Revista Perifa #1

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Revista

Periódico Digital de Cultura Periférica Ano 1 • Edição 1 • Nº 1 • Novembro/Dezembro de 2020

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Expediente Revista Perifa é uma publicação independente e autônoma com o único objetivo de divulgar produções culturais e reflexões sobre a vida da população periférica. O contéudo aqui publicado não reflete necessariamente a opinião dos editores, sendo de completa responsabilidade dos autores e colaboradores da revista.

Edição: Pedro Silva Projeto Gráfico e Diagramação: Pedro Silva Fotografia da Capa: Firmo Contato: revistaperifa@gmail.com Novembro de 2020

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Sumário 4 | Editorial

É nóis por nóis

5 | Entrevista

Riqueza

9  |  Fotografia

Firmão na Quebrada

13 | Opinião

A Periferia Pós-Pandemia

15 | Poesia

Afastem-se!

16 | Poesia

Antologia Capim Xeroso


É nóis por nóis

Editorial

Já é 2020 e nada de carros voadores e teletransporte. A periferia segue sangrando. Porém, também segue cantando, pintando, fotografando, escrevendo… Resistindo e incomodando. Amargamos em mais de uma década de retrocessos e supressão de direitos que deveriam ser considerados o básico, mas que pesaram mais que os privilégios que a 520 anos assombram a nossa sociedade. O que resta em meio a isso tudo? Como juntar os cacos materiais, físicos e emocionais em meio à tempestade? A resposta não é simples e nem fácil, mas podemos construí-la juntos, coletivamente, como a própria periferia nos mostra e ensina. Basta olhar ao redor e buscar inspiração em nossa própria história: séculos de privações e violências, de traumas e cicatrizes engolidos com água e muita farinha não sufocaram nossas aspirações mais genuínas. A periferia é foda, de norte a sul, de leste a oeste. Do mais distante bairro da zona rural à favela do centro das cidades grandes. Sim, a periferia também pode estar localizada no centro. No centro geometrificado, mas na periferia de um modelo de sociedade que civiliza a partir da barbárie. Cidadania pro centro e chicote pra periferia, progresso pra uns e atraso para os outros. Pois somos esses outros, tirados de analfabetos na primeira oportunidade, pois pra casa grande só vale o mundo das letras, das leis, da reprodução massificada de conhecimento. Mas a casa caiu, dominamos esse instrumento, mas não pra marginalizar niguém. Muito pelo contrário. A cara é mostrar que a periferia pode estar no centro, mas não vai mais ser barbarizada. Vamos pro centro da tela, do papel e da monografia. Margem agora quem define somos nós mesmos. No máximo, a ABNT. A sangria que, infelizmente, segue sem dubiedade, em um cotidiano marcado pela violência como mediação entre o Estado e as quebradas. Mas se os problemas são grandes, a gente é ruim. Se não tem tela, pintamos muros. Se a gravadora não se interessa, a gente grava em casa. Se a editora não dá atenção, a gente mesmo publica. Se eles não querem ouvir, falamos entre nós mesmos. Público e arte é o que não falta! É pra isso que a Revista Perifa existe: pra dar visibilidade entre nóis memo. Salve! Pedro Silva

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RI QUE Entrevista

Morador do Jd. Sete de Setembro, no Distrito do Grajaú, extremo sul de São Paulo, Riqueza é um dos novos expoentes da música periférica. Transitando entre diferentes gêneros musicais, mas mantendo o tradicional engajamento característico do Rap nacional, o jovem de 20 anos propõe um olhar lírico sobre a realidade a sua volta. Tocado pela poesia na adolescência, alia a contundência da crítica social baseada em experiências cotidianas com a de autores clássicos do mundo acadêmico. Revista Perifa: Como foi o início da sua caminhada no Rap? A partir de que momento e por que você pensou “Isso é algo para a qual eu quero me dedicar”? Riqueza: Mano, me interessei por fazer porque tive um colega no 1º ano do Ensino Médio que fazia uns freestyle na sala. Apesar de nunca levar jeito pra isso, eu queria muito me expressar através da rima também, daí comecei a escrever uns poemas e pá... De início, recitava somente nas paradas da escola. Daí colei num evento da 1daSul e recitei um poema meu lá. Foi quando um parceiro que estava presente no rolê, vulgo Lipão28, me convidou pra escrever e gravar um som, ali nasceu minha primeira música, chamada “Não Desista”.

