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EDITORIAL Piloti: A terceira edição da revista Piloti reflete a necessidade de renovação e amadurecimento, nós, estudantes de arquitetura e urbanismo estamos aprendendo com todo esse processo. Vimos a necessidade de remodelar a revista, criar uma identidade visual e um conteúdo que viesse dos estudantes para os estudantes na forma de textos opinativos e que refletissem as questões que mais lhes chamassem a atenção, tudo isso dentro de um tema central a cada edição. O tema da vez é “Apropriação dos Espaços Públicos”, o que leva a reflexão sobre as diversas formas com que várias esferas da sociedade realmente se apropriam destes locais, se o fazem de maneira democrática ou não e quais seriam as implicações desta situação. Queremos inspirar a reflexão sobre questões atuais nas cidades, para que as pensemos sempre atendendo as suas funções sociais principais, garantindo o direito às mesmas. O próprio termo piloti remete a inserção de espaços públicos ao elevar a construção, permitindo o livre caminhar. A Piloti serve para dar base aos nossos pensamentos, dar espaço para que possam circular por nossas atividades em câmpus e abrir as janelas do nosso curso para que entrem novas discussões, ideias e possibilidades. •
Participaram dessa edição Organização Antonio Moutinho Bruna Murbach Gabriel Monteiro Juliana Dias Larissa Machado Letícia Padua Matheus Wey Mayara Almeida Vitor Nascimento Projeto Editorial Antonio Moutinho Gabriel Monteiro Juliana Dias Larissa Machado Letícia Padua Matheus Wey Vitor Nascimento Fotografia e ilustração Antonio Moutinho Cartograffiti Juliana Dias Natália Yoshimoto Taba Benedicto William Assis Capa - Fotografias Antonio Moutinho Natália Yoshimoto
Realização: Arquitetura e Urbanismo IFSP
Capa - edição Vitor Nascimento
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Ocupar com o Verde Karina Carvalho Do Luxo ao Lixo Gabriella Araújo Reflexão: Arte Hoje Giulia Yoshimura Pestana Espaços Públicos e o Lazer nas Cidades Elaine Sales No Muro Por Quê? Gabriela Russo de Carvalho Entrevista com Mauro Neri Justiça Espacial e Espaço Público: Campo de/para transformação
Bruna Murbach de Oliveira A Ocupação da Praça Roosevelt Bianca Alves Efeito Doriana: Um ensaio sobre a gentrificação da cracolândia
Jennifer Novais Invasão Pública, a População Resiste William Assis Mobilidade Urbana a Pé Júlia Bacci Depoimento Sabrina Gofert Charge Matheus Wey
1.Natália Yoshimoto_2017
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SUMÁRIO
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OCUPAR COM O VERDE Karina Carvalho: As cidades, em muitos casos, são conhecidas por seus congestionamentos, poluição, prédios cinzas e tempo seco. Além disso, há uma grande quantidade de terrenos vagos. Que tal alterar esse cenário com hortas urbanas? Ao morar na cidade as pessoas geralmente se distanciam da produção agrícola, seja pela facilidade de comprar alimentos, pela falta de espaço e tempo ou por não saberem como manejar o solo. No entanto, mesmo que a cidade não seja um lugar com campos grandes para a colheita, ainda existem terrenos que estão vagos pela especulação imobiliária ou que são simplesmente abandonados, tornando-se acumuladores de lixo e de vetores causadores de doenças. Nesse cenário, surge a necessidade de criar hortas comunitárias nos espaços vazios descritos, que visam melhorar a alimentação das pessoas envolvidas, favorecendo a relação da comunidade com o bairro e com o seu entorno por meio do cultivo de alimentos e ervas medicinais. As hortas são ainda um espaço de aprendizado, no qual as pessoas podem aplicar suas novas experiências em suas moradias e outros lugares de convivência. O plantio de alimentos e ervas também pode ser feito em diversos outros espaços públicos como escolas, parques, hospitais e outros ambientes de trabalho, trazendo benefícios para o corpo físico e amenizando tensões da rotina. O ambiente da horta constitui ainda um instrumento pedagógico, para atividades de educação ambiental e de ações terapêuticas. 1.Karina Carvalho_2017
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Existem exemplos importantes nas cidades que surgiram de forma espontânea pelo uso da população ou mesmo por ação da prefeitura, como é o caso de Paris, cujas autoridades lançaram uma série de iniciativas que estimulam a agricultura urbana e a construção de jardins públicos na forma de concessão de licenças de jardinagem para os habitantes. A intenção vai além, na forma de cooperação urbana e rural para diminuir o impacto ambiental gerado pela cadeia produtiva e emissão de gases estufa, nesse sentido, as hortas urbanas têm um importante papel nesse quesito. Já na cidade de São Paulo existem mais de 10 iniciativas espontâneas, formadas por voluntários que buscam vivência comunitária e iniciativas saudáveis. Dentre essas iniciativas espontâneas estão incluídos espaços privados e públicos como escolas, faculdades, parques, hospitais e outros ambientes de trabalho, trazendo benefícios para o corpo físico e amenizando tensões da rotina. Nessa lógica, a horta do IFSP é um exemplo que está muito próximo, onde o plantio foi iniciado nesse ano e por mais que esteja no início já se tornou um espaço de aprendizagem e integração de docentes, discentes, servidores e terceirizados. Ademais, cultivar alimentos nas cidades trazem muitos benefícios ao meio como, por exemplo, reduzir as ilhas de calor, melhorar a qualidade do ar, aumentar a permeabilidade dos solos, promover uma maior biodiversidade dos seres vivos que habitam o seu entorno e diminuir a quantidade de resíduos orgânicos, já que esses restos de alimentos servem como nutrientes ao solo após passarem pelo processo de compostagem. Além disso, em muitos casos essas hortaliças são plantadas de maneira orgânica, sem causar impactos aos solos com produtos químicos. Nessa perspectiva, portanto, é evidente que o cenário das cidades pode ser mudado e não ser mais sinônimo de algo ruim. Apesar de já existirem muitas hortinhas espalhadas por aí, essa ainda não é a realidade predominante. Cabe a cada um escolher entre ter terrenos baldios, onde são usados para o descarte ilegal de entulhos e lixos que podem abrigar vetores de doenças ou hortas que melhoram a qualidade de vida. • Hortas Urbanas em São Paulo • Horta do Ciclista (Avenida Paulista 2444) • Horta das Corujas (Vila Beatriz) • Horta do Centro Cultural São Paulo (Vergueiro) • Horta da FMUSP (Pinheiros) • Horta e Viveiro Zilda Arns (Jardim Grimaldi) • Horta da Saúde (Rua Paracatu, Saúde) • Horta e Compostagem Shopping Eldorado (Pinheiros) • Horta do Beco Cambuci (Cambuci) • Horta Orgânica da Tia Bela (Jardim Imperador) • Hortão da Casa Verde (Casa Verde)
DO LUXO LUXO LUXO LUXO LUXO LUXO LUXO LUXO LUXO
Gabriella Araújo: É recorrente a deterioração do centro de São Paulo entrar em pauta e todo bom paulistano já se perguntou o porquê de grandes edifícios do centro, que um dia foram os mais importantes da cidade, passarem a ser abandonados e virarem grandes depósitos de lixo. Entre as décadas de 1950 e 1970 o centro de São Paulo contava com grandes e luxuosos hotéis que hospedavam turistas de todos os cantos do Brasil e do mundo, além de grandes artistas da época. Um dos edifícios que possuía maior destaque, juntamente com outros grandes hotéis como o Grão Pará e o Othon Palace Hotel, era o Cambridge Hotel. Fundado em 1959, este hotel localizava-se na Avenida 9 de julho e consistiu, por muitos e muitos anos, em um dos grandes endereços da cidade, sendo que hospedar-se ali não era somente uma comodidade, devido a sua localização central na cidade, mas também determinava status. Com seu charme e qualidade, teria hospedado o músico Nat King Cole em 1959, quando este veio ao Brasil. Não era raro estar lotado, e hospedar grandes nomes, que eram atraídos pelo elegante bar que o hotel possuía em seu térreo. Entretanto, o deslocamento dos negócios para a região da Avenida Paulista e posteriormente Faria Lima e Berrini, fez com que os hóspedes dos grandes hotéis do centro começassem a migrar, deixando estes hotéis que antes eram cheios e movimentados com cada vez menos clientes. Esse crescente esvaziamento levou ao enfrentamento de dificuldades, tanto financeiras como de modernização, por parte dos proprietários dos hotéis, que aos poucos foram fechando as portas. O Cambridge Hotel não fugiu ao triste destino dos importantes hotéis centrais e em 2002 encerrou suas atividades, deixando aberto apenas o bar que realizou festas temáticas até 2004, quando também fechou, e acabou abandonado.
