe ficando junto a gente encontre uma solução... Estranho seria se eu não me apaixonasse por você. O Rato: Não fala assim que eu gamo. Cássia: Estranho, mas já me sinto como um velho amigo seu... Não sei o que eu quero da vida. O Rato: Bom, caso você mude de ideia… Cássia: Mas esse cara tem a língua solta! O Rato: Heheh... E o roquenrrou? Algum dia os bons tempos voltarão? Cássia: Não vou dizer que tudo é banalidade. Ainda há surpresas, mas eu sempre quero mais.

Cássia: Você me dá ódio... Você me dá ordens, mas eu não vou obedecer. O Rato: E pra essa galera intolerante, que não admite as diferenças e usa da violência pra aliviar a dor do seu próprio complexo de culpa, qual a tua dica? Cássia: Não penso em me vingar, não sou assim... Na visão do sábio humilde, não existe diferença entre o brahmani educado, o elefante, a vaca, o cão e o comedor de cachorro. O Rato: Nuss... agora fechou. Valeu, linda. Vou nessa, porque minha ratinha tá me esperando... Bom te ver! Cássia: Obrigado por ter se mandado.

O Rato: Cassia, você foi feliz? Cássia: Tem que ser um bom ator nessa vida pra ser feliz... Não sei por que razão eu sofro tanto desse jeito. As garotas dizem que ser triste é meu defeito. O Rato: Desculpa tocar no assunto, mas... você vazou jovem pra caramba, né? Cássia: A fome que devora alguns milhões de brasileiros. Perto disso já nem tem importância a morte que nos toma a mãe insubstituível de repente. O Rato: Falou bonito. O que você diria pra esses pastores racistas e homofóbicos que andam por aí assumindo cargos públicos e explorando a boa fé de seus pobres e fiéis seguidores?

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O RATO NO SEBO / BARATOS AFINS Por MacGregor

Um roedor de cultura percorre qualquer distância pra descolar “aquela” raridade. O Rato, por exemplo, já roeu praticamente todos os sebos de San Francisco, New Orleans, Miami, Lagos, Abidjan, Santiago, Buenos Aires, Cochabamba, La Paz, Cusco, Manaus, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Aracaju...e até de lugares tipo Piranhas, em Alagoas, já ouviu falar? Dessa vez, fomos logo ali em São Paulo, onde fica a famosa Galeria do Rock. Mais famosa ainda é a Baratos Afins, capitaneada pelo lendário Luiz Calanca, que dispensa apresentações. O cara simplesmente é responsável pelo lançamento de bolachas históricas de Arnaldo Baptista, Ratos de Porão, 365, Mercenárias... a lista é quase tão grande quanto a modéstia desse cidadão antenadíssimo e muito gente boa. Assim que bateu o olho nas edições anteriores do Rato, Calanca reconheceu numa foto o Werkley - do sebo Espaço Alternativo, aqui de Curitiba -e também um disco do Elvis que lhe trouxe lembranças muito loucas e deu início a um papo sensacional. Saca só:

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Calanca: Conheço esse cara... Já veio aqui. O Rato: Conhece o Werkley? Ele tem um sebo em Curitiba. Muita gente de lá conhece a famosa Galeria do Rock e vem comprar discos aqui. Calanca: Conheço Savarin também. Produzi umas coisas com ele já, em parceria. Na época eu tinha feito discos dos Mutantes, da Rita Lee... Fiz uma tiragem exclusiva pra ele do Moving Waves do Focus, aquele que tem Hocus Pocus. Canalizei os contatos. Ele vinha muito aqui. O Rato: Não me diga... que legal! Calanca: Olha, esse disco do Elvis! Isso aqui tem uma história. Alguém me ligou lá de Curitiba, da Temptation, sabendo que eu tinha esse disco. Era o Marty Friedman do Megadeth! O Rato: Cê tá de brincadeira... Calanca: Aí ele falou: posso ir aí? Você mostra o disco pra mim? Eu falei: não tá à venda. E ele disse: tudo bem, quero só ver... Não acreditei.Saiu dez horas da manhã lá de Curitiba, ao meio-dia e meia por aí já estava aqui dentro da loja. Ele pegou o disco na mão e tremia. O olhinho dele brilhava. Aí falou: I pay you one hundred and fifty dollars for this... Ofereceu uma fortuna pelo disco. Porra, fiquei com dó e vendi, heheh... Disse que tinha muito Elvis e Kiss. Depois passeei com ele pela galeria a tarde inteira, atrás de mais discos do Elvis. Andou por aí, anônimo. O único que reconheceu e pediu autógrafo foi um garotinho de uns 12 anos, filho do Jonas, um lojista que curtia Jovem Guarda. O Marty ficava o tempo todo falando I’m a vynilmaniac, man. Louco por vinil. O Rato: Eu também! Calanca: Tinha um site chamado RatoLaser... Rapaz, os caras deixaram os gringos loucos. Colocaram a nata do que tinha aqui de underground. Só coisas obscuras. É impossível achar aquilo. Você tem que babar na fotinho da capa virtual, e só. Ninguém vai ver o original. Até pode ver, mas vai ser no altar de alguma loja, por uma fortuna que ninguém vai comprar. O Rato: Lá em Curitiba o pessoal faz isso também. Expõe coisas por preços exorbitantes...

