Revista Perifa #2

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PERIFA

ED. 2 | JAN/FEV 2020

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EXPEDIENTE

THAÍS MANNONI Colunista, revisora e editora

PEDRO SILVA Editor

WESLLEY SILVA Editor e diagramador

ANA PAULA Fotografia da capa

JULIANA MAROTTA Fotografia da contracapa


Índice 4

EDITORIAL

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PLANTA E GENTE: A IMPORTÂNCIA DA ETNOBOTÂNICA Comunidades tradicionais se relacionam com as plantas de maneiras especiais.

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INÓPIA A trajetória e as lutas de uma mulher negra, mãe solo e produtora cultural.


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AS BARREIRAS DA CULTURA POR CIMA DAS FRONTEIRAS Uma reflexão sobre produção musical periférica a partir de experiências em Angola e na periferia de Belo Horizonte.

NO DISTANCIAMENTO FORÇADO, A ARTE VEIO PRA NOS JUNTAR No meio de uma pandemia, foi possível encontrar apoio onde menos se esperava.

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MULHERES PUNKS EXISTEM E RESISTEM! Mulheres marcando presença na luta por um Punk mais plural e inclusivo.


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SUJEITO CORPO COLETIVO: PERIFERIAS EDUCAM PERIFERIAS Uma análise do potencial pedagógico dos movimentos sociais periféricos.

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POEMAS DE LEANDRO KAPLAN Poesia periférica visceral, direto do Extremo Sul de São Paulo.

QUADRINHOS Tirinhas que refletem o momento politico que vivenciamos


EDITORIAL

Depois de quatro meses, a Revista Perifa retorna com sua edição número 2. De lá para cá, muita coisa aconteceu. Seguimos na dinâmica insana que se instaurou no Brasil a partir de 2016, em que cada semana parece uma década. No último quadrimestre, foram poucas as coisas que pudemos comemorar. O projeto de destruição do tímido Estado de bem-estar social que foi construído aos trancos e barrancos nas últimas décadas segue a todo vapor. O genocídio da população negra e periférica encontrou a arma biológica perfeita para os seus propósitos: vitimiza majoritariamente quem não tem escolha a não ser encarar o transporte público lotado, ao mesmo tempo em que inviabiliza qualquer grande mobilização contra o governo. Mas, apesar dos pesares, não foi só de história triste que vivemos ao longo dos últimos meses. Mais do que nunca, é o momento de comemorarmos cada pequena vitória cotidiana. Valorizar ao máximo pequenos detalhes cotidianos. Um sorriso, uma mensagem, uma conquista, seja nossa, individualmente, seja dos nossos. Particularmente, em três décadas de vida, nunca prezei tanto por celebrar a coletividade, a comunhão, ainda que com o distanciamento físico, usando máscara e por chamadas de vídeo. Foi nessa pegada que a família da Perifa cresceu e produziu mais uma edição da nossa revista. Contamos agora com colaborações pesadíssimas que vocês terão a oportunidade de conhecer melhor ao longo dos próximos meses, a partir dos materiais que estamos preparando para dar mais vida ao nosso perfil no Instagram. 2021 tem tudo pra ser um ano tão desafiador quanto os anteriores. Mas a gente vai pra cima, porque quem é quebrada não gela e não treme perante as tretas da vida. Não se trata apenas de coragem. A gente não tem muita escolha mesmo. Salve! Pedro Silva

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PLANTA E GENTE: A IMPORTÂNCIA DA ETNOBOTÂNICA

Comunidades tradicionais se relacionam com as plantas de maneiras especiais. Alimentação, rituais, ornamentos e medicina são exemplos dessa diversidade de saberes. A etnobotânica busca estudar esses significados em busca de uma maneira de defender as tradições e conservar a biodiversidade.

Nem toda descoberta importante é feita em laboratórios! Muitas vezes, quando estudamos botânica, nós nos deparamos com várias listas de nomes e grupos, mas pouco se fala sobre os usos tradicionais, os significados culturais daquelas plantas e suas aplicações na conservação.

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PLANTAS, CULTURAS INDÍGENAS E CANDOMBLÉ A etnobotânica busca aproximar o saber científico do popular e reconhece o lugar das plantas em cada cultura. A árvore de jatobá, por exemplo, para muitos povos indígenas amazônicos, faz parte do mito de criação do mundo; o jenipapo é utilizado para pinturas corporais; o fumo é fundamental para rituais de cura. Essas relações podem ser ainda mais complexas: por exemplo, para o povo Achuar, indígenas do sudoeste da Amazônia, as florestas não são consideradas recursos naturais, mas sim palco para atuação de seres silenciosos que mudam de aparência. Segundo o antropólogo francês Philippe Descolla, “para eles, animais, humanos vivos e mortos, espírito, plantas se relacionam diretamente e têm uma dinâmica de mudanças“. Outro exemplo é a espiritualidade presente no candomblé. Nessa religião de origem africana, os deuses, Orixás, manifestam-se nos elementos da natureza: água, fogo, terra, árvores, vento, folhas, mar, animais… Entrar em harmonia com esses elementos é uma maneira de aumentar a “energia vital” (axé) e é a forma de estar mais próximo dos deuses. Ossain, um importante Orixá, é conhecido como “Senhor das folhas”, quem domina o nome das plantas e seus usos. Aliás, cada um dos Orixás é representado por um grupo de espécies de plantas. Os rituais do candomblé usam uma vasta diversidade de