ZA

RP: E nesse começo você usava seu nome real, Henrique Madeiros, né? O vulgo Riqueza é algo recente, é isso mesmo? De onde veio a inspiração para essa mudança? R: Sim, mano, usei por muito tempo meu nome real mesmo. Sobre o vulgo Riqueza, ele já me acompanha desde o dia em que nasci, que foi quando um amigo da família disse que eu era uma riqueza e meu gêmeo um tesouro hahahaha. Minha família sempre me chamou Perifa | 5


assim e amigos próximos também. Eu não gostava muito, daí numa live já durante a pandemia um mano que tava assistindo viu a galera me chamando assim, ou algo do tipo, e perguntou o por quê de eu não assumir esse vulgo, aí conversei uma cota com o parceiro que trampa comigo, deixei em aberto por um tempo, mas resolvi assumir. Gostei demais, me sinto mais leve hahahaha. RP: E como vai essa nova caminhada? Recentemente você lançou um som com o Mc Wan chamado “Desde Pivete”. Como tem sido o retorno desse trabalho que marca o início do seu novo momento? R: Eu sinto que é um momento de muito valor e crescimento artístico, tá ligado? Só de fazer um funk eu já me sinto bem demais, já tive outro olhar sobre ele, e vivendo e estudando juventude transformei radicalmente minha opinião. É a nossa música, pra mim atualmente o funk é um dos elementos constituintes do que se entende por juventude periférica. Foi um prazer participar desse trampo do Wan. RP: Além dessa parceria com o Wan você já teve várias outras, como a cypher Grajauventude e dois sons com u Vitori. Cada uma delas tem uma característica própria, com uma sonoridade bem específica. Você pretende retomar alguma delas, ou a perspectiva é seguir nessa metamorfose constante?

R: Em breve eu diria que não, Tantan (que é como eu chamo u Vitori) faz diversos outros corres para além da música, tipo grafite, audiovisual, por aí vai... Mas a gente conversa sim sobre trabalhos futuros. É algo inclusive que quero muito, um dia poder interpretar uma composição de Vitori, compor em parceria também, navegar musicalmente pelas ideias profundas que trocamos... Já o Grajauvetude é um projeto que eu criei e articulo há pouco mais de um ano, que tem como finalidade congregar jovens artistas do Grajaú e que tem atuado em torno da captação, produção, gravação e lançamento desses artistas em Cypher’s, que a grosso modo falando é uma reunião de MCs no Rap, em uma música. 6 | Perifa


RP: O seu som é um tanto diferente daquela pegada do rap nacional que veio até o começo dos anos 2000 e também não se enquadra nessa nova roupagem, muito influenciada pelo Trap. Parece uma estética que mistura um pouco do som da MPB com o tradicional visual da “quebrada”. Quais são as suas influências? R: Mano, além do Criolo, que é um artista referência pra mim por transitar tão bem pela música brasileira, no Rap minhas grandes influências foram A286 e Facção Central. Na verdade, hoje tenho escutado pouco Rap. Tô quebrando os preconceitos que tinha na adolescência e buscando novos gêneros... Tenho escutado muito Chico Science e Nação Zumbi, Céu, Dominguinhos, Liniker... Por aí vai. RP: Ainda sobre as suas influências, suas letras possuem várias referências a autores que são clássicos do meio acadêmico, como John Locke e Caio Prado Junior. De onde vem essa inspiração? Como você vê a relação da periferia com esse conhecimento que fica escondido nas universidades e qual a importância dele no seu trabalho? R: Mano, essa inspiração vem das leituras! Se eu não tivesse desenvolvido o gosto pela leitura dificilmente escreveria as músicas e os poemas que escrevo. E acho um tema bem sensível e profundo a relação da periferia com esse conhecimento. Não consigo nem tratar dele sem antes falar do ensino básico, que tem suas que passa desde sempre por uma precarização e acaba brecando o nosso acesso às universidades e, consequentemente, a esse tipo de conhecimento que realmente fica escondido lá. E o acesso somente a esses autores é um problema também, digo, homens brancos e na sua maioria europeus... Ainda assim a importância desse conhecimento para a minha obra é imensurável, remete ao que disse sobre a leitura. O trampo não seria o mesmo. RP: Nas suas músicas você fala muito sobre o cotidiano periférico em diferentes dimensões. Como a quebrada te ajudou a construir uma visão de mundo? E como se dá o encontro dessas experiências com esse conhecimento mais acadêmico? Perifa | 7