acho que é pra não vender. Calanca: É. Tem hora que eu tenho um bode até dos meus próprios colegas, cara. Não é criticar, nem querer ser chato, dizer o que é certo - até porque a gente não é voz pra isso – mas todo mundo sai endeusando Zé Ramalho e Lula Cortes, como se fossem a única coisa... acho legal, mas tem tanta coisa bacana... O Rato: O Paêbiru? Eu já ouvi, não achei aquilo tudo... Calanca: Os caras ficam cultuando a mesma coisa. Todo mundo vem aqui e quer ver esse do Zé Ramalho, o primeiro do Raul... O Rato: É que colecionador adora uma coisa difícil, né? Calanca: Sim, mas tem tanta coisa difícil... Por que só querem a mesma coisa? Tanto disco difícil muito melhor que aquilo, com todo o respeito... Cultuam tanto que você vai com muita sede ao pote, achando que vai ouvir, sei lá, um marco da música, tipo um Revolver dos Beatles ou o primeiro dos Mutantes... ou o segundo, que eu acho sensacional... mas, pô! É muito hype pra pouca coisa. E não é diferente com as coisas gringas, né? Ái, o Clash! Não vale o hype... O Rato: Isso rola com você também, né? Te incomoda que a galera te considere um ícone dessa cultura do vinil? Calanca: Eu acho carinhoso por parte das pessoas... mas na verdade não sou mesmo, não. Sou um cara normal, igual a todo mundo. O Rato: Bom, eu sempre tive você como uma referência. Porque foi além de colecionar e ter uma loja, teu selo lançou um monte de gente e ajudou muitas bandas... Calanca: Mas muito selo fez isso. Todo selo que lançou coisas ajudou de alguma forma. O Rato: Sim, mas você continua fazendo isso, mesmo que muitos dos seus lançamentos não sejam exatamente um sucesso. Calanca: Sucesso nosso é o Ratos de Porão. Toda hora rendendo tributos, edição, liberação para lançar em alguma parte, os caras me pagam royalties... Um disco assim que a gente vomitou, / o rato - 39 /


literalmente. Aliás, até considero esse disco o meu disco independente mesmo. Porque os engenheiros e os técnicos de som me abandonaram no estúdio. Eu fiz sozinho. O Rato: O que rolou? Brigaram? Calanca: Não. É que, sabe, os caras arrumavam o som, a gente ia lá e apodrecia tudo... heheh. Eu ficava toda hora: ô, meu, tão limpando muito... Aí os caras disseram: quer saber? Se vira sozinho aí. No fim, cara, nem acho o disco tão bom assim, porque a gente não sabia fazer. A gente gravou punk com twin reverber, amplificador de blues. O cara emprestou uma guitarra importada, chegou lá não tinha corda, a mizinha, tocou com a velha mesmo. Foi bem precário. Tudo muito tosco mesmo. A gente não sabia gravar punk, nem metal. Aí disseram que a gente fez um crossover... heheh. O Rato: Heheh... inventaram uma classificação. Calanca: É que nem amplificadores, timbres... Às vezes é uma falha de projeto. Dá aquela ronqueira, os caras acham lindo. Acho que com o Ratos aconteceu a mesma coisa: a gente não sabia fazer uma coisa nem outra, deu em outra. O Rato: Errando, acertou. Calanca: Não sei se acertou. Sei que a molecada gosta. Eu gosto dos caras, velho. Nem fico ouvindo muito esse disco, mas eu gosto das pessoas. Todos meus amigos desde aquela época. Banda que nunca pisou na bola, nunca empinou o nariz, apesar de ser a que mais fez sucesso. Tem banda que foi o maior fracasso e os caras se acham cult. Se acham a inteligentzia musical daqui... se acham tudo. Os Ratos não se acham nada e são alguma coisa. Eu gosto. O Rato: E o Arnaldo, cara? A moçada que curte a revista é ligadíssima no cara. Você chegou a produzir alguma coisa com ele... / 40 - o rato /