plantas

para

fins

medicinais,

litúrgicos

e

ornamentais. Com esses dois exemplos, fica fácil entender por que proteger a cultura indígena e o candomblé, além de justiça social, também significa proteger as plantas sagradas dessas culturas, ou seja, conservar boa parte da natureza.

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ALIMENTOS NÃO CONVENCIONAIS Entender as relações da sociedade com as plantas não é só uma maneira madura de se discutir conservação ambiental, mas significa também garantir alimentos de qualidade, emprego e renda. No Brasil, existem mais de 3000 espécies de plantas com potencial alimentício, comumente utilizadas por comunidades tradicionais, enquanto nossa alimentação baseia-se majoritariamente em menos de 20 plantas, que, em sua maioria, nem sequer são nativas. Existem muitas Plantas Alimentícias

Não

Convencionais

(PANC)

brasileiras,

atualmente negligenciadas, porém com altíssimo valor nutritivo. Como exemplo, há os extensos buritizais, que nascem naturalmente na floresta amazônica, produzindo de 60 milhões a 70 milhões de toneladas de frutos por safra, e são pobremente explorados. O buriti é o fruto de maior teor de carotenoides do mundo, com potencial para virar farinha, bolos e similares. Poderia ser um alimento básico do Brasil e estar na merenda escolar. Assim a etnobotânica nos auxilia na valorização dessas espécies e de maneiras saudáveis de consumo de plantas. Infelizmente esses saberes são historicamente invisibilizados. O fato de esses serem produtos culturais de sociedades indígenas, negras e ribeirinhas faz com que o colonizador branco torça o nariz. Desvalorizar essas culturas é uma estratégia para desumanizar, dominar e oprimir. A etnobotânica, assim, é uma força na luta por conservação da biodiversidade e defesa do patrimônio cultural de muitas comunidades, que têm muito para nos ensinar para alcançarmos um relacionamento mais respeitoso com as plantas.

Lucas Andrade, ou "Lukera", é morador do Jardim Iporanga, zona sul de São Paulo. É ilustrador e quadrinista. Formou-se em Biologia e adora conversar sobre jogos que ninguém jogou.

Lucas Andrade @LukeraAndrade

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INÓPIA

Engravidei quando estava no terceiro semestre da faculdade de Comunicação Social, mas me sentia uma menina de 16 anos, à beira de largar todos os sonhos adolescentes. Eu me afastei de alguns amigos e às vezes não tinha vontade de frequentar as aulas pra não ser apontada. Já tive que levar a cria pra assistir aula comigo por não conseguir vaga na creche do bairro. Quando conseguimos matriculá-lo pela primeira vez, foi aqui na região do CPA , porém longe de casa, o que me fazia atravessar em 1 hora na espera do transporte público. Eu odiei a maternidade com todas as forças que tinha nos últimos anos. Isso significa odiar o corpo dilacerado pela violência obstétrica do parto, a saúde mental abalada por um sistema que odeia mães e crianças. Em nenhum momento, odiar a maternidade significa que odeie meu filho, mas, quando falo de legalização do aborto, é assim que me enxergam. “Engravidei, pari cavalos e aprendi a voar sem asas”. Talvez, quando assisti a essa peça, tenha rolado uma conexão com “aquelas que vieram antes”, e não pude deixar de citar o teatro como parte de mim e do que sou hoje. Gosto quando a arte cumpre esse exímio papel de trazer reflexões a respeito de corpos nunca antes visitados pela hegemonia. Tenho sido arteira desde então, pra tentar trazer essas reflexões, ressignificando dores na escrita, na poesia, no cinema e no teatro. Sou grata a tudo que a arte pôde me proporcionar e tenho planos de que viver da minha arte não seja só uma idealização pueril e efêmera. página | 8


TUDO DROGA! Sou contra a guerra às drogas, mesmo sabendo que regularização e fiscalização não impedem o comércio ilegal. Tenho esperanças de que o chá seja servido sem gotas de sangue ou de milhares de substâncias mais tóxicas do que a nicotina de um cigarro. Vejo a luta contra a criminalização das drogas como uma brecha, mesmo que pequena, pra se discutir saúde mental da população preta, encarceramento em massa, luta antimanicomial; pra rediscutirmos também políticas de redução de danos, no que tange a tentar evitar a automedicação e overdose. Vejo também a descriminalização das drogas como uma forma de descriminalizar, ainda, o usuário, o que torna essa brecha, pra esse diálogo, uma luz no fim do túnel, onde haja Centros de Atenção Psicossocial e Unidades de Acolhimento capacitados e preparados pra receber o usuário, sem julgamentos, preconceito ou estigmatização. É, nego, é aquele paradoxo constante, né?! De uma coisa levando à outra tipo dominó pareado. Não se sabe se quem veio primeiro foi o ovo ou a galinha, mas taí uma coisa levando à outra, igual café, açúcar e cigarro.