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AO LIXO LIXO LIXO LIXO LIXO LIXO LIXO LIXO LIXO
O grande hotel projetado pelo Arquiteto Francisco Bak, possui 8,6 mil m² distribuídos por 15 andares e 119 apartamentos de tamanhos variados entre 50 a 70 m². Sua exuberância é perdida depois que é abandonado, e deixado sem função social. Diante disso, a FLM (Frente de Luta por Moradia), em 2012, levou 171 famílias que estavam desabrigadas para dentro do antigo hotel. Desde então o movimento conseguiu, ao longo dos anos, evitar os pedidos de despejo na Justiça e investir nas negociações para que o imóvel fosse transformado em moradia popular (o local já havia sido desapropriado em 2010). Ainda hoje existe muito preconceito a respeito de ocupações, mas em geral as pessoas não se informam a respeito do que é o movimento, ou quais são seus objetivos; em suma o movimento visa abrigar de forma decente as mais de três milhões de pessoas que vivem em moradias precárias. Somente no chamado centro expandido da cidade, há mais de 400 prédios e terrenos fechados ou subutilizados há pelo menos cinco anos. Se tantas famílias estão desabrigadas ou em moradias precárias como favelas e cortiços, por que não transformar edifícios sem uso em moradia popular? Diante desse quadro, a ocupação de prédios abandonados foi escolhida como a principal forma de ação da FLM. Esse problema social necessita de maior visibilidade, diante disso em 2017 é lançado um filme independente - feito por alunos de Arquitetura - que relata o dia a dia dessas ocupações, assim como suas dificuldades e lutas. O maior desafio deste filme é, como já citado, quebrar os preconceitos e pegar o público desarmado. Afinal, qual classe média no país estaria disposta a se intimidar com problemas de pessoas que são intituladas “invasoras” e são condenadas de antemão? •
1 1.Juliana Machado_2017
REFLEXÃO:
ARTE HOJE Giulia Yoshimura Pestana: O que é arte no mundo contemporâneo? Será que o conceito fugiu das amarras tradicionais ou continua preso entre as paredes dos tão aclamados museus? Em um mundo em que a definição de arte parece ser cada vez mais abstrata, a sua valorização continua sendo guiada pelos moldes clássicos. Tendo em vista esse cenário, levanto a questão: a arte é arte por si só ou só é arte de acordo com o meio em que está inserida? A história nos mostra a evolução do contato da arte com o público, que passa de museus exclusivamente abertos à elite para os museus abertos ao povo e destes para o mais novo e polêmico: o museu a céu aberto. Porém, quando se trata dele, o que podemos observar é a luta em busca da valorização que, na maioria das vezes, não se mostra alcançada. O concurso “Reflexão: Arte hoje” promovido pelo shopping D&D convidou artistas a produzirem obras exclusivas e que envolvessem a reflexão proposta. A sua temática instiga a refletir o conceito “Arte hoje”, o que me levou a levantar todas essas questões e a pensar que, embora a arte com suas definições e padrões tenha se transformado até os dias de hoje, seu valor ainda é determinado pelo meio em que é introduzida, sendo assim uma arte qualificada pelo seu status e não pelo conteúdo. A reflexão que a obra quer levar é o porquê no mundo de hoje a valorização da arte ainda é seletiva, e o porquê a localização da arte - dentro ou fora de uma instituição de renome - é o fator determinante do seu valor. Afinal, a arte é arte por si só, ou só é arte quando os entendedores de arte a denominam assim? Mediante a isso quis criar uma obra que refletisse todo esse contexto. Na fotografia, pode-se observar a presença de uma pessoa, uma moldura e uma paisagem ao fundo. A pessoa simboliza a arte, em seu corpo pintei uma body art que tem por objetivo remeter a uma pintura que pudesse estar em qualquer lugar, e ter sido feita por qualquer pessoa, ela é a materialização do abstrato do que pode ser arte. A paisagem simboliza o meio, a fotografia foi tirada na Avenida 23 de Maio e ao fundo temos um dos muros que tiveram seus grafites apagados pelo cinza. Por fim, a moldura instaura o questionamento: se essas pinturas tivessem sido feitas sobre telas e penduradas atrás de molduras na parede de algum museu, seu descarte teria sido o mesmo? •
1.Celina Lira por Giulia Pestana_2017
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ESPAÇOS PÚBLICOS E O LAZER NA CIDADE
A cidade de São Paulo, com suas múltiplas funções, também deve servir à população no que diz respeito às horas livres. Isto é, deverá garantir o lazer para todos, tornando assim os espaços públicos essenciais na busca de uma qualidade de vida urbana melhor.