Calanca: Então, eu fiz o meu primeiro disco com o Arnaldo, o Singin’ Alone. Tenho também o Disco Voador. Reeditei o Lóqui e todos os Mutantes. Os primeiros da Rita, que eram produção do Arnaldo, isso no tempo do vinil ainda. Talvez tenhamos sido responsáveis pelo sucesso internacional deles, que veio depois que o Kurt Cobain incensou a banda. A gente deu um pacote de discos pra ele. Saiu falando que os Mutantes eram a maior banda do mundo... aí a garotada do mundo inteiro passou a reverenciar...o Kurt Cobain é o responsável por isso. O Rato: Eles tiveram um revival ultimamente... Calanca: Eu posso dizer também que o Arnaldo é o responsável pela consolidação da Galeria do Rock. Isso não existia aqui antes. Ele foi o primeiro disco... Foi um marco na nossa história. A gente foi o primeiro selo, o pioneiro aqui, sem intenção. Se tivesse intenção, não aconteceria nada. Foi casual. A partir daí começou a chegar a concorrência, com gente fazendo coisas semelhantes. Chegamos a ter vinte e duas lojas que eram selos. Aqualung, Progressive Rock, Helium, Devil Discos, Rock Forever que fez o Alpha III, Vinil Urbano, que acabou fazendo um do Arnaldo e a Patrulha. A Empire, que fez Yngwie Malmsteen com a turma do Dr. Sin. Surgiu a Wop-Bop... A galeria foi se formando. E depois com a vinda do Rock in Rio o nome se firmou. Tudo virou “do Rock”. Já tinha a Oficina do Rock, a Rádio Rock, que era a 89 FM, a Praça do Rock, depois a Cidade do Rock... e a Galeria também ficou do Rock. Na verdade é o apelido da galeria. O nome oficial é Shopping Center Grandes Galerias. O Rato: Mas é conhecida como Galeria do Rock até lá em Curitiba. Calanca: No mundo inteiro... O Rato: Eu senti que tem mais loja de moda aqui agora do que propriamente música...


Calanca: Mudou muito. Chegamos a ter 74 lojas aqui por conta da proliferação do CD. Conheci muita gente que trabalhava em banco, abriu loja e veio aqui pra galeria. Era um mercado próspero. Muita gente viajava, tirava as embalagens, trazia milhares de CDs na mala. Era um negócio bom, promissor. Mas depois o CD foi perdendo o glamour... O Rato: O MP3 matou o negócio? Calanca: Acho que não, cara. Ouvir MP3 dá câncer na orelha... Não pode ouvir essas coisas. É ridículo. Você escuta?

O Rato: Você é DJ também? Calanca: Ah, eu era discotecário, né? Eu costumo dizer que eu sou Dê Jota... heheh. Porque tem DJ que faz sampler, scratch, cria outra música. Eu gosto desse pessoal, muitos são meus clientes, vendo muito disco pra eles. Mas eu tenho a impressão que DJ não ouve o trabalho de outro DJ. A não ser os clássicos. Se o cara tocar um Tim Maia, um Body Count, aí é legal. Um DJ como era o Big Boy.

O Rato: Eu não. Tá lôco? Só escuto vinil. Mas a molecada escuta. Calanca: Eu acho até que essa geração agora, que não tem referência, ouve MP3. Mas a hora que ouvir um vinil de verdade... Cara, eu não vejo nem caixa mais. Não tem caixa. O mundo tá... (nesse ponto a esposa do Calanca faz uma interferência). Esposa do Calanca: Tem gente que acha que é só comprar a vitrola e vai escutar. Calanca: A gente já vendeu vitrola aqui, depois o cara veio devolver no outro dia: meu, não toca. Eu falei: cara, precisa de caixa. E ele: nossa! Quanta coisa! Não quero isso não, então. Quer dizer, o mundo tá viciado em outra coisa, mas a gente perdeu muito culturalmente. Não se ouve mais música de qualidade, não se ouve música em coletivo... tá difícil trabalhar assim. As pessoas estão cada uma no seu mundinho. O mundo ficou globalizado, mas o indivíduo está cada vez mais solitário, fechado e isolado. Não tem como você proliferar uma cultura, uma arte, individualmente. Cada um com seu foninho atolado na orelha. A música é pra propagar...

Esses mais antigos, que tocavam música pras pessoas ouvirem. Hoje não. Os caras querem criar a música deles. Botam aqueles ritmos eletrônicos, viram parceiros do Bill Gates... às vezes fica bonito, mas os outros DJs não aprovam muito isso. Eles até respeitam, por serem amigos e tal, mas não compram disco um do outro, não.