Já fui ativista, já fiz transição capilar, já fui poliamor, já me senti insuficiente mesmo sozinha. Nunca fui impedida de entrar em lugar algum por ser negra, mas “a vida é desafio”, e, por ser preta, a gente tenta o tempo todo ser duas vezes melhor. Mas já dizia Mano Brown: como que vai ser duas vezes melhor se a gente tá pelo menos cem anos atrasado?! Eu me formei somente no ano passado, depois de longas e desafiadoras jornadas pela vida acadêmica, em que já vivi as sutilezas do racismo dentro da universidade pública, onde a maioria das pessoas da minha cor estão nos cargos de segurança e limpeza. Já vi trabalhos dos meus irmãos de cor serem invisibilizados e desacreditados, quando não os meus. E hoje sou tecnóloga em Iluminação Cênica pela MT Escola de Teatro. E não para por aí, quero terminar o curso de Comunicação Social e, quem sabe, tentar um mestrado mais pra frente. Já levei enquadro, já sofri preterimento, já fui limada como possibilidade de relação de afeto (e ainda sou). Quando se é mãe e preta, você apenas aguenta. Aguenta o genocídio do povo preto batendo na nossa porta como aviso. Aguenta o estereótipo de mulher guerreira e forte. Você tem que aguentar! A minha sorte é que não tenho aguentado sozinha.

Anna Maria Moura, ou Ananás, é mãe do Cícero, cria do Slam do Capim Xeroso e das cultura de periferia. Dentro da literatura e do audiovisual negro, saboreia palavras pelo paladar ácido e doce, como o de um Abacaxi. É iluminadora Cênica pela MT Escola de Teatro e graduanda do curso de Rádio e TV pela Universidade Federal de Mato Grosso. No momento é bolsista do Projeto P-O-E-S-I-A.org, que atua para o fortalecimento da poesia brasileira. Anna Maria Moura @ananás

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AS BARREIRAS DA CULTURA POR CIMA DAS FRONTEIRAS Desde que comecei a agitar a cultura no meu bairro com meus amigos, comecei a perceber pontos que praticamente todo mundo que consome não consegue enxergar. Situações que acontecem principalmente com pessoas periféricas, para quem o acesso a dinheiro, equipamentos e informação acaba sendo restrito, e a dificuldade do processo da música se multiplica dezenas de vezes com alguém que não tem privilégios financeiros e sociais, o que acarreta, na maioria das vezes, o fim do sonho de alguém. Pra tratar desse tema, tive a oportunidade de conversar com duas pessoas que trabalham com música – e principalmente no rap – sobre as barreiras que elas encaram para ter algum sucesso e se consagrarem de diversas formas fazendo o que amam. Os problemas e dificuldades de ambas são similares, mas o interessante é que são duas pessoas que vivem em continentes diferentes. A primeira que ouvi foi Naomy Lélis, 21 anos, que nasceu em Luanda, em Angola. Naomy é rapper e estuda Media Management , Music Business e Marketing na University of Miami, onde mora desde os 13 anos. Akin Ayo, a segunda pessoa com quem conversei, é produtor e beatmaker do coletivo Brain Sai. Morador do bairro Ressaca, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, Akin tem 24 anos e há 5 estuda e trabalha com produções musicais. Naomy primeiramente me alertou sobre as leis de regulamentações de direitos autorias que não existem em Angola, onde o retorno financeiro de artistas é bem mais difícil, por não ter nada assegurando suas produções. Bem diferente do Brasil, onde temos o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais), que tem o dever de fazer uma fiscalização e repassar valores aos artistas e, assim, proteger a propriedade intelectual de cada um. Um ponto importante é que pouquíssimos artistas de periferias, principalmente os que eu conheço, ainda não têm muito acesso a esse tipo de informação, e, mesmo com algum trabalho fazendo sucesso, acontece de não ganharem o seu devido valor de uma produção.