Elaine Sales: É notória e significativa nos últimos anos a atenção para assuntos que tratam da oferta de lazer para a população das grandes cidades, sendo o uso dos espaços públicos uma maneira de suprir esta necessidade uma vez que configuram lugares de extrema importância para as cidades e são de maior relevância ainda quando se trata de um local como o centro da cidade de São Paulo, por exemplo, que ao acumular moradia, comércio e diversos serviços é essencial que ofereça espaços públicos suficientes em qualidade e quantidade para aqueles que lá moram, trabalham ou mesmo estão de passagem. Além disso, segundo Magnani (1999), deve-se considerar que o lazer acontece de diferentes formas e utilizando de diversos mecanismos, tornando-se cada vez mais uma atividade ou prática, ultrapassando barreiras e virando um direito, construindo, assim, parte essencial da vida em sociedade. De acordo com este panorama, a fim de entender como acontece e quais as possibilidades para o lazer em São Paulo hoje, pode-se atentar para dois importantes locais da área central da cidade, primeiro a Praça Antônio Prado, que está ligada a circulação, serviço e comércio da região e o Vale do Anhangabaú, e recebe pessoas dos serviços e comércio próximos, também caracterizando-se como um lugar de passagem, estar e lazer para pessoas de diversos lugares da cidade e para moradores da região central. Mesmo com dimensões e características distintas, uma praça e um parque urbano, os dois lugares se assemelham no que diz respeito à capacidade de oferecer espaços para as horas livres. A Praça Antônio Prado, no encontro das atuais ruas São Bento, João Brícola e 15 de Novembro, foi implantada por volta dos anos de 1900, durante a gestão do então prefeito Antônio Prado. Atualmente, identificam-se diferentes formas de uso e apropriação da praça, sendo essas atividades divididas de acordo com o desenho da mesma. Uma das laterais é utilizada pelo comércio e serviço dos prédios ao redor da praça e recebe diariamente o mobiliário referente a cada atividade e quando está livre é essencialmente utilizada como lugar de passagem. Na parte central é por onde se distribuem os poucos
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1. Foto: Antonio Moutinho_2017
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2 usuários que não estão utilizando algum serviço do entorno, mas sim a praça e os equipamentos lá instalados. Já a outra lateral é principalmente um lugar de passagem, pois não há obstáculos e é intensa a movimentação de pedestres ali. Por fim, a face voltada para a rua São Bento também é marcada pelo intenso fluxo de pedestres e pela significativa presença de vendedores ambulantes. Sendo os atrativos principais da praça as atividades a sua volta, estão naquele espaço, em maioria, aqueles que podem e querem pagar por estes serviços – demonstrando certa segregação social no local. E o fato de não existirem recuos frontais nos prédios do entorno, transformam a praça em uma extensão destas edificações, o que permite intervenções e apropriações de interesses particulares sobre o espaço O local que hoje é conhecido como Vale do Anhangabaú, tem por nome oficial Parque do Anhangabaú - desde o projeto implantado em 1992 -, localizado entre as estações de metrô São Bento e Anhangabaú e os viadutos Santa Ifigênia e do Chá, sob o túnel Anhangabaú, na avenida Prestes Maia, é cercado por edificações como o atual Centro Cultural Correios de São Paulo e o Teatro Municipal. Devido à grande extensão do parque Anhangabaú e consequentemente a grande quantidade de pessoas e atividades que recebe, a setorização do lugar torna-se imprecisa. Enquanto espaço de estar o Vale apresenta problemas
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2. Foto: Natália Yoshimoto_2017
no sentido da pouca oferta de acomodações para os usuários, visto que, num local tão grande as pessoas se acumulam apenas na arquibancada e caso estejam em outra parte, acomodam-se em lugares que acabam adaptando para sentarem, como nos canteiros das árvores ou mesmo em outros tipos de construção. Além disso, o parque é cercado por prédios que pouco se voltam para o mesmo, o que implica em um lugar sem atividades e atrativos, o que por vezes afasta possíveis frequentadores. Nota-se que a principal atração de pessoas acontece esporadicamente com os grandes eventos, cuja estrutura e atrações trazem moradores de toda a cidade; já diariamente o local abriga o intenso fluxo de pedestres que se encaminha para as estações de metrô ou entre os prédios da região. Portanto, de acordo com a atual configuração e uso destes locais, as possibilidades para melhorias assinalam para a necessidade de integração entre entorno e a extensão destes espaços, bem como a criação de uma relação mais próxima com os usuários através da promoção de mais atividades e equipamentos permanentes, garantindo assim qualidade urbana aos espaços públicos e consequentemente o uso e apropriação por parte dos usuários frequentes e também dos visitantes esporádicos. É necessário considerar o espaço público como um conjunto que abrange além da sua área, o seu entorno, criando mecanismos de interação entre esses dois agentes e em conjunto com a população garantindo assim, atrativos que atendam a todos. •
Gabriela Russo de Carvalho: Desde os primórdios da história da humanidade há registros de manifestações em paredes, como as pinturas rupestres. Os materiais e técnicas eram os mais diversos, de figuras feitas com ossos e pedras a desenhos com materiais orgânicos, passando por silhuetas de mãos em paredes de cavernas obtidas através da pulverização de pó colorido sobre mão humana, antecedendo a técnica de estêncil. Sabese que na Grécia Antiga existiam escritos em argila. Em Pompéia, desenhos, cenas obscenas e slogans políticos já usavam como suporte os muros da cidade. No Egito Antigo, desenhos com grande preocupação estética ocupavam túmulos de faraós. Na Idade Média as pinturas sobre gesso eram frequentes em igrejas e palácios. A ideia de colocar desenhos e escritos nos muros passou a tomar um novo formato nos centros urbanos do século XX. Especialmente nos países latinos, artistas muralistas passaram a desenvolver murais pelas cidades que discutiam a história e situação política de seus países. É possível destacar artistas como Diego Rivera (1886-1957) e David Alfaro Siqueiros (18961974), no México, e Di Cavalcanti, no Brasil. Durante o governo de Hitler na Alemanha (1933-1945), grupos contrários ao nazismo se manifestavam através de pinturas de slogans nos muros. Em 1968, estudantes franceses usaram com frequência técnicas semelhantes ao estêncil em suas manifestações contra o governo vigente.
NO MURO
Referências: CARVALHO, Gabriela Russo de. ETE Carlos de Campos: arte urbana e apropriação espacial. 2016. 85 f. Relatório de Iniciação Científica - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Instituto Federal de São Paulo, São Paulo, 2016.
No final da década de 1970, nos Estados Unidos – época de crise econômica e tensões raciais –, passou a ser desenvolvido o graffiti como conhecemos hoje. Em Nova Iorque, jovens de periferia escreviam seus nomes em muros e estações de trem. Em pouco tempo passaram a surgir inscrições em vagões de trem. Os nomes, ou pseudônimos, destes artistas passaram a se repetir diversas vezes pela cidade através das tags. Há grande preocupação tipográfica nesses escritos e a distorção das letras dificulta a identificação dos autores, mas a repetição permite que sejam esteticamente reconhecidos por diversos públicos. Os formatos evoluíram, caminhando para a criação de stikers – adesivos que permitem maior rapidez -, bombs e throw ups – pinturas maiores dos nomes dos artistas e utilizando mais cores, mas ainda com a intenção de serem pinturas rápidas. Com o desenvolvimento das técnicas e estilos, passaram a surgir os hall of fames, muros grafitados por artistas de destaque com letras wildstyle, personagens e cenário elaborado, painéis que levam maior tempo de execução e têm preocupação estética ainda maior. Nas décadas mais recentes, outras técnicas, como lambe-lambe e estêncil, passaram a se popularizar, agregando ao cenário de arte urbana. A arte urbana, seja o graffiti dos artistas mais tradicionais do meio, ou os lambe-lambes dos coletivos de arte, tem a intenção de ocupar e estabelecer uma comunicação entre o artista e o usuário da cidade. A intenção, ideia que se pretende passar a um determinado público, está diretamente ligada à escolha de seu suporte. No caso dos jovens de Nova Iorque, nos anos 1970/80, a escolha pelas locomotivas de trem era estratégica, permitindo que os nomes destes jovens artistas atravessassem a cidade, na tentativa de promover uma quebra da segregação social refletida nos bairros. Neste formato era como se eles, os próprios jovens, pudessem estar em diferentes bairros, de diferentes classes sociais, em questão de minutos. Apesar da rejeição por parte das autoridades, este processo permitiu que o graffiti começasse a se popularizar, independente de agradar ou não quem via as locomotivas pintadas.