O Rato: Juntar as pessoas.

O Rato: Não ficam ouvindo em casa.

Calanca: É! A partir disso eu passei a ter vontade e o prazer de discotecar novamente. Sabe, ir lá, tocar um disco, fazer todo mundo ouvir a mesma coisa...

Calanca: Não consigo vender muita música eletrônica. Não tem muito mercado, não. Inclusive atendo muito DJ. Mas os DJs compram coisas raras, / o rato - 41 /


pra samplear e fazer a parada deles. E acredito que esse tipo de consumidor, o DJ, é um pouco responsável pela resistência do vinil. Em 92, eu pregava o evangelho contra o CD. Todo mundo dizia que era ciúme dos meus vinis, porque a onda era o mundo digital, o CD, que não risca, não pula, não estraga... era tudo mentira! Tinha CD aqui que ficava descascando. O Rato: Dá um fungo desgraçado naquilo... Calanca: Então, eu mostrava pras pessoas que o CD apagava... nunca consegui convencer ninguém. Virei o palhaço aqui. Fiz uma camiseta chamada Back to Mono, com temas ligados ao vinil. Fiz uma equação aritmética que somava as rotações: 33 + 45 = 78. Umas bobeiras assim... temáticas, né? Botei uma válvula, uma cápsula com agulha, a frase Back to Mono e No Digital escrito embaixo, pra chatear alguns amigos, tirar um barato. Tem umas bandas que eu invento aí: Seicho-No-Iê-Iê-Iê, Angra vira Grana... e não foi diferente com aquela camiseta. Aí a Veja ficou sabendo e me procurou. Eu tava muito puto com a imprensa porque eu era o último moicano a gostar de disco. Todo mundo tava encantado com a nova tecnologia e eu era o retrógrado, aquele cara que parou no tempo, que não aceitava a modernidade. Fiquei taxado. Não quis dar entrevista pra Veja. Só que o Gabriel lá falou: você mesmo escreve. Aí achei que poderia ser legal pra conseguir me expressar, porque eu dizia uma coisa e lia outra. Não exatamente aquilo. Os caras inventavam palavras, davam umas alfinetadas, pinçavam frases de efeito pra me achincalhar mesmo. Eu percebia isso e ficava super aborrecido. O Rato: Tiravam a coisa do contexto. Calanca: É. Aí ele permitiu que eu escrevesse. Só que eu acho que peguei pesado e aquilo foi pior ainda pra mim. Falei que o ouvido humano declinava com a idade e que o George Martin devia tá surdo, porque Beatles parecia Monkees... que Jimi Hendrix foi feliz de ter morrido antes dessa tecnologia ser inventada... O Rato: Caraca, véio. Cê desceu o malho forte também, né?

Calanca: Falei que deram banho na música e jogaram a água suja com o bebê junto... porque o Hendrix parecia que tava tocando sozinho. Achei que era o momento de... O Rato: Dar uma escrachada geral. Calanca: Só que aí pegou mal. Porque a Veja tem uma penetração inacreditável. Recebi carta da Holanda, Japão, EUA, Inglaterra... todas elogiosas. Aqui no Brasil os caras queriam me matar. Me desancaram mesmo. O tempo foi passando, todo mundo começou a ver que o CD não era nada daquilo, foi perdendo o glamour... aí começaram a dizer que eu era um visionário. Acho que por isso tem essa lenda aí. O Rato: Mas porque o vinil voltou mesmo, né? Os caras de sebo lá de Curitiba dizem isso. Calanca: Eu não concordo muito. Não posso dizer que é nostalgia, que é saudade, até porque a gente nunca desprezou o vinil. Nunca deixou de investir nele. Eu me dei muito bem nesse período, porque fiz as pazes com o CD, comprando CD e trocando por disco véio. Ó, vocês querem? OK, vocês venceram. Tá aqui, ó. Me dá teu vinil velho que eu te dô CD novo. Cara, foi a maior guinada econômica da minha vida. Comprei um depósito aqui no fundo. Três salas. Entupi de vinil. Meu apartamento lá, minha mulher deu um ultimato... O Rato: Ou eu ou o vinil? Lá em casa não é diferente. Eu e minha mulher é o mesmo esquema... Calanca: A gente dormia em cima de disco. Minha cama embaixo era cheia. Vinil tem aquela coisa de estática, atrai pó. A nossa cama, cara, era um terror. A gente tava vivendo um drama em casa. Muito ácaro, né? E espirrando... Eu não tinha mais lugar na loja, tinha que levar mesmo algumas coisas pra casa. Acabei comprando um apartamento no andar de baixo pra descer os discos. E separei de casa. Virou o estúdio. Agora só volto pra casa pra dormir. O Rato: Pelo menos você não dorme com o vinil... heheh.