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Em Angola, segundo Naomy, a maneira de valorização dos artistas é um pouco diferente daqui. Ela me conta que o processo de criação de músicos de lá é fazer uma produção de forma improvisada, lançar no Soundcloud, divulgar em redes sociais e assim começar a criar um público a partir dali para ser reconhecido e ser chamado para festas e eventos onde os artistas possam de apresentar. O que dificulta bastante é que os MCs angolanos não conseguem ter um retorno financeiro, pois a população não tem dinheiro para consumir música. Isso leva a diversos problemas, principalmente a falta de profissionalização com que eles possam ter possibilidade de comprar equipamentos de gravação melhores e, assim, fazer o seu trabalho com uma boa qualidade. Desde 2011, a rapper relata, o acesso à internet facilitou a vida de algumas pessoas, pois, assistindo a tutoriais no YouTube, elas conseguiam fazer música sozinhas, e não dependendo de estúdios privados, que contemplam sempre os mesmos artistas e quem está ao redor, não dando oportunidade para os novos. Naomy, uma jovem que, como ela mesma diz, é uma pessoa “ativa, extrovertida e com vontade de produzir coisas”, pelo que pude perceber, tem uma imensa sensibilidade para falar dos problemas que seu país vive e, principalmente, os de seus amigos que trabalham com música em Angola. Reconhecendo seus privilégios, a MC relata que poder comprar o seu estúdio pessoal e estudar fora do país foi algo que facilitou para que pudesse fazer música. Além da arte, Naomy é criadora do podcast Crônicas de uma Hoe, no qual ela fala sobre educação sexual e lifestyle. Tendo iniciado em seus treinos de canto em coro, Naomy, que artisticamente é conhecida como “nae”, tem um som chamado “INDEPENDENT”, lançado no ano passado e que já bateu mais de 3,5 mil visualizações no YouTube. Em outro continente, conversei com meu amigo de muitos anos Akin Ayo. Eu pude ver bem de perto toda a sua dedicação para viver de música, acompanhar suas barreiras para conseguir equipamentos e seu empenho para estudar. Akin relata principalmente que a sua maior dificuldade nesses últimos 5 anos foi o dinheiro, pois, como ele diz, “quanto mais você quer ser profissional, mais caro vai ficando”. Na sua primeira produção, ele disse que teve que virar noite produzindo, e, mesmo assim, não está tão satisfeito com o resultado hoje, pois, ainda na época, faltava muito estudo. A sede e ansiedade de lançar um trabalho fizeram com que ele não desanimasse, e, mesmo com todos os problemas e falta de instrumentos, Akin participou da produção completa da música "Sufoco", do Dueni, lançada em meados de 2018.

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Lembro-me até hoje das centenas de conversas que nós tivemos, do tanto que ele tinha o sonho de ser profissional e do quanto foi difícil. Recordo que, em uma época, ele tinha um notebook pra fazer as produções, mas o computador não tinha tela, apenas a parte do teclado, fazendo ele sempre andar com um cabo para ligar na televisão e, assim, produzir. Assistindo a tutoriais no YouTube, Facebook e Instagram, ele teve a oportunidade de se profissionalizar e, depois de correr muito atrás de seu sonho, conseguiu equipamentos essenciais que deram uma estabilidade melhor pra ele. Monitor de referência, fones de ouvido e um notebook novo foram algumas das conquistas a que ele teve acesso. O estudo é o ponto-chave que Akin frisa para alavancar na música. Estudar, conhecer pessoas, aprender coisas novas é o que ele leva a sério no seu trabalho, mesmo sendo um pouco complicado pra muitos que querem viver de música, mas têm pouquíssimo acesso a isso. Um talento gigante e uma enorme força de vontade fazem com que Akin alimente seu sonho diariamente. Mesmo tendo que conciliá-lo com o trabalho, o produtor e beatmaker sempre tira um tempo para seus projetos, pois ele acredita muito no que faz. No fim da conversa, ele me falou que a ideia é sempre buscar fazer um trabalho para que a pessoa que ouve possa sentir o que ele sentiu ao fazer, que, mesmo que às vezes pareça que você está gritando pro nada, tem que continuar correndo atrás e estudando, que assim o seu trampo pode virar. Conversando com os dois e relendo este texto, pude ver que os produtores periféricos têm um problema principal: o dinheiro. Isso acontece com muitos e muitos que estão lutando diariamente pra fazer seu corre ter sucesso, mas têm que trabalhar mil vezes mais do que um artista rico, que tem tudo de mão beijada, o que faz com que ainda tenha um retorno financeiro muito maior. E isso não é só na música, mas sim em tudo que remete a questões sociais, pelo menos aqui no Brasil, no país em que vivo. Ricardo Soares, 22 anos, é morador do bairro Copacabana, em Belo Horizonte. Membro do Coletivo BRAIN SAI, é também cofundador do movimento JUPLP e colaborador no Portal RND e não gosta de tilelê. página | 12