POR QUÊ?
Referências: RIBEIRO, Ana Carolina Carmona. Trans forma ação. 2006. 117 f. TCC (Graduação) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
Conversei com o artista urbano Mauro Neri sobre a relação das suas obras com o espaço onde estão inseridas e o público. Seus murais geralmente possuem composições com a palavra “ver” ¬- como “ver a cidade”, “vi gente”, “rever”, “re viver” -, talvez um resquício de sua experiência profissional com comunicação visual, além de personagens alongados olhando para cima. Mauro nasceu e cresceu no bairro do Grajaú, extremo sul de São Paulo, onde ainda pinta com frequência, mas também tem obras por todas as regiões da cidade e em outros países. O artista contou que busca levar sua arte ao maior número de pessoas possível, por isso a escolha dos muros está ligada diretamente à visibilidade do local, seja uma pintura autorizada ou não. O artista também contou sobre a preferência por espaços públicos: “acredito que eu estou prestando um serviço para a sociedade”. Mauro Neri, através de um mural de arte, chama o 1 público a discussões sobre a cidade, a prestar atenção nos problemas dela. Além disso, esses murais também contribuem para melhorar a estética dessas áreas. A combinação entre as pinturas e os espaços abandonados, geralmente escolhidos pelo artista, chamam atenção pelo contraste e passam a sensação aos usuários de que esses locais poderiam ser melhores. Os murais de Mauro são também um ato de cidadania. Em 2016, desenvolvi a pesquisa de Iniciação Científica “ETE Carlos de Campos: arte urbana e apropriação espacial”. A Carlos de Campos é uma escola técnica centenária, com boa parte de seu currículo voltada a artes e design, além disso, teve como alunos alguns nomes da arte urbana, como Os Gêmeos, Pato e Vermelho, e recebe grande apoio dos alunos e corpo docente para que sejam feitos painéis na escola. Neste contexto é possível observar que o desenho possui diversas faces, podendo assumir um caráter formal ou livre, dependendo da sua intenção, mesmo que seja feito por um mesmo autor. É comum encontrarmos artistas urbanos com formações acadêmicas ligadas ao desenho, como arquitetura e urbanismo, design gráfico e artes visuais. A escolha pelos muros da escola se tornou natural, por ser um dos ambientes mais frequentados pelos jovens que tinham uma afinidade pela arte urbana. 1.Natalia Yoshimoto_2017
Dentro das instituições educacionais de ensino superior, principalmente aquelas ligadas aos cursos de humanas (ainda que eu acredite que essa categorização não possa ser feita de forma realista), é comum encontrarmos manifestações de alunos nos muros. Apesar de estarem no ambiente de ensino, essas manifestações expressam opiniões e ideias que variam do pessoal e espontâneo, até aquelas referentes à cidade como um todo, passando também pelas discussões que permeiam a situação atual do ensino na instituição. Muitas vezes essas manifestações são facilitadas pela intimidade que os autores têm com os materiais e técnicas, como no caso de Mauro e sua relação com Comunicação Visual. Nas universidades, assim como nas ruas, fica claro como as manifestações dos alunos acontecem de acordo com a disponibilidade que se tem de materiais e recursos. Os escritos ideológicos e políticos, divulgações de festas, convocações para atos e paralizações, críticas à lógica da universidade: tudo isso é amplificado com a escolha de técnicas que encontram como suporte o muro. Colocar pelas paredes o que se pensa é fazer com que ela chegue a um maior número de pessoas que frequentam o mesmo espaço. •
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2.Natalia Yoshimoto_2017
ENTREVISTA COM:
MAURO NERI
- Como surgiu a ideia de falar da cidade para a cidade? A ideia foi muito espontânea, muito natural, na medida em que eu vinha exercitando e aprendendo a desenhar e pintar. Eu percebia que a rua era a audiência maior que eu podia atingir. Eu já havia trabalhado como catador de materiais recicláveis, vendedor ambulante e aí já vinha aprimorando o desenho e a pintura, foi só juntar as coisas. Também trabalhei com comunicação visual, fazia placas, faixas, letreiros e aí isso uniu as coisas. 3 Eu busquei me enturmar dentro do universo do graffiti em 2002, assim eu encontrei muitos grafiteiros que se tornaram amigos. Acredito que o que tenho para fazer é um diálogo, com várias cidades, desde às margens, das bordas das cidades, até suas centralidades. - Como acontece a escolha dos locais onde você pinta? Os locais, muitas vezes são eles que me escolhem. Eu sempre saio preparado para pintar, seja de carro, de bicicleta, de ônibus ou a pé. Estou sempre atento a uma nova oportunidade para deixar uma marca. Eu vou escolhendo de acordo com critérios de visibilidade, lugares com muita movimentação, lugares que possam ser vistos de carro ou a pé. Eu pinto na periferia, no meu bairro de origem, Grajaú, extremo sul de são Paulo, mas eu atravesso a cidade toda. Eu prefiro fazer em muros públicos, no que é de todos, pois eu acredito que eu estou prestando um serviço para a sociedade. Eu procuro lugares abandonados, ou sem perspectiva de restauro ou reutilização, geralmente lugares em que o proprietário ou administrador não tem um cuidado pelo muro. Nem sempre o muro branquinho é o muro que eu mais gosto de pintar, geralmente os muros com marcas, envelhecidos, são os que eu sinto que precisam, que cabe uma intervenção. O critério primordial é a visibilidade e o segundo é a fotografia, que tenha uma estética interessante, onde possa mostrar a cidade em diálogo com a arte. 3.Cartograffiti_2011
- Com quem você procura se comunicar quando faz um mural? Eu procuro me comunicar com todas as pessoas indiscriminadamente, tanto as pessoas da periferia, quanto as do centro, até porque a grande maioria das pessoas que circula pelo centro é da periferia, que vão ao centro trabalhar. São pessoas de todas as classes, não tem uma distinção. Eu tenho um mapeamento de lugares onde tem um público mais especializado, não que seja um critério especifico, mas eu gosto de pintar no entorno de instituições de cultura, museus, galerias, lugares onde tem uma grande concentração de graffiti, porque eu entendo que ali as pessoas vão com aquele olhar. A gente sabe que existem roteiros turísticos, para ver arte pela cidade, então eu procuro mapear esses lugares, um mapa das artes: o centro expandido, as linhas de metrô e de trem, as instituições. Eu procuro falar com essas pessoas, mas “de quebra” acabo falando com todo mundo. Mas eu também faço isso nas bordas da cidade, no interior e na região litorânea. Eu acabo procurando transmitir uma mensagem de fácil compreensão com escritas de caligrafia legível, desenhos figurativos que também são facilmente compreensíveis, signos universais que podem ser compreendidos em qualquer língua e lugar. - Qual