Calanca: Enfim, foi a maior guinada econômica da minha vida. Tomei o porre mesmo. Perdi muitos amigos. Algumas pessoas vinham aqui e diziam: tó, essas merdas aí. Me davam os discos. Vinham com quatro Frank Zappa em vinil e levavam dois. Aí eu vendia um e comprava mais quatro CDs... com um disco! O outro já tava no lucro, e o terceiro eu enfiava onde queria, que era negócio, tava tudo bem, sem creme. As pessoas que se arrependeram, às vezes passam pelo lado de lá, bicão, nem olham mais pra mim... Cara, eu não fui na casa de ninguém... O Rato: Eles que vieram aqui te entregar.

Calanca: Outras vêm aqui e falam: pô, dei tudo pra você, tô arrependido... mas, foi negócio, e continuam de boa comigo. Então, eu ganhei muitos amigos, perdi amigos também. O Rato: Perdeu amigo por causa de vinil?! Calanca: Perdi. De ciuminho. Quando ele fez aquele negócio, achou que tava levando vantagem, se livrando de um museu, uma coisa arcaica. E hoje, cara... eu só lamento, porque começou a vir muito disco e eu dei muito, de certa forma, barato. Muita gente fala que meu disco é caro, mas eu não sou bobo. Eu sei o que é o barato, e eu sei o que é o afins...

|| A PRÉZA Rapeize, a préza do Calanca para o Rato foi em dose dupla! O roedor saiu de lá com dois CDs lançados recentemente pela Baratos Afins. Messias Elétrico é o disco de estreia dessa banda alagoana mutcholôca, aê. Os caras beberam na fonte do melhor rock anos 70 e entregam com muita competência uma sonzeira caprichada. Egressos do Mopho, outra banda alagoana seminal, os messias eletrizam qualquer fã do gênero em cinco faixas matadoras. Confira The Last Groove, com seus quatro andamentos de tirar o fôlego. A outra pérola selecionada por Calanca é a Fábrica de Animais. O quinteto paulistano roubou o nome de um romance de Edward Bunker e se propõe a detonar seus ouvidos com uma “sonoridade rock’n’roll bluesy para maiores”. E consegue. Comece com Ano Novo em Bagdá e não se assuste com o recado Sua Esposa Ligou... isso acontece na melhores famílias. Obrigado, Luiz!

Serviço

BARATOS AFINS DISCOS - Galeria do Rock Av. São João, 439 – 2º. Andar – Lojas 314/318 | Entrada também pela Rua 24 de Maio, 62 - São Paulo – SP Fone: 11 3223-3629 – www.baratosafins.com.br

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Música para seus ouvidos

Carlos Careqa, Made in China Vencer na vida é um tema recorrente para o atual músico brasileiro. Onde está a grana? Se você pensar bem, grande parte dos nossos artistas precisa louvar a existência do petróleo, da Petrobrás e seus vultuosos patrocínios. Made in China é só mais um dos trabalhos diretamente afetados por esta realidade. O que mais te dói: ser bandido ou ser herói? (faixa “44”). Eterna dúvida que não cabe mais o vacilo. Ou você fecha com os governamentais, ou é solenemente ignorado pela “Mídia” (exceleeente música deste disco. Procure!).

Foto: Divulgação

Legião Urbana - 1965 (Duas Tribos) A ditadura brasileira trouxe a tortura e a promessa do desenvolvimento econômico. No fim, transformaram estupidez em recompensa, e o slogan “O Brasil é o país do futuro” virou piada pronta. Mas não para o sempre esperançoso Renato Russo.

2011 | CURITIBA | MPB

Devendra Banhart, Mala

Zzebra Tree

Gui Boratto No Turning Back

O folk freak está de volta. Célebre por sua pluralidade étnica, Devendra nasceu no Texas, mas foi criado na Venezuela. Por conta disso, compõe em inglês, espanhol e até alemão - fato que naturalmente tem relevância nas suas composições. O álbum vai da bossa nova, dance e flamenco a guitarras afro, num clima de gravação caseira e minimalista. Muito agradável, porém carente de emoções mais fortes, Mala confirma uma suspeita: a figura estranha que é o artista Devendra Banhart sabe ser mais interessante que as suas próprias músicas. 2013 | EUA | FREAK FOLK