Ric Soares @ricsoares


NO DISTANCIAMENTO FORÇADO, A ARTE VEIO PRA NOS JUNTAR Quem está por dentro do rolê da ilustração, principalmente nas redes sociais, sabe que outubro é o mês em que muita gente se propõe a desenhar todos os dias. Essa é a ideia do Inktober (junção das palavras ink, que significa “tinta”, e october, “outubro” em inglês), projeto anual que leva muitos artistas a seguir uma lista de sugestões de desenho e cumprir (ou não) o desafio de produzir algo novo diariamente. Em 2020 houve uma polêmica em torno da proposta após acusações de plágio envolvendo Jake Parker, o criador do Inktober, e isso fez com que muitas pessoas decidissem, como protesto, seguir listas “paralelas” lançadas por outros artistas. Cerca de um mês antes disso tudo, eu entrei, pela primeira vez, em um servidor do Discord. Para quem não sabe (eu também não sabia), o Discord é um aplicativo inicialmente utilizado por comunidades de jogos online, mas que se tornou um meio de reunir pessoas que compartilham gostos diversos, não apenas por games. Atualmente muitos artistas utilizam esse espaço para criar uma comunidade e ficar mais perto de seus seguidores das redes sociais. Tem sido uma forma de diminuir a distância e o isolamento durante a quarentena imposta pela pandemia de Covid-19. Entre esses artistas, está Gillian Rosa, de 27 anos, mais conhecido como Pongo (@pongocomics), quadrinista de Parauapebas (PA) que faz sucesso na internet com suas tiras bem-humoradas e sacadas geniais com as quais todo mundo se identifica facilmente. Segundo ele, o servidor tem sido muito importante em sua vida. “O grupo foi transformador para mim, pois mudou minha visão de arte. Ela passou a não ser o principal, pois as pessoas não têm o costume de consumir arte no dia a dia, e o grupo me fez perceber isso. Lá a arte é apenas um link, e não o assunto principal, apesar de sua importância.” Para Gillian, isso o ajudou a decidir sobre como mostrar seu trabalho e qual deve ser sua linguagem. Mas deixa claro que, apesar disso, é só por causa da arte que “tanto eu quanto todos ali estamos tendo contato com pessoas de diversos lugares, e isso é muito doido”.

A população não consome arte no dia a dia, as pessoas não pensam em arte, e com o grupo percebi isso. A galera que tá ali e faz arte também tem essa noção. Mas o grupo faz a gente ter contato com pessoas de todo lugar, e isso é só por causa da arte, isso mostra sua importância. Gillian Rosa @Pongocomics

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UMA COMPETIÇÃO ACIRRADA, MAS AMISTOSA Ao lançar o servidor, no fim de agosto de 2020, Gillian não imaginava, mas aquele espaço se tornaria, além de um grupo para trocar ideia e fazer amizades, um celeiro de novos artistas. E quando digo “novos”, é também porque, em sua maioria, as pessoas ali são jovens, muitas ainda adolescentes, mas já com um trabalho magnífico a mostrar. Quando o assunto do Inktober chegou ao servidor, em setembro, muitos sugeriram que fosse criada uma lista própria da comunidade para aqueles que quisessem entrar no desafio. Com essa ideia em mente, resolvi criar uma competição. Juntei a proposta do Inktober com outro desafio muito comum no meio artístico das redes sociais: o Draw this in your Style (#DTIYS), que, em inglês, significa “desenhe isto no seu estilo”. Nele um artista lança um desenho que outras pessoas devem reproduzir com seu próprio traço. E assim surgiu o Draw this in October (DTIO), e nele 30 artistas e suas artes concorreram a prêmios em outubro. Cada desenho teve seu dia de destaque no Instagram e no Twitter e foi reproduzido por outras pessoas, até mesmo algumas que não participavam da competição. Para vencer, os jovens artistas deveriam divulgar bastante o post com sua arte, publicado nos perfis oficiais do projeto, pois os três que recebessem mais curtidas subiriam ao pódio. Dos 30 participantes, apenas alguns não estavam previamente no servidor do Discord, o que prova que ali a galera realmente tinha interesse em mostrar seu trabalho para as pessoas. E eles estão espalhados por todo o Brasil, vêm de todas as regiões, dos interiores e até de algumas capitais. Um deles é Raphael Victor, belo-horizontino de 21 anos que viu no projeto uma chance de perder a insegurança e colocar sua arte no mundo. Ele não venceu a competição, mas ganhou seguidores e confiança e, no mês seguinte, lançou sua primeira história em quadrinhos, “Projeto L.I.F.E.”, em seus perfis no Instagram e no Twitter (@rapha_el_vito). Segundo ele, essa “é uma história sobre maturidade contada do ponto de vista de um humano-fruta”. Bateu a curiosidade, né? Então vai lá conferir!

TALENTOS CAMPEÕES DE LIKES Conheça a seguir os vencedores da competição e as artes que ganharam o coração da galera.

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Em 1º lugar, tivemos a Thay, uma garota que, com apenas 15 anos, mostrou-se muito preparada para voar alto com sua arte. Ela é de Caçapava (SP) e, além de desenhar, estuda danças contemporânea e urbana, assim como graffitti. Thay venceu o DTIO com 535 pontos, e seu prêmio foi uma arte encomendada diretamente com o Pongo. “Fiquei feliz demais de ver meu desenho sendo reproduzido e mais ainda de ganhar. Espero participar de mais projetos como esse em breve”, disse. Cada curtida que ela recebeu foi merecidíssima, e em seus perfis no Instagram e no Twitter dá para entender o porquê.