R: Até aqui a quebrada é o centro e a finalidade da minha escrita, tá ligado? Sei que trago conteúdos diversos de lugares distintos, mas com a centralidade nela. E não pretendo abdicar do conteúdo acadêmico. Quero relacionar ele com a periferia. Ele não é o problema. O verdadeiro problema é a distância entre a periferia e a academia, a ciência. Uso minha arte em alguns momentos para aproximá-las, ainda que eu saiba que é um problema a ser resolvido de fato pela política institucional ou pela derrubada dessa forma de organização social perversa. RP: O Distrito do Grajaú, onde você mora, é uma potência cultural e educacional da periferia de São Paulo com vários coletivos e projetos bem atuantes. Atualmente participa, ou já participou, de algumas dessas lutas? R: Participo do Coletivo Vilani-se, que organiza o Sarau Despertar. Acabamos de completar 2 anos de existência. Também sou criador e articulador do projeto Grajauventude, que tem por finalidade congregar jovens artistas do Grajaú, criar uma rede também, sabe? Temos alguns lançamentos já, que a galera pode encontrar nas plataformas de streaming. RP: Como você vê o atual cenário político do Brasil? Vivemos sob um governo que não tem o mínimo pudor em mostrar a que veio e em manipular a opinião pública, muitas vezes conquistando até o público que é uma vítima em potencial das políticas públicas genocidas que o presidente e seus correligionários defendem. Na sua opinião, quais as consequências que a população periférica poderá sentir nos próximos anos? R: Mano, eu vejo uma efetivação dos planos políticos neoliberais com um uso extremamente perverso das tecnologias digitais. Não tenho mais nem palavras pra descrever esse Governo, se é que podemos chamar de governo... Genocidas! Sobre as consequências eu acho que serão muitas e negativas, como o aprofundamento da precarização do trabalho e a retirada de direitos, aumento do desemprego e da informalidade, aumento das várias formas de violência sobre a população periférica e sobretudo da polícia sobre a juventude pobre e preta. Tem também a questão das etnias indígenas em que é mais que urgente brecar o genocídio que vem sendo feito a esses povos. Tem a questão da preservação ambiental... Os grupos excluídos pelo poder corporativo-financeiro terão um caminhão de problemas pra enfrentar, mas ainda assim, tenho esperança na luta de todos esses grupos. RP: Para finalizar: quais seus projetos futuros? Por quais caminhos você pensa em seguir, seja no rap, nas artes em geral ou na sua formação? R: Seguimos trampando com os corres do sarau e planejando novas edições do Grajauventude. Estamos preparando um EP aí, mas os detalhes ainda são secretos. Ele virá com umas participações incríveis, e é isso, sem mais spoiler hahahahaha. Tenho escrito bastante durante essa pandemia, então ainda vou ter muita música pra desenrolar num futuro próximo e não somente Rap. Tenho amadurecido muito musicalmente depois de começar a dar mais atenção à música Brasileira e sua diversidade. E sobre minha formação, quero ingressar em uma universidade pública ano que vem, pra cursar Ciências Sociais, ou talvez não. Estou um pouco indeciso ainda, mas até lá tem tempo hahahahaha. Obrigado pelo convite, mano, foi um prazer. Tamo Junto! 8  |  Perifa


FIRMÃO NA

Fotografia

QUEBRADA A pouco mais de cinco anos Firmo iniciou sua caminhada na fotografia. Entre Porto União, no interior de Santa Catarina, e o extremo sul de São Paulo ele tem registrado ao longo desse tempo o cotidiano das quebradas por onde passou.