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Rapha Moraes A Viagem

Charlie Brown Jr Não Deixe o Mar Te Engolir

Nevilton, Sacode Fazendo shows por todo o país através do esquemão Fora do Eixo, o Nevilton vem conquistando plateias com sua presença de palco acima da média. Concorreram inclusive ao Grammy Latino com o bem bolado clipe de Tempos de Maracujá. Neste 3º trabalho, o power pop alegre e sincero continua a todo vapor. Algumas letras soam meio juvenis, mas não estragam de todo a boa levada das canções. A parte divertida está nos arranjos vocais à lá Beatles e nos potentes solos de guitarra do band leader Nevilton Alencar. 2013 | UMUARAMA | POP ROCK

Steven Wilson, The Raven that Refused to Sing and other stories Se você conhece o site Tenho Mais Discos Que Amigos, sabe que os caras estão por dentro. Foi lá que O Rato encontrou esta pedrada do progressivo moderno. O engenheiro de som desta bolacha é o mesmo dos grandes discos do Floyd, Alan Parsons (sente o drama). Climático e viajante, The Raven etc é extremamente bem tocado. Frita o cerebelo de primeira. As incursões vocais acabam revelando também uma devoção saudável ao King Crimson e ao trio Crosby, Stills & Nash. Faça como nas antigas e reserve um bom tempo para sacar este disco na íntegra. 2012 | CURITIBA | GRUNGE

O racismo policial que vitimizava tantos negros jamaicanos foi o fato inspirador deste clássico. Ao ser acusado de assassinar um delegado local, o rei do reggae alega autodefesa, e caçoa das autoridades no maravilhoso refrão: “Eu atirei no xerife, mas não atirei em nenhum delegado.”

Foto: Divulgação

I Shot the Sheriff (Bob Marley)

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Crocodilla, Crocodilla O Crocodilla ganhou o festival Kaiser Sound 2010 e levou de brinde a gravação do seu primeiro disco. Produzido por André Abujamra, a estreia aposta nos refrões grudentos e músicas curtas para conquistar o público adolescente. Existem bons momentos, como o blues “Me Perco em Você” e a eletrizante “Não vai escapar (Crocodilllus Actus)”. Mas as rimas fáceis a todo momento podem afastar mesmo os mais desencanados. Ainda assim, os caras tem boas referências e uma boa pegada no palco. O próximo disco deve trazer surpresas. 2011 I CURITIBA I ROCK

Hoje em dia todo mundo sabe que Jack & Mag White foram um casal que não deu certo. Mas, na última faixa do seu disco mais famoso, Elephant, resolveram tirar uma com os curiosos sobre a sua real relação.

Foto: Divulgação

Caetano Veloso A Bossa Nova é Foda

Naína Vento

It’s True that We Love One Another (The White Stripes)

Gaby Amarantos, Treme Depois de assistir pela enésima vez o show-jabá que a MTV vem apresentando da musa paraense, a gente acaba por perder a paciência. O jogo você já conhece. Tentam enfiar um artista goela abaixo do público através de muito investimento em todas as mídias. Pagam aparições em programas de culinária, colocam a música de trabalho na novela (“Ex Mai Love”) e de repente: bum! Star Star... Até aí, tudo bem. O mais patético é a crítica e$pecializada, que vem perdendo o rebolado na tentativa de dar ao “novo som do Pará” um status maior do que a simples diversão de massa. 2012 I PARÁ I TECNOBREGA / 46 - o rato /


Maxixe Machine, Sambas em Tiro de Guerra Como disseram os próprios músicos numa entrevista ao Rato (confira no site), Sambas em Tiro de Guerra tem de tudo, menos samba. Exagero, claro. Mas vamos sacanear um pouco os caras: a idade pesou. Que nostalgia apaixonada encontramos em faixas como “Ordem Unida do Coronel Adelio Conti”. Às vezes, a coisa fica meio atropelada, como em “Carnaval em Ecstasy”. Mas as belíssimas partes instrumentais entregam um disco feito com todo o cuidado que os fãs do Maxixe merecem.

Rafael Castro, Lembra? O engraçadão compositor do interior paulista chega ao seu 8º disco em sete anos, coisa rara nos dias atuais. Um rockeiro setentista, talvez até raulseixista, aproveitando as vantagens do mundo moderno: o cara grava tudo em casa, com a ajuda de um computador. Se a voz grave e as letras espertas são a sua marca registrada, em Lembra? ele ganha também a medalha de polemista. Temas espinhosos como câncer infantil e pornografia dão as caras, ofendendo a ignorância artística de boa parte do público. Daqui a pouco alguém censura o homem, já que estamos nos tornando, lentamente, uma nação proibidora e conivente com os vergonhosos Felicianos.