Participar do projeto foi incrível. Pude conhecer artistas de todo lugar, com diferentes estilos, e fazer amizades com pessoas maravilhosas. Ver todo mundo se divulgando e se ajudando foi lindo! Thay @thayaquinoart

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Quem ficou em 2º lugar – e recebeu uma camiseta com a própria arte estampada – foi o Adson, um paraibano de 17 anos (16 à época) que, como ele mesmo diz, “faz arte com cubinhos”. Adson é um pixel artist fantástico, muito criativo. Muito feliz com o pódio e já vislumbrando sua futura carreira, lançou, em novembro, uma série de imagens retratando sua visão sobre a quarentena e seus sentimentos durante a pandemia. Você pode ver “As pequenas e grandes percepções do exílio em mim” e outros desenhos incríveis nos perfis dele nas redes.

Eu achei o DTIO divertidíssimo! Fez a gente se doar muito, pois fazer um desenho por dia é cansativo. Mas, ao mesmo tempo, foi bom para praticar e para distrair a cabeça no período difícil que é a quarentena.

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Adson @vox.ant


Já o 3º prêmio ficou com a Ceci, paraense de Tucuruí que, com 18 anos (17 à época do DTIO), já arrasa na criação e na execução de suas obras. Para ela, além de ficar entre os vencedores, foi muito bom participar do projeto porque pôde conhecer grandes artistas. O prêmio dela foi um quadro personalizado com a arte que participou da competição. Além desse desenho, há mais para te encantar nos perfis dela no Instagram e no Twitter, então segue lá!

Participar do DTIO deu um gás para continuar seguindo na área da arte. Foi incrível, e espero participar de outros como ele e trazer projetos pessoais à tona. Agradeço muito à organização pelo incentivo e pela divulgação. Ceci @ceciqueijo

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O DTIO foi uma competição bastante acirrada. Os participantes são artistas incríveis, alguns ainda dando seus primeiros passos, outros já com certa experiência. Mas todos eles estão em busca de começar a mostrar seu trabalho e, claro, iniciar uma carreira. Pensando nisso, após o fim da competição, decidi levar adiante a proposta de incentivo e divulgação dessa galera, que tem tudo para se tornar a nova geração de ilustradores e quadrinistas da comunidade artística brasileira.

DA DISPUTA À PARCERIA, FOI UM PULO! Então o DTIO se transformou em Projeto IMPULSO, que visa dar visibilidade e ser a mola propulsora de quem se dispuser a colar com a gente. Com ele pretendemos lançar artistas para uma carreira cada vez mais sólida na área, incluindo também artesãos, fotógrafos, músicos, entre outros. Divulgaremos seus trabalhos, promovendo parcerias entre eles e, no futuro, montando uma loja virtual colaborativa, na qual haverá a venda de produtos como adesivos, pôsteres, camisetas, zines, fotografia... Enfim, tudo aquilo que nossos artistas criarem! Queremos realmente impulsionar a arte dessas pessoas para que chegue ao grande público e cumpra seu papel: encantar, emocionar, conscientizar. Isso tudo, claro, sem esquecer que isso é trabalho e, como tal, deve ser devidamente valorizado, inclusive financeiramente. Quando entrei no servidor do Pongo, eu só queria estar mais perto do artista que curto. Eu nunca – nem no meu maior sonho – imaginaria que hoje estaria aqui falando sobre um projeto que saiu da minha cabeça e que deu tão certo, que mudou a vida de diversas pessoas, inclusive a minha! Sinto muito orgulho do resultado que obtivemos e, principalmente, desses jovens talentosíssimos que passei a conhecer e a admirar. Tenho certeza de que o sucesso deles não demora a vir. Parabéns a todos, vocês são maravilhosos! Siga o IMPULSO nas redes. Em breve teremos muitas novidades por lá! No Instagram: @impulsoprojeto No Twitter: @projetoimpulso

Thaís Mannoni tem 32 anos e é moradora de Belo Horizonte. Quando não está revisando textos, está nas redes sociais curtindo posts das dezenas de artistas que acompanha. Também é conhecida pelas ótimas cantadas. Thaís Mannoni @thais.mannoni

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MULHERES PUNKS EXISTEM E RESISTEM! O punk, como movimento questionador, quebra regras e padrões estabelecidos, busca autonomia e liberdade de expressão. Mas será que essa busca por emancipação se aplica na periferia? É lá que estão os índices mais altos de violência contra a mulher, e a lei do silêncio predomina na maioria das vezes. Ser mulher e punk na periferia é uma jornada dupla ou tripla. Experimentamos o preconceito e o machismo ao furar a bolha do que se curte na quebrada e ao não performar a feminilidade da maioria das garotas do bairro. Estar próximo da região central é caro, e já entendemos que não é preciso estar no centro para fazer acontecer dentro do movimento.

Derrota no 3º Festival Desviantes, 2019

Estudar, trabalhar e dar conta de vários corres essenciais é bem mais difícil quando o acesso e o dinheiro são limitados. Vivenciamos desde sempre as dificuldades do que é estar fora de vários padrões e ainda assim lutar para permanecer e persistir em nos fazermos ouvir em uma sociedade que ignora aquilo que não vende nas propagandas.