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Opinião A PERIFERIA

PÓS-PANDEMIA Por Pedro Silva*

Os efeitos da pandemia causada pelo Covid-19 bateram muito mais forte nas quebradas. As condições precárias de saneamento básico, a impossibilidade de manter um distanciamento físico mínimo em áreas densamente povoadas e com grandes famílias que dividem moradias minúsculas são características históricas da vida dos mais pobres no Brasil. Somou-se a isso a má vontade do poder público, em suas diferentes instâncias (municipal, estadual e federal) para oferecer condições básicas que garantissem a sobrevivência dos mais vulneráveis. Isso impossibilitou um isolamento eficaz e fez com que muitos de nós se arriscassem para ter o que comer e poder pagar as contas. Porém, talvez estejamos no início de um processo muito mais tenso e que seguirá impactando a forma como a periferia existirá (e resistirá) daqui pra frente. Já pipocam reportagens que mostram um movimento das classes média e alta em fuga do centro. Em um mundo com uma população crescente e com potencial para o desenvolvimento de doenças pandêmicas, oferecer a oportunidade de se distanciar de grandes aglomerações e garantir uma residência mais ampla que aquelas dos grandes bairros verticais das regiões centrais da cidade será o foco do mercado imobiliário. A habitação como quesito para a qualidade de vida seguirá sendo um privilégio para quem pode pagar. Mas em uma ordem social globalizada onde a desigualdade só aumenta, os reflexos disso serão, cada vez mais, brutais com os pobres. A periferia de São Paulo ficou conhecida, primeiramente, por conta de seu distanciamento progressivo do centro, que durou mais ou menos até metade da década de 1970, quando começam a surgir novas centralidades. Avenida Paulista, Faria Lima, Berrini, são apenas alguns dos exemplos dos novos núcleos que concentram as atividades capitalistas, que passaram a não se resumir mais às fábricas.

* Pedro Silva é, antes de mais nada, morador do Distrito de Parelheiros, Zona Sul de São Paulo. Corinthiano, graduado em Geografia e mestre em Integração da América Latina pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana - UNILA. Perifa | 13


Escritórios e centros comerciais se tornam os responsáveis pela participação da capital paulista no capitalismo global. A partir desse momento, o centro se aproxima da periferia, mas não com a intenção de acabar com essa dualidade. Na virada dos anos de 1990 para o 2000 o desenvolvimento tecnológico passou a permitir uma segregação muito mais explícita e cruel. Condomínios de luxo vizinhos às favelas. Muros altos, câmeras de monitoramento, cercas eletrificadas e seguranças privados asseguram a manutenção da ordem: cada um no seu quadrado. Aliada a isso, temos a polícia que mais mata no mundo e que nas últimas décadas bate recorde atrás de recorde de assassinatos. O capital e o Estado, seu melhor capanga, aproximando fisicamente centro e periferia, mas distanciando-os socialmente, cada vez mais. Com a fuga dos ricos do centro podemos esperar uma intensificação desse processo, que em realidade já ocorria, mas ainda em velocidade reduzida. As áreas que progressivamente recebem investimentos públicos e/ou privados garantem uma melhoria nas condições de moradia e de relação com o entorno. Por conta disso, passam para as mãos daqueles que podem usufruir do que, em uma sociedade extremamente desigual como a brasileira, pode ser considerado um privilégio: qualidade de vida. A verticalização das quebradas é um fenômeno fácil de se constatar na paisagem. Nunca os sobrados foram tão altos na periferia. Famílias amontoadas no mesmo quintal, moradias minúsculas e insalubres, onde não há ventilação e em poucos pontos bate sol. Os loteamentos avançam no cinturão verde de São Paulo. Áreas que deveriam ser preservadas acabam virando novos bairros, com condições precárias de infraestrutura, mas são os únicos lugares onde os pobres ainda podem realizar o sonho da casa própria. E temporariamente! Até as melhorias chegarem a um ponto onde seus rendimentos não garantam mais o básico, pois causam um encarecimento do custo de vida. Desde os alimentos até o preço do aluguel, nada é o mesmo depois da chegada dos serviços essenciais, até então negados. A expansão do transporte público que ocorreu no começo dos anos 2000 é um exemplo. Muitos bairros onde foram construídos terminais de ônibus ou estações de trem/metrô passaram por um processo de valorização e de expulsão dos pobres, direta ou indiretamente. Moramos cada vez pior e não há perspectiva de melhora. Muito pelo contrário. Podemos observar uma amostra do que nos espera nos próximos anos no Jardim Julieta, ocupação na Zona Norte de São Paulo composta majoritariamente por desabrigados por conta da pandemia. Contando com mais de 800 famílias e criada em pouco mais de dois meses, a ocupação, que está a um passo de sofrer uma reintegração de posse, é um retrato da favelização que certamente atingirá a cidade nos próximos anos. “Se possível, fique em casa” diz a propaganda institucional da Prefeitura. Aparentemente não é um conselho que se estende aos pobres. Com toda a certeza, esse processo será muito mais cruel do que o narrado brilhante e melancolicamente por Carolina de Jesus em Quarto de Despejo. Os mecanismos de segregação e de violência estão mais desenvolvidos. A política de extermínio da população negra e pobre possui raízes profundas no Estado, que nesse quesito tem, pelo menos, oitenta anos de experiência em manutenção da ordem no que diz respeito à periferia. Moraremos pior e seremos o bode expiatório das contradições capitalistas. A menos que nos organizemos, como fizeram exemplarmente os moradores de Paraisópolis durante essa pandemia, é melhor se preparar para o pior.