a relação entre o local que você pinta e as pessoas que você quer atingir? A gente pensa no contexto em que o lugar está inserido, como em uma comunidade carente, numa escola, num projeto social, ou até mesmo na agenda da cidade ou um assunto, uma pauta, que está latente no momento. A gente procura fazer com que o nosso trabalho sirva a alguma causa, contextualize um momento histórico, geográfico, sócio-político, a quem estiver passando, seja uma pessoa com um repertório maior, seja uma pessoa simples. Tento atravessar, transcorrer, para qualquer pessoa, qualquer lugar, uma mensagem que é recorrente, que são as composições com a palavra ver, as casas – carregadas em mochilas ou flutuando – e as figuras alongadas quase sempre olhando para cima. - Como aconteceu a intervenção no bairro do Canindé, em frente à praça da Kantuta? A atividade na praça Kantuta aconteceu em dois projetos diferentes. O primeiro foi no Festival dos Direitos Humanos, da Secretaria Municipal de Cultura, onde fiz uma série de intervenções, com o tema cidadania nas ruas, nas cinco regiões da cidade. A outra ocasião foi um evento chamado Bike Arte, que tinha um percurso da Casa do Povo até a Praça Kantuta, onde fui marcando com estêncil e a mão livre esse percurso que foi feito de bicicleta e que culminou em um evento na Praça, um trabalho também referente à mobilidade. • Referências: RODRIGUES, Aline; REIS, Sueli. A arte marginal: um perfil de Mauro Neri. Periferia em Movimento, São Paulo, 25 set. 2010. Disponível em: <http://periferiaemmovimento.com.br/a-arte-marginal-umperfil-de-mauro-neri/>. Acesso em: 25 set. 2010
JUSTIÇA ESPACIAL E ESPAÇO PÚBLICO:
Bruna Murbach de Oliveira: O urbanista e geógrafo Edward Soja apresenta o conceito de justiça espacial como “a busca por justiça e democracia em sociedades contemporâneas [...]” levando em consideração “[...] a produção social do espaço (o espaço é socialmente produzido e, portanto, pode ser socialmente transformado)” e concebendo o espaço, assim, como “[...] uma força ativa moldando a vida humana” (SOJA, 2009, p. 1-2, tradução da autora). Nesse espectro, pensar em justiça social no espaço reflete-se em pensar em diferentes escalas de espacialidade, da macro escala dos continentes à escala interna dos países, com suas cidades, zonas e bairros. É, ainda, pensar em como esses diferentes espaços atuam em interação com uma série de fatores, como economia e política, para moldar as condições e oportunidades sob as quais cada grupo social vive. Neste conceito, o espaço está relacionado aos nossos direitos como cidadãos, abarcando questões como o direito à moradia, ao lazer, e à participação na tomada de decisões que influem sobre todos esses aspectos da vida em sociedade. Tomei contato com esse conceito em um curso que realizei na plataforma online Edx, oferecido pela universidade TU Delft (Holanda), este ano, chamado de Rethink the City. Deste curso participaram estudantes de 159 países, em todos os continentes do mundo. Tamanha pluralidade de contextos dos quais partem cada um desses estudantes permitiu aos participantes a imersão em situações de justiça espacial e uso do espaço nos mais diferentes locais, dos chamados países do sul global (termo utilizado para se referir aos países em desenvolvimento ou em condições de desenvolvimento precárias, sem deixar explícitas visões de superioridade como “primeiro mundo” contra “subdesenvolvido”) e seu oposto; de grandes a pequenas cidades, em situação relativamente pacífica e passando por grandes conflitos.
CAMPO DE/PARA TRANSFORMAÇÃO
Assim, foi possível ver exemplos de justiça e injustiça espacial – quando no próprio espaço da cidade e das edificações que a compõe, assim como nas relações que neles ocorrem, vemos claros exemplos de distribuição desigual e tendenciosa de recursos – como ruas em que os espaços dos pedestres eram negados, tornando o acesso à cidade exclusivo àqueles que possuem carros – tanto nos subúrbios do EUA quanto em cidades do México e do Brasil. A falta do espaço do pedestre também é, em muitas cidades, a falta de espaço para o cidadão, espaço efetivo de lazer e recreação, assim como de protesto e participação – com exemplos que vão da Malásia ao Iran. Pessoas das mais diferentes realidades debatem sobre a luta pelo direito à cidade e ao espaço público. São muitos os que citam a importância de espaços públicos para serem apropriados pela população, caracterizando um uso livre, ao contrário de muitos exemplos denunciados como comercialização do meio público - situações nas quais a fruição de determinada área é vinculada ao consumo de produtos, serviços e até mesmo habitações. Isto é, condições que confiram ao cidadão um ‘passe livre’ a esses locais. Da construção de um trem com obras que danificariam um aquífero que alimenta toda a comunidade mais desfavorecida de Toluca, no México, vemos paralelos com a construção de um empreendimento cujo subsolo deve ser responsável pelo secamento das nascentes da Praça das Nascentes, em São Paulo - decisões que, em ambos os casos, foram tomadas contra as vontades da população em geral. E quem tem o poder de decidir essas questões? Quem terá o privilégio de desfrutar desse espaço e desses recursos primordialmente públicos?
1 1.Bruna Murbach de Oliveira_2017 Espacialização das desigualdades de acesso à habitação, com sua instalação em áreas de risco e sem acesso a serviços, em Diadema – SP.
A injustiça se expressa no espaço a partir do momento em que planejálo e ocupá-lo se torna uma questão de privilégios. O privilégio da habitação é outra questão muito presente em todo o mundo, com, também, os mais variados exemplos de bairros feitos para os ricos – contando com todos os serviços e equipamentos necessários – e bairros não feitos para os mais pobres, compostos pelas faltas de equipamentos e oportunidades, muitas vezes estando a um muro ou um rio de distância – como em São Paulo, na Cidade do México e em Lagos, na Nigéria – ou mesmo em um intervalo de quilômetros – como também é possível observar da região metropolitana de São Paulo à Doha, capital do Catar. A distância, inclusive, é outra pauta da injustiça espacial. A distribuição de empregos, serviços e oportunidades nas cidades, desigual como é, faz necessário que milhares de pessoas percorram enormes trajetos diariamente. Mas o acesso a um transporte de qualidade – e público – é um questionamento longe de ser resolvido em inúmeros locais, com exemplos de espaços públicos que priorizam o uso do transporte particular tanto no sul quanto no norte global. Porém, onde algumas infraestruturas são inseridas também vem surgindo o problema da gentrificação, resultado da valorização das áreas com consequente aumento dos custos de vida, ocasionando a expulsão dos que lá moravam – situação descrita em depoimentos que variam da América Latina à Europa.