Festival Mulheres Resistem, na Casa Raiz Libertária, 2018

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Público no 3º Festival Desviantes, 2019

As mulheres punx são mães, negras, lésbicas, bissexuais, trans e o que mais quiserem ser. É gratificante estar nos bairros da periferia e movimentar a quebrada, organizar shows, eventos beneficentes e dialogar com pessoas, principalmente as mulheres, e transmitir que a cultura punk nasceu na periferia e que não somos diferentes nas nossas lutas. No olhar desta que vos escreve, ser punk e ser feminista são coisas que andam de mão dadas. Muito além do feminismo branco e acadêmico, a luta deve ser questionadora, a ponto seguir as mudanças do tempo e do pensamento, sempre renovadora, e contemplar todas que se sentem mulheres, pois o avanço de comportamento e descobrimento da própria identidade é inegável, vide a onda de empoderamento, liberdade sexual e financeira que temos alcançado nos últimos anos.

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Público no Festival Da Rua Pra Rua, 2018


Os homens punx ainda estão digerindo a ideia de que hoje, mais do que em qualquer outra época do punk, deixamos de lado as competições estimuladas pelo senso comum – que propagam que devemos ser inimigas umas das outras. Somos ativas, organizadas e afrontosas e, a cada dia, mais envolvidas e criativas, transformando, não aos poucos, mas a pancadas e pontapés, as próximas décadas. Ainda estamos longe do cenário ideal, porém o chute na porta foi dado e não voltaremos atrás. “Sempre rebeldes e insubmissas, porque sem luta não há saída. Mulheres punx existem, mulheres punx resistem!!“ Ratas Rabiosas – Mulheres Punks

Sistah Chilli no Festival Da Rua Pra Rua, 2018

Juliana Marotta, ou BaJuL, atua na area de shows e still de fotografia. Nos últimos tempos, vem concentrando seus arquivos em registrar as mulheres que atuam na cena underground. Participa também dos coletivos Refuse/Resist e Da Rua pra Rua, em que organiza eventos voltados para música, arte e cultura, especialmente em São Bernardo do Campo. Atualmente é fotográfa e 2ª camêra no Programa Da Rua Pra Rua TV, que mostra o dia a dia nas periferias de São Paulo e do Brasil com entrevistas, documentários e matérias de cunho jornalistico e cultural. Juliana Marotta @cycoself

Angelita Martin já nasceu punk, na periferia da Zona Sul da cidade de São Paulo. Formou-se radialista em 2014 e atualmente apresenta o programa Mulheres Punx Resistem na rádio web Antena Rebel. Fundou a banda Ratas Rabiosas em 2013 e desde 2018 também atua como baixista na clássica banda Menstruação Anárquika. Angelita Martin @angelitarabiosa

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SUJEITO CORPO COLETIVO: PERIFERIAS EDUCAM PERIFERIAS Sempre que passamos por uma derrota em pleito eleitoral, intelectuais, políticos, entre outros grupos, elaboram análises, localizam responsáveis e voltam a falar sobre a necessidade de retomarmos o trabalho de base nas periferias. De fora, tecem opiniões desconsiderando os processos que acontecem por dentro e a partir das periferias. Décadas depois dos primeiros projetos de educação popular desenvolvidos nas periferias urbanas da cidade de São Paulo, uma fração intelectualizada e privilegiada da população retoma sistematicamente a ideia de ensinar e organizar a classe trabalhadora. Distante da realidade e colocando-se como vanguarda, esse grupo não consegue perceber que as periferias têm seus educadores e suas próprias formas de organização política e cultural. Na história dos estudos sobre as periferias urbanas em São Paulo, percebemos que houve de fato muitas inserções de pesquisadores tanto para o desenvolvimento de suas pesquisas, como para atuação em projetos de educação popular. Contudo, apesar de as periferias, construídas e adensadas a partir do industrialismo, do modelo de loteamento periférico e de processos migratórios, serem vistas como espaços de reprodução da força de trabalho, sempre foram também espaços de rica produção de cultura e arte e, a partir de determinado momento, espaços de organização cultural e política. Durante o final da década de 1970, no contexto de reabertura política, apareceram, nas periferias de São Paulo, muitos movimentos populares, especialmente culturais, como o Movimento Popular de Arte (MPA) de São Miguel Paulista, surgido em 1978 a partir da articulação de poetas, cantores, artistas plásticos, músicos e educadores que ocuparam espaços públicos onde pudessem desempenhar algumas funções da reprodução da vida, como lazer e a produção e a apropriação de cultura. Movimentos que, para além das intervenções e atividades artísticas e culturais, com certa proximidade de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), sindicatos, pesquisadores e docentes oriundos das universidades, também organizaram formação política a partir de ações de “educação popular”, entendida como uma prática comprometida com os mais pobres e com sua emancipação. Posteriormente, durante a década de 1990, houve o surgimento de sujeitos políticos coletivos, representados por grupos de teatro de rua, coletivos culturais e saraus, todos produzindo atividades comprometidas com seus lugares de origem: as periferias e suas quebradas. Esse sujeito corpo coletivo, formado por indivíduos que, como escreveu D’Andrea, reconhece-se como "sujeito periférico", passa a organizar-se e agir politicamente com base na condição de vida e nas experiências em lugares periféricos. Com projetos baseados em uma conjugação da arte com a ética, representam o surgimento de uma nova estética política. Saraus, slams e espetáculos de teatro tornam-se espaços para elaboração e exposição de críticas à racionalidade que produz a cidade, suas separações e injustiças.