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TCHO

Poesia

Afastem-se!

Eu quero distância de um deus que permite em sua casa, tráfico de drogas, pedofilia, extorsão, fascismo e toda sorte de obras que profanam o sagrado! Fiquem longe de mim! Não quero ouvir sua pregação, não quero aceitar suas imposições! Não quero! Afastem-se de mim! Vocês que odeiam a arte, que pregam o punitivismo! Quanto mais longe melhor! Vocês que dizem amar tanto Jesus, o pregariam novamente na cruz! Deram graças ao falso messias, glorificam o ódio, tudo o que fazem é para defesa do status quo! Se não se afastarem eu me afasto! Sim quero distância da ignorância, da hipocrisia, da malevolência, não quero mais me contaminar da sua falsa positividade! Foda-se seu moralismo barato! Esse saudosismo nojento! Eu quero destruir esses valores! Esse cólera é causado por ter de ouvir calado seus discurso reacionários! É por isso que digo afastem-se!

Tcho é um poeta da periferia de São Paulo que escreve a mais ou menos 15 anos. Suas influências vêm do movimento punk, do rap e de poetas como Manuel Bandeira e Sérgio Vaz. Seus poemas narram a vida cotidiana de quem vive na periferia com um viés libertário. A revolta, a angústia e a esperança se mesclam em seus versos. Seu trabalho pode ser acompanhado em sua página do Instagram e no canal do YouTube sob o nome “Poeta Suburbano”. Perifa | 15


Poesia

ANTOLOGIA

SLAM DO

CAPIM XEROSO

Desde 2017 o Slam do Capim Xeroso leva a periferia para o centro histórico de Cuiabá. Já estabelecido como a maior iniciativa do gênero no estado do Mato Grosso, o Capim é responsável por concentrar no último sábado de cada mês no Beco do Candeeiro poetas e Mcs que afluem de todos os rincões da cidade para disputar uma vaga no circuito nacional de slams. O nome vem do antigo local onde era realizado o evento, na Rua da Mandioca, em um ponto conhecido como Curva do Capim Xeroso. O projeto já foi até documentado no média metragem “Slam: Rua e Resistência”, da produtora independente Salve Filmes, disponível no YouTube. O Capim Xeroso segue com suas atividades em meio à pandemia através do IGTV de seu perfil no Instagram. Trazemos aqui uma breve antologia com alguns trabalhos de participantes e organizadores desse slam.

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SOL FERREIRA Xas creança tão armada cas palavra

Catorze e tão de corre na pista Escrevendo poesia, mandando rima Denunciando colega racista e tio machista Já nasceram fazendo uma pá São poetas, estetas, vendedores de suquinho pa ajudar as mãe a comprar o pão e o leite dos irmão São só criança também, mas são uns puto duns artista q ainda consegue ser secundarista Esses menó, desde a hora de nascer, já sabe que pode morrer

Ao invés de dá livros pra gente estuda, mandou liberar a posse de arma pra gente se mata Os jovens tão se matando, pq tão matando os jovens “Ah, mas eu preciso de arma pra igualar minha força com a força do ladrão” Ô cê ta lokão? Ladrão aqui, só se for de ladrão de coração “Ah, mas é defesa pessoal” Bala q só acerta preto vc não pode chamar de defesa pessoal, chama de bacanal, da porra que ce quisé Não é legítima defesa quando cê entra no beco e mata 3, que agora tão ali na estátua pra recordação doceis

“Eu sou Sol, mato-grossense, nasci em Cuiabá e moro em Várzea Grande. Tenho 21 anos. Reivindico-me como pessoa trans não-binária. Tenho formação em Teatro, com ênfase em atuação, pela Universidade do Estado de Mato Grosso. Sou graduando de Letras - Português e Literatura pela UFMT. Fiz intercâmbio e residi em São Paulo para estudar na SP Escola de Teatro. Sou integrante da Coletiva Slam do Capim Xeroso. Nas artes plásticas, meus trabalhos perpassam pelos temas: Necropolítica, gênero e sexualidade e regionalismos. A reciclagem é a técnica mais presente em minhas manifestações.”