E quando o próprio direito à vida é afetado pelas condições espaciais? São os casos relatados em múltiplos cenários: habitações em encostas instáveis – propensas a derrubar casas e vidas – e nas áreas de várzea de rios – poluindo a água, mas também consumindo água poluída e sendo afetados pelas inundações, por vezes de grandes e, no caso, devastadores volumes de água, já que são ocupadas as áreas de expansão natural dos rios nas cheias. Muitos desses casos foram trazidos à tona por estudantes do Brasil, México, Guatemala e outros países da América Latina.
2.Bruna Murbach de Oliveira_2017 Exemplos de justiça e injustiça espacial, sequência tirada da estação de metrô Armênia, vendo o rio Tamanduateí, em São Paulo – SP.
É impressionante – vendo todos esses casos na forma de fotos e relatos – como em todo o mundo temos problemas muito parecidos, ainda que traduzidos em cada local com suas especificidades. Assim, olhar para fora parece fazer olharmos para dentro com maior intensidade, vendo múltiplas expressões da injustiça social espacializada. Mas, como Soja coloca, se o espaço é uma produção social que molda o humano, também o humano pode moldálo ao socialmente (e coletivamente) traduzir suas insatisfações e reivindicações em ações efetivas para a transformação deste espaço. Claro, para isso, há uma série de atores sociais e condições econômico-políticas a serem enfrentadas, mas de iniciativas dissonantes depende a criação de espaços justos; do alcance da justiça espacial. A apropriação do espaço público ganha um caráter essencial, de protesto e de conquista. E felizmente, nesse contexto também, podemos olhar exemplos do exterior e do próprio Brasil para nos espelharmos em sementes de possíveis mudanças. São os casos de iniciativas de grupos que ocupam edifícios desabitados, transformam praças abandonadas e revitalizam rios, por exemplo, para procurar trazer à tona as demandas de grupos sociais e para espacializar o fato de que seus direitos humanos e civis importam. Portanto, repensar a cidade pode ser um ato de cooperação global, entre todos esses agentes arquitetos, urbanistas, 2 paisagistas, planejadores dentre outros, mas para alcançar a dimensão total de justiça social, a escala do local, o espaço específico e a população específica devem ser levados em conta. Contar ativamente com a população, sendo iniciativas que partem da população ou que sejam regidas por efetivos projetos de participação popular são essenciais para que lutemos para uma justiça espacial que de fato transforme o espaço para o coletivo. Assim, temos a possibilidade e a responsabilidade de transformar socialmente o espaço: com quem, para quem e como irão definir se estamos produzindo mudanças conformativas ou pequenas revoluções. •
Principais referências bibliográficas: SOJA, Edward W. The City and Spatial Justice, 2009. TU DELFT. RTC1 Rethink the City: New Approaches to Global and Local Urban Challenges, 2017.
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1 Bianca Alves: A Praça Roosevelt é um espaço público localizado no centro da cidade São Paulo, projetada arquitetônica e paisagisticamente 1967-da Biancade Alves: A Praça Roosevelt é um espaço público localizado entre no centro 68 por Roberto Coelhoprojetada Cardozo,arquitetônica Antonio Augusto Antunes Netto eentre Marcos de cidade de São Paulo, e paisagisticamente 1967Souza e inaugurada em 1970, durante o governo militar. Possui atualmente 68 por Dias Roberto Coelho Cardozo, Antonio Augusto Antunes Netto e Marcos de uma área dee25100 m², próxima à estação metrô República das linhas Souza Dias inaugurada em 1970, durantede o governo militar. Possui atualmente vermelha uma área edeamarela. 25100 m², próxima à estação de metrô República das linhas vermelhaSegundo a tese desenvolvida por YAMASHITA (Tese Praça Roosevelt, e amarela. centro de São Paulo: intervenções urbanas e práticas culturais contemporâneas, Segundo a tese desenvolvida por YAMASHITA (Tese Praça Roosevelt, 2013, SãoPaulo: Carlos), antes de ser praça oe espaço de propriedade privada centroUSP de São intervenções urbanas práticasera culturais contemporâneas, (dona Veridiana Prado), abrigando uma mansão demolida empropriedade 1950. Na época, 2013, USP São Carlos), antes de ser praça o espaço era de privada o localVeridiana se tornouPrado), um grande bolsãouma de estacionamento atrás Igreja (dona abrigando mansão demolida em da 1950. NaNossa época, Senhora Consolação, masbolsão com ade abertura de vias expressas ligariam o local seda tornou um grande estacionamento atrás da que Igreja Nossa o leste ao oeste paulista durante a gestão de Prestes Maia o espaço ganha umao Senhora da Consolação, mas com a abertura de vias expressas que ligariam nova função, encargodurante de um projeto urbanístico. leste ao oesteapaulista a gestão de Prestes Maia o espaço ganha uma nova função, Até então a áreade deum estacionamentos, segundo a prefeitura da cidade de a encargo projeto urbanístico. São Paulo, repleta dede feirinhas e suas redondezas que da mantinham Atéera então a área estacionamentos, segundodea bares prefeitura cidade dea vivacidade ocupado principalmente por jovens e atuantes da músicaa São Paulo, do eraespaço, repleta de feirinhas e suas redondezas de bares que mantinham popular brasileira (MPB). vivacidade do espaço, ocupado principalmente por jovens e atuantes da música popular brasileira (MPB).