2013 | CURITIBA | SAMBA

2012 | LENÇÓIS PAULISTA | ROCK

Jorge Maravilha (Chico Buarque) Foto: Divulgação

Arnaldo Antunes Eva e Eu

The Breeders Off You

Depois que a filha do general e então presidente Ernesto Geisel declarou em rede nacional ser fã de Chico Buarque, o malandro não perdeu a chance de alfinetar os militares. Com um sorriso no rosto, cantava a plenos pulmões: “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”.

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Não bundeia, que aqui a galera é do rock! Bar representa a cena underground e oferece um refúgio camarada a quem quer sair para curtir rock’n’roll Por Carolina Goetten Nas paredes do bar Lado B, uma exposição do artista Pedro Furlan não retrata apenas releituras de Manet aos frequentadores. Cada quadro junto à parede expressa a tendência defendida no bar de valorizar a produção cultural curitibana, muito mais do que meramente vender cerveja e petiscos. O Lado B abriu suas portas em 12 de junho de 2010 e surgiu como uma alternativa à transferência do tradicional Lino’s Bar do centro da cidade para o bairro Barreirinha. Sob o comando do casal Regina Walger e Fabricio Romero, que todos conhecem como Babbur, o Lado B é um ponto de encontro para quem curte rock e quer ouvir o som que gosta, seja punk, metal ou hardcore. “Quando o Lino’s fechou, a gente ficou meio perdido”, lembra Regina, que fazia parte da turma de frequentadores do bar mais rock’n’roll da cidade. “Depois ele reabriu no Barreirinha, mas era

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importante ter um lugar assim no centro. Aí a gente alugou aqui, sem muitos planos”, diz. O espaço em que se localiza o bar era uma loja de móveis, que recebeu uma reforma artística incluindo pinturas nas paredes, pôsteres, quadros e poesia. “Nunca foi nossa ideia ter um boteco de moda”, conta Babbur. A pretensão é de que o Lado B seja um bar de referência para os roqueiros, que funcione sempre na camaradagem. “Já teve gente que brigou no fim da noite e veio pedir desculpas no dia seguinte”, exemplifica. Enquanto Regina e Babbur atendem aos pedidos, velhos amigos permanecem ao redor do pequeno balcão. “Eu sou o psicanalista deles”, brinca Amendoim, amigo do casal, fielmente sentado junto ao caixa. No natal e na virada do ano, o bar não fecha. “A gente organiza a vaquinha e faz uma ceia. Tem gente que aparece do nada para passar o feriado aqui”, conta Regina.


Rotina de dono de bar O casal mantém atividades paralelas ao Lado B, mas abandonaram suas profissões formais para se dedicarem ao bar. Babbur trabalhou durante 22 anos em farmácias. “Sou da terceira geração de farmacêuticos na minha família, mas sempre estive no rock. O ramo mudou muito, só se fala em vender remédio”, diz ele, que abandonou as farmácias, mas não o rock. Além de manter o Lado B, é músico e toca baixo em duas bandas curitibanas – a Missionários, desde 1986, e a Extrema Agonia, que surgiu em 89. Regina fazia produção de cinema, mas também optou pelo trabalho com o bar. “Quando surge algum projeto eu vou encaixando, mas eles exigem uma dedicação quase exclusiva e eu não tenho esse tempo”, explica Regina. Aberto de quinta-feira a domingo, o Lado B demanda boa parte da semana do casal, que não têm funcionários para ajudar no atendimento. “Não cabe mais ninguém aqui no

balcão, só eu e o Babbur. De quinta a domingo a gente fica aqui. Na segunda, não conseguimos fazer nada além de dormir o dia todo. Terça é dia dos corres do bar – banco, contas, e o Babbur tem ensaio das bandas. Nosso domingo é na quarta-feira”, descreve Regina. Mas ela garante que os dois dão conta. “Se já é hora de fechar e ainda tem gente perturbando, eu mando embora mesmo. Digo que quero dormir. E todo mundo respeita a gente por aqui”, relata.

Incentivo aos artistas A ideia de usar as paredes como forma de disseminar e incentivar a produção de artistas locais surgiu em 2011. Uma exposição de embalagens de Balas Zequinha inaugurou a sucessão de produções artísticas que, a partir de então, forrariam as paredes do Lado B. Produtora de cinema e pós-graduada em História da Arte, Regina diz que as exposições ajudam a dar sentido ao bar. “Os artistas vêm falar com a gente e pedem pra expor, aí vamos colocando na fila. Alguns já venderam obra aqui mesmo, por deixar exposto”, conta Regina. Outra prática mantida pelo Lado B é a de valorizar as bandas. O bar não cobra entrada dos frequentadores e ainda assim paga os músicos. O valor é fixo: metade do lucro obtido com a venda de cerveja no dia do show. “Queremos dar uma oportunidade para a piazada que quer tocar”, explica Babbur. A estratégia ajuda a dar impulso a quem está começando. Babbur explica a lógica: “Quando o pessoal passa em frente a um lugar que cobra, por