Cara, eu to cansada de discurso fácil De quem acha mais fácil resolver com prisão, do que com educação Discurso de quem diz q mérito não se discute Seus bando de Bettina, bumbum de iogurte Discurso de quem veste a farda e anda por ai fazendo a Alice, no país das maravilhas Enquanto aqui, só dá Alice no país que mais mata travesti, 111 tiros e chapeuzinho vermelho de sangue que escorre da cabeça

ANTOLOGIA

Bozo, Bozo, Bozo, Bozo da cara branca, que pega essa criança e mata Bozo da cara Branca ta ensinando pas criança q assassinato no Brasil é rotina Que é 1 preto, há cada 23 minuto morrendo na esquina Que mulher é uma a cada duas horas E trans é todo dia, sem falha, na ponta da navalha Que índio a gente atropela com esse patriarcado de merda

Xas Creança, eu sei q ceis tão ligado, q essa é a verdadeira face dos conto de fada Mas, é possível fazer revolução Ser menó artista, na pista Ser gente de sorte, de corre, corre, corre das milícia Pra mostrar q enquanto continuam a tirar 30% da educação Seguimos de caneta e papel na mão Em porte de livros Pra mostrar pros nossos filhos que Xas creança, tão armada cas palavra.

SLAM DO

CAPIM XEROSO Perifa | 17


ANA CAROLINA

Dessa terra cuido eu!

Ana Carolina é poeta do Slam do Capim Xeroso (Cuiabá/MT) desde 2017. Atua na capital mato-grossense em três frentes artísticas como realizadora audiovisual, atriz/diretora de teatro e poeta/organizadora do Slam do Capim Xeroso. Foi uma das realizadoras do documentário “Slam: Rua e Resistência” disponível no canal do YouTube do coletivo Salve Filmes. Entre diversas iniciativas culturais escreve poesia como forma de expressar denúncias e a maior motivação para a produção constante é poder somar nas batalhas mensais. Seus poemas abordam o agronegócio, o genocídio indígena, a reforma agrária, questões religiosas e feministas. Acredita que o Slam transforma a sociedade ao passo em que o encontro reivindica os espaços públicos e a palavra expõe a resiliência e a resistência de cada um que é parte de um todo.

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Nem o trago do cigarro, nem o doce exagerado Vai sumir com o amargo de quem não sabe se amar A força está dentro de você Firma nesse poder É preciso se encontrar Em meio a mentiras É preciso resgatar Verdades escondidas Sobre nossa terra invadida Saqueada e dividida Pra você sobrou o que? Correria, trabalho em dobro todo dia Você consegue viver uma vida sadia? Quem é você? A gente é o que a gente come Então não se abandone Nós chegamos até aqui A taioba, folha de tomate O umbigo da bananeira O coco, a mandioca O milho, a abóbora Tudo que brota Da terra que vem O chá de Marcela O boldo do jardim da vizinha O alecrim, alho, cravo, capim-limão, jaborandi Com tudo isso nós chegamos até aqui Ora por nóis Que o dinheiro não é suficiente Ora Pro Nobis proteína de pobre Pra alimentar nossa gente Com as raízes dessa terra E saberes ancestrais Sejamos resistentes Aos alimentos envenenados Empurrados goela abaixo a preços superfaturados Não é mais questão de preferência Querer tudo o que mentem pra você Basta um comercial AGRO É TUDO Eles distorcem os fatos Não podemos esquecer Essa terra é nossa


Cultivar sonhado hábito Proteína brota a fome mata Capitania hereditária Terra de herança deve ser compartilhada Práticas diárias pra matar a fome A gente precisa saber e não sabe AGRO É TECH O conhecimento some A gente precisa saber e não sabe Que leva tempo pra plantar Leva tempo pra crescer Leva tempo pra brotar Leva tempo pra colher Leva tempo pra preparar Práticas diárias pra matar a fome Eles nos fazem esquecer AGRO É POP Até matar a fome Levou a vida de milhares E continua a ceifar Famílias impedidas de sonhar Pra prover alimento envenenado superfaturado comprado no mercado Isso tem que acabar Nossos corpos não vão mais pra debaixo da terra Sem antes do cultivo dela podermos nos sustentar Vamos se encontrar, as mentiras questionar, nosso corpo preparar E determinar Dessa terra cuido eu! Dessa terra cuido eu! Dessa terra cuido eu!