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Nos saraus e slams, bem como em outras atividades produzidas pelos coletivos culturais e artísticos, os temas ligados a direitos humanos, racismo estrutural, direitos da mulher, questões urbanas e meio ambiente são constantes. Assim, e no sentido mais próximo do que Gramsci indicou quando escreveu sobre a necessidade de o povo educar o povo, poetas, artistas e produtores, entre outros, fariam de suas atividades espaços educativos, em que as reflexões e os debates possibilitam trocas e construção de referências para a constituição de uma consciência de pertencimento às periferias e suas lutas. Hoje temos diversos coletivos culturais atuando nas periferias, muitos desses articulados a outros coletivos e às ocupações culturais, espaços que surgem de processos insurgentes. Nesses espaços, muitas vezes também organizados em redes e fóruns, essas coletividades também constroem e compartilham projetos de formação mais sistemáticos, como é o caso do Fórum de Cultura da Zona Leste, Fórum Cultural Zona Norte, Rede Popular de Cultura M’Boi Mirim e Campo Limpo, Ocupação Cultural Mateus Santos, em Ermelino Matarazzo, Okupação Coragem, em Itaquera, e Comunidade Cultural Quilombaque, em Perus, entre outros. São referências de organização cultural e política nas periferias como experiências em produção de atividades artísticas e culturais, projetos de educação popular sobre temas diversos, como política, economia, território/territorialidades, comunicação popular e direitos humanos, além de formação de jovens e adultos para democratização do acesso à universidade pública. Há, pois, um inegável papel de projetos significativos nascidos da autonomia dos “sujeitos periféricos” e dos “intelectuais orgânicos”, que organizam o trabalho de base a partir das periferias, de seu cotidiano e espaços de representação como coletivos, associações e cursinhos populares, uma dimensão da práxis transformadora, ações muitas vezes invisibilizadas nos discursos pós-derrota eleitoral.

Sílvia Lopes Raimundo é geógrafa formada pela Universidade de São Paulo, mestre e doutora em Geografia Humana pela mesma universidade. Como professora e pesquisadora, desde 2018 atua como docente no Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo, na área de Educação, Cultura e Cidade, desenvolvendo pesquisas sobre território e ideologias geográficas, educação popular e o papel do intelectual orgânico nas periferias urbanas. Sílvia Lopes

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do lado de lá do muro? o lixo, o lodo, o sujo. do lado de cá do muro? o medo é tudo. como defo r ma o outro O MURO. página | 24


coturno de sola na porta da sala: sem mandado a ação. o cano na cara do cara da cana: condenado joão. no carro a carranca, a metranca, o sarro: passeio em camburão. pra cova a desova de um corpo tal copro: sem cruz ou oração. CONDENADO JOÃO

Leandro Kaplan tem 34 anos e escreve poesia desde 2010. Vive na periferia da Zona Sul de São Paulo, mais especificamente no bairro do Campo Limpo, onde nasceu e cresceu. Leva no peito, tatuado, um verso do poeta Manoel de Barros: “Liberdade caça jeito”. É um amante da solitude e um niilista incorrigível. Leandro Kaplan @kaplan_leandro

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QUADRINHOS PREDADOR -CIANO BUZZ

Lucas Luciano, mais conhecido como Ciano, a cor dos mares rasos e do céu da manhã, tem 22 anos e é nascido e criado na Zona Leste de São Paulo. É educador social, músico, quadrinista, artista visual e escritor, e não tem uma coisa que ele não faça.

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Ciano Buzz @cianobu


TRANSLAÇÃO - RAPHAEL VICTOR

Raphael Victor é de Belo Horizonte. Aos 21 anos, estuda Psicologia e está iniciando sua carreira como ilustrador. Lançou, no fim de 2020, a primeira parte de sua HQ "Projeto L.I.F.E." e uma série de desenhos-trocadilhos chamada "A Horta". Rapha @Rapha_El_Vito

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A Revista Perifa é uma publicação digital voltada à cultura periférica e com periodicidade trimestral. Se gostou do conteúdo que oferecemos, tem alguma crítica, sugestão ou material que gostaria que publicássemos, entre em contato pelo e-mail revistaperifa@gmail.com. Lembramos que esta edição só foi possível graças à parceria entre a Revista Perifa e o coletivo O Corre. Acompanhem nosso trabalho no Instagram.

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