Serviço Lado B Bar R. Inácio Lustosa, 517 - São Francisco

exemplo, dez reais, é comum relutar. Quem não conhece a banda acaba não arriscando pagar a entrada. Aqui, não custa nada entrar e ouvir um pouco”. Como é também músico, ele entende as dificuldades de quem vive disso. “Eu valorizo porque sei como é a correria”, diz. Tocar no Lado B não exige muitos requisitos – tem que ser rock e pronto. “Não precisa estar na cena pra fazer show aqui. Eu sempre digo: pode tocar, mas não bundeia, que aqui a galera é rock’n’roll”, diz Babbur. Muitas bandas iniciaram a carreira no Lado B. O grupo argentino Las Taradas, por exemplo, fez show no bar e depois foi convidado para tocar em vários outros durante a estadia em Curitiba. “Dizem que dá sorte tocar aqui”, brinca o dono. Sem palco, o público assiste ao show cara a cara com o músico. Isso, para Babbur, faz parte do clima de camaradagem do bar. Quem está no Lado B quer ouvir a mesma coisa e ali, entre punks, metaleiros, grunges ou indies, o rock’n’roll é o elo.

Atendimento Quinta-feira às 19h Sexta-feira e sábado às 20h30 Domingo às 19h / o rato - 49 /


FILMES

TABU

Direção: Miguel Gomes, 2012. Dono de uma curta e celebrada filmografia, o português Miguel Gomes só veio ganhar maior reconhecimento mesmo no ano passado, com seu premiado Tabu. Ele retoma a dualidade que demarca o estupendo Aquele Querido Mês de Agosto trabalhando com narrativas segmentadas: a primeira num presente etéreo, na cidade de Lisboa, nos conflitos cotidianos da vida de três mulheres. A segunda no passado da África colonial, mágica e cheia de paixões como na curiosa anedota que inicia o filme. Também retoma o cinema mudo e o utiliza como um corpo perdido no tempo, dialogando diretamente com o cinema do alemão F.W. Murnau. Pra quem tiver maior curiosidade no trabalho do português, Gomes vem a Curitiba em Abril ministrar o quarto encontro do projeto Ficção Viva. O curso propõe uma interessante discussão sobre cinema, com ênfase no roteiro, com importantes realizadores iberoamericanos.

O SOM AO REDOR

Direção: Kleber Mendonça Filho, 2012. Prefiro sempre acreditar que, quando uma obra passa a incomodar, é porque ela está no caminho certo. Acontecimento bem-vindo no atual cenário do cinema nacional, O Som ao Redor angariou ao longo de um ano um importante respaldo em festivais e críticas (nacionais e internacionais), como também inimizades com os meios de informação mais dominantes (e massacrantes) do país. Polêmicas que, longe de serem gratuitas, potencializam a reflexão sobre o que o pernambucano Kleber Mendonça Filho faz do Brasil nos tempos de hoje. Contextualizado em Recife, mais especificamente na rua onde o próprio diretor mora, o filme evoca um Brasil em dois tempos: o horror nunca esquecido dos engenhos que reverbera no incômodo em forma de concreto, barulho, rotina e memória que tanto sufoca e atormenta o sono da classe média. / 50 - o rato /


ALICE NÃO MORA MAIS AQUI Direção: Martin Scorsese, 1974.

É sempre bom descobrir algum trabalho relevante, pouco conhecido ou até mesmo negligenciado pela história de algum grande diretor. Melhor ainda é ver Martin Scorsese fora do seu campo de conforto do contundente imaginário masculino que sua obra resguarda. Alice Não Mora Mais Aqui acabou sendo mais lembrado como o filme que deu o Oscar à grande Ellen Burstyn, mas esconde uma personagem tão forte e icônica quanto um Travis Bickle ou um Jack La Motta. Dona de casa quase na meia-idade, viúva e um filho pra criar, Alice nos ganha pela sutileza, numa mistura bem assertiva entre graça e compaixão, na qual um conflito essencialmente humano se desenrola. Afinal, maior do que a coragem de enfrentar uma máfia, é a destreza com que uma mulher enfrenta a vida, em um mundo ainda machista, dia após dia.

CLIPES COPACABANA CLUB – LOVE IS OVER

COSMONAVE – DE ONDE NÃO POSSO ESQUECER

ANA LAROUSSE – DESENHISTA

JÔ NUNES - DISPIRUCADA

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