ANTOLOGIA

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CAPIM

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ANANÁS E a Cloroquina tá quanto?

Anna Maria Moura ou Ananás, é artista marginal que desenvolve pesquisas em relação à literatura e audiovisual negro, culturas de periferia e demais intervenções artísticas urbanas desde 2018. Formada em Iluminação Cênica pelo Curso Superior de Tecnologia em Teatro da Unemat/MT Escola e graduanda de Rádio e TV pela Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT. Atua no Coletivo de Audiovisual Negro Quariterê desde 2017 através da curadoria e mediação das Sessões Afrocine e Mostra de Cinema Negro de Mato Grosso. Participou como produtora do curta “Como ser racista em 10 passos” de Isabela Ferreira e montagem e direção da vídeopoema “Poemargens”.

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Planos estratégicos de prevenção? Isolamento verticalizado agora é o novo normal, jão A competência dos meus avaliada pela quantidade de produção E o Pib é que determina a mortalidade dos irmão. Guerreira de fé tá na luta e acorda cedo pra pegar o busão Catalepsia das drogas esbarra e escapa Mas toma um café corajoso pra conter a estiga na estação A neurose apavora, nego e pra santa ela faz até oração Pro menino sem bola, sem pipa e sem escola não levar a bolsa, celular ou a grana pra pagar a condução sinais não evidentes e agora o menino voa, avião Necropolítica no primeiro mundo importa mais que os mortos vivos do terceiro fim de mundo Neurose Irmãozin corre Jesus é quem te salva mas é ele quem morre Decadência social, inimigo oculto é a mente Prevenção contra corona tem campanha Só não se faz campanha pros que já estão ausentes, não tem velório decente, e pro sistema é só mais um CPF a menos, e com isso a gente não consente.. Na labuta do presente, as mães na estação dos meninos que se foram pela perdida, bala assassina do estado genocida O estado que é pró-vida mas não liga pra preta pobre que morre na clínica clandestina, já dizia Pacha Ana, E Joyce Padro ja mandou a fita que sua vida sexual é hipersexualizada ate pela ginecologista, são pontos de vistas Sobre se reconhecer preto através das mazelas da negritude Mas a gente que tem essa cor não foge do estigma Enquanto eles dizem que não fogem da luta Nóis tira os nossos corpos Nóis tira os nossos corpos... 111 tiros Nóis tira os nossos corpos da rua Mas é só por enquanto porque a gente pra racista não passa pano Taí Minnesota pra provar que o que eu to falando não é engano Enganado ceis tão qdo vem me perguntar e a Cloroquina ta quanto?


MARIA CLARA

BERTÚLIO Aquele guri...

Quando olhei para o guri e vi a multidão de meninos que brincavam em seus olhos, soube exatamente o que não esperar... Era preciso ter calma com a educação do guri A raiva acumulada as expectativas tudo havia sido diluído pelo tempo... Nos olhos do menino: a inocência de quem erra e a ingenuidade de um aprendiz

Maria Clara Bertúlio é artista multidisciplinar, graduada em Teatro com habilitação em direção pela Universidade do Estado de Mato Grosso- UNEMAT e aluna regular do curso de Letras na Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, com pesquisas voltadas para área da Literatura Negra em países lusófonos, Brasil e África. Transita entre as linguagens do teatro, poesia e performance sob uma ótica afrodisapórica nos quais busca questionar sobre corpo, sexualidade, racismo, gênero e outras transversalidades. Atualmente dedica-se a processos experimentais nessas áreas.

Acredito que continham muitos afetos aqueles olhares embora confusos Eu vi um fogão de areia se derreter nos olhos do guri Tinha o fogo e tinha a água entendi que ele já sabia queimar mas também sabia umedecer a superfície das feridas-queimaduras e, num gesto de ternura, afogá-las, aliviando os sonhos...

ANTOLOGIA

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RODRIGO Rodrigo Salomé Silva é professor em formação, antagônico a toda vã certeza da pré-história.

SALOMÉ SILVA Prece contra cegueira Longe capela de fronte Parque dos finos flagelos Livres da sanha e do br[eu] Façamos ternuras Derrubemos esculturas Você e eu Classe, sua linda Sobre os olhos, areia seca Limpe-se da sujeira Forme-se desejável [I]mensure seu tamanho Que não tem tamanho que compare Que isso não demore Pra isso, eu te preciso E você, de nossa classe Sinta, informe, busque Veja tudo com rebusco De posse dessa visão Enxergar festividades Com a mente e com a mão Vendo a humanidade Fazendo a distinção Do que é concreto Do que é ilusão Quem um dia, Teve a fria e descarada mania De dizer sem possibilidade Que a minha e sua alegria Dependesse da vontade alheia?