A OCUPAÇÃO OCUPAÇÃO DA DA A PRAÇA ROOSEVELT ROOSEVELT PRAÇA 1.Antonio Moutinho_2017
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O escritório J. C. de Figueiredo Ferraz é convidado junto aos arquitetos citados anteriormente para elaborar, respectivamente, os projetos estruturais, arquitetônicos e paisagísticos da até então Praça da Consolação, no qual escolhem preservar as funções já existentes no local (estacionamento e feiras promovidas por vendedores ambulantes), inserindo, além disso, equipamentos públicos. O projeto consistia em uma praça predominantemente seca, inspirada, dentre as escolas de arquitetura moderna, na contemporânea arquitetura urbana inglesa. Entretanto, a quantidade diminuta de vegetação no projeto e a falta de conexão entre os patamares que remeteriam ao perfil topográfico anterior chamou a atenção dos usuários que, insatisfeitos, não ocuparam seu espaço público. A praça desempenhava um papel de monumento, sendo utilizada somente para a passagem de seus usuários, e a permanência foi se tornando cada vez mais escassa ao longo da década de 70. Ao longo do tempo, a boemia paulistana cede espaço ao tráfico e uso de drogas, aos moradores de rua, à prostituição e à depredação do espaço público. Paralelo a isso, surgem tentativas de reforma. O processo iniciou-se pela tentativa da EMURB (Empresa Municipal de Urbanização) junto à Academia Paulista de Belas Artes de pintar o local de tons de verde (1980), o que não resultou em muitas melhorias. Entretanto, em 1984, durante o período da gestão de Covas, a praça recebe novamente outra intervenção, que consistia em repará-la e recuperá-la de seus problemas técnicos desenvolvidos pelo mau uso
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e pelo desgaste natural, inserir quadras esportivas e playground e, juntamente, aplicar a proposta do artista plástico Maurício Nogueira Lima de trazer à praça tons de vermelho, ocre e marrom. Mas, segundo YAMASHITA, é na década de 2000 — a partir do momento em que os teatros começam a reocupar o entorno da praça, tal qual a Companhia de Teatro Satyros -- que a praça retoma seu significado de espaço público e volta a ser ocupada por usuários com olhos voltados à cultura, assim como era na década de 50 antes mesmo de receber a nomenclatura atual Praça Franklin Roosevelt (dado na inauguração da praça, em 1970). Há uma conexão direta entre o desincentivo ao teatro e à cultura em geral dada no período ditatorial e a morte temporária deste espaço público, que só volta a ganhar vida pouco tempo depois da recuperação do crescimento cultural brasileiro. Na década de 2000 a praça ganhou também, devido à sua enorme extensão em concreto, um novo uso – o espaço skatável, que ganha notoriedade na cidade e influencia inclusive as reformas que a praça recebe no ano de 2012. Sua última reforma, direcionada pela SPObras, teve início em setembro de 2011, implantando um novo projeto paisagístico e urbanístico focado no estar, na prática esportiva e nas atividades culturais, produzindo mais locais de sombra. A praça ganhou também uma nova iluminação e uma sede para a Guarda Civil Metropolitana que ocupa ao todo uma área de 2400 m² da praça. O espaço ganhou uma área destinada ao uso exclusivo de skate e sua extensão não precisou de grandes alterações para manter a nova prática. Atualmente, a praça é um dos exemplos ilustrados na cartilha de espaços skatáveis da Prefeitura da cidade de São Paulo e recebe diversos eventos culturais que contudo vem perdendo a sua força durante o mandato do novo prefeito João Doria. Um destes movimentos culturais que acontecem neste espaço público é o Slam Resistência, competição de spoken word, evento de exposição de opiniões e protesto através da poesia cantada que acontece mensalmente na escadaria da praça. A Praça Franklin Roosevelt é um local de encontro de tribos, e é ocupada principalmente pela parcela jovem da sociedade paulistana. Ao longo do dia e da noite o espaço é ocupado pelos mesmos usos, sendo constantemente utilizado como espaço de permanência. •
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EFEITO DORIANA
Um ensaio sobre a gentrificação da cracolândia
Jennifer Novais: Antes de falar sobre os mais recentes acontecimentos que envolvem a chamada cracolândia, é necessário remontar ao início da guerra contra as drogas. Em 1971, o então presidente dos Estados Unidos da América, Richard Nixon, declarou a instauração da caça aos entorpecentes, procurando desencorajar a produção e distribuição de narcóticos. No Brasil, essa declaração reverberou gerando uma comoção governamental que culminou na Lei de Drogas (nº 11.343, revisada em 2006), condenando o porte de elementos como a cocaína, a maconha e o crack. Essa regulamentação, no entanto, demonstrou ser um grande problema na medida em que não colocava com clareza a quantidade de drogas que distingue um traficante de um usuário. Isto é, a política antidrogas procura criminalizar pessoas e não as substâncias químicas em si. Segundo Carl Hart, especialista nas consequências dos entorpecentes sobre o organismo, o crack é resultado de uma existência desumana. Dessa forma, falar sobre a cracolândia não se resume ao abuso de substâncias químicas, também se trata de discutir uma concentração de pessoas que não encontraram alternativas viáveis e utilizam da droga como expurgo.
1. Ilustração. Juliana Dias_2017
Os planos do prefeito de São Paulo para essa região envolvem a retomada de uma antiga intervenção de revitalização do bairro. O projeto Nova Luz, desenvolvido pelo arquiteto Jaime Lerner, prevê a construção de torres comerciais e residenciais com uma estética nada familiar aos edifícios históricos já existentes, com uma pequena parcela destinada à Habitações de Interesse Social. Para dar início ao novo traçado urbanístico, foram escolhidas as formas mais truculentas de remoção das famílias e frequentadores da região. Como a lei não é clara, muitos usuários foram presos como traficantes enquanto moradores dos edifícios abandonados eram escorraçados sem mesmo ter a oportunidade de recolher pertences pessoais. A ação violenta chegou ao ápice quando, na última semana de maio, a prefeitura ordenou a demolição de um prédio com pessoas dentro. O interesse comercial priorizado pela gestão Doriana fica claro com a adoção da política de Parceria-Público-Privada (PPP), que colocou à venda 55 bens da cidade para administração particular – implicando em uma redução drástica da participação do Estado na promoção da qualidade de vida dos cidadãos. Com perfil de CEO, o prefeito está acostumado a tomar as melhores decisões para empresas, não para pessoas – uma das provas mais evidentes é o fim do programa Braços Abertos, que previa a reinserção de usuários de crack ao mercado de trabalho por intermédio da prefeitura. Para Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista, o estado atual da cracolândia é resultado da própria omissão da prefeitura. Segundo ela, bairros negligenciados atraem pessoas negligenciadas. A dispersão é apenas um meio de distribuir usuários e traficantes para outras regiões, sem atingir o cerne do problema: a questão de saúde pública e desigualdade social.
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São Paulo é palco de intensas relações sociais. A desproporção econômica é palpável, minorias sofrem com o descaso das políticas públicas e perecem nas drogas como único consolo para uma vida que não possui nenhum reforço positivo. Fiel aliada da especulação imobiliária, a nova prefeitura não está interessada na qualidade de vida e/ou na recuperação de usuários de crack – o único interesse na cracolândia é a exploração de um capital oculto, que só pode existir quando as mazelas sociais forem um problema distante de vistas mais abastadas. • 2. Manifestação pós-demolição do edifício. Taba Benedicto_2017
INVASÃO PÚBLICA A POPULAÇÃO RESISTE William Assis: Nos feriados prolongados e nas datas comemorativas o número de turistas que vêm à Baixada à procura das praias e de opções de lazer é cada vez maior. As rodovias se adequam aos turistas e tudo passa a colocar o fluxo dos carros como prioridade. Os trechos que sobem para São Paulo são fechados, esquemas de segurança são aplicados, programações culturais acontecem, festivais e empreendimentos surgem. Nessa valorização dos turistas e do mercado que lucra com essa migração, um único meio de transporte é priorizado: os carros. E atrás dessa prioridade, as mazelas urbanas ficam escondidas e esquecidas embaixo de pontes como a do bairro Ilha Caraguatá em Cubatão. Criada em 1974 como uma ponte que se ligaria à Rodovia dos Imigrantes para contribuir com o tráfego entre o planalto e a Baixada Santista, a ponte que sobrepõe o canal do 1 Barreiro (trecho que compõe o Rio Casqueiro) no km 59 da Rodovia dos Imigrantes (SP-160) foi um grande projeto de fluxo automobilístico para o Estado de São Paulo. Entretanto, alcançou seu ápice e não pôde mais atender o crescimento exponencial de veículos. Por esse motivo, em 2013, o governo do Estado anunciou o prolongamento da Rodovia do km 62 ao 67, contemplando um novo corredor de tráfego nas extensões do Canal do Barreiro no bairro Ilha Caraguatá e na Cidade Náutica em São Vicente. Desde então, a duplicação da ponte passou a atender a demanda dos veículos e a melhorar o fluxo nos casos conflitantes. Apesar disso, a população local diretamente impactada pelo empreendimento não foi em nenhum momento englobada no projeto, com exceção àqueles que foram removidos através de negociações para execução do prolongamento.