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Livremos dessa cegueira Que nos leva a até vala da logra votação Induzindo-me, e você, sua mãe, seu irmão [Pi pi, piuiuiui] Sagrou-se campeão, esse que venceu Tem o da vez, teve o da outra vez, tanto faz Ganhou status de representante Colou tenaz Com natureza quase constante Cresceu para o alto Acumulou mercado Esbanjou simulacro Governou para o lado

[cidade maravilhosa...]

Aquela sombra com água Aquele emprego bem pago Aquele chão perfumado Aquela ordem familiar Ei, psiu... é fake Não vê que a comida alçada à frente Está amarrado no que monta? De uma ponta a outra Para que o espaço do alimento até a boca Não seja igual a cada passo Lutemos.

ANTOLOGIA

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BRENDA

VILAS BOAS Causa e efeito “Sou Brenda Vilas Boas, tenho 24 anos, nasci em Cuiabá, porém fui criada em Pontes e Lacerda e resido a 8 anos em Várzea Grande, ambas cidades do interior de Mato Grosso. Atuo a maior parte do meu tempo como F&I/Analista de crédito na empresa Montreal Veículos e também administro toda curadoria do Bem Bolado Brecho (@bemboladobrecho09), que foi inaugurado em 06 de setembro de 2017. Sou criadora. Sou arteira. Amo escrever, poetizar a vida e pintar telas.”

Tomei aquela dose de café, clichê dizer... Porém da mesma forma que me tira o sono, me decapita. Droga! Essa que... Ruína meu estômago, me faz repetir a dose e nessas repetições percebo o quanto minha ansiedade consome. Calma! Aos quatro cantos, vejo e sinto a todo instante... Todos os danos daquelas diversas noites insanas... Por onde começar? Questiono-me todos os dias e parece que o tempo inteiro, Mas sei que não devo parar ate solucionar. Aí entra a questão, alias inúmeras questões. Respira fundo e reaja neste jogo. Presta atenção nos comédias Tem tanto para falar de respeito Mas nas atitudes... ah, perde total conceito! Bate no peito e me joga de escanteio Bate no peito e me força o beijo Bate no peito e grita por desejo Bate no peito e... ah! Ficou tudo tão paralisado. Descrever tais absurdos Causa pânico Causa medo E ainda fala em respeito? Causa e feito Causa e efeito CAUSA E EFEITO SENTIRAM O EFEITO? Daquela mulher que é obrigada a ser submissa do sujeito Daquela mulher que é obrigada a suprir qualquer desejo do sujeito Daquela mulher que é obrigada ser empregada do sistema escrava Daquela mulher que é obrigada a baixar a cabeça enquanto é assediada Daquela mulher que sofre preconceito e racismo a qualquer momento e até

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dentro da própria casa. Ah, são tantas causas e efeitos... Quem sou eu para descrevê-los não é mesmo? Mas calma. Está tudo bem! Só quero e aliviar minha dor também Mulher quero te ouvir Quero aprender Quero ensinar Ouça-me mesmo se eu for devagar. É isso, a união também é estar disposta a ouvir E também é estar disposta a falar e se expressar... E por isso estou aqui, disposta a não me calar

Não me calar diante da opressão Não me calar diante da humilhação Não me calar diante da perseguição Não me calar diante de toda essa confusão Na real estou tentando descrever todo sentimento causado por anos E nesses danos me sinto um tanto quanto aprisionada Porem as poucos estou refazendo as falas. Não são em vão São méritos de disposição E te convido a lutar Pois sempre tentarão nos calar... Já fazia isso com nossos ancestrais Porque tenho que parar de guerrilhar? Morri em muitas batalhas Talvez afogada no continente das opressões da sociedade Mas renasci e nessa guerra não quero mais fugir! Ei moça! É você, você, você, me ouça... Sorria. Teu sorriso é tão belo quanto o dia Nada pode abalar tua força Ei moça, me ouça Sorria Canta Dança Voa.

ANTOLOGIA

SLAM DO

CAPIM

XEROSO Perifa | 25


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