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1. Vista aérea dos campos de futebol antes da construção da Ponte .Google Maps.
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, 2 Como morador do bairro Ilha Caraguatá, presenciei cada processo desse empreendimento. Antes do prolongamento, na entrada do bairro, a população local utilizava a área ao redor da ponte como espaço de lazer. Havia ali três campos de futebol onde crianças e adultos passavaWm as tardes. A trave de cano de PVC e a delimitação de fita improvisada traziam àquele lugar o que a prefeitura sempre sonegou. A coletividade do bairro tinha ali um espaço para si, feito por eles e para eles. Foi depois da imposição do concreto, das vigas e das grandes máquinas que aquela comunhão mudou. Sem pedidos formais, tomaram os campos e o lazer. E o que deram em troca? Poeira e um grande vão de sombra. Frio e Isolado. Hoje, do grande campo, ainda existe uma pequena área que as crianças e alguns adultos utilizam nos fins de semana. É um fragmento de resistência e luta. Eu e mais de 5.000 moradores vivenciamos um fenômeno diferente de invasão: a invasão pública. O Estado que deveria nos garantir o lazer a e cultura, tomou-os de nós. Invadiu o que na sua ausência a população havia construído. Toda conjuntura que existia naqueles espaços foi removida em favor do lazer daqueles que podem viajar dentro de carros, daqueles que usam a rodovia. Apagou-se o Sol dos campinhos e deu-o aos turistas. Deixaram apenas a sombra. Fomos esquecidos. Nesse ponto, a hierarquização das politicas públicas e da dinâmica do capital se sobressaem e colocam em pauta: O Estado é para quem? Os espaços públicos construídos pelos cidadãos devem ser invadidos em favor do direito ao lazer para outros? Acima de tudo, é preciso ressaltar que, mesmo que informais, esses locais como o campo de futebol englobam dinâmicas sociais que foram construídas com tempo e incluem muito mais que o lazer, incluem o sentimento de pertencimento e a garantia de um espaço público que permanecerá vivo. • 2. Fotografia da ponte após a implantação.William Assis_2017 Referência: Imprensa Oficial. Baixada Santista em Obras. Diário Oficial do Estado de São Paulo.
Júlia Bacci: Sai de casa. Pensa. Carro. Trânsito. Conforto. Trânsito. Poluição. Sai de casa. Moto. Buzina. Corredor. Prático. Buzina. Perigo. Poluição. Sai de casa. Caminha. Calma. Observa. Interage. Árvore. Desvia. Tropeça. Buraco. Lixo. Se machuca. Noite. Escuro. Medo.
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MOBILIDADE URBANA A PÉ São muitos os modos possíveis para se deslocar de um espaço ao outro – principalmente quando se trata de São Paulo. Mas, apesar dessa variedade, são poucos os que possibilitam a integração entre o cidadão e a cidade. Aquele que melhor faz esse papel de ponte entre ambos é também o mais desvalorizado atualmente, a caminhada, que já teve seu auge historicamente, hoje se encontra em decadência. Com o avanço tecnológico, surgem novas pesquisas, novas descobertas, novos projetos, novos meios de locomoção. Meios estes que são aderidos pela atual sociedade que é movida pelo tempo como uma das riquezas. Mas estes meios, apesar de seus lados positivos, trazem consigo o sedentarismo, a segregação entre o homem e a cidade e a perda de um costume que acompanha o ser humano desde os primórdios de sua existência – o deslocamento a pé. 1. Natália Yoshimoto_2017
A extensão Cidadania e mobilidade urbana sustentável sob a perspectiva de transporte a pé, com o apoio da ONG Calçada Cilada, procura resgatar este costume por meio de pesquisa e entendimento dos motivos pelos quais houve este abandono do caminhar e como ajuda-lo a “ressurgir”. Para maior efetividade no levantamento de dados, lançamos mão do recurso de pesquisa pública por meio da divulgação com cartazes no bloco H onde pedíamos para que os alunos registrassem por meio de fotografias problemas encontrados em seu dia a dia deslocando2 se a pé. No intuito de um póstumo mapeamento das ocorrências foi solicitado para os alunos que colocassem a foto no aplicativo COLAB fazendo uso das hashtags IFSP e Cilada. Este aplicativo, além de nos gerar a localização exata do problema encontrado, manda todas as reclamações para a prefeitura local, informando-os assim para que encontrem uma solução para os mesmos. Um segundo campo de atuação escolhido pelo grupo foi o mapeamento das calçadas ao redor do Parque da Luz, região movimentada e de constante uso para circulação de pedestres. Após visitas ao local e detalhamento dos problemas encontrados, o grupo gerou duas propostas de intervenção – uma real e uma ideal, uma vez que a primeira não poderia ser aplicado devido as condições de ruas, parque e árvores já existentes. A proposta ideal apresentada propõe a criação de um deck de madeira elevado para manter as raízes das árvores (principal problema encontrado) intactas e ampliar a área de circulação nos pavimentos, deixando-a mais próxima da exigida por lei. Como o piso atual das calçadas não é próprio para o deslocamento de deficientes, o deck adequado também sanaria a questão da acessibilidade universal. Para o segundo semestre, a extensão pretende analisar melhor o caminho entre o metro Armênia e o Instituto Federal e propor melhorias para o trajeto, visando maior conforto e segurança dos alunos. • 2. Natália Yoshimoto_2017
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DEPOIMENTO
Sou Sabrina Gofert, tenho 23 anos, e sou estudante de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Federal de São Paulo (IFSP). Muitos fatores me levaram até onde me encontro, para começar, porque Arquitetura? E porque no IFSP? A arquitetura entrou na minha vida de um jeitinho sutil, aos 13 anos, na forma de uma casa, onde morei por apenas 2 anos. Uma residência como qualquer outra, entretanto, percebo agora que a mesma perde sua forma e se torna uma emoção, difícil de compreender e explicar. Minha escolha acabou se tornando esse sentimento, a chance de criar e imaginar um lugar que transforme vidas, como aquela simples casa mudou a minha. Passei por 3 longos anos no cursinho pré vestibular, onde a ideia de curso não mudou, nem a intenção de cursar uma faculdade pública. Foi assim que o IFSP apareceu, como um curso novo e tão inexperiente quanto eu, como uma chance de crescermos juntos e realizar meu sonho. Foi no IFSP que compreendi que tijolos, concreto, paredes, pisos e telhas de fato escondem ideias. Fazer parte do IF agora é a minha oportunidade de ajudar a criar um curso tão bom e renomado quanto todas as outras faculdades públicas de São Paulo. Ao que tudo indica, já estou arquitetando, imaginando e criando o curso que sonhei. Talvez seja essa a contribuição que algum dia eu possa dar ao mundo, escrever em seu solo poemas cheios de significados, na forma de obras que mudem vidas. •